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O acolhimento da multiparentalidade pelo Supremo Tribunal Federal e os reflexos nos direitos sucessórios dos ascendentes

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6 CONCLUSÃO

As bases do Novo Direito das Famílias se estruturaram durante décadas de evolução legislativa e jurisprudencial, até culminar no tema de maior relevância para este trabalho, o acolhimento da multiparentalidade e seus reflexos sucessórios. Viu-se que a constituição da família passou a se fundar mais na afetividade, princípio que ganhou status constitucional e se consolidou como a pedra fundamental da formação de vínculos parentais, fruto do processo de personalização do Direito Privado. Com isso, passa a se admitir a possibilidade de uma pessoa nutrir afeto por alguém e disto nascer um vínculo socioafetivo que produzirá todos os efeitos jurídicos inerentes a uma relação de parentesco.

Viu-se que a socioafetividade é alicerçada na posse do estado de filho ou estado de filho afetivo, que consiste na presença da reputação (reputatio), do tratamento (tractatus) e nome (nominatio), e que possui um aspecto bifronte, ou seja, recíproco. Pois, ao mesmo tempo, se afigura, como reflexo equivalente, a posse do estado de pai. Isto evidencia o duplo sentido da paternidade socioafetiva, em que não apenas os pais assumem responsabilidades perante os filhos, mas também adquirem prerrogativas diante destes.

Logo, se é possível o reconhecimento de um vínculo parental única e exclusivamente baseado no afeto nutrido entre pais e filhos, emerge a hipótese de alguém já possuir previamente um vínculo biológico paterno/materno e vir a adquirir outro, de natureza registral ou não, fundado na socioafetividade, ou vice-versa. Nascem as discussões a respeito da multiparentalidade ou pluriparentalidade.

O controverso tema passou a ser enfrentado pelos tribunais brasileiros apenas no século XXI, apesar de já ter sido reconhecida a duplicidade paterna em alguns estados norte-americanos, ainda em meados do século XX. As decisões das cortes brasileiras de segunda instância eram extremamente divergentes. Umas reconheciam a multiparentalidade com todos os seus efeitos jurídicos, alegando, na maioria das vezes, o princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente. Outras sustentavam a prevalência de um dos vínculos parentais na situação fática, por falta de amparo legal ou pela força do registro público de nascimento para indeferir o pleito da possibilidade de dupla paternidade ou maternidade. Quando a polêmica passou às instâncias superiores, o Superior Tribunal de Justiça, incialmente, indeferia a possibilidade de se desconstituir o vínculo socioafetivo e registral operado para constituir um elo jurídico biológico que não representava de fato a paternidade. Posteriormente, mudou de entendimento, na tentativa de preservar os interesses patrimoniais dos menores, permitindo a troca de paternidade no registro.

Por óbvio, a polêmica chegou ao Supremo Tribunal Federal, que pôs fim à contenda, não por ampla maioria de votos, firmando tese no sentido de que a existência de vínculo paterno ou materno anterior, reconhecido em registro ou não, não obstava a superveniência de novo vínculo, concomitantemente.

De tal decisão, que agora servirá de base para a aplicação do Direito em todo o Brasil, nascem inúmeros questionamentos, frutos das lacunas legais, alguns deles a respeito da sucessão dos ascendentes. Sabendo-se que esta se perpetra por linhas, de acordo com as regras do Código Civil, como seria feita a partilha da herança de um filho falecido, que deixou como herdeiros três ou mais pais? E se se acrescenta um cônjuge ou companheiro sobrevivente a esta questão, a divisão continuará igualitária? E no caso de ascendentes homoafetivos, sendo um amigo o fornecedor do material genético? Caso os herdeiros sejam cinco, seis, sete ou mais avós em concorrência com o cônjuge/companheiro, deve-se preservar a cota deste?

Primeiramente, apresentaram-se as possíveis interpretações para o caso de três ou mais ascendentes concorrerem à herança, sustentando-se que é necessário que, de fato, todos tenham concorrido na prática para desempenhar sua função de pai/mãe e, assim, configurando-se a paternidade, avultam os direitos, em especial os sucessórios decorrentes dela. Ou melhor, não pode adquirir a qualidade de pai aquele que na prática não o é, sob pena de violação da máxima da paternidade responsável. Destarte, afigurando-se a multiparentalidade, concluiu-se que se deve interpretar contrariamente o Código Civil para equiparar os quinhões dos ascendentes, independentemente da quantidade de linhas. Tal qual o número de ascendentes de primeiro grau, será o número de linhas sucessórias, ou seja, todos os pais e mães herdarão igualmente.

A mesma exegese valerá para casais homoafetivos, e para os casos em que outra pessoa forneceu o material genético, mas mantém relação filial com o descendente concomitantemente ao casal de mesmo sexo.

Já no caso de haver pluriparentalidade de primeiro grau e concorrência de cônjuge ou companheiro sobrevivente, entende-se que a intenção do legislador foi a de igualar o quinhão do cônjuge ao de cada um dos pais. Então, deve-se interpretar a lei civil no sentido de dividir igualmente a herança do de cujus com os diversos pais e o cônjuge em cotas equivalentes para cada um deles.

Posição diferente foi tomada quanto à concorrência do cônjuge com os cinco ou mais ascendentes de segundo grau (avós). Aqui, viu-se por bem adotar interpretação que preservasse a cota legal do cônjuge (metade da herança). Fundamentou-se esta opinião no fato de o vínculo conjugal ser, na maioria das vezes, mais forte do que o vínculo que une avós e netos, em que pese a realidade, não raras vezes, não ser esta. Interpretação pela adoção de redução proporcional da cota parte do cônjuge de acordo com o número de linhas de ascendência neste caso importaria em inoperabilidade da norma civil.

Deste modo, nesta pesquisa acadêmica, buscaram-se soluções adequadas para estas indagações, sempre atentando para os princípios que norteiam a atividade dos aplicadores do Direito. Afinal, estes se depararão num futuro não tão distante com inventários contenciosos apoiados nessas controvérsias. Frisando-se, antes de tudo, a necessidade dos magistrados atentarem para as circunstâncias específicas do caso concreto, sendo equitativos, sem olvidar que a lei existe para ser cumprida e que interpretações extremamente dissonantes dela podem levar à insegurança jurídica e, portanto, também a injustiças.


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Sobre os autores
André Luís Nunes Novaes Cordeiro

Acadêmico de Direito na Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco (FACESF)

Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Orientador. Mestre e Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, André Luís Nunes Novaes ; GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz. O acolhimento da multiparentalidade pelo Supremo Tribunal Federal e os reflexos nos direitos sucessórios dos ascendentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5558, 19 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68624. Acesso em: 22 dez. 2024.

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