2 DO PROCEDIMENTO DE COBRANÇA, DA GARANTIA DA EXECUÇÃO E DA PENHORA DE BENS
Para uma melhor compreensão do instituto da penhora, faz-se necessário tecermos, antes, algumas considerações acerca o procedimento de cobrança na execução fiscal.
Inicialmente, vale destacar que o processo executivo é demasiadamente agressivo ao patrimônio dos executados, uma vez que uma vez recebida a petição inicial pelo juiz e efetivada a citação, sem que haja comprovação de pagamento ou indicação de bens à penhora, já está a Fisco autorizado a invadir o patrimônio do devedor.
Dessa forma, sendo esta uma ação de natureza forçada, estatui o art. 10 da LEF que, uma vez efetivada a citação e não ocorrendo o pagamento nem a garantia da execução de que trata o artigo 9º, qualquer bem do executado poderá ser alvo de penhora, com a exceção dos protegidos por lei e declarados absolutamente impenhoráveis.
Nessa toada, infere-se da lei em discussão que, após o ajuizamento da ação, sendo esta recebida e uma verificada a efetivação da citação do executado, deixando este transcorrer in albis o prazo de 05 (cinco) dias, expresso no art. 8º da LEF, sem a comprovação de pagamento da dívida ou sem que ofereça garantia à execução, ser-lhe-ão impostas providências que busquem a satisfação do crédito independentemente de sua vontade.
Dentre essas providências, a penhora dos bens figura como medida imediata, por meio da qual o executado terá sua esfera patrimonial invadida pelo Fisco, que deverá velar pela ordem estabelecida no artigo 11 da LEF.
Barbosa Moreira conceitua o instituto da penhora como “o ato pelo qual se apreendem bens para emprega-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exequendo”[14]. Indo mais além, Araken de Assis ensina que, por meio penhora, “determinado bem, antes simples componente da garantia patrimonial genérica (art. 789)[15], fica preso à satisfação do crédito”[16].
Esse capítulo se propõe a abordar alguns aspectos referentes à penhora de bens na execução fiscal, buscando realçar nuances em relação ao procedimento previsto no Novo Código de Processo Civil (NCPC), bem como algumas peculiaridades observadas no cotidiano de quem atua nessa específica área do processo civil.
2.1 ORDEM DE PREFERÊNCIA E E
O art. 11 da LEF estabelece uma ordem preferencial a ser observada para que se efetive a penhora ou o arresto de bens na execução fiscal, trazendo a seguinte classificação:
Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:
I - dinheiro;
II - título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;
III - pedras e metais preciosos;
IV - imóveis;
V - navios e aeronaves;
VI - veículos;
VII - móveis ou semoventes; e
VIII - direitos e ações.
O primeiro ponto a ser observado é que, a partir do inciso III, a ordem trazida na LEF diverge daquela prevista no art. 835 do NCPC[17].
Essa ordem não é absoluta, pois admite mitigação em determinadas circunstâncias autorizadoras, tanto quando o exequente nomear bens à penhora quanto na hipótese de o executado oferecê-los, ou, até mesmo, no caso de o oficial de justiça, de ofício, diligenciar no sentido de penhorá-los.
As hipóteses trazidas nos incisos II, III, V, VII e VIII não serão esmiuçadas, tendo em vista sua pouca aplicação prática no processo de fiscal em geral, haja vista um dos dois motivos: a) trata-se de bens de difícil comercialização ou exigem cuidados especiais e contínuos com a sua guarda e, em razão disso, normalmente serem recusados pelos exequentes, já que retardaria ou oneraria por demais a execução; ou b) levantarem problemáticas não coincidentes com os fins desse trabalho.
2.1.1 PENHORA ONLINE DE DINHEIRO (BACENJUD)
Dentre os bens que merecem especial atenção, o dinheiro representa a primeira opção de penhora, conforme a ordem do art. 11 supracitado, tendo que a LEF trata de uma espécie de execução de obrigação pecuniária, na qual a penhora é efetivada, geralmente, por meio eletrônico, mais conhecido como penhora on-line ou BACENJUD, sendo autorizada por ordem judicial. A penhora via BACENJUD consiste numa constrição de ativos financeiros, pesquisados junto a instituições financeiras e imediatamente bloqueados. Essa medida foi inserida ainda no CPC de 1973, por meio da Lei nº 11.382/2006, que introduziu o art. 655-A naquele diploma legal, equiparado, atualmente, ao art. 854 do NCPC.
Registre-se ainda que, quando efetuada na modalidade on-line (em dinheiro), a penhora a ser realizada deverá limitar-se ao montante suficiente para que se garanta o débito perseguido na execução. Isso sugere que, ocorrendo, por qualquer equívoco, penhora em valor acima do estritamente consagrado na CDA, deverá o saldo remanescente ser imediatamente liberado em favor do devedor/garantidor, sob pena de enriquecimento sem causa da Fazenda.
2.1.2 PENHORA SOBRE IMÓVEIS E VEÍCULOS
Segundo o art. 11 da LEF, imóveis e veículos figuram em quarto e sexto lugares, respectivamente, na ordem de penhora de bens.
Na prática diária da execução fiscal, embora mal posicionado na ordem de preferência, é inegável que os imóveis concorrem com dinheiro e veículos automotores na indisponibilidade de bens, devido à facilidade com que são localizados em nome do executado.
No conceito de veículos, encontram-se todos os automotores terrestres, tanto carros de passeio como ônibus e caminhões estão enquadrados aqui. Há de se ressalvar, porém, algumas hipóteses nas quais a jurisprudência restringiu a penhora desses veículos, como nos casos em que são utilizados como ferramenta de trabalho e constituem única fonte de renda do devedor, necessário à sua sobrevivência e de sua família, dentre outras hipóteses reconhecidas pela jurisprudência.
O sistema de restrição judicial sobre veículos automotores se trata de ferramenta desenvolvida pelo Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) e torna possível ao magistrado consultar a base de dados sobre veículos e proprietários do RENAVAM (Registro Nacional de Veículos Automotores) em tempo real, inserindo restrições judiciais à transferência, ao licenciamento e à circulação e, até mesmo, registrando penhoras sobre os veículos.
2.2 EFEITOS DA PENHORA
Já sabemos que a consequência primeira da efetivação da penhora é invadir o patrimônio privado do devedor, de modo a garantir a execução e assegurar a satisfação do crédito exequendo. Dessa forma, poderíamos afirmar que o primeiro – e talvez o principal – efeito desse instituto é individualizar determinados bens do executado e predestiná-los a uma futura expropriação, após o regular processamento do processo executivo.
Outro efeito, muito comum e de extrema relevância prática, proveniente da penhora na execução fiscal de créditos de natureza tributária, é o de atestar a garantia dos créditos exequendos para fins de emissão de Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa (CPD-EN), conforme previsão do art. 206 do CTN. Segundo esse dispositivo, a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos – em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora ou cuja exigibilidade esteja suspensa – terá os mesmos efeitos da certidão negativa (arts. 205 e segs. do CTN).
Quando a penhora efetuada constituir patrimônio suficiente para garantir a integralidade dos créditos exigidos por meio de ação de execução, a Administração expedirá uma Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa em benefício do executado, atestando que, embora o contribuinte seja possua dívida com o Fisco, este possui patrimônio afetado suficiente ao adimplemento da dívida à consequente extinção da obrigação. Essa circunstância lhe atribui aptidão para participar de licitações e celebrar contratos com o Poder Público, fazendo-se valer de todos os direitos garantidos em lei e não sofrendo nenhum tipo de discriminação econômica ou restrição de créditos de qualquer natureza em âmbito comercial.
Frise-se, portanto, que a penhora de bens não configura meio de adimplemento do débito tributário, mas, sim, mero meio garantidor da satisfação do credor para se prevenir de eventual inadimplemento por parte do devedor.
Ainda, vale destacar que a penhora não se confunde com as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário elencadas no art. 151 do CTN. Embora, de fato, a penhora autorize a emissão de CPD-EN, exatamente como se observa das situações previstas no referido artigo, ela não acarreta a suspensão da exigibilidade dos créditos, devendo a execução seguir seu curso natural. Por vezes, esse ponto causa confusão, mas atente-se que o único ponto em comum entre esses institutos é a aptidão para autorizar a emissão de Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa.
2.3 Bens penhoráveis e impenhoráveis
Conforme se observa do art. 10 da LEF, a penhora poderá recair, a priori, sobre qualquer bem do executado, exceto aqueles que a lei declare absolutamente impenhoráveis: “Não ocorrendo o pagamento, nem a garantia da execução de que trata o artigo 9º, a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis.”
Para o adequado entendimento, o artigo 10 da LEF deve ser lido conjuntamente com o artigo 30 do mesmo diploma, que, ao tratar da responsabilidade patrimonial do devedor, assim dispõe:
Art. 30. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento da Dívida Ativa da Fazenda Pública a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declara absolutamente impenhoráveis.
Após uma atenta leitura do dispositivo acima reproduzido, observa-se que a penhora, regra geral, constitui instrumento que pode incidir sobre bens de qualquer natureza do patrimônio do devedor, à exceção, notadamente, daqueles que a “lei declare absolutamente impenhoráveis”.
Embora o Código de Processo Civil numere algumas hipóteses de impossibilidade de se atingir determinados bens e direitos do devedor por meio da penhora, ele não estabelece um rol taxativo, isto é, a lista de bens impenhoráveis, constante no artigo 833 do CPC/15, não estabelece as únicas circunstâncias de impenhorabilidade existentes no arcabouço jurídico.
Isso sugere que há outras hipóteses de impenhorabilidade de bens previstas na legislação esparsa, e uma delas, e talvez a mais importante, é a impenhorabilidade trazida pela Lei nº 8.009/90 (Lei do bem de família), que, em razão de sua relevância neste trabalho, será melhor trabalhada no capítulo seguinte. Isso sugere que, além dos casos previstos no referido artigo, existem outras hipóteses de impenhorabilidade de bens contempladas em legislações esparsas. Dentre elas, a que representa maior relevância para o nosso estudo, sem sombra de dúvidas, é a Lei nº 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.