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Da (i)legalidade do aumento por faixa etária nos planos de saúde e o Estatuto do Idoso no entendimento do STJ

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23/06/2019 às 11:30
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3 (i)legalidade do reajuste por faixa etária

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp nº 1.280.211, de Relatoria do Ministro Marco Buzzi, firmou o entendimento de ser válido o reajuste de mensalidade de plano de saúde em razão da mudança de faixa etária do beneficiário, pois com o incremento da idade há o aumento do risco de a pessoa vir a necessitar de serviços de assistência médica.

Portanto, restou o entendimento de que a norma do art. 15, § 3º, da Lei nº 10.741/2003, Estatuto do Idoso, apenas inibe o reajuste que consubstanciar uma discriminação desproporcional ao idoso, ou seja, reajuste baseado no simples fato de a pessoa ser idosa, sem pertinência alguma com o incremento do risco assistencial acobertado pelo contrato.

Diante desse conflito de entendimento, que se espera alcance uma harmonização, a Professora Claudia Lima Marques se posicionou no seguinte sentido:

Imagine-se, em exemplo semelhante, um contrato registrado na ANS e controlado por esta agência, que esta agência considera que preenche todos os requisitos da Lei 9.656/98, mas que um consumidor ou Ministério Público de um dos Estados da Federação considera incluir uma cláusula abusiva, segundo o princípio de boa-fé do CDC. Assim, baseado na aplicação cumulativa do art. 51, IV, do CDC, discutirá judicialmente a abusividade ou não da cláusula. Como pode o consumidor ou MP discutir algo que já foi regulado pela Lei nº 9.656/98? Pode, pois o CDC também se aplica cumulativamente e não “subsidiariamente” ao referido contrato.[8]

Assim, em virtude da aplicação da legislação consumerista aplica-se o CDC aos contratos de plano de saúde para evitar tais abusividades, de modo que alguns parâmetros devem ser observados, tais como a expressa previsão contratual, não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o contratante, em manifesto confronto com a equidade e a cláusula geral da boa-fé objetiva e da especial proteção do idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para esta última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua permanência no plano e serem respeitadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais.

Logo, infere-se que a abusividade dos aumentos das mensalidades de planos de saúde por inserção do usuário em nova faixa de risco em razão de idade, sobretudo dos participantes idosos, deverão ser aferidas em cada caso concreto.

E esse reajuste deverá ser sempre adequado e razoável de modo a permitir a continuidade contratual tanto de jovens quanto de idosos, bem como a manutenção do próprio fundo mútuo e sua operadora.

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais reclama a proteção do direito social à saúde do idoso em face dos poderes privados, traduzindo limitação à autonomia da vontade, sem olvidar, contudo, a natural busca do lucro pelo desempenho de atividade econômica, desde que não represente demasiada oneração ao consumidor.


4 entendimento adotado pelo STJ

Provocado para tratar sobre o reajuste das mensalidade conforme a faixa etária, através do julgamento de recurso repetitivo sob o Tema 952, por meio do julgamento do Recurso Especial 1.568.244/RJ, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o STJ declarou a repercussão geral sobre o tema, suspendendo as milhares de ação que versavam sobre o mesmo tema em tramite no Tribunal.

O STJ então fixou a seguinte tese para o reajuste de mensalidade dos planos de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do usuário válido desde que haja previsão contratual, sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos reguladores e não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que onerem excessivamente o consumidor e discriminem o idoso.

Assim, no caso concreto tanto a previsão da variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não poderá ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas quanto a de que o valor fixado para a última faixa etária não poderá ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária deverão ser observadas, havendo diluição dos custos entre as faixas de risco a impedir forte concentração na faixa final.

Deste modo, essas limitações normativas prestigiam e garantem a preservação dos dois pilares que sustentam o contrato de plano de saúde: o pacto intergeracional e a prevenção da antisseletividade.

Assim os usuários de maior idade não são surpreendidos com percentuais de reajuste muito elevados, havendo distribuição entre os beneficiários mais jovens de parte da despesa que tornaria a mensalidade dos mais velhos excessivamente onerosa, de forma que essa diluição deve ser razoável, para que não haja abandono ou exclusão dos de mais tenra idade do sistema por falta de atratividade econômica, o que levaria, consequentemente à insolvência e à ruína do próprio plano.


5 CONCLUSÃO

Restou evidenciado, portanto, o quão divergentes são os posicionamentos em relação de consumo que envolve o contrato de plano de saúde em especial para os idosos, quanto à legalidade do aumento por faixa etária.

A constatação no presente estudo de que o conflito de interesses entre operadoras de planos de saúde e beneficiários afeta de forma mais específica o grupo de idosos é de extrema relevância para definição de políticas de saúde e regulatórias para esse setor. Sobretudo face aos desafios que o envelhecimento populacional, com seu perfil de morbidade, traz, exigindo a reorganização e a coordenação do cuidado em saúde no Brasil, à semelhança de outros países.

Toda essa discussão não pode passar ao largo da sociedade. Aqueles que hoje podem pagar por um plano de saúde mais caro, com rede credenciada e hospitais de nível superior, e aqueles que ingressam no sistema de saúde suplementar por meio de vínculo empregatício, sentem-se “seguros” e acabam por ignorar ou desprezar o sistema público de saúde.

Entretanto, os beneficiários que hoje são considerados de menor risco assistencial, no futuro serão idosos e aposentados, mais susceptíveis à regulação exercida pelos planos de saúde.

Surge consequentemente a necessidade da harmonização dos interesses sobre as questões controvertidas evidenciadas, no intuito de permitir o conhecimento dos limites legais e contratuais, preservando-se, assim, a segurança jurídica dessa relação.

A fim de reequilibrar o fundo mútuo utilizado para o custeio das despesas de todos os beneficiários, que poderá ficar deficitário diante da declaração de nulidade de um reajuste considerado para a constituição de reservas na atuária do plano, e para que os mais jovens não arquem com valores ainda mais desproporcionais quando da contratação do serviço, o que redundaria, por sua vez, em barreira à permanência deles no contrato, deve-se não apenas afastar a cláusula considerada abusiva, mas substituir o percentual comprovadamente inadequado por outro, segundo a dinâmica da faixa etária que o usuário adentrou, conjugada com as peculiaridades de seu próprio plano de assistência médico-hospitalar.

Esse debate deve, assim como os desafios a longo prazo para a saúde no Brasil, inevitavelmente passar também pela discussão de um novo arranjo da saúde suplementar.

O tema reajuste afeta diretamente o interesse econômico das partes. De um lado, o consumidor é compelido a pagar um valor que não estava previsto no seu orçamento doméstico; e de outro, a operadora de plano de saúde tem interesse em receber para manter o equilíbrio financeiro da carteira de clientes. Essa situação é agravada quando se trata de reajuste por faixa etária.

Considerando a finalidade da ANS de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, as operadoras de saúde devem ser rigorosamente acompanhadas quanto às suas condutas, apurando se impõem restrições e prejuízos à saúde dos beneficiários. Essa ação regulatória exige esforços em diversos âmbitos, desde a mobilização dos atores e da sociedade até a disponibilidade de sistemas de informação confiáveis e adequados.

A insegurança jurídica e econômica está instalada na relação de consumo de plano de saúde, haja vista a falta de harmonização de entendimento entre o Estado-Juiz e o Estado-Regulador.

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Daí, a necessidade da busca da equidade entre os participantes dessa relação, com vistas a uma Justiça distributiva e não assistencialista, preservando o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Dever-se portanto aferir a integridade dos cálculos atuariais, com base no efetivo incremento do risco pactuado, comparados com os aumentos relativos às demais faixas etárias e com os critérios estipulados pela Agência Nacional de Saúde, sempre afastado o lucro predatório.

Enfim, para a manutenção da higidez da Saúde Suplementar, deve-se sempre buscar um ponto de equilíbrio, sem onerar, por um lado, injustificadamente, os jovens e, por outro, os idosos, de forma a adequar, com equidade, a relação havida entre os riscos assistenciais e as mensalidades cobradas.

Assim, o reajuste de mensalidade de plano de saúde fundado na mudança de faixa etária do usuário é válido desde que haja previsão contratual, sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor e discriminem o idoso.

Portanto, em que pese a diferenciação dos preços em faixas-etárias ser válida, não é válida a prática de aumentos abusivos pelas operadoras, o que deve ser combatido por todos os órgãos do Estado, uma vez que o idoso não é um ônus excessivo e merece ser tratado da mesma maneira que os outros consumidores que tanto fazem para se manter no plano de saúde.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar, 2ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 2012.

GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, São Paulo: Saraiva, 1991.

MARQUES, Claudia Lima. Visões sobre os planos de saúde privada e o código de defesa do consumidor: Item 2.2: Análise da relação da legislação de defesa do consumidor e da legislação especial sobre planos privados de assistência à saúde. In: MARQUES, Claudia Lima (Coord.). Saúde e responsabilidade 2: a nova assistência privada à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

MORAES, Alexandre de. Agência reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002.

OLIVEIRA, Amanda Flávio de. Leis de Planos de Saúde (Lei 9.656/98): dez anos depois. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 67, jul./set. 2008.

SCHMITT, Cristiano Heineck. A “hipervulnerabilidade” do consumidor idoso. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 70, p. 139-171, abr./jun. 2009.

SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Planos de saúde e boa-fé objetiva: uma abordagem crítica sobre os reajustes abusivos. Salvador: JusPodivm, 2008.

SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008.


Notas

[1] MORAES, Alexandre de. Agência reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 25.

[2] SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Planos de saúde e boa-fé objetiva: uma abordagem crítica sobre os reajustes abusivos. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 52.

[3] OLIVEIRA, Amanda Flávio de. Leis de Planos de Saúde (Lei 9.656/98): dez anos depois. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 67, p. 50-61, jul./set. 2008.

[4] SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 147.

[5] SCHMITT, Cristiano Heineck. A “hipervulnerabilidade” do consumidor idoso. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 70, p. 139-171, abr./jun. 2009. p. 158.

[6] FIGUEIREDO, LEONARDO VIZEU. Curso de Direito de Saúde Suplementar, 2ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 2012, pág. 252

[7] GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao código de proteção ao consumidor, São Paulo: Saraiva, 1991, p. 380.

[8] MARQUES, Claudia Lima. Visões sobre os planos de saúde privada e o código de defesa do consumidor: Item 2.2: Análise da relação da legislação de defesa do consumidor e da legislação especial sobre planos privados de assistência à saúde. In: MARQUES, Claudia Lima (Coord.). Saúde e responsabilidade 2: a nova assistência privada à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 142.

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Sobre o autor
Gilmar Rezende Júnior

Advogado. Mestrando pela Faculdade de Direito do Sul de Minas - FDSM - Área de concentração: Constitucionalismo e Democracia. Especialista em Direito Processual Civil com capacitação para o Ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE JÚNIOR, Gilmar. Da (i)legalidade do aumento por faixa etária nos planos de saúde e o Estatuto do Idoso no entendimento do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5835, 23 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74633. Acesso em: 22 nov. 2024.

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