7. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que a Lei nº 4.898/65, ainda em vigor neste país fez aniversário recentemente dos seus 53 anos de existência. É certo que a presente lei foi publicada num contexto histórico bem diferente do cenário atual.
Não obstante, sem dúvidas constituiu inquestionável avanço para aquela época beligerante. Hoje, fica claro que as suas condutas criminosas, tipos abertos e tipos penais de atentado, previstos nos artigos 3º e 4º estão obsoletos e claramente necessitavam de modificações.
Não é segredo para ninguém que muito embora a Lei nº 4898/65 tivesse sido publicada para conter abusos de autoridades, conceito definido no seu artigo 5º, considerando autoridade, para os efeitos da lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração, indubitavelmente ela sempre foi direcionada a agentes que trabalham nas agências de Segurança Pública.
A LAA, sancionada no último dia 05 de setembro de 2019, traz inúmeras inconsistências técnicas e horrores jurídicos. Foram sancionadas 18 condutas criminosas, analisadas, em breves comentários, mas incontáveis foram os vetos por questão de ausência de interesse público e por questões de insegurança jurídica.
Todas as condutas são de ação pública incondicionada, dispositivo que estava previsto no artigo 3º da lei, que acabou sendo vetado diante da previsão do artigo 100 do Código penal, que segundo o qual a ação penal será sempre pública incondicionada, salvo quando a lei expressamente declarar o contrário. Se não quisesse vetar também não haveria nenhum problema, seria mais uma lembrança de que as condutas são tão lesivas que não necessitam de nenhuma condição para que o Ministério Pública possa agir, quer dizer, o interesse é essencialmente de natureza pública.
A meu sentir, ofende o princípio da proporcionalidade utilizar-se do direito penal para punir o policial que deixa de se identificar ao preso no momento da captura ou interrogatório, o fato de submeter-se o preso a interrogatório noturno, e o fato de deixar de comunicar a prisão do autor aos seus familiares, além de outras irregularidades meramente administrativas que no projeto de lei elevam à categoria de condutas criminosas, sem qualquer preocupação com o moderno princípio da intervenção mínima do Direito Penal.
Se o legislador tivesse conhecimento suficiente da norma penal no contexto geral, poderia ter previsto dispositivo deixando a possibilidade do Ministério Público ou Juiz de Direito desclassificar a conduta criminosa para transgressão disciplinar, preenchidas, é claro, determinadas condições como já acontece no Direito Penal Castrense, como o que ocorre na hipótese do artigo 209, § 6º, do Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1001/69, segundo o qual no caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar.
Outro pecado capital, nunca antes visto na história do Direito brasileiro e dos meus quase 20 anos de docência no ensino superior, foi a previsão de conduta criminosa no artigo 13, consistente em constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública e submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei.
Acontece que o legislador se esqueceu de cominar no preceito secundário a respectiva pena, quer dizer, um fogo que não se queima, uma luz que não se alumia, um pássaro que não chilreia, primavera sem flores, um verdadeiro aborto jurídico, uma aberração jurídica sem precedentes, atrofia jamais vista, uma inequívoca demonstração de amadorismo do nosso legislador.
Como exposto linhas atrás, números dispositivos foram vetados pelo Presidente da República, o que faz devolver a matéria ao Legislativo para apreciação e julgamento do veto.
Como se sabe, o veto é a discordância do Presidente da República com determinado projeto de lei aprovado pelas Casas Legislativas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), previsto na Constituição Federal (CF) no artigo 66 e seus parágrafos, com regramento interno no Regimento Comum (RCCN), artigos 104 a 106-D da Resolução nº 1 do Congresso Nacional de 1970.
Tem-se o veto político, quando a matéria é considerada contrária ao interesse público; jurídico, se entendida como inconstitucional; ou por ambos os motivos – inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público. Quanto à abrangência, pode ser total ou parcial, sendo que neste último caso deve recair sobre texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea (art. 66, § 1º e 2º, da CF/88).
Para a rejeição do veto é necessária a maioria absoluta dos votos de Deputados e Senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente. Registrada uma quantidade inferior de votos pela rejeição em umas das Casas, o veto é mantido (Art. 66, § 4º, CF e art. 43 do RCCN).
A votação de vetos é ostensiva e nominal, por meio de cédula eletrônica de votação, a eCédula, podendo haver destaque para deliberação em painel eletrônico (arts. 46, 106-B e 106-D do RCCN). Os requerimentos de destaques são para dispositivos individuais ou conexos. Esses requerimentos não dependem de deliberação do plenário e são propostos pelo líder do partido, observando-se a proporcionalidade regimental (art. 106-D do RCCN).
Caso o veto seja rejeitado, as partes correspondentes do projeto apreciado são encaminhadas à promulgação pelo Presidente da República em até 48 horas ou, na omissão deste, pelo Presidente ou Vice-Presidente do Senado, em igual prazo (art. 66, § 7º, CF). O mesmo procedimento prevalece quando, após a sanção, a promulgação da lei não é feita pelo Presidente da República.
Por derradeiro, a nova LAA modifica a Lei 7.960/89, para determinar que o mandado de prisão conterá necessariamente o período de duração da prisão temporária bem como o dia em que o preso deverá ser libertado. Modifica também o artigo 10 da Lei de Interceptação telefônica para estabelecer que constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Como aconteceu em 1965 com a antiga Lei de Abuso de Autoridade, a nova LAA, muito embora se aplique a qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando, a servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas, membros do Poder Legislativo, membros do Poder Executivo, membros do Poder Judiciário, membros do Ministério Público e membros dos tribunais ou conselhos de contas, possui tipos penais que foram construídos e destinados a agentes públicos que atuam na Segurança Pública.
Observa-se que desde 1965, com a previsão da conduta prevista no artigo 3º, alínea i), qualquer atentado à inviolabilidade física do indivíduo, sempre se entendeu que o artigo 322 do Código Penal, violência arbitrária, estaria revogado tacitamente pela Lei nº 4898/65.
Agora, diante do vazio normativo, ressuscita-se a vigência do artigo 322 do Código penal, já que o artigo 350 do CP, também objeto de grandes discussões quanto á sua vigência agora foi revogado expressamente pela nova LAA.
Espera-se que a nova LAA não seja obstáculo insuperável de combate ao crime organizado no Brasil, notadamente, quando todos almejam pelo estancamento da hemorragia da corrupção, com a consequente implantação da moralidade pública, onde se estabeleça uma relação de confiabilidade e respeito em todos os agentes públicos, muito embora é verdade que existem bandidos desalmados homiziados nos portais da Administração Pública, de ternos ou de gravatas, de armas ou de coletes, que sinceramente deveriam estar recolhidos numa das celas do Regime disciplinar diferenciado em razão do alto risco que oferecem à sociedade ou por porque pertencem a organizações criminosas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOTELHO, Jeferson. Aniversário dos 51 anos da Lei de Abuso de Autoridade no Brasil. E as novidades do novo Projeto de Lei. Conquistas ou retrocessos? Disponível em https://jus.com.br/artigos/54393/aniversario-dos-51-anos-da-lei-de-abuso-de-autoridade-no-brasil-e-as-novidades-do-novo-projeto-de-lei-conquistas-ou-retrocessos. Acesso em 10 de setembro de 2019, às 11:01 h.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Editora Revista dos Tribunais. Página 499. 2002. São Paulo.
Notas
[1] BOTELHO, Jeferson. Aniversário dos 51 anos da Lei de Abuso de Autoridade no Brasil. E as novidades do novo Projeto de Lei. Conquistas ou retrocessos? Disponível em https://jus.com.br/artigos/54393/aniversario-dos-51-anos-da-lei-de-abuso-de-autoridade-no-brasil-e-as-novidades-do-novo-projeto-de-lei-conquistas-ou-retrocessos. Acesso em 10 de setembro de 2019, às 11:01 h.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Editora Revista dos Tribunais. Página 499. 2002. São Paulo.