Capa da publicação A novíssima e polêmica lei do abuso de autoridade
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A novíssima e polêmica lei de abuso de autoridade:

modificações, avanços, retrocessos e erros primários

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11/09/2019 às 14:10
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7. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Sabe-se que a Lei nº 4.898/65, ainda em vigor neste país fez aniversário recentemente dos seus 53 anos de existência. É certo que a presente lei foi publicada num contexto histórico bem diferente do cenário atual.

Não obstante, sem dúvidas constituiu inquestionável avanço para aquela época beligerante. Hoje, fica claro que as suas condutas criminosas, tipos abertos e tipos penais de atentado, previstos nos artigos 3º e 4º estão obsoletos e claramente necessitavam de modificações.

Não é segredo para ninguém que muito embora a Lei nº 4898/65 tivesse sido publicada para conter abusos de autoridades, conceito definido no seu artigo 5º, considerando autoridade, para os efeitos da lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração, indubitavelmente ela sempre foi direcionada a agentes que trabalham nas agências de Segurança Pública.

A LAA, sancionada no último dia 05 de setembro de 2019, traz inúmeras inconsistências técnicas e horrores jurídicos. Foram sancionadas 18 condutas criminosas, analisadas, em breves comentários, mas incontáveis foram os vetos por questão de ausência de interesse público e por questões de insegurança jurídica.

Todas as condutas são de ação pública incondicionada, dispositivo que estava previsto no artigo 3º da lei, que acabou sendo vetado diante da previsão do artigo 100 do Código penal, que segundo o qual a ação penal será sempre pública incondicionada, salvo quando a lei expressamente declarar o contrário. Se não quisesse vetar também não haveria nenhum problema, seria mais uma lembrança de que as condutas são tão lesivas que não necessitam de nenhuma condição para que o Ministério Pública possa agir, quer dizer, o interesse é essencialmente de natureza pública.

A meu sentir, ofende o princípio da proporcionalidade utilizar-se do direito penal para punir o policial que deixa de se identificar ao preso no momento da captura ou interrogatório, o fato de submeter-se o preso a interrogatório noturno, e o fato de deixar de comunicar a prisão do autor aos seus familiares, além de outras irregularidades meramente administrativas que no projeto de lei elevam à categoria de condutas criminosas, sem qualquer preocupação com o moderno princípio da intervenção mínima do Direito Penal.

Se o legislador tivesse conhecimento suficiente da norma penal no contexto geral, poderia ter previsto dispositivo deixando a possibilidade do Ministério Público ou Juiz de Direito desclassificar a conduta criminosa para transgressão disciplinar, preenchidas, é claro, determinadas condições como já acontece no Direito Penal Castrense, como o que ocorre na hipótese do artigo 209, § 6º, do Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1001/69, segundo o qual no caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar.

Outro pecado capital, nunca antes visto na história do Direito brasileiro e dos meus quase 20 anos de docência no ensino superior, foi a previsão de conduta criminosa no artigo 13, consistente em constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública e submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei.

Acontece que o legislador se esqueceu de cominar no preceito secundário a respectiva pena, quer dizer, um fogo que não se queima, uma luz que não se alumia, um pássaro que não chilreia, primavera sem flores, um verdadeiro aborto jurídico, uma aberração jurídica sem precedentes, atrofia jamais vista, uma inequívoca demonstração de amadorismo do nosso legislador.

Como exposto linhas atrás, números dispositivos foram vetados pelo Presidente da República, o que faz devolver a matéria ao Legislativo para apreciação e julgamento do veto.

Como se sabe, o veto é a discordância do Presidente da República com determinado projeto de lei aprovado pelas Casas Legislativas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), previsto na Constituição Federal (CF) no artigo 66 e seus parágrafos, com regramento interno no Regimento Comum (RCCN), artigos 104 a 106-D da Resolução nº 1 do Congresso Nacional de 1970.

Tem-se o veto político, quando a matéria é considerada contrária ao interesse público; jurídico, se entendida como inconstitucional; ou por ambos os motivos – inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público. Quanto à abrangência, pode ser total ou parcial, sendo que neste último caso deve recair sobre texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea (art. 66, § 1º e 2º, da CF/88).

Para a rejeição do veto é necessária a maioria absoluta dos votos de Deputados e Senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente. Registrada uma quantidade inferior de votos pela rejeição em umas das Casas, o veto é mantido (Art. 66, § 4º, CF e art. 43 do RCCN).

A votação de vetos é ostensiva e nominal, por meio de cédula eletrônica de votação, a eCédula, podendo haver destaque para deliberação em painel eletrônico (arts. 46, 106-B e 106-D do RCCN). Os requerimentos de destaques são para dispositivos individuais ou conexos. Esses requerimentos não dependem de deliberação do plenário e são propostos pelo líder do partido, observando-se a proporcionalidade regimental (art. 106-D do RCCN).

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Caso o veto seja rejeitado, as partes correspondentes do projeto apreciado são encaminhadas à promulgação pelo Presidente da República em até 48 horas ou, na omissão deste, pelo Presidente ou Vice-Presidente do Senado, em igual prazo (art. 66, § 7º, CF). O mesmo procedimento prevalece quando, após a sanção, a promulgação da lei não é feita pelo Presidente da República.

Por derradeiro, a nova LAA modifica a Lei 7.960/89, para determinar que o mandado de prisão conterá necessariamente o período de duração da prisão temporária bem como o dia em que o preso deverá ser libertado. Modifica também o artigo 10 da Lei de Interceptação telefônica para estabelecer que constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Como aconteceu em 1965 com a antiga Lei de Abuso de Autoridade, a nova LAA, muito embora se aplique a qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando, a servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas, membros do Poder Legislativo, membros do Poder Executivo, membros do Poder Judiciário, membros do Ministério Público e membros dos tribunais ou conselhos de contas, possui tipos penais que foram construídos e destinados a agentes públicos que atuam na Segurança Pública.

Observa-se que desde 1965, com a previsão da conduta prevista no artigo 3º, alínea i), qualquer atentado à inviolabilidade física do indivíduo, sempre se entendeu que o artigo 322 do Código Penal, violência arbitrária, estaria revogado tacitamente pela Lei nº 4898/65.

Agora, diante do vazio normativo, ressuscita-se a vigência do artigo 322 do Código penal, já que o artigo 350 do CP, também objeto de grandes discussões quanto á sua vigência agora foi revogado expressamente pela nova LAA.

Espera-se que a nova LAA não seja obstáculo insuperável de combate ao crime organizado no Brasil, notadamente, quando todos almejam pelo estancamento da hemorragia da corrupção, com a consequente implantação da moralidade pública, onde se estabeleça uma relação de confiabilidade e respeito em todos os agentes públicos, muito embora é verdade que existem bandidos desalmados homiziados nos portais da Administração Pública, de ternos ou de gravatas, de armas ou de coletes, que sinceramente deveriam estar recolhidos numa das celas do Regime disciplinar diferenciado em razão do alto risco que oferecem à sociedade ou por porque pertencem a organizações criminosas.

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BOTELHO, Jeferson. Aniversário dos 51 anos da Lei de Abuso de Autoridade no Brasil. E as novidades do novo Projeto de Lei. Conquistas ou retrocessos? Disponível em https://jus.com.br/artigos/54393/aniversario-dos-51-anos-da-lei-de-abuso-de-autoridade-no-brasil-e-as-novidades-do-novo-projeto-de-lei-conquistas-ou-retrocessos. Acesso em 10 de setembro de 2019, às 11:01 h.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Editora Revista dos Tribunais. Página 499. 2002. São Paulo.

 


Notas

[1] BOTELHO, Jeferson. Aniversário dos 51 anos da Lei de Abuso de Autoridade no Brasil. E as novidades do novo Projeto de Lei. Conquistas ou retrocessos? Disponível em https://jus.com.br/artigos/54393/aniversario-dos-51-anos-da-lei-de-abuso-de-autoridade-no-brasil-e-as-novidades-do-novo-projeto-de-lei-conquistas-ou-retrocessos. Acesso em 10 de setembro de 2019, às 11:01 h.

 

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Editora Revista dos Tribunais. Página 499. 2002. São Paulo. 

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. A novíssima e polêmica lei de abuso de autoridade:: modificações, avanços, retrocessos e erros primários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5915, 11 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76428. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

O presente ensaio jurídico tem por escopo precípuo analisar, sem pretensão exauriente, a novíssima Lei de Abuso de Autoridade, LAA, publicada recentemente no Brasil, que altera as leis de prisão temporária, a lei de intercepção telefônica, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, além de revogar a antiga lei de Abuso de Autoridade e alguns dispositivos do Código Penal.

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