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O transporte irregular de defensivo agrícola (agrotóxico) e suas implicações criminais

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16/10/2019 às 16:20
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Não é tão simples caracterizar este transporte como crime. São algumas as condutas relacionadas à questão, aptas a se enquadrarem como tal, a depender de pequenos detalhes que estão pontuados muito além da Lei de Crimes Ambientais e do Código Penal.

Um assunto que gera discussões diz respeito ao transporte irregular de defensivo agrícola (agrotóxico) e suas variáveis na seara criminal. Aliás, a tipificação desta conduta faz vir à tona a grande problemática de enquadramento dela.

Outrossim, para fins de análise, é importante definir se o recipiente de defensivo agrícola está com o produto ou substância tóxica. Caso não esteja com o produto ou substância tóxica, poderá ter outros desdobramentos criminais.

Sob o ponto de vista conceitual, o anexo I acrescentado pela Portaria MTE n.º 2.546, de 14 de dezembro de 2011, que depois foi alterada pela Portaria MTb n.º 1.086, de 18 de dezembro de 2018, traz o seguinte conceito de agrotóxico (defensivo agrícola), a saber:

“Agrotóxicos e afins: São produtos químicos com propriedades tóxicas e que são utilizados na agricultura para controlar pragas, doenças, ou plantas daninhas que causam danos às plantações. Afins são produtos com características ou funções semelhantes aos agrotóxicos. (Inserida pela Portaria MTb n.º 1.086, de 18 de dezembro de 2018)”

Por sua vez, o art. 3º da Lei n. 7.802/89 dispõe que: "Os agrotóxicos, seus componentes e afins (...), só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura".

Já o transporte dessas substâncias está regulamentado pela Norma Regulamentadora nº. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovada pela Portaria Ministerial n. 86, de 03.03.05, publicada no Diário Oficial da União de 04.03.05. Vejamos:

“31.8.19 Os agrotóxicos, adjuvantes e produtos afins devem ser transportados em recipientes rotulados, resistentes e hermeticamente fechados.

31.8.19.1 É vedado transportar agrotóxicos, adjuvantes e produtos afins, em um mesmo compartimento que contenha alimentos, rações, forragens, utensílios de uso pessoal e doméstico.

31.8.19.2 Os veículos utilizados para transporte de agrotóxicos, adjuvantes e produtos afins, devem ser higienizados e descontaminados, sempre que forem destinados para outros fins”.

Sublinhadas essas questões iniciais, é chegada a hora dos enfrentamentos das tipificações, a respeito do transporte irregular de defensivo agrícola (agrotóxico) e suas variáveis na esfera penal.

O primeiro exame perpassa pela ótica do art. 56 da Lei nº 9.605 de 1998.


- Análise da conduta sob o prisma do art. 56 da Lei nº 9.605 de 1998

O art. 56 da Lei nº 9.605 de 1998 traz como relevante penal, a conduta de transportar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Lei nº 9.605 de 12 de Fevereiro de 1998

Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substâncias referidos no caput, ou os utiliza em desacordo com as normas de segurança.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Redação dada pela Lei nº 12.305, de 2010)

- abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança; (Incluído pela Lei nº 12.305, de 2010)

II - manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento. (Incluído pela Lei nº 12.305, de 2010)

§ 2º Se o produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um sexto a um terço.

§ 3º Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa”.

Obviamente, há elementos normativos no tipo penal contidos nas expressões “em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos”.

Torna-se indispensável buscar a legislação extrapenal para ver se precisamente há ou não a incidência da norma em vista dos fatos.

Entretanto, há doutrina que cita isso como norma penal em branco[1].

Para nós tecnicamente é um misto de elemento normativo do tipo e norma penal em branco, pois reúne ambas as situações.

Mas não paramos por aí, porque a conduta de transportar irregularmente de agrotóxico permite outras tipificações variáveis.


- Exame da conduta na ótica do art. 15 da Lei nº 7.802/89

Nessa banda, o art. 15 da Lei nº 7.802/89 também incrimina a conduta de quem transporta resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente. Nesta ocasião, o agente estará sujeito à pena de reclusão.

Com isto, se alguém exportar ou importar agrotóxicos, sem estar autorizado pela legislação de regência para tanto, incidirá na infração penal do crime do art. 56 da Lei nº 9.605/98, visto que os núcleos em referência (“importar” e “exportar”) não se encontram previstos no art. 15 da Lei nº 7.802/89. Nesse contexto, há uma crítica do Desembargador Federal, Dr. Paulo Afonso Brum Vaz, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que merece reprodução[2].

Avancemos nos exames do art. 15 da Lei nº 7.802/89, senão vejamos:

“Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa. (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)”[3]

Não podemos olvidar que, existe uma discussão tangente ao delito previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89 ter sido ou não revogado pelo advento do art. 56 da Lei nº 9.605 de 1998. Em resposta, advogamos a tese de que o dispositivo do art. 15 da Lei nº 7.802/89 persiste intacto e em plena vigência concomitante com art. 56 da Lei nº 9.605 de 1998 perante nosso ordenamento pátrio[4]. 

Comungando desta posição, os doutrinadores, Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, acerca da polêmica observam que:

“ [...] muito embora a redação desse tipo penal se assemelhe à do art. 15 da Lei nº 7.802/89, nele não há qualquer menção expressa a agrotóxicos, seus componentes e afins. Ora, a conclusão a que se chega é de que o art. 15 da Lei nº 7.802/89 foi preservado. E tanto é verdade que a Lei nº 9.605/98 não faz qualquer menção, explícita ou implícita, ao outro crime da Lei nº 7.802/89, ou seja, à conduta prevista no art. 16 para aqueles que deixam de promover medidas necessárias à proteção da saúde ou do meio ambiente. Não será demais lembrar que a Lei nº 7.802/89 é especial, pois cuida apenas de agrotóxicos, e, por isso, não pode ser considerada revogada pelo art. 56 da Lei nº 9.605/98, regra geral. A propósito, Assis Toledo lembra que ‘considera-se especial (lex specialis) a norma que contém todos os elementos da geral (lex generalis) e mais o elemento especializador. Há, pois, na norma especial um plus, isto é, um detalhe a mais que sutilmente a distingue da norma geral’. Continuam, pois, em vigor os dois tipos penais da lei de agrotóxicos (arts. 15 e 16), tratando o dispositivo ora em exame de outros produtos ou substâncias tóxicas diversas” (Crimes Contra a Natureza. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pp. 188/189).

Para esta parcela da doutrina então, os dois tipos penais da Lei de Agrotóxicos (arts. 15 e 16), continuam a conviver no ordenamento com o art. 56 da Lei nº 9.605/98, em que aqueles 02 (dois) primeiros são tipos especiais, apesar de a jurisprudência também divergir da mesma linha, consoante se verá adiante.

Temos ainda o dever de enfrentar a disposição do art. 16 da Lei nº 7.802/89, que, apesar de citado, não incrimina a conduta de quem transporta o agrotóxico. Em verdade, o tipo penal do art. 16 da referida lei, criminaliza o empregador, profissional responsável ou o prestador de serviço, que deixar de promover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente. Atentemos a disposição do citado dispositivo legal “in verbis”:

“Art. 16. O empregador, profissional responsável ou o prestador de serviço, que deixar de promover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente, estará sujeito à pena de reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, além de multa de 100 (cem) a 1.000 (mil) MVR.

Em caso de culpa, será punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, além de multa de 50 (cinqüenta) a 500 (quinhentos) MVR”.

Sem muito esforço de interpretação, entendemos que o art. 16[5], Lei nº 7.802/89, não incide na análise da temática, razão pela qual nos cumpre avançar em outras variáveis.

Ainda se tem também, a discussão do agrotóxico (defensivo agrícola) ao redor do art. 334-A do Código Penal Brasileiro.


- Reflexão da conduta à luz do art. 334-A, §1º, do Código Penal Brasileiro

Embora o art. 334-A, §1º[6], do Código Penal Brasileiro tenha como preceito primário as seguintes condutas abaixo, ele expressamente não contempla o verbo transportar na via terrestre (conquanto preconiza o dobro de pena, se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial, no § 3º, do indigitado dispositivo legal):

“Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;

II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;

III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;

IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;

V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.

§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.”

A primeira provocação neste ponto, é o seguinte: o fato de o citado dispositivo não contemplar, expressamente, o verbo “transportar” na via terrestre estaria abrangido pelo verbo importar ou exportar, ou seria um silêncio eloqüente do legislador?

Pensamos que os verbos importar ou exportar mercadoria proibida são por demais abrangentes e poderiam perfeitamente abarcar a conduta "transportar" mercadoria proibida (agrotóxicos, defensivos agrícolas) na via terrestre, já que esse importar ou exportar permitem várias modalidades de se materializar esta conduta, inclusive por meio de transporte, por obviedade.

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O fato de o citado dispositivo não contemplar, expressamente, o verbo transportar na via terrestre como hipótese de agravamento da pena seria um silêncio eloqüente do legislador? A pergunta não é de difícil resposta, pois o legislador entendeu por opção de política criminal fixar pena em dobro, apenas se o crime de contrabando for praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial, no § 3º, do indigitado dispositivo legal, que seria formas mais difíceis de fiscalizar - não prevendo o transporte terrestre como causa de majoração da pena. Logo, se quisesse poderia e se assim não fez, não pode o intérprete alargar o campo de incidência.

Registra-se, de qualquer forma, que, para a incidência de outros possíveis verbos, o produto ou substância devem ser proibidas para se cogitar eventualmente essa figura penal.

Em nosso sentir, a conduta de quem insere (introduz) em solo nacional, ou dele exporta, substância agrotóxica (defensivo agrícola), sem que esteja autorizado a assim proceder pela legislação de regência, poderia cogitar a aplicabilidade do tipo penal de contrabando, caso essa conduta não encontrasse vida no art. 56 da Lei nº 9.605/98, em que a aplicabilidade se dará, por se tratar de norma especial relativamente àquela do art. 334-A do Código Penal Brasileira, não se perdendo de vista o art. 15, da Lei de Agrotóxico, onde conforme a moldura fática, poderia ou não atrair sua aplicabilidade – conforme se verá adiante.

Segundo preleciona o penalista, Cezar Roberto Bitencourt, reputa-se:

“[...] especial uma norma penal, em relação a outra geral, quando reúne todos os elementos desta, acrescidos de mais alguns, denominados especializantes”. Isto é, a norma especial acrescenta elemento próprio à descrição típica prevista em norma geral. Assim, como afirma Jescheck, “toda a ação que realiza o tipo do delito especial realiza também necessariamente, ao mesmo tempo, o tipo do geral, enquanto que o inverso não é verdadeiro. A relação especial tem a finalidade, precisamente, de excluir a lei geral, e, por isso, deve precedê-la. O princípio da especialidade evita o bis in idem, determinando a prevalência da norma especial em comparação com a geral, e pode ser estabelecido in abstracto, enquanto os outros princípios exigem o confronto in concreto das leis que definem o mesmo fato”(BITENCOURT, Cezar Roberto. in Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 130).

Extrai-se que o critério especializante que faz incidir a hipótese do art. 56 da Lei Ambiental é o fato de que ali se pune importação não de qualquer “mercadoria proibida” (art. 334-A do CPB), senão que de “produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana e ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos. Nesse ponto, também, não se pode olvidar da inteligência do art. 15, da Lei de Agrotóxico, conforme a moldura fática, que poderia ou não atrair sua aplicabilidade – consoante se verá mais adiante.

A jurisprudência[7] em enfrentamento ao tema já decidiu de várias maneiras consoante já dito em linhas pretéritas. Veremos agora ponto a ponto essas variações sobre o assunto. Vejamos:

“Ementa: PENAL E PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO E TRANSPORTE DE AGROTÓXICOS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. ORDEM PÚBLICA. PERIGO DE EVASÃO. AUSÊNCIA. LIBERDADE PROVISÓRIA. FIANÇA. CABIMENTO. 1. Havendo a operação policial desmantelado a estrutura da suposta organização criminosa, além de não restar bem evidenciada a possibilidade de reiteração da conduta, não se afigura presente o requisito da garantia da ordem pública, previsto no art. 312 do CPP. 2. A probabilidade de fuga do Paciente não passa de mera cogitação, insuficiente para a decretação da custódia cautelar. 3. Tendo em conta os delitos em tese praticados bem como as peculiaridades do caso em tela, a liberação do Paciente deve restar condicionada à prestação de fiança, como medida de cautela e fixação de vínculo entre o acusado e o Juízo, na linha da jurisprudência desta Corte” [TRF-4 - HABEAS CORPUS HC 13193 SC 2007.04.00.013193-9  - Data de publicação: 13/06/2007].

Na hipótese supra, a jurisprudência admitiu o concurso de crime. Neste mesmo sentido, é a lição também do delegado da polícia federal, Dr. Márcio Adriano Anselmo:

“Temos, portanto, que no caso da prática do crime de contrabando o sujeito passivo pratica também o delito previsto no artigo 15 da Lei de Agrotóxicos em concurso formal. Trata-se de concurso formal heterogêneo, ou seja, ocorre quando o agente, mediante uma só ação, pratica dois crimes previstos em normas penais diversas (um previsto no Código Penal e outro na Lei de Agrotóxicos)” (ANSELMO, Márcio Adriano. Contrabando e aplicação do art. 15 da Lei nº 7.802/89. Jus Navegandi. Disponível em:<< http:www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp/id=5316>>. Acesso em 12 de setembro de 2019).

Seguindo ainda a linha doutrinária acima, de maneira mais evidente, o mesmo Tribunal Regional da 4ª Região entendeu diante das mesmas condutas de crime de contrabando e do artigo 15 da Lei de Agrotóxicos se ter os 2 (dois) crimes em concurso de crimes (um delito de contrabando e outro delito de transporte de agrotóxico). Analisemos:

“Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. ARTIGOS 334 DO CÓDIGO PENAL. CONTRABANDO. ARTIGO 15 DA LEI Nº 7.802/89. PRODUÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO E TRANSPORTE DE AGROTÓXICOS. PRISÃO PREVENTIVA. LIBERDADE PROVISÓRIA.FIANÇA. FIXAÇÃO DA GARANTIA FINANCEIRA. LIMITES E CIRCUNSTÂNCIAS. CPP , ARTS. 325 E 326 . 1. Os limites do valor da fiança, estabelecidos no art. 325 do CPP , devem ser dosados na forma do art. 326 do CPP e eventualmente alterados em razão de especial condição financeira do réu (art. 325 , § 1º CPP ). 2. A fiança deve ser fixada de modo que não se torne obstáculo indevido à liberdade (afastado expressamente pelo art. 350 CPP para o preso pobre), nem caracterize montante irrisório, meramente simbólico, que torne inócua sua função de garantia processual. 3. Tratando-se de dois crimes com penas máximas de quatro anos (art. 334 do Código Penal e art. 15 da Lei nº 7.802 /89), aplicável é a alínea c do art. 325 CPP , variando a fiança de 20 a 100 SMR (cada qual equivalia a 40 BTN's), o que hoje importa no valor de R$ 1.396,80 a 6.984,00, podendo pela situação econômica do réu ser reduzido a R$ 465,60 ou aumentada a 69.840,00. 4. Sopesadas as condições legais para a fixação da fiança, as circunstâncias do art. 526 do CPP e, especialmente, considerando as condições financeiras do réu - art. 326 c/c 325, § 1º CPP -, fica condicionada a liberdade provisória ao pagamento de fiança arbitrada em R$ 6.000,00 (seis mil reais)” [TRF-4 - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RSE 921 RS 2006.04.00.000921-2 (TRF-4) - Data de publicação: 16/08/2006].

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região faz uma distinção interessante que também é empregada pelo Superior Tribunal de Justiça, dizendo que se o agente, após importar agrotóxico em desobediência à legislação pertinente, transporta-o no interior do território brasileiro, comete o crime do art. 56 da Lei n. 9.605/98, norma especial em relação ao delito de contrabando (CP, art. 334-A). O(s) Tribunal(ais) prossegue(m) pontuando que a situação é diversa, se o agente que, sem ter introduzido o agrotóxico em solo nacional, é autuado transportando-o internamente, hipótese em que restará tipificado o crime do art. 15 da Lei n. 7.802/90 (posição que nos filiamos, consoante tópico pretérito). Atenhamos ao julgado:

“EMENTA

PENAL. TRANSPORTE ILEGAL DE AGROTÓXICO DE ORIGEM ESTRANGEIRA. TIPICIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. DOSIMETRIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

1. O art. 3º da Lei n. 7.802/89 dispõe que: "Os agrotóxicos, seus componentes e afins (...), só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura".

2. O transporte dessas substâncias está regulamentado pela Norma Regulamentadora n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovada pela Portaria Ministerial n. 86, de 03.03.05, publicada no Diário Oficial da União de 04.03.05.

3. Em princípio, o transporte de agrotóxico em infração às normas de regência pode ser tipificado em duas normas penais, tanto no art. 56 da Lei n. 9.605/98 quanto no art. 15 da Lei n. 7.802/89.

4. Conforme a jurisprudência, o aparente conflito entre as normas penais resolve-se da seguinte forma: o agente que, após importar agrotóxico em desobediência à legislação pertinente, transporta-o no interior do território brasileiro, comete o crime do art. 56 da Lei n. 9.605/98, especial em relação ao delito de contrabando (CP, art. 334). Diversa é a situação do agente que, sem ter introduzido o agrotóxico em solo nacional, é autuado transportando-o internamente, hipótese em que restará tipificado o crime do art. 15 da Lei n. 7.802/90 (STJ, REsp n. 1378064/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 27.06.17; REsp n. 1449266/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 06.08.15; TRF da 3ª Região, ACR n. 2007.60.02.004157-8, Rel. Juiz Fed. Conv. Márcio Mesquita, j. 22.10.09; TRF da 4ª Região, ACR n. 2006.71.16.000686-2, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 15.07.09).

5. O tipo penal do art. 15 da Lei n. 7.802/89 faz referência a agrotóxicos, componentes e afins, sendo "resíduos e embalagens vazias" complemento do objeto material, a saber, "agrotóxicos, seus componentes e afins".

6. Comprovadas a materialidade e autoria delitivas.

7. Na espécie, a considerável quantidade de agrotóxico ilegalmente transportado pelo acusado (37 kg), bem como seus maus antecedentes representados por condenação transitada em julgado (cfr. fl. 224) diversa daquela que ensejou a exasperação da pena pela reincidência (cfr. fls. 212 e 214), ensejam o aumento da pena-base em 1/6 (um sexto), para 2 (dois) anos e 4 (quatro) de reclusão, e 11 (onze) dias-multa, nos termos do art. 59 do Código Penal.

8. Dada a reincidência do acusado, ficam mantidos o regime inicial semiaberto e o indeferimento da substituição da pena de reclusão por restritivas de direitos. Na espécie, ainda que descontado, nos termos do art. 387 do Código de Processo Penal, o período de 4 (quatro) dias em que o réu permaneceu preso em flagrante delito, mantém-se o regime inicial semiaberto, em razão da reincidência.

9. Desprovida a apelação do acusado.

10. Provida a apelação do Ministério Público Federal” (TRF 3ª REGIÃO. APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009151-90.2012.4.03.6000/MS. 2012.60.00.009151-1/MS – Relator Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALO).

Neste outro caso, a jurisprudência já do Tribunal Regional Federal da 3ª Região seguiu para outra direção:

 “Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. IMPORTAÇÃO, TRANSPORTE E GUARDA DE AGROTÓXICO DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO NACIONAL. ART. 56 DA LEI 9.605 /98. NORMA ESPECIAL EM RELAÇÃO AO CRIME DE CONTRABANDO A QUE ALUDE O ART. 334 DO CP . COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. A importação de agrotóxicos de ingresso proibido no Brasil amolda-se à figura típica inscrita no art. 56 da Lei 9.605 /98 - considerada norma especial em relação ao crime de contrabando a que alude o art. 334 do CP -competindo à Justiça Federal processar e julgar o feito. Precedentes desta Corte” [TRF-4 - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RSE 2829 RS 2007.71.03.002829-1 - Data de publicação: 04/06/2010].

Notamos que o julgado enfatizou que conduta típica inscrita no art. 56 da Lei 9.605 /98 seria considerada norma especial, em relação ao crime de contrabando a que alude o art. 334-A do CPB.

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Sobre o autor
Joaquim Júnior Leitão

Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO). Graduado pela Centro de Ensino Superior de Jataí-GO (CESUT). Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colaborador do site jurídico Justiça e Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR LEITÃO, Joaquim. O transporte irregular de defensivo agrícola (agrotóxico) e suas implicações criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5950, 16 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77177. Acesso em: 19 abr. 2024.

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