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Uma queixa-crime que não deve ser conhecida

08/11/2019 às 12:40
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Após falar em novo AI-5, o deputado federal Eduardo Bolsonaro é alvo de uma queixa-crime assinada por 18 parlamentares, que buscam a condenação do deputado por incitação e apologia ao crime, além de ato de improbidade administrativa.

Segundo se noticia, após falar em "novo AI-5", o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) é alvo de uma queixa-crime assinada por 18 parlamentares do PSOL, PT, PSB, PDT, PC do B, além da liderança da minoria na Câmara Federal. Eles moveram a ação no Supremo Tribunal Federal (STF) e pedem que Eduardo seja condenado por incitação e apologia ao crime, além de ato de improbidade administrativa, o que pode levar à perda de cargo do filho do presidente Jair Bolsonaro.

De acordo com a peça, Eduardo Bolsonaro "incitou um possível retorno do AI-5, página infeliz da história brasileira, afrontando diretamente os ditames constitucionais e democráticos pátrios". "O AI-5 permitiu, e em decorrência dele, que fossem praticados inúmeros e severos crimes a milhares de pessoas, à instituições e à coletividades".

Data venia, a apuração judicial perante a Corte está sujeita a ação penal pública, de legitimidade exclusiva do Ministério Público Federal (MPF).

Não cabe falar, com o devido respeito, em queixa-crime para o caso em que o legitimado é outro que não o Ministério Público, nas hipóteses normativas taxativamente ditadas.

A ação penal privada é tema do artigo 100 do Código Penal, nas hipóteses taxativas indicadas, seja pela vítima ou seu representante legal.

Lembro da ação penal privada subsidiária da pública.

Essa ação somente poderá ser ajuizada perante a inércia do Parquet.

Discute-se a ação penal privada subsidiária da pública.

São aqueles casos em que, diversamente das ações penais privadas exclusivas, a lei não prevê a ação como privada, mas sim como pública (condicionada ou incondicionada). Ocorre que o Ministério Público, titular da ação penal, fica inerte, ou seja, não adota uma das três medidas que pode tomar mediante um inquérito policial relatado ou quaisquer peças de informação (propor o arquivamento, denunciar ou requerer diligências). Para isso o Ministério Público tem um prazo que varia em regra de 5 dias para réu preso a 15 dias para réu solto. Não se manifestando (ficando inerte) nesse prazo, abre-se a possibilidade para que o ofendido, seu representante legal ou seus sucessores (art. 31, CPP c/c art. 100, § 4º., CP), ingressem com a ação penal privada subsidiária da pública. Isso tem previsão constitucional (artigo 5º., LIX, CF) e ordinária (artigos 100, § 3º., CP e 29, CPP).

Diversa é a situação do Parquet nas ações penais privadas subsidiárias da pública, pois, no caso, é interveniente adesivo obrigatório. Pode intervir, diante da queixa-crime ajuizada pela vítima em face de sua inércia, obrigatoriamente, até para repudiar a ação, formulando nova peça processual(denúncia substitutiva) e até, diante do abandono do autor, prosseguir no polo ativo, ação penal indireta. Tal não se dá na ação penal privada propriamente dita e ainda naquela personalíssima. Afinal, se o Parquet for alijado da lide, na ação penal privada subsidiária da pública, haverá nulidade absoluta, que não se presume.

A ação penal privada subsidiária da pública tem cabimento diante da inércia do MP, que, nos prazos legais, deixa de atuar, não promovendo a denúncia ou, em sendo o caso, não se manifestando pelo arquivamento dos autos do inquérito policial, ou ainda, não requisitando novas diligências. É uma forma de fiscalização da atividade ministerial, evitando eventuais arbitrários pela desídia do Parquet. É uma mera faculdade, cabendo ao particular optar entre manejar ou não a ação, gozando como regra do prazo de seis meses, iniciados, contudo, do encerramento do prazo que o MP dispõe para atuar, ou seja, normalmente cinco ou quinze dias, a depender da existência ou não da prisão(artigo 40 do CPP).

O Ministério Público deverá fundamentar o repúdio, fornecendo elementos de prova.

Poderá o Parquet, caso entenda que ação penal proposta pelo particular não atende os mínimos requisitos legais, deverá se manifestar pela rejeição da inicial pelo magistrado. Caso assim não entenda o juiz, poderá, outrossim, o Parquet ajuizar habeas corpus para trancar essa ação penal que foi iniciada.

Poderá o Parquet interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal. Ora, a ação penal privada subsidiária da pública é indisponível. Caso se o querelante vier a apresentar perdão ou, se for desidioso, tentando ocasionar a perempção, deve ser afastado do polo ativo da relação processual, assumindo o Ministério Público, dali por diante, como parte principal(ação penal indireta). Ao querelante afastado lhe será dada a faculdade de ingressar como assistente.

No caso em tela, não comprovaram, como se noticiou, os representantes que tivesse havido uma inércia da parte do Parquet. A simples presunção de que a ação penal pública não seria ajuizada pelo presentante da Instituição não caracteriza a legitimidade de particulares para tal.

De toda sorte cabe ao Parquet o ajuizamento de ação penal pública perante o STF contra parlamentar federal, cuja legitimidade é exclusiva do Ministério Público Federal pelo Procurador-Geral da República, não cabendo essa atribuição a outras pessoas estranhas àquela indicada no texto constitucional.

Sendo assim, a noticiada representação não deverá ser conhecida no Supremo Tribunal Federal.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Uma queixa-crime que não deve ser conhecida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5973, 8 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77592. Acesso em: 3 dez. 2024.

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