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Dispensa de licitação para combate ao coronavírus:

análise da hipótese de contratação direta da Lei 13.979/2020

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Presume-se justificada a dispensa de licitação para aquisição e contratação emergencial nas ações de combate ao coronavírus. A presunção, entretanto, é relativa. Se não for comprovada oportunamente, pode-se estar diante de fraude ao dever de licitar e dano ao erário.

INTRODUÇÃO

É de saber notório a grave crise do sistema sanitário e de saúde pública vivenciada nos últimos meses por diversos países, decorrente da disseminação e proliferação de um novo coronavírus (covid-19), inclusive o Brasil.

Com primeiros casos registrados na China no final do ano de 2019, na data de conclusão do presente, os infectados por essa epidemia somam 665.337 mil pessoas[1], de acordo com dados periódicos da Universidade John Hopkins em Baltimore, nos Estados Unidos.

Diante desse cenário e da rápida velocidade com que o vírus se propaga, o Estado brasileiro vem adotando algumas providências a fim de combater a sua transmissão no país. Dentre tais providências, fora editada a Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Uma dessas medidas previstas na nova Lei, foco do presente artigo, é a contratação direta nos casos de aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.

O presente estudo se propõe, portanto, a compreender a hipótese de dispensa de licitação prevista na nova Lei, a que ela se presta, analisando os seus aspectos formais e demais contornos.


1. DISPENSA DE LICITAÇÃO: NOÇÕES GERAIS

Antes de adentrar especificamente na possibilidade de contratação direta prevista no art. 4º da Lei 13.979/2020, faz-se necessário tecer alguns comentários, breves e propedêuticos, acerca do instituto da dispensa de licitação.

A obrigatoriedade do Poder Público de promover a licitação possui amparo jurídico na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, XXI. A Constituição determina que a obtenção de bens e serviços pela Administração Pública deverá ser antecedida, em regra, de licitação, um procedimento preliminar formal, isonômico e vinculado, voltado ao atendimento ao interesse público e à escolha da proposta mais vantajosa.

Existem algumas situações em que a realização do procedimento de licitação pode colocar em risco ou prejudicar o interesse e a segurança pública. Diante dessas excepcionalidades, a Lei Federal 8.666/93 (Lei Geral de Licitações e Contratos Público) autorizou hipóteses em que a realização da competição poderá ser dispensada através das contratações diretas.

As exceções ao princípio da obrigatoriedade de licitar estão regulamentadas pela Lei nº 8.666/93, em seus artigos 24 e 25, e podem se dar por dispensa ou inexigibilidade.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro esclarece, em breve síntese a distinção entre esses dois institutos:

A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto, ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável[1].

A dispensa de licitação, modalidade foco do presente estudo, será possível, portanto, quando, embora viável e possível a realização do procedimento licitatório, “a lei autoriza o servidor a escusar-se ou abster-se de promover a licitação”[2].

Isso quer dizer que a autorização prevista no art. 24 não possui força vinculativa ao administrador, cabendo a este a escolha de realizar ou não procedimento de licitação no caso concreto.

Neste sentido, explica Carlos Ari Sundfeld:

(...) a lei contempla casos de dispensa, que são aqueles em que, embora viável o certame, no critério do legislador é inconveniente fazê-lo, por circunstâncias diversas. Neles, apesar de a licitação atender aos reclamos do princípio da isonomia, permitindo a disputa igualitária pelos negócios públicos, desatende outros valores, também juridicamente tutelados. Atenta a essa possível contradição entre o interesse dos particulares pela disputa, de um lado, e o interesse público, de outro, a Constituição, ao impor a obrigatoriedade da licitação, expressamente admitiu que a lei a dispensasse (art. 37-XXI)[3].

Entretanto, em que pese a liberdade concedida, para que o Estado possa valer-se da dispensa da licitação, é necessário que haja expressa previsão legislativa. Não por outra razão é que, o art. 24 da Lei 8.666/93 traz um rol taxativo de trinta e cinco situações em que é dispensável a realização de certame, hipóteses que não admitem interpretações extensivas para que a obrigação de licitar seja afastada.

Dentre as hipóteses elencadas no art. 24, IV da Lei 8.666/93, o inciso IV do diploma prevê que:

Art. 24.  É dispensável a licitação: 

(...)

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos

Com fundamento no referido dispositivo, a Lei nº 13.979/2020 estabeleceu, em seu art. 4º, a dispensa de procedimento de licitação prevista para aquisição de bens e serviços para enfrentamento ao surto ocasionado pelo coronavírus.

Em breve síntese, a dispensa de licitação nos casos de emergência e calamidade pública poderá ser utilizada pela Administração em situações nas quais estiver diante de circunstâncias imprevisíveis, causadas por desastres ou quando há necessidade de uma contratação imediata. Nessas hipóteses há uma supremacia da segurança nacional para garantir o atendimento do interesse público.


2. A LEI Nº 13.979/2020 E A DISPENSA DE LICITAÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SOLUÇÃO AO COMBATE DO CORONA VÍRUS

A fim de facilitar e a assistir o enfrentamento ao surto do coronavírus no país e no mundo, o Estado brasileiro, dentre outras medidas previstas na Lei nº 13.979/2020, estabeleceu uma nova hipótese de dispensa de licitação para contratações voltadas ao enfrentamento da situação emergencial.

Assim fora redigido o art. 4º, caput, do referido diploma, in verbis:

Art. 4º - É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei.

Compreendeu, portanto, o Legislador, que, para enfrentamento da nova crise de saúde pública que se anunciava, inconveniente seria submeter as contratações não apenas ao regime das licitações, mas ao próprio regime de dispensa de licitação previsto na Lei nº 8.666/93.

Com efeito, há muito os estudiosos e operadores da Lei Geral de Licitações e Contratações Públicas denunciam a obsolescência de suas disposições. Em razão disso, entendeu-se por necessário o afastamento das disposições gerais, por serem exageradamente burocrática e não raro contraproducentes, mesmo ao regulamentar as contratações diretas.

Complementando-se, ainda, a simplificação iniciada pela promulgação da Lei nº 13.979/2020, o Executivo editou a Medida Provisória nº 926, de 06 de fevereiro de 2020, que veio a dar ainda mais liberdade ao Poder Pública para as contratações que visam a obtenção de soluções ao combate da covid-19, como será analisado ao longo do presente.

2.1. OS REQUISITOS E PECULIARIDADES DA DISPENSA PREVISTA NA LEI Nº 13.979/2020.

Por ser modalidade apartada de dispensa de licitação – embora iluminada por aquela prevista no inciso IV, do art. 24, da Lei nº 8.666/93 – a dispensa prevista no art. 4º, da Lei nº 13.979/2020 possui peculiaridades e requisitos próprios à utilização.

A breve leitura do caput, do dispositivo colacionado, revela que a nova hipótese de dispensa de licitação poderá ser utilizada para contratação de bens, serviços e insumos com a finalidade de ofertar soluções ao enfrentamento da crise causada pela covid-19.

Não buscou, o Legislador, limitar o objeto de contratações, podendo se voltar a qualquer tipo de solução, não necessariamente àquelas que visem ao combate direito do vírus, como construções de hospitais, insumos médicos e etc. Parece-nos, portanto, que a contratação direta, com base no art. 4, da Lei nº 13.979/2020 pode possuir como objeto as mais diversas soluções, de qualquer natureza ou ramo, desde que objetivem a colaboração no combate e enfrentamento da situação de pandemia causada pelo coronavírus.

Com efeito, o critério adotado pela Lei, para estabelecer a hipótese de dispensa de licitação é finalística; atendida a finalidade legalmente posta, possível será a contratação direta. O Legislador se escusou, portanto, de enumerar o que poderia ou não ser contratado, possivelmente por compreender que, diante da situação de emergência, imprevisíveis são as medidas que se farão necessárias para o seu combate, sendo mais eficiente indicar a que se propõe a habilitação legal para dispensar-se a licitação, do que indicar, exaustivamente, o que poderá ser contratado.

Deverá existir, portanto, nexo de causalidade entre a aquisição daquele bem ou serviço pelo Administrador da coisa pública e o combate à situação emergencial, não se admitindo a contratação com finalidade diversa.

Nota-se, ainda, que o aludido art. 4º utiliza o termo “emergência”, significando que deve existir uma situação incialmente imprevisível e que haja perigo de dano ou risco ao interesse e segurança pública, caso a contratação não seja realizada de forma imediata, como explica Marçal Justen Filho:

No caso específico das contratações diretas, emergência significa necessidade de atendimento imediato a certos interesses. Demora em realizar a prestação produziria risco de sacrifício de valores tutelados pelo ordenamento jurídico. Como a licitação pressupõe certa demora para seu trâmite, submeter a contratação ao processo licitatório propiciaria a concretização do sacrifício a esses valores. (p. 339)[4]

Não por outra razão, que o §1º do artigo 4º preceitua que a contratação possuirá natureza temporária, perdurando somente enquanto durar a situação de emergência, cessando-a, finalizado estará a vigência do contrato. Assim, indica o art. 4º-H, da Lei nº 13.979/20, que o prazo de vigência dos contratos celebrados sob sua égide deve respeitar o limite máximo de seis meses, permitindo-se prorrogações sucessivas por igual período, enquanto ainda se fizer necessário o enfrentamento da situação emergencial de saúde pública.

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Dito isso, conclui-se que a compra de um medicamento e/ou aparelhos de saúdes ou hospitalares, por exemplo, não é suficiente por si só para que o Estado deixe de realizar o procedimento de licitação com base na Lei Federal 13.979/20, sendo necessário que, (i) haja uma necessidade de que a aquisição seja realizada imediatamente sob risco de prejuízo a segurança pública e interesse coletivo; e (ii) os insumos desejados sejam comprovadamente adequados para combater a situação decorrente da Covid—19.

Neste sentido, opinou o Advocacia Geral da União, em seu parecer sobre o tema[5]:

(...) para a configuração da contratação direta emergencial por dispensa de licitação, devem ser preenchidos os seguintes pressupostos:

a) Demonstração concreta e efetiva de que a aquisição de bens e insumos de saúde serão destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus;

b) Demonstração de que a contratação é via adequada e efetiva para eliminar o risco.

Vale ressaltar que a permissão aqui estudada não admite interpretações extensivas, de modo que os requisitos acima elencados devem observados pelo Poder Público no momento da contratação, sob risco de incorrer em improbidade administrativa.

Além das dessas diretrizes e princípios investigados, a dispensa de licitação fundada na solução ao enfrentamento da pandemia ocasionada pelo Coronavírus deve atender a algumas formalidades procedimentais, tema será abordado no próximo item.


3. ASPECTOS FORMAIS E PROCEDIMENTAIS

Muito embora a situação emergencial, de calamidade pública, torne a licitação dispensável, não está, a Administração Pública, escusada de atender a certas formalidades mínimas necessárias à garantia dos princípios que vinculam sua atividade e do interesse público. Assim, ainda que torne desnecessária a observância, em integralidade, do procedimento complexo das licitações, também a dispensa de licitação exigirá certa procedimentalidade.

Com efeito, a contratação direta, enquanto procedimento voltado a contratações públicas, deverá ser formalizado pela sucessão de atos que atendam aos pressupostos materiais e formais legalmente estabelecidos[6].

Nesse sentido, merece especial atenção o art. 26, da Lei nº 8.666/93, que estabelece o procedimento prévio a ser adotado pela Administração ao realizar contratações diretas.

Enquanto regulamentação geral da dispensa de licitação, a Lei nº 8.666/93 aplicar-se-ia à dispensa de contração prevista na Lei n° 13.979/2020. Este último diploma, entretanto, apresenta disposições próprias sobre o procedimento de contratação, sobretudo após as alterações que lhe foram realizadas pela Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020.

A nova Lei trata, portanto, de derrogar uma série de regras postas pela Lei Geral de Licitações, em busca de simplificar ainda mais a dispensa de licitação, contribuindo com sua eficiência, ofertando opções ao Gestor, evitando que a formalidade não seja um entrave ao combate da situação emergencial.

É possível notar nas normas de 2020 a emancipação do espírito burocrático do Legislador de 1983, que intentava coibir os abusos da Administração pela Lei, por regramentos prolixos e exaustivo. Aqui, o controle não está mais centrado no regramento, devendo, portanto, ser realizado a posteriori. É nos resultados que será possível averiguar se a Administração contratante, respeitou as finalidades da dispensa de licitação, os princípios que refém sua atividade e o interesse público primário.

Importante se faz, portanto, analisar esses aspectos formais e procedimentais.

3.1. AMPLA DIVULGAÇÃO DAS INFORMAÇÕES

Atenta aos deveres de transparência e ampla publicidade das atividades da Administração Pública, a Lei nº 13.979/2020 determina que as contratações realizadas por meio da habilitação legal nela prevista deverão ser imediatamente disponibilizadas em site oficial específico.

A disponibilização imediata e concentrada em um único local das informações sobre essas contratações é de extrema importância. A um, é pertinente à própria Administração, uma vez que permitirá que órgãos e entidades públicas saibam o que os outros estão contratando, e como estão contratando. Trata-se de uma situação nova e de urgência, não havendo tempo hábil para estudos e treinamentos robustos, de forma que a troca é relevante para o aperfeiçoamento da técnica.

A dois, é mesmo importante para que as instâncias de controle, e mesmo o cidadão, possam monitorar essas contratações emergenciais com maior facilidade, sendo certo que toda contratação realizada pela Administração é uma contratação que deve atender a interesses e necessidades públicas.

Nesse sentido, o § 2º, do mencionado art. 4º, estabelece que essa divulgação na rede mundial de computadores deverá obedecer, no que couber, as exigências do art. 8º, § 3º, da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), apresentado, ainda, “o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição”.

3.2. PRESUNÇÕES DE ATENDIMENTO A CONDIÇÕES DA CONTRATAÇÃO

O art. 4º-B, da Lei nº 13.979/2020, acrescentado pela MPv nº 926/2020, estabelece presunções de que certas condições das contratações diretas se encontram atendidas. Assim encontra-se redigido o dispositivo:

Art. 4º-B  Nas dispensas de licitação decorrentes do disposto nesta Lei, presumem-se atendidas as condições de: 

I - ocorrência de situação de emergência;         

II - necessidade de pronto atendimento da situação de emergência;          

III - existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e          

IV - limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.             

Como regra, deve a Administração demonstrar as razões da contratação direta que realizar, demonstrando a situação fática que a justifica e sua integração com a hipótese legal que a permite[7]. Contudo, por força do dispositivo acima exposto, uma vez realizando a contratação por meio da dispensa prevista no art. 4º da Lei em alusão, a situação de emergência, a necessidade de prontamente atendê-la e o risco encontram-se presumidos.

Aparentemente, o Poder Executivo Federal, ao editar a Medida Provisória, partiu do pressuposto que tamanha a urgência das contratações para soluções na prevenção e combate ao coronavírus, que seria contraproducente impor ao Gestor a formalização, por escrito, das motivações da contratação.

Estará presumido, ainda, que a contratação realizada atende à exigida limitação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência, sem extravasar para bens, serviços ou insumos que não atendam diretamente à crise de saúde pública causada pelo covid-19.

Encontra-se derrogada, portanto, a exigência do inciso I, do parágrafo único, do art. 26 da Lei nº 8.666/93, que impõe que esteja caracterizada, no processo de dispensa de licitação, quando for o caso, a “situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa”.

Temos, outrossim, que a aludida presunção é juris tantum, podendo, portanto, ser questionada com provas que demonstrem o contrário[8]. A mais, existindo, no Estado Democrático de Direito, um dever de motivação dos atos administrativos, a sua mitigação, legalmente estabelecida, em busca de eficiência e celeridade, deve ser compensada por um dever um dever de demonstrar os fundamentos, se assim for requerido[9].

Assim, sendo solicitado ao órgão ou entidade contratante as justificativas da contratação direta realizada, deverá essa ser apresentada. Não se confirmando, na prática, as presunções legalmente concedidas, aqueles que se envolveram na contratação poderão vir a ser responsabilizados pela fraude ao dever de licitar e por eventuais danos ao erário.           

3.3. NÃO EXIGÊNCIA DE ESTUDOS PRELIMINARES PARA AS CONTRATAÇÕES DE BENS E SERVIÇOS COMUNS.

A Lei em apreço, após modificações do Poder Executivo, passou a não exigir, para contratação de bens e serviços comuns, por meio da dispensa nela prevista, a elaboração de estudos preliminares pela Administração contratante. Tem-se, pois, por interpretação a contrario sensu, que tais estudos serão necessários para as demais contratações.

Os estudos prévios são, em regra, a primeira fase do planejamento de uma contratação pública, que visa a análise da necessidade de contratação, viabilidade (inclusive, técnica) da contratação, seus impactos ambientais e fornecer elementos para o futuro projeto básico ou termo de referência, conforme art. 6º, IX, da Lei nº 8.666/93 e Instrução Normativa nº 05/2017.

Buscou-se, portanto, a simplificação do procedimento quando a contratação direta destinada ao enfrentamento da emergência de saúde pública proveniente do coronarvírus tiver como objeto bens e serviços comuns, ou seja, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos por meio de especificações usuais no mercado (conforme parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 10.520/2002).

Apesar da razoabilidade da determinação da Lei nº 13.979/2020, aparentemente, o novo regime, voltado ao combate da covid-19, se mostra mais severo que o regime geral já existente. Isso porque, a IN nº 05/2017 já previa a não necessidade da realização de estudos preliminares para as contratações previstas no inciso IV, do art. 24, da Lei nº 8.666/93, sou seja, para a dispensa de licitação por situação emergencial.

Parece, inclusive, que a MPv nº 926/2020, neste particular, possui certa incongruência. Buscando eficiência e celeridade nas contratações para enfrentamento da situação emergencial de pandemia, tem por presumida a necessidade pública que viabiliza a contratação – o que seria apurado em estudo preliminar –, mas exige a realização dos estudos para contratações de bens e serviços não comuns, quando nem o regime geral os exige.

Entendemos, portanto, que, à luz de uma interpretação constitucional, que privilegia o interesse público e o princípio da eficiência, que deverá ser aplicada a disposição da IN nº 05/2017 também às contratações baseadas na Lei nº 13.979/2020, sendo, portanto, para estas, dispensados os estudos preliminares, tratando-se de bens e serviços comuns, ou não.

Ainda assim, cumpre realizar uma ponderação.

O que há é uma dispensa. Não se encontra a Administração obrigada a não realizar todo e qualquer estudo prévio.

Diz-se isso porque, ainda que se tratando de hipótese de contratação direta e em caráter emergencial, encontra-se, a Administração Pública, vinculada a princípios como o da impessoalidade e da moralidade[10]. Assim, sempre que as informações, dados e soluções buscadas forem de fácil elaboração, ou forem facilmente acessadas, deverá a entidade ou órgão cumprir com o estudo.

Assim, sempre que a situação fática permitir, deverão ser realizadas estimativas de quantidades, levantamento de mercado, pesquisa de preço, entre outros estudos pertinentes à contratação, evitando-se o uso abusivo da hipótese legal.

3.4. DA ADMISSÃO AO TERMO DE REFERÊNCIA BÁSICO E AO PROJETO BÁSICO SIMPLIFICADOS.

A Lei nº 19.979/2020, alterada pela MPv nº 926/2020, admite, em seu art. 4º-E, que, para as contratações para enfretamento da situação emergencial causada pelo coronavírus, a apresentação de termo de referência simplificado e projeto básico simplificado.

Uma primeira observação a ser realizada é no sentido de que o dispositivo se refere às “contratações”, não apenas às dispensas de licitação. Assim, é de entender-se que o dispositivo habilita à Administração que, caso considere favorável a realização de licitação, ou caso valha-se de hipótese de inexigibilidade de contratação, no contexto da situação de emergência, a apresentar o termo de referência, ou o projeto básico, de forma simplificada, seguindo aos parâmetros dispostos nos incisos, do § 1º, do mencionado art. 4º-E.

         O projeto básico é documento que descreve detalhada e exaustivamente a obra ou serviço que a Administração protesta contratar, contendo, sobretudo, os requisitos e elementos exigidos pelo art. 6°, inciso IX e alíneas, da Lei Geral de Licitação e Contratos. Trata-se de documento de extrema complexidade e efetivamente trabalhoso para realização.

Igualmente o termo de referência é documento que deve conter os elementos necessários e suficientes, descritos em detalhes, que caracterizam o objeto da contratação. Trata-se, entretanto, de documento que orienta as licitações na modalidade pregão, sendo, portanto, adequado, às contratações de bens e serviços comuns. Seu conteúdo encontra-se determinado pelo Decreto nº 10.024/2019.

Tratam-se, pois, de documentos que orientarão a contratação e, posteriormente, o controle da execução do objeto contratual pelo contratado e que, na regulamentação geral, possuem uma série de requisitos, havendo uma rigorosa exigência de detalhamento, as quais, em geral, se justificam pela importância que possuem.

No particular do projeto básico, é de se apontar, entretanto, que há muito o Legislador vem buscando alternativas mais simplificados à regulamentação da Lei nº 8.666/93, havendo exigido, para as contratações das concessões de serviços públicos, o que denominou de “elementos de projeto básico” (vide art. 18, XV, da Lei nº 8.897/95), e, nas contratações integradas previstas no regime diferenciado de contratação, o anteprojeto de engenharia (art. 9, § 2º, I, Lei nº 12.462/2011).

Assim, em nova experimentação, não obstante entender ser necessária a caracterização do objeto a ser contratado, a Lei nº 13.979/2020 permite a realização de termo de referência simplificado e projeto básico simplificado, evitando, pois, que a excessiva complexidade da documentação pré-contratual venha ser um entrave a efetividade das contratações, evitando-se, pois, a majoração dos danos causados pela covid-19.

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Sobre os autores
Luiz Quintella

Advogado no Escritório Jacoby Fernandes & Reolon. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade de Lisboa. Especialista em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito.

Júlia de Almeida Gonzaga

Advogada. Pós-Graduanda em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUINTELLA, Luiz ; GONZAGA, Júlia Almeida. Dispensa de licitação para combate ao coronavírus:: análise da hipótese de contratação direta da Lei 13.979/2020. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6117, 31 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80678. Acesso em: 24 nov. 2024.

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