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As Forças Armadas e a democracia

28/05/2020 às 13:00
Leia nesta página:

A função constitucional das Forças Armadas é garantir os poderes constitucionais, observando e garantindo, também, os direitos humanos. Se assim o é, a ação delas jamais poderá atentar contra a existência do "garantido". Então por que será que, no atual cenário político brasileiro, o receio de que essa regra estivesse sendo ameaçada veio à tona?

I – AS FORÇAS ARMADAS

Determina o artigo 142 da Constituição Federal:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

§ 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas;

II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea c, será transferido para a reserva, nos termos da lei;

III - o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea c, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;

IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;

V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos;

VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;

VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar à pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior;

VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como, na forma da lei e com prevalência da atividade militar, no art. 37, inciso XVI, alínea c;

IX - (Revogado).

X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.

Dizer-se que as Forças Armadas consignam instituições nacionais é reconhecer-lhes a autonomia jurídica que deriva do seu próprio caráter institucional.

Por outro lado, declará-las como instituições permanentes e regulares significa dizer que elas estão ligadas à própria manutenção do Estado. Enquanto ele existir e durar, as Forças Armadas também perduram.

Hierarquia é o ato de subordinação sancionada e graduada de acordo com os níveis de autoridade. O presidente da República é o grau maior desse escalonamento (artigo 84, XIII, da CF).

Disciplina é o poder legal conferido aos superiores hierárquicos para impor comportamentos e ordens aos seus inferiores, um vinculo de acatamento e respeito.

A disciplina é um corolário de toda organização hierárquica, como disse Miguel Seabra Fagundes (As forças armadas na Constituição, 1955, pág. 23).

De acordo com a Constituição Federal de 1988, as Forças Armadas são integral e plenamente subordinadas ao poder civil, e que seu emprego depende sempre de decisão do Presidente da República, que a adota por iniciativa própria ou em atendimento a pedido dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.


II – OS GRUPOS ARMADOS

Em sendo assim, é inconcebível entender-se o apoio das Forças Armadas a grupos armados.

Tem-se do texto constitucional:

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

É inconcebível a convivência das Forças Armadas com forças paramilitares.

Trata-se de conduta criminosa a formação de milícias armadas.

Determina o artigo 288 – A do Código Penal:

Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: (Incluído dada pela Lei nº 12.720, de 2012)

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos. (Incluído dada pela Lei nº 12.720, de 2012)

Como aludiu Cezar Roberto Bitencourt (Constituição de milícia privada) o bem jurídico protegido imediato, de forma específica, é o sentimento coletivo de segurança na ordem e proteção pelo direito, que se vê abalado pela conduta tipificada no art. 288-A, ora sub examine.

Paramilitar é aquela que “caminha ao lado” da militar, em situação ilegal. Possui a estrutura da organização militar, sem ser militar. Assemelha-se à estrutura militar, podendo haver hierarquia, armamento, planejamento de ataque etc.

Paramilitares são associações não oficiais, cujos membros atuam ilegalmente, com o emprego de armas, com estrutura semelhante à militar. Essas forças paramilitares se utilizam das técnicas e táticas policiais oficiais por elas conhecidas, a fim de executarem seus objetivos anteriormente planejados.

Milícia significa batalhão, polícia. A milícia particular se refere a um grupo menor de agentes criminosos que se reúnem inicialmente para fornecer “segurança” (vulgarmente conhecido como “bico”) e depois passa a extorquir uma determinada população. Em alguns casos pode por exemplo, ser formada por policiais militares, como no caso do Estado do Rio de Janeiro. Existe uma semelhança grande entre as expressões organização paramilitar e milícia particular

Na constituição de milícia privada, a associação é estável e permanente para a prática dos crimes. Estabilidade ou permanência: não basta a simples associação momentânea, exige-se a estabilidade ou permanência (exemplo de prova: certidões com crimes de roubo, nas quais se encontram as mesmas pessoas). A palavra estabilidade quer dizer a mesma coisa que permanência: constância, solidez. Trata-se do caráter duradouro e permanente (STJ, APn 514-PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16/6/2010). No sentido de exigir essa estabilidade e permanência: Rogério Sanches Cunha, Comentários a Lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012.

Constituir (significa compor a organização, o grupo criminoso); organizar (é encontrar a melhor maneira de agir); integrar (é fazer parte); manter ou custear (significa sustentar, pagar o custo, não apenas financeiramente, mas com o fornecimento de materiais, instrumentos bélicos etc). Não importa o núcleo praticado, estamos diante de comportamentos cometidos por associados (fundadores ou não) do grupo criminoso.

O crime do artigo 288-A do Código Penal em sua modalidade “constituir”, o agente só responderá pelo referido delito depois de algum tempo juridicamente relevante. Se participou da constituição, mas a organização não se prolongou minimamente, o fato é atípico eis que a tentativa não é punida.

Responde nesse caso, se participou da constituição, a organização se manteve, mas depois o agente deixa tal organização. Isso porque o abandono posterior da organização não configura desistência voluntária, porquanto o crime já estava consumado”

Com relação ao núcleo do tipo “manter”, é cediço que se exija uma conduta que efetivamente auxilie na organização criminosa. Assim, “se colaborou uma única vez, não estaria “mantendo”, exigindo-se uma reiteração de condutas”.

Trata-se de crime de perigo, formal, que exige o dolo específico.


III – UM PRECEDENTE HISTÓRICO

Volto-me ao que disse o site do Mundo Educação (O golpe preventivo de 1955).

Veja-se o exemplo do golpe preventivo de 11 de novembro de 1955.

O Golpe Preventivo foi liderado pelo general Henrique Teixeira Lott como forma de garantir a continuidade da legalidade no Brasil a fim de ratificar a posse do presidente Juscelino Kubitschek, eleito nas eleições presidenciais de 1955.

A realização das eleições em outubro de 1955 ratificou a vitória de JK, que recebeu 36% dos votos contra 30% dos votos para Juarez Távora, 26% de Ademar de Barros e 8% de Plínio Salgado.

A forças que apoiavam a UDN, derrotada naquelas eleições, entendiam que JK não deveria assumir. Repetiram o discurso que fizeram contra Getúlio Vargas, quando de sua vitória em eleição popular. Não poderia ele assumir, se assumisse, não poderia governar.

Carlos Lacerda fazia um claro apelo para uma intervenção dos militares, e seu discurso foi apoiado por outros grupos políticos que acusavam a chapa de JK de ser comunista. Um argumento desesperado lançado pela UDN foi a de reivindicar que a vitória de JK não havia sido válida, pois ele não havia conquistado a maioria absoluta dos votos. Esse argumento, no entanto, não tinha validade, uma vez que a Constituição de 1946 exigia maioria simples dos votos.

A crise política e a ameaça da realização de um golpe de Estado chegaram a uma situação crítica em novembro de 1955. No dia 1º desse mês, o coronel Jurandir Mamede, um dos líderes da conspiração golpista, defendeu abertamente a realização de um golpe militar para impedir a posse de JK e João Goulart.

O discurso de Mamede chamou a atenção de uma figura essencial desse período e considerado uma pedra no sapato pelos conservadores: o general Henrique Teixeira Lott. O general era conhecido por ser um legalista ferrenho. Ele ocupava o cargo de Ministro da Guerra e tinha grande influência dentro das Forças Armadas. Além disso, ficou conhecido por travar uma luta na política para combater a influência tanto dos comunistas como dos conservadores radicais, tais como Carlos Lacerda.

O discurso realizado por Mamede enfureceu o general Lott, que passou a exigir da presidência uma punição para o coronel. O presidente Café Filho, no entanto, foi afastado da presidência por problemas cardíacos, o que levou à posse de Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, como presidente do Brasil no dia 8 de novembro de 1955.

Carlos Luz, que era abertamente um defensor da proposta golpista, recusou o pedido de Lott para impor uma punição sobre Mamede. A recusa do presidente fez com que o general Henrique Teixeira Lott pedisse demissão do Ministério da Guerra. O discurso de Mamede e a demissão de Lott fortaleceram os golpistas, que intensificaram seu discurso. Foi aí que o general Lott resolveu agir.

Com diversos boatos espalhando-se pela capital, Rio de Janeiro, acerca da conspiração que estava em andamento, Lott optou por agir e garantir a continuidade da legalidade no Brasil, assim, o militar realizou um contragolpe. Conhecido como Golpe Preventivo, esse contragolpe liderado por Henrique Teixeira Lott aconteceu no dia 11 de novembro de 1955.

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O general Lott mobilizou tropas militares no Rio de Janeiro e realizou um golpe militar fulminante. As tropas lideradas por Lott tomaram o controle de unidades militares e invadiram prédios governamentais, além de estações de rádio e jornais. Além disso, anunciou a deposição do presidente interino Carlos Luz.

Os deputados brasileiros confirmaram a deposição de Carlos Luz, e a presidência do Brasil foi assumida por Nereu Ramos, presidente do Senado. Ao entregar o poder novamente para o Congresso, o general Lott garantiu o princípio da legalidade e confirmou a posse de JK para 1956. Poucos dias depois, Café Filho tentou reassumir a presidência do Brasil, sendo barrado pelos congressistas. A partir daí, o Brasil foi governado em Estado de Sítio até o dia 31 de janeiro de 1956, quando JK tomou posse.


IV – A NECESSIDADE DA PRESERVAÇÃO DA DEMOCRACIA

Por fim, necessário lembrar que a ditadura pode ser alcançada após a vitória de um grupo em eleições democráticas. Isso se deu no nazismo, em 1933, e com o fascismo, na década anterior.

A função constitucional das Forças Armadas é garantir os poderes Constitucionais e são instituições que devem observam os direitos humanos dessa forma algo que tenha função de garantidor jamais poderá atentar contra a existência do garantido. Em um país a autoridade suprema é a sua Constituição que toda autoridade faz compromisso de proteger e preservar.

Nos limites da Constituição de 1988 é dever das Forças Armadas a defesa da democracia.

A democracia traz um conteúdo ético de valores compartilhados internacionalmente que são entendidos como conquistas de um estado progressivo de nossa cultura que busca a efetivação dos direitos humanos, vejamos como esses valores são expressos na Carta Democrática Interamericana.

Artigo 3

São elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, o acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao Estado de Direito, a celebração de eleições periódicas, livres, justas e baseadas no sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo, o regime pluralista de partidos e organizações políticas, e a separação e independência dos poderes públicos.

Artigo 4

São componentes fundamentais do exercício da democracia a transparência das atividades governamentais, a probidade, a responsabilidade dos governos na gestão pública, o respeito dos direitos sociais e a liberdade de expressão e de imprensa.

A subordinação constitucional de todas as instituições do Estado à autoridade civil legalmente constituída e o respeito ao Estado de Direito por todas as instituições e setores da sociedade são igualmente fundamentais para a democracia.

Vejamos estes valores decompostos em elementos e componentes atuam no fortalecimento da participação do cidadão, busca pela igualdade, tolerância política, prestação de contas, transparência da gestão, eleições livres e justas regulares, liberdade, direitos humanos, pluripartidarismo e Estado de Direito.

A democracia no Brasil dá feição ao Estado que possui como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

A função constitucional das Forças Armadas é garantir os poderes Constitucionais e são instituições que devem observam os direitos humanos dessa forma algo que tenha função de garantidor jamais poderá atentar contra a existência do garantido. Em um país a autoridade suprema é a sua Constituição que toda autoridade faz compromisso de proteger e preservar.

Em sendo assim as Forças Armadas devem estar ao lado da democracia.

Desta forma, preocupa, sobremaneira, o fato de que um grupo de 90 oficiais da reserva do Exército divulgou , no dia 23 de maio do corrente ano, uma nota de apoio ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, na qual, em tom de ameaça, atacam o Supremo Tribunal Federal (STF), a imprensa e falam em “guerra civil”.

“Faltam a ministros, não todos, do stf (sempre grafado em letras minúsculas), nobreza, decência, dignidade, honra, patriotismo e senso de justiça. Assim, trazem ao País insegurança e instabilidade, com grave risco de crise institucional com desfecho imprevisível, quiçá, na pior hipótese, guerra civil”, diz o texto.

Ora, o ministro Celso de Mello cumpriu a Constituição. Diante de um sistema acusatório, que preserva a missão do Parquet, solicitou ao Parquet parecer para saber se era necessário a quebra do sigilo do celular do atual presidente no bojo da investigação aberta onde se discute se houve ou não interferência do chefe do Executivo em investigações promovidas pela Polícia Federal.


V- CRIME CONTRA A SEGURANÇA NACIONAL

A desobediência a uma ordem judicial, num regime democrático, é crime de desobediência, passível, isso sim, das penas da lei.

Uma sociedade que não respeita às determinações judiciárias, fere a democracia, que tem seus instrumentos para a sua preservação.

A quem interessa a guerra civil?

A ameaça de golpe feita é um crime contra a segurança nacional. A democracia brasileira não pode se curvar neste momento, sob o risco de cruzarmos a última barreira que distingue a nossa democracia de um regime totalitário. É preciso frear os arroubos autoritários.

Há um cometimento de crimes contra a segurança nacional.

Ali se vê:

Art. 23 - Incitar:

I - à subversão da ordem política ou social;

II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;

Ali se vê:

O primeiro objetivo que se extrai dos preceitos é o do reforço da ordem constitucional e do Estado democrático, ideal mais alto perseguido pelas organizações políticas, sobretudo do chamado mundo democrático. Lembre-se que somos um país em que o constitucionalismo e a democracia têm encontrado sérios obstáculos, aos quais as nossas instituições nem sempre resistem.

Em segundo lugar, retorna-se à preocupação de inserir no comportamento delituoso as ações agressivas provindas de qualquer quadrante da realidade nacional. São assim puníveis tanto civis como militares.

Sem o Poder Judiciário forte, o Poder Judiciário livre e o Poder Judiciário imparcial no sentido de não ter partes, não adotar atitudes parciais, não teremos uma democracia, que é o que o Brasil tem na Constituição e espera, de uma forma muito especial, dos juízes brasileiros para a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. As Forças Armadas e a democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6175, 28 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82535. Acesso em: 24 nov. 2024.

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