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JEF: As provas periciais no Brasil estão ameaçadas?

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11/06/2020 às 10:30
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Perícia Documental:

A ciência já discutiu fartamente esse assunto, estando as conclusões científicas sumarizadas no Processo Consulta CFM nº 37/2015 e no Parecer CFM nº 4/2017, com a seguinte ementa:

É vedado ao perito médico assinar laudos periciais quando não tenha realizado pessoalmente o exame no requerente, salvo em caso de óbito quando poderá ser designado a realizar perícia indireta documental. Na impossibilidade do periciando comparecer ao exame médico pericial, o perito médico deverá proceder à visita hospitalar ou domiciliar para comprovação in loco da incapacidade laborativa.

É oportuno acrescentar que a ação previdenciária tem como base dois conjuntos de documentos que apontam em sentidos opostos. Ambos legalmente válidos e produzidos em atendimentos periciais. O senso comum rapidamente percebe que não é possível afastar um desses conjuntos apenas analisando os documentos.

Na prática, os documentos médicos gerados pela previdência, rarissimamente, estão presentes nos autos e os documentos médicos apresentados pelos segurados não costumam apresentar as informações necessárias para terem validade pericial (documental), pois não atendem à Resolução CFM 1851/2008. Ou seja, um conjunto de documentos não é apresentado e o outro é imprestável como documento pericial. O que há para ser avaliado na prática, no concreto?

Aqui existe uma sugestão a ser dada, exequível, e que melhorará a qualidade das perícias presenciais: 1. Tornar regra que a previdência encarte as perícias médicas realizadas, e não somente a parte administrativa que, às vezes, é apresentada e; 2. Tornar regra que o segurado apresente cópia integral do seu prontuário médico, quer seja de serviço público, quer seja de serviço privado.

Em uma análise estritamente documental, se a previdência apresentar os documentos médicos que produz, não será possível discordar das suas conclusões porque costumam estar de acordo com a Resolução CFM 1851/2008, o que não acontece com os documentos médicos trazidos pelo segurado. Ou seja, os documentos dos segurados teriam que ser descartados por serem imprestáveis do ponto de vista estritamente documental e a lide, se avaliada somente do ponto de vista documental, sempre seria favorável à previdência.

Ao fim e ao cabo, em igualdade documental (as partes não apresentam documentos válidos ou ambas apresentem documentos válidos), não é possível haver decisão médico-pericial fundamentada cientificamente, pois os dois conjuntos gozam de presunção de veracidade e foram emitidos em exames presenciais. Se apenas uma parte apresentar documentos médicos válidos, decidirá a lide a seu favor. Decisões fora desses padrões dificilmente estarão fundamentadas em dados científicos.

Prova Técnica Simplificada:

A prova técnica simplificada, que não pode ser confundida com perícia, visa à arguição do perito sobre ponto controvertido. Toda ciência trata de assuntos gerais e a medicina não é exceção. A medicina conclui o que é válido para as pessoas que se enquadram em determinada condição e é somente sobre isso que o médico pode ser inquirido. Para isso, o médico inquirido sequer precisa ter os conhecimentos exigidos e necessários do perito médico, pois elucidará questões gerais dentro do conhecimento médico assistencial. Em suas respostas, o médico pode dizer se uma patologia, em tese, pode ou não gerar incapacidade, mas nada poderá revelar se o segurado é realmente portador da patologia e menos ainda se a patologia, caso exista, está ou não gerando incapacidade.

Da Tramitação Processual no JEF:

O que se pode esperar se o modelo de perícias não presenciais for implantado como forma rotineira de avaliar incapacidade nas ações previdenciárias? É crível que o número de ações aumente substancialmente, pois é difícil supor que a parte prejudicada aceite sentença baseada em tão frágil fundamento. Pelos mesmos motivos, os CRMs e o CFM serão sufocados por inúmeras queixas de má prática, ao mesmo tempo em que a Justiça Estadual receberá inúmeros pedidos de indenização pela mesma má prática.

Por outro lado, caso não existam médicos dispostos a participar destes eventos, os processos sofrerão atrasos maiores do que os atuais.


Conclusão:

Por todo o exposto, espero ter esclarecido que as perícias médicas não presenciais são inúteis para atingir os objetivos a que se propõem, além de causarem sérios prejuízos aos JEFs que, inclusive, podem respingar na sociedade.

Mais importante que isso, entretanto, é a constatação da imensa importância que o judiciário dá ao assunto, não poupando esforços para resolvê-lo. O fortalecimento do intercambio entre o judiciário e os peritos, posto que agora dispomos de estrutura organizacional que suporte tal comunicação institucional, em curto espaço de tempo será capaz de construir e implantar soluções que aliviem os sofridos brasileiros que têm, na previdência, sua fonte de subsistência. Tais soluções devem contemplar tanto o tempo de tramitação, quanto a ordem jurídica justa. Os conhecimentos técnicos, médicos e jurídicos, juntos, haverão de superar os desafios postos e vindouros.

No próximo artigo abordarei os outros três componentes do problema: demanda, oferta e provedor.


Notas

[1] JEF: A Ascensão da Perícia Médica Previdenciária acessível em https://jus.com.br/artigos/82709/jef-a-ascensao-da-pericia-medica-previdenciaria-1-3.

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[2] Acessível em https://www.trt7.jus.br/escolajudicial/arquivos/files/busca/2015/NOVO_CODIGO_DE_PROCESSO_CIVIL-_APLICACAO_SUPLETIVA_E_SUBSIDIARIA.pdf

[3] Peão, música, Almir Sater

[4] Nota conjunta CFM, AMB, ABMLPM e ANAMT. Acessível em https://abmlpm.org.br/telepericia/

[5] Nota Técnico 03, maio 2020 IBPM – Teleperícia na Avaliação de Capacidade Laborativa

[6] ABP sugere reanálise da Teleperícia autorizada pelo CNJ Acessível em https://www.abp.org.br/post/abp-reanalise-telepericia-cnj

[7] MPF, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC e dos Grupos de Trabalho “Direito à Assistência e Previdência Social”, “Inclusão para Pessoas com Deficiência” e “Saúde Mental”- , através da RECOMENDAÇÃO Nº 4/2020/PFDC/MPF, referindo o Procedimento Administrativo PA - PPB n° 1.00.000.007208/2020-56.

[8] A Revolta de Atlas, Ayn Rand, Editora Arqueiro, 2010

[9] Surós, 8ª edição, Língua Espanhola

[10] A Sociedade e a Precarização da Medicina. Acessível em https://www.saudeocupacional.org/2019/02/a-sociedade-e-a-precarizacao-da-medicina.html

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Sobre o autor
Marcos Antonio Alvarez

Médico, formado na FAMERP em 1984, Cirurgião Geral (Residencia Médica), Endoscopista (SOBED/AMB), Médico do Trabalho (ANAMT/AMB), especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas (ABMLPM/AMB). Pós-Graduado em Ergonomia. Perito judicial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVAREZ, Marcos Antonio. JEF: As provas periciais no Brasil estão ameaçadas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6189, 11 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82947. Acesso em: 24 nov. 2024.

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