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O conflito de competências no acordo de leniência à luz da teoria dos jogos

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24/06/2020 às 14:40
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4. Considerações finais

Diante das ações verificadas por parte de cada um dos órgãos e o auxílio da Teoria dos Jogos, confirmou-se a existência das disputas institucionais entre o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União na condução do processo de acordo de leniência, instituído pela Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 (Lei Anticorrupção).

Há dificuldades sérias na implantação dos acordos de leniência, em razão da disputa acirrada entre o TCU e a CGU, os quais tentaram, por diversos meios, demarcar suas atribuições.

Apoiou-se nos ensinamentos da Teoria dos Jogos para representar os jogadores, as estratégias, as arenas e ações empreendidas entre eles, de forma direta ou indireta. São exemplos de atos a elaboração, pelo TCU, da Instrução Normativa nº 74, de 2015; as emendas apresentadas e as audiências realizadas na discussão do PL 3.636/2015, que pretende alterar dispositivos da Lei Anticorrupção; a edição da Medida Provisória nº 703, de 2015, que não contemplou o pleito do Tribunal; as ações no Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade da IN nº 74/2015 (ADI 5.294/2015) e evitando que informações sobre os processos de leniência em curso na CGU fossem repassadas à Corte de Contas (MS 34.031-DF).

Como demonstrado, para a CGU se manter como protagonista, a melhor estratégia seria ceder espaço para participação do TCU, isso é apresentado pela matriz no “Equilíbrio de Nash”. Todavia, pode-se optar em não permitir a participação em todo o processo, o que afetaria as recompensas definidas previamente, mas não prejudica a análise de que, nesse caso, a CGU seria fortalecida institucionalmente e o Tribunal beneficiado em parte.

Percebeu-se que existem lacunas e sobreposições na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que provocam disputas entre os órgãos para garantir presença no processo de leniência. Os interesses são o acesso à informação e dados, além de tornar-se uma instituição especial no processo de leniência.

É preciso resolver essas questões, seja pela via judiciária, com o julgamento das ações relacionadas ao tema, seja pelo caminho legislativo, viabilizando o aperfeiçoamento necessário para conferir aplicabilidade à leniência. Do contrário, esse promissor instrumento corre sério risco de não ser posto em prática, prejudicando, portanto, o interesse público, que exige o efetivo combate à corrupção.


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Notas

[1] FIANI explica que recompensas é aquilo que todo jogador obtém depois de encerrado o jogo, de acordo com suas próprias escolhas e as dos demais jogadores (FIANI, 2006, p. 47).

[2] O processo teve desdobramentos com pedidos de embargos de declaração e de reexame da matéria.

[3] Em novembro de 2017, a Chefe da Advocacia-Geral da União diz ao Jornal Valor Econômico a importância da atuação conjunta entre os órgãos (VALOR, 2017).

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Sobre o autor
Ronaldo Quintanilha da Silva

Mestre em Poder Legislativo pelo Cefor/CD. Especialista em Orçamento Público pelo ISC/TCU. Participa de grupos de pesquisas na Câmara dos Deputados. Professor do Cefor e cursos preparatórios para concursos. É Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (ex-CGU, ex-TCU). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5699283809757563

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUINTANILHA, Ronaldo Silva. O conflito de competências no acordo de leniência à luz da teoria dos jogos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6202, 24 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83405. Acesso em: 2 nov. 2024.

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