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Empresas fazem o que os políticos deixaram de realizar: atribuir responsabilidade editorial ao Facebook

16/07/2020 às 10:40
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Invocando a defesa da liberdade de expressão, o Facebook adotava uma política mais flexível em relação a anúncios pagos e postagens de usuários, mas resolveu deixar sua posição de indiferença em relação a conteúdos racistas e começou a rotular publicações duvidosas.

Finalmente o Facebook deixou de lado sua posição de indiferença em relação a conteúdos racistas e anunciou na sexta-feira do dia (27/06) que vai suprimir anúncios que contenham algum tipo de preconceito contra pessoas, em razão de origem, nacionalidade ou etnia.  Também decidiu rotular publicações duvidosas e de cunho político que gerem algum tipo de desinformação. O executivo-chefe da empresa que controla a rede social, Mark Zuckerberg, comunicou que a plataforma agora vai excluir anúncios que afirmem que pessoas de determinadas raças, origem, nacionalidade, gênero ou orientação sexual são uma ameaça à segurança ou saúde das demais[1]. 

Invocando a defesa da liberdade de expressão, o Facebook adotava uma política mais flexível em relação a anúncios pagos e postagens de usuários. Mesmo conteúdos visivelmente ilícitos ou racistas não eram bloqueados ou de alguma maneira rotulados, pois o Facebook considerava que as próprias pessoas deveriam retirar suas conclusões sobre o que era publicado. A mudança na política de “moderação de conteúdo” ocorreu após sofrer um boicote de empresas que anunciam na rede social. O movimento foi liderado pela Liga Antidifamação (ADL – Anti Difamation League)[2] e a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP -  National Association for the Advancement of Colored People)[3],que pediram aos anunciantes que boicotassem o Facebook como forma de pressioná-lo a fiscalizar conteúdos que incitam ódio, racismo e violência. Essas duas organizações iniciaram a campanha “Stop Hate for Profit”, pedindo às empresas que anunciam no Facebook e Instagram que deixem de contratar anúncios pagos durante o mês de julho.

O boicote publicitário ganhou corpo, com a adesão em poucos dias de cerca de 100 grandes empresas. Aderiram à campanha e anunciaram a suspensão de publicidade no Facebook empresas de porte como a Coca-Cola, Unilever (dona das marcas Dove, Hellmann´s e Lipton), a fabricante de veículos Honda, a empresa de telecomunicações Verizon e a Levi Strauss, dentre outras. Hoje foi a vez da Starbucks anunciar adesão à campanha[4]. As ações do Facebook tiveram uma queda de 8,3% na sexta-feira (26) - uma perda de US$ 56 bilhões (R$ 306,8 bilhões) do valor de mercado da empresa. Com essa desvalorização, Mark Zuckerberg viu seu patrimônio pessoal diminuir em US$ 7,2 bilhões (R$ 39,4 bilhões)[5].

O Facebook já vinha sendo pressionado pela sociedade civil e pelos seus próprios funcionários a adotar uma política de fiscalização de conteúdos mais efetiva. Ao contrário do Twitter, no final de maio se recusou a moderar mensagens do Presidente Donald Trump. Numa delas o Presidente dos EUA fez comentários sobre o sistema de votação por meio de cédulas enviadas pelo correio, que denominou de fraude eleitoral. Na outra atacou os protestos pela morte de George Floyd – o homem negro que morreu sufocado por um policial branco em Minneapolis -, ameaçando com o uso da força para reprimi-los. O Twitter marcou a primeira postagem com uma sugestão para que os usuários “checassem os fatos” e a segunda com um aviso. O Facebook, por sua vez, se manteve inerte, sem intervir nas publicações[6]. 

A inércia do Facebook causou revolta entre seus próprios empregados, que organizaram um protesto virtual por considerarem inaceitável a postura da companhia de não tomar qualquer atitude diante das mensagens inflamatórias do Presidente Trump. Em postagem na sua página pessoal, Zuckerberg reconheceu a necessidade de fazer mais para garantir segurança e justiça racial em sua plataforma, mas ficou só no discurso[7].

O boicote publicitário foi mais efetivo em termos de mudança de postura do Facebook porque atingiu em cheio onde a empresa mais sente: os seus lucros (que despencaram em razão da adesão de grandes anunciantes). Ao perder bilhões de dólares em apenas alguns dias, com a diminuição de receita publicitária e queda vertiginosa da cotação de suas ações em bolsa, a empresa se viu forçada a mudar sua linha de atuação e de controle de conteúdo. A campanha “Stop Hate for Profit” também foi precisa porque mirou no próprio provedor como único responsável pelas fake news e outros conteúdos ilícitos que inundam as redes sociais.

A desinformação e disseminação de conteúdos ilícitos é um problema que só pode ser resolvido pelos próprios provedores de serviços na Internet. Não é um assunto da alçada de governos e cuja solução deve partir dos indivíduos ou da sociedade. Não é por meio da educação das pessoas ou com ações governamentais voltadas à investigação da origem dos conteúdos ilícitos que se vai solucionar o problema das fake news, discurso do ódio (hate speech) e propagação de informações desagregadoras nas redes sociais. Só se resolve com a imposição de obrigações ao provedor, para que assuma responsabilidade editorial (ainda que de uma forma mais amena que em relação à mídia tradicional).

A “intoxicação informacional” tem origem na forma como funcionam as chamadas “redes sociais” e serviços de hospedagem de conteúdo. Adquiriram, no início da popularização da Internet (em meados dos anos 90), imunidade para funcionar sem qualquer forma de responsabilidade editorial, sem ter que fazer qualquer tipo de filtragem prévia dos conteúdos postados por seus usuários. Sem responsabilidade pelo conteúdo que transita em seus sistemas, não se deram ao trabalho de checar a identidade de seus usuários. A “anonimização” fomentou um ambiente de “terra sem lei” nas redes sociais, com usuários criando contas e perfis falsos e divulgando conteúdos ilícitos sem que ninguém respondesse pelos danos causados.

Já passou da hora, portanto, de se reverter esse quadro.  Uma rede social não é uma praça pública, um local de domínio público, mas um sistema informatizado privado, controlado por uma empresa privada, que deve ser obrigada a assumir responsabilidade pelo que transita em seu ambiente digital. Conteúdos que incitem o ódio, a violência, o extremismo e que propiciam o divisionismo social podem (e devem) ser filtrados pelo provedor. É preciso rever o papel dos provedores de hospedagem de conteúdo na Internet na prevenção e remoção de material informacional ilícito.

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No Brasil, o momento não poderia ser mais oportuno para se discutir esse assunto. Tramitam no Congresso Nacional dois projetos de lei com o objetivo de conter a disseminação de conteúdos discriminatórios e falsos nas redes sociais[8]. É preciso discutir com sobriedade qual o grau da responsabilidade que deve ser atribuída aos provedores, na contenção de conteúdos ilícitos. O boicote publicitário foi positivo, mas logo os grandes anunciantes voltarão a contratar publicidade no Facebook e em outras redes sociais. É preciso que os políticos façam sua parte, discutindo e votando os projetos, para regulamentar de maneira mais estrita a atividade dos provedores.      


Notas

[1] Ver notícia publicada na Deutsche Welle, em 27.06.20, acessível em: https://www.dw.com/pt-br/facebook-endurece-controle-de-postagens-ap%C3%B3s-boicote-publicit%C3%A1rio/a-53966247

[2] A Liga Antidifamação é uma organização não governamental internacional com sede nos Estados Unidos, que combate a discriminação contra o povo judeu – www.adl.org .

[3] A Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor é uma das mais antigas e mais influentes instituições a favor dos direitos civis de uma minoria nos Estados Unidos – www.naacp.org .   

[4] Ver notícia publicada na CNBC, em 28.06.20, acessível em: https://www.cnbc.com/2020/06/28/starbucks-latest-company-to-pause-ads-across-social-media-platforms.html

[5] Ver notícia publicada no Yahoo Finanças em 27.06.20, acessível em:   https://br.financas.yahoo.com/noticias/mark-zuckerberg-perde-r-39-232556631.html

[6] Ver notícia publicada na Isto É Dinheiro em 27.06.20, acessível em: https://www.istoedinheiro.com.br/sob-pressao-facebook-endurece-sua-politica-de-moderacao-de-conteudos/

[7] Ver notícia publicada na CNN em 01.06.20, acessível em: https://edition.cnn.com/2020/06/01/tech/facebook-employees-twitter/index.html

[8] O Projeto de Lei 2927/20, iniciado na Câmara dos Deputados, e o PL 2.630/2020 de origem no Senado Federal.  Na Câmara, o projeto é de autoria dos deputados Felipe Rigoni (PSB-SP) e Tábata Amaral (PDT-SP). O do Senado é de autoria do Senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Esse último está com votação marcada para o dia 30 deste mês. Ver notícia publicada na Folha de SP, em 25.06.20, acessível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/06/em-meio-a-polemicas-senado-adia-votacao-projeto-de-lei-sobre-fake-news.shtml

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Sobre o autor
Demócrito Reinaldo Filho

Juiz de Direito. Doutor em Direito. Ex-Presidente do IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINALDO FILHO, Demócrito. Empresas fazem o que os políticos deixaram de realizar: atribuir responsabilidade editorial ao Facebook. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6224, 16 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83584. Acesso em: 22 dez. 2024.

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