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A responsabilidade patrimonial do empresário individual sem personalidade jurídica

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02/07/2020 às 12:00

Resumo:


  • O empresário individual, mesmo sem personalidade jurídica, pode contar com proteção patrimonial;

  • Apesar da responsabilidade ilimitada, o empresário pessoa natural tem proteção legal contra execuções de dívidas;

  • Existem normas que protegem os bens do empresário individual, garantindo a continuidade das atividades empresariais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. Da responsabilidade obrigacional e patrimonial do empresário.

Sabe-se que, em regra, e conforme o direito comum, o devedor responde perante os seus credores com todo o seu patrimônio, excepcionadas as hipóteses expressamente estabelecidas em lei.

Nesse sentido tanto o Código Civil em seu artigo 391, como o Código de Processo Civil no artigo 789:

“Código Civil, art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.”

“Código de Processo Civil, art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.”

Considerando, pois, o regramento geral, a integralidade do patrimônio do devedor serve à satisfação das obrigações devidas aos seus credores, que se fiam nessa regra para avaliar a concessão de crédito.

Uma vez eventualmente inadimplida a obrigação, portanto, o conjunto patrimonial do devedor servirá, como regra, mesmo que compulsoriamente, ao pagamento daquela obrigação que se convencionou cumprir, e que restou injustificadamente inadimplida.

Justamente por isso, é fundamental que se identifique o acervo patrimonial do devedor, de modo a permitir que os créditos eventualmente inadimplidos recaiam sobre os bens que o compõe, de modo a permitir a satisfação dos direitos do credor.

No caso da EIRELI e da Sociedade Limitada Unipessoal, inexistem dúvidas iniciais sobre a titularidade do patrimônio desses entes, já que, por se tratarem de pessoas jurídicas regulares, os seus bens não se confundem com os bens que integram o patrimônio das pessoas naturais que as titularizam.

À evidência, por uma simples observação documental, é possível se distinguir quais são os bens da empresa e quais os bens do sócio da Sociedade Limitada Unipessoal ou do titular da EIRELI. Trata-se, como antes mencionado, de uma vantagem conferida aos entes personificados, que, dado tal fenômeno, passam a ser titulares de bens que pertencem apenas a essas pessoas jurídicas.

Essa evidente separação patrimonial inegavelmente confere certo conforto aos titulares da EIRELI e da Sociedade Limitada Unipessoal, já que pelas dívidas da empresa responderão os bens desta, estando a salvo, em regra, os bens do respectivo titular.

Já em relação ao empresário que não optar pela EIRELI ou pela Sociedade Limitada Unipessoal, porque carecerá de personalidade jurídica, inexistirá a aludida distinção patrimonial entre os bens particulares e os que se destinam ao objeto de sua empresa, trazendo como consequência o risco de ter que responder com todos os seus bens pelas obrigações decorrentes dos negócios que realizou enquanto empresário, notadamente em razão da responsabilidade ilimitada.

Entretanto, e apesar da eventual vulneração patrimonial decorrente da ausência de personificação do empresário, não se pode ignorar a real possibilidade de se divisar quais bens se destinam à consecução do objeto empresarial, daqueles bens necessários, úteis ou mesmo supérfluos da pessoa natural.

Nesse sentido, é induvidoso que mesmo o empresário pessoa natural, não optante da EIRELI ou da Sociedade Limitada Unipessoal, conquanto sem personalidade jurídica, tenha duas massas patrimoniais distintas, uma destinada à sua empresa e outra relacionada aos seus interesses pessoais privados.

Igualmente, pelo mesmo raciocínio, não se olvida ser possível identificar quais são as obrigações negociais assumidas pelo empresário, enquanto no exercício da sua empresa, distinguindo-as das obrigações assumidas pelo mesmo em razão das suas necessidades cotidianas não empresariais.

Tal divisão obrigacional é facilmente perceptível pela simples identificação da operação negocial realizada, se de cunho empresarial ou particular. As operações de caráter empresarial, certamente, se identificarão com aquelas necessárias ao atingimento do objeto do empresário, enquanto as demais serão estranhas a esse propósito.

Há que se lembrar, por expressa disposição do artigo 968, II do Código Civil, que mesmo o empresário não optante da EIRELI ou da Sociedade Limitada Unipessoal adotará um nome empresarial, com o qual assumirá e firmará as obrigações de sua empresa, nome este que certamente servirá a identificar e distinguir as obrigações de empresa das obrigações particulares, afinal, espera-se que o empresário utilize a sua firma apenas nos negócios de empresa, enquanto que para os negócios particulares utilize o seu nome civil.

Assim, seja pela análise do objeto da obrigação assumida (se empresarial ou particular) ou mesmo pela análise do nome utilizado pelo empresário ao assumi-la(se a sua firma ou seu nome civil), é possível identificar se essa obrigação se deu em razão do objeto empresarial, ou se tal se destinou a consecução de interesses privados do titular dessa empresa.

Assim, serão obrigações da empresa apenas aquelas contraídas pelo empresário enquanto utilizando a sua firma, e com evidente aderência à consecução do objeto da sua empresa, e serão particulares as obrigações assumidas pelo empresário ao utilizar o seu nome civil, e desde que tais operações estejam claramente destinadas e relacionadas à satisfação dos interesses próprios da pessoa natural do titular dessa empresa.

Portanto, mesmo carecedor de personalidade jurídica, o empresário que optar por desenvolver a sua empresa sem aderir à EIRELI ou à Sociedade Limitada Unipessoal, ainda assim poderá opor aos seus credores uma evidente divisão de bens, e, consequentemente de responsabilidade pelas obrigações da empresa da qual é integralmente titular.

Nessa linha de argumentação, responderão pelas obrigações de empresa, estas compreendidas como destinadas ao atingimento do seu objeto, apenas os bens que servem à consecução desse mesmo propósito, sem que se confundam com outros bens da pessoa natural titular da empresa. 

Consequentemente, a par da inexistência de personalidade jurídica e das suas consequências e efeitos, poder-se-ia sustentar que, mesmo ao empresário que não aderiu à EIRELI ou à Sociedade Limitada Unipessoal, há que se reconhecer tanto a distinção da vinculação de obrigações, como do seu patrimônio particular frente ao patrimônio da empresa que integra.

Inexistem motivos, também, para que não se estenda ao empresário natural a novel regra do §7º do artigo 980-A do Código Civil:

“Art. 980-A.(...) §7º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude.    (Incluído pela Lei 13.784/2019)”

Ao se reconhecer a distinção patrimonial acima referida, especialmente quanto aos bens de empresa e particulares do titular, força reconhecer que a esse empresário pessoa natural será reconhecida a proteção do benefício de ordem de que tratam os artigos 1.024 do Código Civil e 796 do Código de Processo Civil:

“Código Civil, Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.”

“Código de Processo Civil, Art. 795. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei.”

Embora tal dispositivo claramente se destine às sociedades em geral, é plenamente defensável que o mesmo benefício se estenda ao empresário pessoa natural, afinal, como já concluído, é possível identificar quais são os bens de empresa.

Nesse sentido o Enunciado nº 5 da I Jornada de Direito Comercial promovida pelo Conselho da Justiça Federal, com o seguinte teor: “Quanto às obrigações decorrentes de sua atividade, o empresário individual tipificado no art. 966 do Código Civil responderá primeiramente com os bens vinculados à exploração de sua atividade econômica, nos termos do art. 1.024 do Código Civil”.

Ora, sendo também identificável se uma dívida decorreu de uma obrigação assumida pelo empresário em favor da sua empresa, e sendo certo que pelas obrigações da empresa respondem primeiro os bens destinados à essa atividade empresarial, o benefício de ordem há de ser reconhecido igualmente em favor do empresário não aderente da EIRELI ou da Sociedade Limitada Unipessoal, tal como expresso no citado enunciado do CJF.

A reforçar tal conclusão, o Código Civil, em seu artigo 988, concedeu distinção patrimonial mesmo aos sócios de uma sociedade sem personalidade jurídica, eventualmente se registro ou mesmo irregular, denominada Sociedade em Comum, reconhecendo que se distinguem os bens que pertencem aos sócios e os bens que pertencem à sociedade (CC, art. 988):

“Art. 988. Os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum.”

Frente ao que se constata, portanto, a ausência de personalidade jurídica, ao menos em relação à divisão de bens e de obrigações quanto às da empresa e do seu titular, não serve a conferir extrema vantagem à EIRELI ou à Sociedade Limitada Unipessoal frente ao empresário pessoa natural que não optou por tais modelos, senão apenas torna mais simples toda a argumentação relativa à extensão da responsabilidade por dívidas da empresa.


3. Da responsabilidade patrimonial do empresário que não aderiu à EIRELI ou à Sociedade Limitada Unipessoal.

Mesmo que se conclua pela possível identificação das obrigações assumidas pelo empresário, distinguindo-as entre empresariais e particulares, e ainda que se obtenha a certeza quanto à distinção dos bens de empresa e dos bens privados,  há que se considerar que ao contrário da EIRELI ou da Sociedade Limitada Unipessoal, o empresário pessoa natural responde ilimitadamente pelas obrigações de empresa.

A atividade empresarial, já submetida ao usual risco, quando desenvolvida sem qualquer limitação de responsabilidade patrimonial acaba por impor ao empresário um risco potencialmente maior, já que pelas suas obrigações respondem, em tese, todos os seus bens.

O empresário que não optar pela EIRELI ou pela Sociedade Limitada Unipessoal, portanto, ao desenvolver a sua atividade empresarial, será submetido a um regime de responsabilização patrimonial que não encontra qualquer limite previamente definido, vulnerando os seus bens frente aos credores da empresa.

Para tal empresário não há integralização de capital a limitar a responsabilidade, como ocorre na EIRELI ou na Sociedade Limitada Unipessoal, do que decorre a eventual exposição patrimonial do empresário frente aos credores da empresa.

E como não se tem por definida a plena distinção entre os bens particulares do empresário e os bens de empresa destinados à consecução do objeto empresarial, poder-se-ia cogitar de absoluta vulneração patrimonial daquele que se aventura a desenvolver a empresa sem aderir ao sistema da EIRELI ou da Sociedade Limitada Unipessoal.

Com efeito, tal conclusão poderia mesmo servir ao desestímulo de qualquer atividade empresarial que não se desenvolvesse sob o pálio da responsabilidade limitada da EIRELI ou da Sociedade Limitada Unipessoal, pondo em dúvida a concreção do princípio da livre iniciativa.

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Porém, e antes que se sentencie estar o empresário alijado de qualquer proteção patrimonial quando comparado com a EIRELI ou com a Sociedade Limitada Unipessoal, há que se refletir se o termo “responsabilidade ilimitada” espelha mesmo essa tamanha vulneração de todo o patrimônio frente aos eventuais credores da empresa.

Um olhar mais apurado sobre o tema, especialmente sob a ótica das normas processuais, revela que, a despeito da aludida “responsabilidade ilimitada”, o empresário que não optar pela EIRELI ou pela Sociedade Limitada Unipessoal, pode não estar assim tão vulnerável quanto aos seus bens particulares pelas dívidas da empresa.

Como a hipótese não contempla a limitação da responsabilidade pela integralização de capital, é certo afirmar que ao empresário não optante da EIRELI, sobre a responsabilidade por dívidas da empresa, recairá a regra geral dos já mencionados artigo 391 do Código Civil e artigo 789 do Código de Processo Civil.

É cediço, contudo, que as regras definidas nos sobreditos dispositivos legais não são absolutas, havendo expressas limitações legais à responsabilidade patrimonial do devedor, verdadeiros obstáculos aos interesses dos credores, as quais se aplicam integralmente ao empresário pessoa natural.

Nesse sentido, destaca-se o artigo 789 do Código de Processo Civil, que, a despeito de definir que responsabilidade do devedor se ampara em todos os seus bens, expressamente excepciona a existência de restrições legais quanto a essa responsabilização patrimonial.

E são justamente essas restrições legais que vem ao amparo do empresário pessoa natural que não optou pela EIRELI ou pela Sociedade Limitada Unipessoal, que embora não possa se escorar na responsabilidade limitada conferida por esses modelos de empresa, poderá amplamente se valer da hipóteses de impenhorabilidade de que trata o artigo 833 do Código de Processo Civil.

Especialmente ao empresário pessoa natural, cabe aplicar o inciso V do referido artigo 833 do Código de Processo Civil, sendo possível sustentar que todos os bens que se destinam à consecução da atividade empresarial estão a salvo dos credores:

“Art. 833. São impenhoráveis: (...) V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;”

É curioso notar que tal regra protetiva ao patrimônio se aplica apenas ao empresário pessoa natural, justamente porque, uma vez desprovido de personalidade jurídica, todos os seus bens inicialmente compõem um único acervo patrimonial, diferentemente dos bens da EIRELI e da Sociedade Limitada Unipessoal.

Desse modo, poder-se-ia vislumbrar até mesmo certa vantagem do empresário frente EIRELI e da Sociedade Limitada Unipessoal, já que o sobredito dispositivo legal se destina, precipuamente a proteger os bens da pessoa natural.

Destaca-se, sobre a questão em análise, o julgado de lavra do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, nos autos do Recurso Especial nº 1.697.313 - MG (2017/0225391-5), cujo trecho referente ao presente tema se transcreve:

“2. A empresa individual é mera ficção jurídica que permite à pessoa natural atuar no mercado com vantagens próprias da pessoa jurídica, sem que a titularidade implique distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma individual. Precedentes. 3. Pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de serem impenhoráveis os bens úteis ou necessários às atividades desenvolvidas por empresário individual ou pequena empresa, na qual os sócios atuam pessoalmente, na forma do disposto no art. 649, V, do CPC-73. Ademais, "legitima a inferência de que o imóvel profissional constitui instrumento necessário ou útil ao desenvolvimento da atividade objeto do contrato social, máxime quando se tratar de pequenas empresas, empresas de pequeno porte ou firma individual" (REsp 1114767/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX) 4.”

Vê-se, portanto, que, a despeito do aparente desequilíbrio frente à proteção que a personalidade jurídica, em tese, confere à EIRELI e à Sociedade Limitada Unipessoal, quando em comparação com o empresário pessoa natural, este não se encontra desamparado; ao contrário, é forçoso que se conclua por certa vantagem em seu favor, quando o tema é a extensão da responsabilidade patrimonial.

Afinal, além dos seus bens particulares serem em regra majoritariamente impenhoráveis, ante a proteção que lhe confere o artigo 833 do Código de Processo Civil, especialmente os incisos I ao IV, e também a Lei 8.009/90 (Bem de Família), igualmente os bens que integram o seu acervo empresarial passam a gozar de igual proteção, frente ao que dispõe o mesmo dispositivo processual, em seu inciso V.

Interessante notar que, no final das contas, o citado inciso V do artigo 833 do Código de Processo Civil acaba por se aplicar, praticamente, à integralidade dos bens de empresa pertencentes ao empresário pessoa natural, já que é a reunião daqueles itens que permitirá ao mesmo a consecução da sua atividade.

Portanto, mesmo despido da personalidade jurídica, e ainda que a sua responsabilidade seja ilimitada, o empresário pessoa natural conta com um robusto (e simples) sistema protetivo frente aos credores da empresa, a permitir que bem desenvolva a sua atividade.

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Sobre o autor
Luís Inácio Carneiro Filho

Advogado, mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutorando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor de Direito Civil e Empresarial da Faculdade de Direito de Itu. Professor de Direito Empresarial e de Direito do Consumidor da Faculdade de Direito de Sorocaba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILHO, Luís Inácio Carneiro. A responsabilidade patrimonial do empresário individual sem personalidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6210, 2 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83601. Acesso em: 26 dez. 2024.

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