Multiparentalidade: Adoção por casais homoafetivos no Brasil

Adoção por casais homoafetivos no Brasil

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Reflexões sobre a evolução da família, no aspecto contemporâneo, jurídico, jurisprudencial, social, afetivo e biológico.

Resumo:Ao longo do tempo houve uma evolução com relação ao conceito de família dentro da sociedade, inclusive da brasileira, quanto à forma e aceitação dos vários modelos que vêm se formando. O presente artigo tem como finalidade mostrar como ocorreu essa evolução, bem como aspectos contemporâneos e pertinentes a esse desenvolvimento, utilizando-se de embasamentos jurídicos, inclusive jurisprudências; e aspectos sociais, analisando-se também a relação entre famílias socioafetivas e biológicas. Como resultado da pesquisa, apresentam-se uma evolução e reconhecimento de direitos quanto aos novos modelos de famílias existentes na sociedade atual, bem como demonstram-se os efeitos jurídicos dentro da relação entre filho e família biológica e socioafetiva, no que se trata do reconhecimento e direitos perante a lei em caso de sucessão.

Palavras-chave: Multiparentalidade.Adoçãohomoafetiva.Socioafetividade.

Abstract:Over time there hás been na evolution concerning the concept of family within society, including the Brazilian one, regarding the form and acceptance of the various models that have been forming. The purpose of this article is to show how this evolution occurred, as well as contemporary and pertinent aspects to this development, using legal bases, including jurisprudence; and social aspects, also analyzing the relationship between socio-affective and biological families. As a result of the research, there is na evolution and recognition of rights regarding the new models of families existing in the current society, as well as the legal effects within the relationship between child and biological and socio-affective family, as far as recognition is concerned and rights before the law in case of succession.

Key words: Multiparenting. Homo-affectiveadoption. Social-affective.           


1      INTRODUÇÃO

O conceito padrão de família, sendo um ente constituído apenas por características biológicas e genéticas vem, há algum tempo, sendo substituído, tornando obsoletas as ideias nesse sentido. Como será exposto, a família, assim, era considerada para salvaguardar patrimônios, sendo relevantes apenas os aspectos econômicos.

Hodiernamente, a estrutura familiar busca, em primeiro plano, resguardar os direitos dos envolvidos, abarcando-se os aspectos afetivos e morais. Daí se extrai a possibilidade de haver a constituição de família não apenas pelo aspecto gênico, mas considerando-se, também, ou somente, em alguns casos, o aspecto sentimental.

Reconhecida há pouco tempo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a multiparentalidade ou pluriparentalidade caracteriza-se pela possibilidade de possuir mais de um vínculo materno ou paterno, podendo ser conceituada como a possibilidade de genitores biológicos ou afetivos estabelecerem ou manterem os vínculos parentais.

Desta forma, reconhece-se,, também, que o vínculo afetivo tem grande importância, podendo ser equiparado ao biológico. Impende ressaltar que, diante do reconhecimento dessa instituição familiar, devem ser abordados também os seus efeitos, inclusive no aspecto sucessório, a fim de que os direitos do(s) filho(s) ou ascendentes sejam resguardados de todas as formas.

1.1  EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

Família tem a sua criação e sua evolução desde a época do sistema patriarcal romano, quando se tinha uma concepção estipulada pelo homem, formando uma sociedade.  Na época primitiva não existia uma concepção de família: basicamente, os homens e as mulheres lidavam através dos seus instintos, para que pudessem acasalar.

Nota-se que, na fase pré-histórica, começa a aparecer com mais nitidez, a fragilidade e a soberania do homem com relação à mulher, demonstrando seu poder de superioridade e poder-comando no seio familiar. Nas tarefas a serem desenvolvidas, o homem, como provedor, realizava as tarefas e trabalhos mais fortes, pesados, difíceis no desenvolvimento. Já a mulher, submetia-se apenas às colheitas e aos afazeres domésticos. Tinha méritos, reconhecimento quando gerava um filho, possuindo um status de deusa por dar à luz.

A figura feminina servia apenas para procriar, zelar, cuidar dos filhos e maridos. Há vários relatos de que na antiguidade, as mulheres poderiam escolher seus maridos, porém, caso uma fosse estéril, o homem poderia casar-se com outra e possuí-la, na constituição de família, para que tivesse um herdeiro.

A partir de Roma, o homem e a mulher passaram a possuir e ter outra posição dentro da sociedade. Foi concedida outra concepção em relação à família, tendo status sui generis, começando a serem reconhecidos os aspectos jurídicos, econômicos e religiosos.

Família é o conjunto mais antigo de agrupamento de pessoas unidas por laço de sangue ou de afinidade; é através dela que se forma seu caráter e se adquire a personalidade. É extremamente essencial para a formação de uma pessoa. O modelo de família brasileiro encontra sua origem no modelo romano, que se estruturou e sofreu influência no modelo grego.  A família romana era organizada através do poder do pai, chefe da família. O pátrio poder tinha caráter único e era exercido pelo pai. Mandava em todos da família, que vivia sob seu comando. Se o pater família falecesse, a mãe ou as filhas não podiam assumir o comando, sendo papel apenas do filho primogênito ou de algum homem do convívio familiar.

Para Silvio de Salvo Venosa:

O poder do pater exercido sobre a mulher, os filhos e os escravos eram quase absolutos. A família como grupo era essência para a perpetuação do culto familiar. O afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo entre os membros da família. Nem o nascimento nem a afeição foram fundamento da família romana. O pater podia nutrir o mais profundo sentimento por sua filha, mas bem algum de seu patrimônio lhe poderia legar. A instituição funda-se no poder paterno ou poder marital. (VENOSA, S.S., 2005, p.20).

De acordo com o conceito e modelo de família patriarcal, existia, naquela época, um poder muito forte do homem sobre a família. Nem mesmo os filhos havidos de um casamento natural eram considerados um elo familiar. A existência apenas se baseava em afeição pelo poder e objetivos de conquistar status, para que se pudesse construir patrimônio.

Vejamos o que diz Alexandre Cortez Fernandes:

No século XX o papel das mulheres sofre profundas modificações, aos poucos, na maioria das legislações, a mulher passa a alcançar os mesmos direitos que os maridos. Fazendo com que se transfigurasse a convivência paterno-filial. (FERNANDES, A. C., 2015, p.50).

A partir dessa época começou a se criar uma nova concepção de família. Mas, ainda se tinha como base fundamental o casamento sendo realizado por interesses patrimoniais. Inclusive, era exaltado o Código Civil de 1916 que, basicamente, tratava e tinha a família como o principal aspecto patrimonial.

Contudo, a mulher começou a ganhar espaço dentro da sociedade, a família cada vez mais preenchia um espaço importante dentro do meio social. As mulheres, que antes não tinham reconhecidos seus direitos, passaram a obter direitos iguais aos dos homens, tendo uma expectativa de vida melhor com a evolução do conceito “família”.

Portanto, com as mudanças do conceito dentro da sociedade, o ordenamento jurídico começou a se adequar e restabelecer direitos e deveres quanto à posição da mulher, mas, principalmente, da família dentro do meio social. Foi deixando de ser considerada apenas a relação biológica, passando a ser normatizada no sistema jurídico a concepção de família construída por afeto. Com isso, o ordenamento jurídico brasileiro, através das mudanças de pensamento, atitudes, comportamentos e costumes da sociedade, passou a reconhecer a família não só como instituição patrimonial, como na antiguidade, valorizando a entidade matrimonial.

1.2  FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

O tempo foi passando, a sociedade evoluindo em relação à concepção, pensamento, modos, cultura e atitudes quanto ao sentido de família. Anteriormente, havia um Código Civil publicado em 1916, o qual restringia o conceito de família a um sistema biológico, patriarcal e hierárquico, apresentando certa subordinação da mulher ao homem em decorrência da cultura, dos hábitos e dos costumes daquela época. Gerando, assim, normas restritas quanto aos direitos e à posição da mulher dentro da sociedade.

Com o passar dos anos, foi ocorrendo a mudança de hábitos da sociedade, reformulando todos os costumes e pensamentos quanto ao modelo de família. A liberdade das pessoas fez com que o ordenamento jurídico começasse a ter uma visão de evolução, mudança quanto às normas, leis tanto do papel da mulher dentro do meio social, quanto do conceito de família.

Como diz Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:

Os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família. A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora”. (CHAVES, C.; ROSENVALD, N., 2015, p.5).

Portanto, através da nova concepção de família criada a partir da evolução da sociedade, percebe-se que o modelo contemporâneo não somente analisa o laço biológico, mas, principalmente o afeto. A união, relação de carinho, atenção, amor, afeto e companheirismo, passaram a ganhar força e serem reconhecidos não somente pela sociedade, mas também, pelo ordenamento jurídico que começou a resguardar os efeitos jurídicos da criança quanto ao reconhecimento da multiparentalidade e seus direitos sucessórios.

Desta feita, o ambiente familiar produz e diz o que será a personalidade de cada ente que conviva em um lar de harmonia, afeto, companheirismo e, sobretudo, a existência de igualdade, afetividade e solidariedade entre os entes que compõem a família.

Com o passar do tempo, o conceito, bem como as características de família, foram se modificando, se adequando conforme estabelecido e proposto pela sociedade. Daí, em se dizer que uma das características fundamentais da família é a função social.

Dispõe Cleyson De Morais Mello:

O afeto e o amor são responsáveis pelo amálgama familiar. No mundo atual, são estes os elementos constituidores dos modelos familiares. Ainda que não tipificado, quer na Constituição da República, quer no código civil, é forçoso reconhecer o princípio do afeto e do amor nos relacionamentos familiares. É o ponto nodal nas relações intersubjetivas familiares. É, pois, um pressuposto aplicado ao âmbito familiar. Carinho, amor e afeto dão o tom nos relacionamentos na pós-modernidade. O afeto é, pois, um princípio implícito constitucional atrelado ao direito de família e desvelado da própria essência da dignidade da pessoa humana. (MELLO, C.M., 2017, p.94). 

Portanto, percebe-se que, conforme dito pelo doutrinador acima mencionado, um dos pilares da nova modalidade de família na sociedade atual é o afeto. Quando em um seio familiar existe amor, carinho, afinidade, afetividade e atenção, se transforma em um ambiente familiar completo. A inovação e o pensamento moderno social fazem com que os hábitos e costumes passem a valorizar o sentimento na relação familiar, colocando assim a relação matrimonial em primeiro lugar e deixando para segundo plano a relação patrimonial.

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2    A FAMÍLIA NO SISTEMA BRASILEIRO

2.1 A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO

Conforme previsto na nova Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e com a reforma no Código civil de 2002, a família deixou de ser apenas constituída por laços biológicos, passando a ser analisada também pelo seu aspecto afetivo, social e humano nas escolhas entre as relações entre filhos e pais.

A família, a partir dessa nova concepção, tornou-se democrática, plural, biológica, socioafetiva, igualitária, dentre outras formas.

Vejamos o que Dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (BRASIL, 1988)

Como podemos observar, o diploma legal apresenta uma visão de família evoluída. As pessoas possuem expectativas de direitos, deveres e escolhas quanto à formação de família. Sendo todas elas resguardadas pela lei suprema do ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme exposto por Alexandre Cortez Fernandes (2015, p.17), “O direito de família não é somente norma. Seu substrato é vida humana objetiva: São as relações existenciais desenrolando-se no seio do ambiente familiar; são os projetos de vida se estruturando num local onde deve haver afeto e respeito”.

Sendo assim, como mencionado pelo doutrinador, não somente se baseia a construção de uma família ou até mesmo laços entre as pessoas através das normas legais. O conceito e forma de família vão muito além do que mera legalidade expressa, pois o que faz haver família é o laço afetivo, o ambiente familiar que é construído com afeto, amor, respeito entre pais e filhos.

Cabe, então, salientar que o nosso ordenamento jurídico brasileiro, através do novo Código Civil de 2002, não deixou de separar uma parte do referido diploma para tratar das relações da família.

Atualmente, o direito de família encontra-se elencado dentro do Código Civil, no Livro IV – arts. 1.511 a 1.783, nos Títulos I, II, III e IV, que tratam, respectivamente, das seguintes garantias legislativas: do direito pessoal – casamento, separação, e divórcio, proteção aos filhos, relações de parentesco, filiação e reconhecimento dos filhos, adoção e poder familiar; do direito patrimonial – regime de bens, bens dos filhos, alimentos e bens de família; da união estável, e, por fim, da tutela e curatela.

Vejamos o que preleciona Flavio Tartuce:

É cediço que as normas de Direito de Família são essencialmente normas de ordem pública ou cogentes, pois estão relacionadas com o direito existencial, com a própria concepção da pessoa humana. No tocante aos seus efeitos jurídicos, diante da natureza dessas normas, pode-se dizer que é nula qualquer previsão que traga renuncia aos direitos existenciais de origem familiar, ou que afaste normas que protegem a pessoa. (TARTUCE, F.2017, p.15).

Ademais, como expresso pelo doutrinador Flávio Tartuce, por mais que se tenha uma análise e concepção de família criada pelo afeto, estrutura do seio familiar sendo conquistado pelo amor, o direito não pode deixar de resguardar e prever cada passo e consequência jurídica que se pode trazer para ambas as partes envolvidas na relação familiar.

Os referidos diplomas legais buscam preservar e regulamentar os direitos e deveres que filhos e pais terão quanto à criação de um ambiente familiar constituído tanto pelo laço biológico, bem como socioafetivo. Tentando estabelecer normas, condições e formas de como serão aplicadas às novas relações de modelos familiares criados na sociedade contemporânea.

Mas o nosso código civil de 2002 também elenca a parte do direito privado, onde se trata do patrimônio, dispondo Flávio Tartuce:

Pois bem, por outro lado, há também normas de direito de família que são normas de ordem privada, como aquelas relacionadas com o regime de bens, de cunho eminentemente patrimonial (art. 1639 a 1688 do CC). Assim, eventualmente, é possível que a autonomia privada traga previsões contrariando essas normas dispositivas. (TARTUCE, F., 2017, p.16).

Sendo assim, o novo código tratou de separar e elencar cada ramo do direito de família. Com a nova relação de família contemporânea, deixaram de serem tratadas as relações de bens, patrimônio, para que fossem analisadas as questões matrimoniais.

2.2  ESPÉCIES DE FAMÍLIA

A família contemporânea sofreu inúmeras modificações em se tratando de conceito. Depende muito de cada sociedade, cultura, hábitos, costumes, para que se possam estabelecer formas e diretrizes quanto aos modelos familiares existentes.

Cleyson De Morais Mello aduz que:

A família é o lugar de realização da afetividade humana. Desta forma, na contemporaneidade, é possível perceber novos arranjos familiares permeados pelo afeto, dignidade, solidariedade e eticidade. (MELLO, C.M., 2017, p.107).

Sendo assim, o ambiente familiar é onde se adquire a própria formação da personalidade, pois, com a nova concepção de família, existem vários fatores que permeiam a criação de uma pessoa. Podemos dizer que questões socioculturais, econômicas, religiosas, parentescos, tratamento, amor e afeto, são circunstâncias que direta ou indiretamente influenciam no crescimento e desenvolvimento de uma criança dentro do seio familiar.

Como se pode perceber, através das mudanças do mundo atual, a sociedade foi evoluindo até chegar a adotar esses modelos de famílias contemporâneas. A diversidade de famílias faz com que se tenha garantido o livre arbítrio de escolhas por parte das pessoas, querendo de uma forma ou de outra, construir suas famílias através de laços biológicos, afetivos, por inseminação artificial, sendo realizados por métodos científicos.

Salienta Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:

Com efeito, o conceito trazido no caput do art.226, plural e indeterminado, firmando uma verdadeira clausula geral de inclusão. Dessa forma, são o cotidiano, as necessidades e os avanços sociais que se encarregam da concretização dos tipos. E, uma vez formados os núcleos familiares, merecem, igualmente, proteção legal. (CHAVES, C.; ROSENVALD,N., 2015, p.58).

Percebe-se, como dito pela doutrina, a existência de um conceito abrangente em relação às formas de famílias na atualidade tem como referência a nova forma de pensar e agir dos avanços sociais. Juntamente com esse avanço, o diploma legal, em específico a Constituição da República de 1988 em seu art.226, deixa bem claro que essas formas de núcleos familiares estão plenamente resguardadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Em uma das suas análises, vejamos o que menciona Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald a respeito do tema:

Em última análise, é possível afirmar: Todo e qualquer núcleo familiar merece especial proteção do Estado, a partir da clausula geral de inclusão constitucional. Equivale a dizer: todas as entidades formadas por pessoas humanas que estão vinculadas pelo laço afetivo, tendendo à permanência, estão tuteladas juridicamente pelo Direito das famílias, independentemente da celebração de casamento. (CHAVES, C.; ROSENVALD,N., 2015, p.58).

Sendo assim, todo núcleo familiar constituído merece especial proteção do Estado. Tendo salvaguardados seus direitos diante a constituição da família por laços afetivos e independente do modelo de família.

Destaca-se o posicionamento jurisprudencial:

Ementa

RECONHECIMENTO JUDICIAL DE PATERNIDADE. MULTIPARENTALIDADE. Ação ajuizada pelo pai biológico para reconhecimento da paternidade da ré. Sentença recorrida que reconheceu a paternidade fundada em resultado de exame de DNA positivo. Recurso de apelação interposto tão-só pelo pai biológico, impugnando o valor relativo à verba alimentar e requerendo a exclusão do nome do pai registral do assento de nascimento da menor. Pensão alimentícia para o caso de desemprego ou emprego informal fixada em sentença em 1\2 do salário mínimo. Necessidades da menor presumidas. Inexistência nos autos de elementos relativos ao atual cargo ocupado pelo alimentante. Remuneração percebida quando empregado (até junho de 2017), contudo, que permitem concluir pela necessidade de redução do montante fixado em sentença para 1\3 do salário mínimo em caso de desemprego ou emprego informal, para adequar às possibilidades do alimentante. Descabida pretensão de exclusão do pai registral do registro da menor. Situação típica de multiparentalidade, confirmada por laudo da equipe multidisciplinar. Existência de paternidade socioafetiva com o pai registral não exclui a paternidade biológica do recorrente. Precedente normativo proferido em sede de Recurso Extraordinário com repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Pedido que atendi aos interesses e é formulado por todos os envolvidos (filha, pai registral\social, mãe e pai biológico). Recurso provido em parte.

(TJSP – AC:10011179520188260125 SP 1001117-95.2018.8.26.0125, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 28\02\2020, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28\02\2020).

Portanto, resta saber que, conforme jurisprudência acima, há um entendimento pelo nosso Tribunal e Corte Superior que o vínculo existente em uma filiação independe de sexo, tipo sanguíneo, raça. Desta forma, independe de ser família homoafetiva, heterossexual ou qualquer outro tipo. O que prevalece é o afeto e os laços construídos entre as partes, prezando sempre pelo bem estar e vontade da criança ou adolescente. Assim, tem-se resguardado o direito quanto às escolhas dos indivíduos, principalmente obtendo a construção de uma família multiparental constada no Registro Civil de Nascimento da Criança.

2.3 RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS NA FAMÍLIA BIÓLOGICA E SOCIOAFETIVA

Com o advento da nova filosofia de família dentro da sociedade atual, busca-se um consenso entre as relações e direitos quanto aos filhos no envolvimento da família biológica e socioafetiva.

Neste tópico, iremos tratar um pouco sobre a filiação dentro do âmbito biológico e socioafetivo. Tentando mostrar as relações que podem proporcionar na convivência e nos direitos salvaguardados.

Maria Goreth Macedo Valadares aduz que:

“Naquele diploma legal, o prazo para o marido contestar a paternidade de um filho nascido na constância do casamento era exíguo, de apenas dois ou três meses, o que tornava a paternidade uma presunção quase absoluta” (VALADARES, M.G.M., 2016, p.40).

Era praticamente incontestável o reconhecimento da paternidade, pois o tempo e a forma para averiguação tornavam certa a filiação da criança concebida na constância do casamento.

O Código Civil de 1916 prescreve:

Art. 178 do Código Civil de 1916:

§3º: Em dois meses, contados do nascimento, se era presente o marido, a ação para esse contestar a legitimidade do filho de sua mulher (art.338 e 344).

§4º: Em três meses:

I-              A mesma ação do parágrafo anterior, se o marido se achava ausente, ou lhe ocultaram o nascimento; contado prazo de dia de sua volta à casa conjugal, no primeiro caso, e da data do conhecimento do fato, no segundo;

(BRASIL, 1916)

Conforme o diploma legal supracitado, é exígua a contestação da parte paterna quanto à filiação, o que tornava quase absoluta a paternidade em decorrência do prazo estipulado pelo código civil à época.

Durante um longo período, apenas eram reconhecidos os filhos na constância do casamento, tratando o Estado, bem como o Código Civil de 1916, aqueles filhos obtidos de uma relação extramatrimonial, como filhos sem pai e sendo ignorados pelo Estado. Tudo para que fosse preservado o matrimônio, que sobrepunha sobre os direitos das crianças.

Mesmo após diversas mudanças legislativas e sociais, a distinção da filiação acabou somente com a criação da Constituição Federal de 1988:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1988)

Como expresso no referido diploma legal, toda criança deverá ser tratada com igualdade, resguardando sempre seus direitos como cidadão.

Descreve o artigo 1596 do código civil 2002 que: “Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 2002).

Sendo assim, com o advento da nova constituição e, logo em seguida, com a reformulação do Código Civil, em 2002, passou-se a respeitar os direitos daqueles filhos de relações extramatrimoniais, deixando de ser tratados como objetos e, principalmente, salvaguardando-se seus direitos enquanto herdeiros de seu genitor.

2.3.1. FILIAÇÃO BIOLÓGICA

A partir da evolução social e das mudanças quanto à forma de pensar da sociedade, a família biológica começou a ter um respaldo maior na comprovação da filiação em relação à paternidade.

Com a inovação pelas buscas de como ter a certeza e convicção da paternidade, os métodos científicos criados a partir da evolução científica tornaram confiáveis os testes de DNA, confirmando-se os laços biológicos pelo sangue.

A filiação biológica se concretiza através de um laço de reprodução natural e por formas científicas de reprodução humana assistida, onde se passa a ter um vínculo sanguíneo de primeiro grau com seu ascendente.

Maria Goreth Macedo Valadares dispõe que:

Pensando racionalmente, a biologia é uma fonte inquestionável para se definir o elo biológico, já que é uma única forma para a existência da raça humana. A questão que se apresenta é se a biologia é hoje critério uno para se definir a paternidade. (VALADARES, M.G.M., 2016, p.43).

Através da evolução científica, a ciência, ao realizar técnicas novas de exames sanguíneos, conseguiu, com os testes de DNA, proporcionar uma veracidade e certeza acerca do elo biológico entre pais e filhos. Trazendo, cientificamente, uma segurança quanto ao mundo jurídico das crianças e adolescentes, ao descobrirem suas paternidades biológicas, gerando assim efeitos quanto à sucessão.

Maria Goreth Macedo Valadares expõe, claramente, a respeito do teste de DNA, vejamos:

Um exame de DNA não garante o exercício de uma paternidade responsável, mas acarreta efeitos jurídicos, como os direitos sucessórios e o dever de sustento ou a obrigação alimentar. Isso partindo da premissa de que não há um pai registral, já que até então a obrigação pelo filho é daquele que tem o nome no registro de nascimento. (VALADARES, M.G.M., 2016, p.43).

Contudo, como bem mencionado acima, por mais que o exame de DNA seja eficaz e traga uma certeza quanto à paternidade biológica, não garante uma responsabilidade quanto à criação da criança, mas, por outro lado, gera efeitos jurídicos quanto àquele que tenha nome no registro de nascimento.

O Código Civil de 2002 em seu artigo 1601 corrobora: “Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.” (BRASIL, 2002).

Portanto, o referido diploma demonstra que os testes realizados pela medicina para confirmar a paternidade firmam uma valorização da biologia dentro do direito. Aspecto este que torna forte a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva, pois, a partir da constatação através do exame de DNA do elo sanguíneo entre pai e filho, torna-se a ação imprescritível. 

2.3.2. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

A filiação socioafetiva vem mudando o paradigma da antiguidade de somente serem considerados os laços sanguíneos, não sendo mais suficiente, em uma relação familiar, a constituição apenas biológica.

Atualmente, com a nova concepção de família, analisa-se, em primeiro lugar o matrimônio, principalmente na constituição de um seio familiar onde a relação materna ou paterno-filial é construída através de afeto, carinho, amor, atenção, dentre outros sentimentos.

De acordo com VALDEMAR P. DA LUZ, vejamos:

Os defensores da teoria propugnam que a família sociológica é constituída à imagem e semelhança da família genética, porquanto o que importa é a manutenção continua dos vínculos de amor, carinho, desvelo, ternura e solidariedade, que sustentam, efetivamente, o grupo familiar. Segundo essa mesma corrente, a filiação socioafetiva manifesta-se nas seguintes modalidades: adoção judicial, posse de estado de filho (filho de criação e adoção a brasileira) e filiação resultante de inseminação artificial heteróloga. (DA LUZ, V. P.,2009, p.250).

Contudo, conforme explicitado pelo doutrinador, o que importa é a manutenção do vínculo e elo de carinho, amor, afeto, cuidado, em um ambiente entre filhos e pais, onde fortalecerá o sentimento e fará com que a filiação socioafetiva seja reconhecida como fundamental na relação de parentesco.

Vejamos o que aduz Rolf Madaleno:

Um vínculo de filiação construído pelo livre-desejo de atuar em interação entre pai, mãe e filho do coração, formando verdadeiros laços de afeto, nem sempre presentes na filiação biológica, até porque a filiação real não é a biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento cultivados durante a convivência com a criança e ao adolescente”. (MADALENO, R.,2018, p.659).

De acordo com os dizeres do doutrinador acima mencionado, a filiação verdadeira não é aquela criada e baseada em laços biológicos, sanguíneos, mas, sim, aquela em que se tenha um sentimento de afeto recíproco entre mãe, pai e filho. Devendo ser analisados os aspectos da criação, convívio, onde possam ter criado laços afetivos superior a qualquer laço biológico.

Salienta através de um dos seus julgados o Tribunal De Justiça De Minas Gerais:

APELA CIVIL- AÇÃO NEGÁTORIA DE PATERNIDADE – ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO – VÍCIOS – AUSÊNCIA DE COMRPOVAÇÃO – PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA RECONHECIDA – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1.O reconhecimento da paternidade é ato irretratável, pode ser anulado apenas quando comprovado que o ato se acha inquinado de vício, além da ausência de qualquer relação afetiva desenvolvida entre o genitor e o infante, o que não se observa na hipótese em comento. 2. Recurso desprovido.

(TJ-MG – AC: 10153120063273001 MG, Relator: Tereza Cristina Da Cunha Peixoto, Data de Julgamento:  22\05\2014, Câmaras Cíveis \ 8º CÂMARA CÍVEL, Data De Publicação: 02\06\2014).

Sendo assim, como consta no julgado, não basta apenas o laço biológico para que se tenha o direito de ter a guarda da criança ou adolescente consigo. Mais do que um laço sanguíneo, o afeto, carinho, amor e convivência, são fatores fundamentais para a criação de um ambiente familiar saudável.

Portanto, o laço afetivo vem sendo muito analisado e reconhecido não somente pela sociedade, mas, também, pelos operadores do Direito. Onde há um reconhecimento e valorização do cuidado e sentimento constituído pelos pais e filhos socioafetivos, sendo de grande valia no crescimento e desenvolvimento da criança.

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Sobre os autores
Alexandre Martins Monteiro

Estudante do curso de Direito pelo Centro Universitário UNA- Contagem/MG

Romerito Vitor Da Silva

Estudante de Direito no Centro Universitário Una Contagem

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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