Multiparentalidade: Adoção por casais homoafetivos no Brasil

Adoção por casais homoafetivos no Brasil

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3      ASPECTOS DO DIREITO NA ADOÇÃO -FAMÍLIA MULTIPARENTAL

3.1  CONCEITO DE ADOÇÃO

Aduz Alexandre Cortez Fernandes:

Assim, sob o ponto de vista jurídico, a adoção é o ato jurídico voluntário, em que um sujeito estabelece com outro um vínculo de filiação socioafetiva, de caráter irrevogável. Se tomado em consideração como nascimento, é fato jurídico natural que estabelece um vínculo de filiação biológico. (FERNANDES, A.C., 2017, p.295).

Salienta o doutrinador acima que a adoção nada mais é do que a relação de afinidade entre sujeitos, onde o vínculo socioafetivo faz com que se torne um ato jurídico voluntário entre as partes, tornando-se irrevogável.

De acordo com Fernando Frederico Almeida Junior e Juliana Zacarias FabreTebaldi: “Adoção é o ato jurídico solene por meio do qual se constitui um vínculo de filiação. Em termos simples, por meio da adoção alguém aceita como filho uma pessoa que geralmente lhe é estranha”. (ALMEIDA JUNIOR, F. F.; FABRE, J. Z. T, 2012, p.78).

Conforme os doutrinadores, em seus entendimentos, a adoção, como se pode perceber, é um ato jurídico no qual a partir da aceitação de uma pessoa ser adotada por outra pessoa estranha, torna-se um vínculo de filiação.

Para Pablo Stolze, o conceito de adoção é conforme dispõem o ECA e o doutrinador Paulo Lobo:

Finalmente, podemos conceituar a adoção como um ato jurídico em sentido estrito, de natureza complexa, excepcional, irrevogável389 e personalíssimo390, que firma a relação paterna ou materna- filial com o adotando, em perspectiva constitucional isonômica em face da filiação biológica391. (GAGLIANO, P. S., 2019, p.706).

Contudo, podemos notar que, no conceito de Pablo Stolze, a adoção é um ato jurídico em sentido estrito, irrevogável, complexo, excepcional e personalíssimo. O que gera uma relação quase que biológica entre pais e filhos.

Já Cleyson De Morais Mello tem o seguinte entendimento quanto à adoção:

“É, portanto, um ato jurídico através do qual uma pessoa recebe e acolhe a outra estabelecendo parentesco civil entre elas”. (MELLO, C. M.,2017, p.472).

No entendimento de Cleyson De Morais Mello, percebe-se que a adoção parte de um consentimento mútuo entre ambas as partes na relação adotiva, ocorrendo uma aceitação de ser adotado e de adotar, tornando o ato jurídico.

3.2  A RELAÇÃO NA ADOÇÃO POR FAMÍLIA HOMOAFETIVA

Alexandre Cortez Fernandes dispõe:

Para além do destaque no âmbito doutrinário e jurisprudencial, passou a ser tutelada essa espécie de família pelo direito civil. Se não houvesse essa tutela, seria uma afronta à dignidade da pessoa humana e do princípio da igualdade que lhe é decorrente. É assim é, pois o direito à sexualidade compreende tanto a liberdade sexual como a sua livre orientação. (FERNANDES, A. C., 2017, p.150).

Para tanto, se nota que na colocação do doutrinador acima mencionado, as diferentes espécies de famílias na atualidade possuem não somente a aceitação na sociedade, bem como, têm respaldo no ordenamento jurídico.

Em específico a família formada por união homoafetiva, tanto no seio social, como na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no Código Civil, possui embasamentos principiológicos que salvaguardam seus direitos quanto às legalidades na adoção, como também na constituição de uma família, tendo todos os seus direitos compreendidos pela legislação vigente e jurisprudências.

Sendo assim, todo são iguais perante a lei, e têm seus direitos resguardados quanto aos seus interesses na formação de uma família, sendo amparados pela norma superior. Alexandre Cortez Fernandes discorre sobre a adoção por família homossexual:

Em suma, o que se espera na adoção em um ambiente familiar sustentados pela família- sejam homossexuais, sejam heterossexuais-, que propiciem um adequado desenvolvimento material e psicossocial da criança ou do adolescente. (FERNANDES, A. C., 2017,p.2017, p.313).

Portanto, diante de vários cenários e pensamentos ainda preconceituosos quanto à adoção por famílias ou até mesmo pessoas homossexuais, existe uma importância maior dentro dos preconceitos, seja, o interesse, o bem a se fazer no desenvolvimento da criança e adolescente, proporcionando a estes um lar, uma família, onde se possa ter amor, afeto, carinho e atenção.

Salienta Cleyson De Morais Mello sobre o tema:

Nas uniões homoafetivas o casal não possui capacidade procriativa (no sentido biológico), mas isto não significa que não possam criar seus filhos. A parentalidade por casais homoafetivos pode ocorrer por várias formas: (a)  existência de filhos havidos por um dos parceiros em relação heterossexual anterior; (b) uso de novas tecnologias reprodutivas, possibilitando o nascimento de filhos biológicos ( por exemplo, o uso de banco de espermas ou barriga de aluguel); (c) adoção pelos meios legais ou de maneira informal (as vezes a adoção legal pelo parceiro homoafetivo é buscada individualmente); e (d) com a co-parentalidade socioafetiva. (MELLO, C.M.,2017, p.270).

O Estatuto da Criança e Adolescente Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990 dispõe que: “Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. (BRASIL, 1990).

Contudo, sendo assim expresso, vejamos que para ser realizada a adoção, será analisado o melhor interesse para criança ou adolescente.

Como bem colocado pelo Estatuto e pelo doutrinador ora acima descrito, o fato de o casal homossexual não ter capacidade procriativa não quer dizer que não tenham capacidade para criar seus filhos, ou, até mesmo, condições físicas e psicológicas em uma eventual adoção ou outros meios elencados.

Pois, o que se pretende e verifica, é, justamente, a capacidade e condições de um ambiente familiar saudável, onde a criança se sinta bem acolhida, amada e respeitada.

Esta decisão ensejou o acórdão presente no Informativo nº 432 do Superior Tribunal de Justiça, que foi importantíssimo para a consolidação da jurisprudência pátria favorável à adoção homoafetiva, qual seja:

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL.

SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE.

IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES.

RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA.

1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento.

2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal.

3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a "garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes". Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos".

4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo.

5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si.

6. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema,fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), "não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores".

7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral.

8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores? Sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento.

9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe.

10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da realidade? São ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade.

11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações.

12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a  alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária.

13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor,desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça,que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção,86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança.

14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida.

15. Recurso especial improvido.

 REsp 889.852-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/4/2010. 

Observa-se que, anteriormente, já se admitia a adoção unilateral por pessoa homossexual, porém, os tribunais hesitavam em conceder a adoção a um casal de pessoas do mesmo sexo.

Assim, o julgado citado foi essencial para uma nova orientação jurisprudencial que prioriza o melhor interesse do menor em ter um lar afetivo para se desenvolver plenamente e equilibrado. Insta salientar que após o julgamento da ADPF 132-RJ e da ADI 4277-DF, pelo Superior Tribunal Federal, que admitiu a união homoafetiva como entidade familiar, não houve mais dúvidas quanto à admissão da deste tipo de adoção. Tal precedente resultou na igualdade de direitos e na quebra de preconceitos sociais.

3.3  EFEITOS JURIDICOS NA ADOÇÃO POR HOMOAFETIVOS NO INTERESSE DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

Neste tópico, veremos um pouco da contextualização dentro do ordenamento jurídico brasileiro a respeito da adoção por homoafetivos, buscando analisar o melhor interesse da criança e adolescente dentro dos seus direitos e deveres.

Com base neste aspecto, vejamos o que dispõe a Constituição da República Federativa Do Brasil 1988 a respeito do tema, no capítulo VII:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.         (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

§ 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. (BRASIL, 1988)

Como expresso no diploma legal acima citado, é dever da família, sociedade e do Estado, proporcionar uma vida de qualidade para crianças e adolescentes. Dentro desta esfera, respeitando sempre os princípios da igualdade, princípio da dignidade humana, princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, princípio do poder familiar e o princípio da afetividade.

Ademais, resta saber que a família é a base da sociedade, e está regulada e resguardada pela CRFB\88, colocando expressamente como fundamental uma vida digna e de qualidade para crianças e adolescentes.

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Dentro desta seara, o Código Civil de 2002 no capítulo IV expressa:

Art. 1.618.  A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei n o 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Art. 1.619.  A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei n o 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. (BRASIL, 2002) 

Portanto, apesar de o Código Civil de 2002 apresentar um capítulo sobre a adoção, sabe-se que todas as questões envolvendo a adoção de uma criança ou adolescente estará estabelecida e expressa em lei específica principalmente no Estatuto Da Criança e Adolescente, na lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990.

Sendo assim, todo ato a ser realizado em relação à adoção de uma criança e adolescente deverá ser legalmente analisado conforme normas e regras estabelecidas pelo ECA, Lei 8.069\90.

Aduz Rolf Madaleno:

Não obstante as dificuldades impostas, reiterados pronunciamentos da doutrina e da jurisprudência vinham se manifestando em prol da adoção por casais homoafetivos, observando ser foco da adoção o princípio dos melhores interesses da criança e do adolescente, ao qual se associa o da igualdade das pessoas, devendo ser afastado qualquer viés de discriminação sobre a orientação sexual do adotante, porque as relações entre marido e mulher ou entre conviventes de sexos opostos não são as únicas formas de organização familiar, como terminou consagrando o STF. (MADALENO, R., 2018, p.878).

Dentro desse viés, verifica-se que a doutrina e a jurisprudência começaram a ter uma concepção diferente e favorável ao direito da existência não somente do reconhecimento da união entre os casais homoafetivos, mas, também, como expectadores de diretos quanto à adoção.

De acordo com o entendimento jurisprudencial, o STF se posicionou através da ADPF 132\RJ e ADI 4.277 do STF, quanto ao reconhecimento e direito de serem reconhecidos o casamento e a união estável entre casais homoafetivos. Bem como expresso no regulamento da Resolução nº175, de 14 de maio de 2013 do Conselho Nacional De Justiça.

Portanto, através destas normas estabelecidas, passam os casais homoafetivos a serem e terem requisitos legais quanto a alguns direitos expressos no Código Civil em detrimento de direitos a alimentos, adoção, sucessões, partilha de bens, dente outros direitos.

Justamente dentro desse posicionamento, o STF e Conselho Nacional De Justiça vieram suprir a lacuna deixada tanto na Lei 9278\96 que fala da união estável e no artigo 1723 do código civil de 2002.

Dispõe a Lei 9278 de 10 de maio de 1996: Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família. (BRASIL, 1996).

Já o artigo 1723 do Código Civil de 2002 expressa: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (BRASIL, 2002).

Sendo assim, quebrou o consentimento e análise desses referidos diplomas citados acima quanto ao não reconhecimento da união homoafetiva.

Passou desta forma, a ser reconhecida a união entre casais do mesmo sexo, bem como a aquisição de direitos quanto à adoção e formação de família, sendo regulamentado pelo disposto ao STF e a Resolução 175 do CNJ.

De acordo com Resolução 175 do CNJ: Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Portanto, ressalta-se que a união homoafetiva possui os mesmos direitos e objetivos na constituição de uma família heteroafetiva, com uma família natural. Pois observa-se o mesmo objetivo, qual seja, constituir família e igualdade.

De acordo com Alexandre Cortez Fernandes:

“Assim, por coerência, já que está diante de uma família, e de que na adoção se busca o melhor interesse do menor, por evidente, então, não devem ser criados óbices para tal tipo de adoção, conforme a compreensão da própria Constituição da República”. (FERNANDES, A. C., 2017, p.312).

Desta feita, coaduna-se com esse pensamento o que está exposto no artigo 43 do ECA: Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.(BRASIL, 1990).

Portanto, deverá sempre prevalecer o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, devendo ser respeitados todos os aspectos estipulados no Estatuto da Criança e Do Adolescente, Lei 8096 de 13 de julho de 1990.

Vejamos o que aduz a Suprema Corte em Recurso Especial:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO HOMOAFETIVA. REPRODUÇÃO ASSISTIDA. DUPLA PATERNIDADE OU ADOÇÃO UNILATERAL. DESLIGAMENTO DOS VÍNCULOS COM DOADOR DO MATERIAL FACUNDANTE. CONCEITO LEGAL DE PARENTESCO E FILIAÇÃO. PRECEDENTE DA SUPREMA CORTE ADMITINDO A MULTIPARENTALIDADE. EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DO DIREITO DECLARADO PELO PRECEDENTE VINCULANTE DO STF ATENDIDO PELO CNJ. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. POSSIBILIDADE DE REGISTRO SIMULTÂNEO DO PAI BIOLÓGICO E DO PAI SOCIOAFETIVO NO ASSENTO DE NASCIMENTO. CONCREÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.

1. Pretensão de inclusão de dupla paternidade em assento de nascimento de criança concebida mediante as técnicas de reprodução assistida sem a destituição de poder familiar reconhecido em favor do pai biológico.

2. “A adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao adotado e a criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consanguíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante”. (Enunciado n.111 da Primeira Jornada de Direito Civil).

3. A doadora do material genético, no caso, não estabeleceu qualquer vínculo com a criança, tendo expressamente renunciado ao poder familiar.

4. Inocorrência de hipótese de adoção, pois não se pretende o desligamento do vinculo com o pai biológico, que reconheceu a paternidade no registro civil de nascimento da criança.

5.A reprodução assistida e a paternidade socioafetiva constituem nova base fática para incidência do preceito “ou outra origem” do art. 1593 do Código Civil.

6. Os conceitos legais de parentesco e filiação exigem uma nova interpretação, atualizada à nova dinâmica social, para atendimento do princípio fundamental de preservação do melhor interesse da criança.

7. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento RE898.060\SC, enfrentou, em sede de repercussão geral, os efeitos da paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, permitindo implicitamente o reconhecimento do vinculo de filiação concomitante baseada na origem biológica.

8. O Conselho Nacional de Justiça, mediante o Provimento n.63, de novembro de 2017, alinhado ao precedente vinculante, da Suprema Corte, estabeleceu previsões normativas que tornariam desnecessário o presente litígio.

9. Reconhecimento expresso pelo acórdão recorrido de que o melhor interesse da criança foi assegurado.

10.              RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

(STJ - REsp: 1608005 SC 2016\0160766-4, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 14\05\2019, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21\05\2019).

Contudo, verifica-se que, de acordo com o parecer da Suprema Corte, poderá sim ser reconhecida a multiparentalidade. Conforme expresso no julgado, sempre será observado o melhor interesse da criança, com o objetivo de buscar o melhor para criança ou adolescente no seio familiar.

Sendo assim, com o desenvolvimento social e jurídico quanto ao tema reconhecimento da multiparentalidade, existirá a possibilidade de serem reconhecidas tanto a paternidade biológica, como também a socioafetiva no registro de nascimento da criança.

3.4  CONCEITO DE FAMÍLIA MULTIPARENTAL

Maria Goreth Macedo Valadares conceitua:

“A multiparentalidade pode ser conceituada como a existência de mais de um vínculo na linha ascendente de primeiro grau, do lado materno ou paterno, desde que acompanhado de um terceiro elo. Assim, para que ocorra tal fenômeno, necessário pelo menos três pessoas no registro de nascimento de um filho. Exemplificando, duas mães e um pai ou dois pais e uma mãe”. (VALADARES, M.G.M, 2016, p.55).

Para a doutrinadora, necessita-se que haja um elo de um terceiro no vínculo paterno ou materno, na linha ascendente de primeiro grau, sendo todos no registro de nascimento do filho, para que possa configurar a multiparentalidade.

A existência pode ser configurada através de um pai e duas mães, ou até mesmo de duas mães e um pai. Porém, necessita que seja feita o reconhecimento no registro de nascimento da criança, para que, assim, possa ter constituída a família multiparental.

Aduz Maria Goreth Macedo Valadares:

“Insta salientar que o mero parentesco por afinidade não é capaz de gerar a multiparentalidade. Para tanto, necessário que seja cumulado com a socioafetividade, essa, sim, fruto da autonomia privada do padrasto ou da madrasta, que passa a ser o pai\mãe socioafetivo. Ou seja, só há que se falar em multiparentalidade se houver um pai\mãe socioafetivo ao lado do pai biológico de da genitora ou vice-versa. Repita-se: o simples parentesco por afinidade não gera efeitos jurídicos decorrentes da filiação”. (VALADARES, M.G.M, 2016, p.56).

Para tanto, resta saber que é necessário, para que seja confirmada a multiparentalidade, a existência de um pai ou mãe socioafetivo, juntamente com um pai ou mãe biológico do filho. Apenas o laço afetivo entre pais e filhos não enseja efeitos jurídicos da filiação, não sendo reconhecida a multiparentalidade.

Salienta Pablo StolzeGagliano e Rodolfo Pamplona Filho: “Uma situação em que um indivíduo tem mais de um pai e\ou mais de uma mãe, simultaneamente, produzindo-se efeitos jurídicos em relação a todos eles”. (GAGLIANO, P.S, 2019, p.683).

Sendo assim, nota-se que, a partir do momento em que acontece, ou melhor, forma o vínculo entre a família multiparental, produzirá efeitos jurídicos em todos desta relação.

Portanto, a formação do elo entre um indivíduo que possui mais de um pai ou mais de uma mãe, gera estes direitos, que deverão ser resguardados juridicamente em todos os atos da vida civil.

Destaca-se a jurisprudência proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJ-RS:

APELAÇÃO CÍVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃOSOCIOAFETIVA CUMULADA COM ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E, VIA DE CONSEQUÊNCIA, DA MULTIPARENTALIDADE. CABIMENTO. DETERMINAÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL, NOS TERMOS DO REQUERIDO. Embora a existência de entendimento no sentido da possibilidade de conversão do parentesco por afinidade em parentesco socioafetivo somente quando, em virtude de abandono de pai ou mãe biológicos registrais, ficar caracterizada a posse de estado de filiação consolidada no tempo, a vivência dos vínculos familiares nessa seara pode construir a socioafetividade apta a converter a relação de afinidade em paternidade propriamente dita. Sob essa ótica, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no artigo 227,§6, da Constituição Federal, realiza a própria dignidade da pessoa humana, constitucionalmente prevista, porquanto possibilita que um indivíduo, tenha reconhecido em seu histórico de vida e a condição social vivenciada, enaltecendo a verdade real dos fatos. Multiparentalidade que consiste no reconhecimento simultâneo, para uma mesma pessoa, de mais de um pai e de mais de uma mãe, estando fundada no conceito pluralista da família contemporânea. Caso dos autos em que a prova documental... acostada aos autos e o termo de audiência de ratificação evidenciam que ambas as partes, maiores e capazes, desejam o reconhecimento da filiação socioafetiva e da multiparentalidade, o que, ao que tudo indica, não traria qualquer prejuízo a elas e a terceiros. Genitor biológico da apelante que está de acordo com o pleito, sendo que o simples ajuizamento de ação de alimentos contra ele em 2008, com a respectiva condenação, não descaracteriza, por si só, a existência de parentalidade socioafetiva entre os apelantes. (Apelação Cívil Nº 70077198737, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em 22\11\2018).

(TJ – RS – AC: 70077198737 RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Data de Julgamento: 22\11\2018, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28\11\2018).

De acordo com a jurisprudência acima expressa, nota-se claramente que a partir do vínculo criado de afinidade entre um indivíduo a outra pessoa, onde se caracteriza uma relação de pai, mãe e filho por afinidade, poderá ser transformada e reconhecida em paternidade socioafetiva.

A partir desta concepção, começam a ser analisadas as novas características de família contemporânea, onde os laços construídos através do afeto, carinho e amor, começam a ser reconhecidos pela sociedade, bem como o ordenamento jurídico.

Nesta seara, portanto, com o consentimento e vontade de ambas as partes, filho, pai e mãe socioafetivo e pai e mãe biológico, configura-se a multiparentalidade, gerando assim efeitos jurídicos e tendo o reconhecimento através no registro de nascimento da criança ou adolescente.

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald dispuseram que:

“No entanto, com esteio no princípio constitucional da igualdade entre os filhos, algumas vozes passaram a defender a possibilidade de multiparentalidade ou pluriparentalidade, propagando a possibilidade de concomitância, de simultaneidade, na determinação da filiação de uma mesma pessoa. Isto é, advogam a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai e\ou mais de uma mãe simultaneamente, produzindo efeitos jurídicos em relação a todos eles a um só tempo”. (CHAVES, C.; ROSENVALD,N., 2015, p.598).

Contudo, de acordo com os dizeres dos doutrinadores, a possibilidade de uma pessoa ter o direito de ter mais de um pai ou mais de uma mãe ao mesmo tempo tem amparo legal no princípio constitucional da igualdade entre filhos.

Ademais, se trata de um direito constitucional com embasamento na constituição familiar, protegendo o direito de escolha e afinidade criada no laço socioafetivo entre indivíduo e pais, simultaneamente.

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Sobre os autores
Alexandre Martins Monteiro

Estudante do curso de Direito pelo Centro Universitário UNA- Contagem/MG

Romerito Vitor Da Silva

Estudante de Direito no Centro Universitário Una Contagem

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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