É dúvida recorrente de quem busca o instituto da recuperação judicial se sua empresa poderá continuar participando de processos licitatórios, afinal, muitas empresas que buscam essa solução para seu soerguimento têm seu faturamento justamente em contratos realizados via Lei 8.666/1993.
A crise financeira que afeta a economia do Brasil atinge a todos. Os fechamentos de empresas e redução no funcionamento para o atendimento de medidas sanitárias, além de causar desemprego, trazem insolvência. Nessa situação, é necessário avaliar como uma das saídas a recuperação judicial.
O nome ainda traz um certo desconforto, principalmente por ser assimilado ao antigo instituto da concordata, porém, os processos de recuperação judicial podem ser analisados sob um viés além da crise, onde podem indicar confiança de que há cenário de melhora econômica, fortalecido pelas promessas de vacinas contra o covid-19 efetivas em humanos e também pelo profissionalismo e conhecimento dos empreendedores, não só de procurar a Justiça, como entender que há mecanismos simplificados de recuperação para seus negócios antes da opção do fechamento das portas.
Sobre a participação das empresas em processos licitatórios, denota-se que ela jamais foi proibida, uma vez que a suposta vedação de participação de empresas em recuperação judicial não tem qualquer amparo legal. A Lei Geral de Licitações e Contratos, nº 8.666/1993, conforme é possível verificar no artigo 31, exige como documentação de habilitação para qualificação econômico-financeira certidão de negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física, no entanto, com a publicação da Lei 11.101/2005, a exigência dessa certidão não tem mais valor, mesmo que ainda conste do texto.
O entendimento da possibilidade de participação de empresas em recuperação judicial é trazido no artigo 52, II da Lei 11.101/2005, onde a recuperanda realizando a apresentação da documentação exigida pela Lei de Licitações estaria apta a contratar com o Poder Público. Essa afirmativa foi reforçada pelo Acórdão nº 1201/2020 do TCU:
“é possível a participação de empresa em recuperação judicial, desde que amparada em certidão emitida pela instância judicial competente, que certifique que a interessada está apta econômica e financeiramente a participar de procedimento licitatório nos termos da Lei 8.666/1993”.
A decisão do TCU, de maio deste ano, vai ao encontro com a compreensão do STJ na AREsp 309.867-ES 2013/0064947, cujo Relator foi o Ministro Gurgel de Faria, julgado em 2018:
"Inexistindo autorização legislativa, incabível a automática inabilitação de empresas submetidas à Lei n. 11.101/2005 unicamente pela não apresentação de certidão negativa de recuperação judicial",
A afirmação finaliza com a inteligência de que a possibilidade de contratação com o poder público está prevista na LRE e pressupõe a participação prévia em licitação. Na mesma decisão diz que:
“o escopo primordial da Lei n. 11.101/2005, nos termos do art. 47, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeiro do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. A interpretação das Lei n. 8.666/1993 e n. 11.101/2005 leva à conclusão de que é possível uma ponderação equilibrada dos princípios nelas contidos, pois a preservação da empresa, de sua função social e do estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores. (...). desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica.”
Em 2015, o Parecer nº 04/2015/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU já havia tido a mesma conduta sobre o caso, onde se diz que
“O instituto da recuperação é voltado para empresas que possuam viabilidade econômico-financeira, em prestígio ao princípio da função social da empresa. (...) A empresa em recuperação judicial com plano de recuperação acolhido deve demonstrar os demais requisitos para a habilitação econômico-financeira. IX. Na recuperação extrajudicial, uma vez homologado o plano, haverá plausibilidade de que a empresa possua viabilidade econômica, sendo condição de eficácia do plano que haja o acolhimento judicial do mesmo. 39. A homologação judicial do plano de recuperação da empresa, nos termos do parecer acima invocado, é apta, pois, a demonstrar a plausibilidade de sua viabilidade econômico-financeira, autorizando tanto sua participação em licitações como, consequentemente, a sua contratação pela Administração Pública”
Portanto, depreende-se que a recuperação judicial concedida, por si só, não é impeditivo para a participação em processo licitatório.
A recuperação judicial de empresas visa a manutenção da função social desta, portanto, seria contraditório que o Poder Público criasse impeditivos para a participação das recuperandas, atendidos os requisitos, em processos para contratos de fornecimento ou prestação de serviços. Proibir a participação destas violaria o princípio da legalidade, pois "toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita”[1], portanto, como não reside tal vedação na legislação brasileira em vigor, pode sim a empresa em recuperação judicial participar de licitações nos termos da Lei 8.666/1993.
Referência
FONTE: https://depaulaeibairro.adv.br/recuperacao-judicial-empresas-podem-participar-de-licitacoes-normalmente/
Nota
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo – 34. ed. – São Paulo: Atlas, 2020