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Prescrição e decadência na pandemia do covid-19

09/09/2020 às 15:00

Resumo:


  • A Lei 14.010/2020 estabeleceu normas transitórias e emergenciais relacionadas a prazos prescricionais e decadenciais devido à pandemia de COVID-19, suspendendo-os de 12/06/2020 até 30/10/2020.

  • Prescrição e decadência são conceitos distintos: a prescrição refere-se à perda do direito de ação para cobrar um direito violado, enquanto a decadência se relaciona com a perda do próprio direito material por não ter sido exercido dentro do prazo legal.

  • Impedimento, suspensão e interrupção são mecanismos que afetam a contagem de prazos prescricionais, mas geralmente não se aplicam à decadência, exceto em casos expressamente previstos por lei.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Entenda quais as distinções entre prescrição e decadência, quais são as hipóteses de impedimento, interrupção e suspensão de prazos contratuais e legais e o que mudou nesses institutos com o advento da Lei 14.010/2020.

1. Normas de caráter transitório e emergencial

Com o estado de calamidade pública instaurado na saúde, decorrente da pandemia do coronavírus (covid-19), foi editada a Lei 14.010, de 10 de Junho de 2020, para que os prazos prescricionais, ainda não impedidos, suspensos ou interrompidos, de acordo com as hipóteses previstas no ordenamento jurídico nacional, sejam então considerados impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor dessa Lei (12/06/2020), até 30 de outubro de 2020, aplicando-se também à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207. do Código Civil.

Quais são as diferenças entre prescrição e decadência, e quais os casos de impedimento, interrupção e suspensão?


2. Diferenças entre prescrição e decadência

Os institutos prescrição e decadência apresentam distinções ao tratarem do fator tempo relacionado ao direito a uma pretensão e ao próprio direito material potestativo.

A prescrição visa à segurança jurídica, entendendo que o ofensor de um direito não pode ficar eternamente à mercê do ofendido, aguardando que ele tome alguma providência quanto ao direito violado. É, portanto, um instituto que prejudica o credor e beneficia o devedor.

Hoje se entende que, no momento em que há a violação de um direito, surge uma pretensão que pode ser satisfeita em Juízo, nos prazos previstos em lei, sob pena de seu titular não poder reclamar mais essa pretensão, mesmo que ainda exista o direito material. Nota-se, assim, que não há exclusão ou perda do direito substantivo, mas apenas do direito de exigi-lo (pretensão).

No caso, a obrigação deixa de ser legal e passa a ser uma obrigação natural, sendo que o seu cumprimento após o decurso do prazo previsto em lei fica ao livre arbítrio do devedor, ocasião em que poderá renunciar ao prazo da prescrição e satisfazer essa obrigação junto ao credor, mas sem nenhuma imposição do Estado-Juiz.

Assim, a prescrição pressupõe a violação de um direito que deve ser exigido em juízo.

Além da segurança jurídica é também propósito do instituto a liberação do ofensor face à inércia do ofendido e a busca por uma paz social, evitando que um direito fique latente e em constante ameaça.

O Código Civil de 1916 (CC-16) já tratava da prescrição, mas não fazia referência expressa à decadência, o que gerava controvérsia na jurisprudência e na doutrina quanto à diferenciação dos dois institutos.

Já o Código Civil de 2002 (CC) trata dos institutos em capítulos próprios, o que facilita a identificação das distinções e algumas similitudes.

A decadência se refere ao tempo relacionado ao exercício de um direito potestativo, direito esse que já surge com intensidade, e não é passível de ser violado, podendo seu titular exercê-lo de imediato.

Percebe-se, portanto, a peculiar distinção entre os dois institutos:

  • a) na decadência, o titular do direito pode exercê-lo a qualquer momento dentro do prazo previsto;

  • b) na prescrição, o titular só pode exercer o direito após sua violação, ocasião em que surge a pretensão.

O critério adotado para a diferenciação desses institutos é o critério científico desenvolvido por Agnelo Amorim Filho, publicado na seção de doutrina da Revista dos Tribunais – RT nº300, de 1960.

Tal critério consiste em partir da divisão das ações com sentenças de natureza declaratória, condenatória, constitutiva ou desconstitutiva, para então identificar o que é atingido pela prescrição e o que é pela decadência.

Quando a sentença for de natureza preponderantemente condenatória, o prazo será prescricional.

Por outro lado, se a sentença tiver natureza constitutiva (positiva ou negativa), a análise deve ser feita sobre dois aspectos:

  1. saber se há prazo previsto em lei ou não. Havendo prazo, será decadencial;

  2. não havendo prazo, será imprescritível e incaducável, por se tratar de nítido direito material potestativo, tal como ocorre no pedido de divórcio, exercitável a qualquer tempo.

Do mesmo modo, as sentenças meramente de natureza declaratória, aquelas em que apenas declaram a certeza de uma relação jurídica, o prazo será imprescritível e também não decai.

Em síntese, no caso de o credor de quantia certa, a cobrança da dívida só pode ocorrer após o inadimplemento do devedor, quando nasce a pretensão para a ação de cobrança (natureza condenatória, portanto, prescritível).

Já os cônjuges podem exercer, a qualquer momento, o direito potestativo de pedir a dissolução da sociedade conjugal, independentemente de justificativa ou prazo (ação de natureza desconstitutiva sem prazo para ser exercido o direito, portanto, imprescritível e não decai). Por outro lado, no caso de anulação do casamento, em que pese tratar-se de ação que visa a uma sentença também desconstitutiva, há previsão de prazo para seu exercício, daí falar-se em prazo decadencial.

Com relação à sentença de natureza predominantemente declaratória, não se fala em prescrição nem em decadência, pois não há violação de direito ou possibilidade de exercício de um direito que ainda não se sabe se existe.

Outro critério para distinguir prescrição de decadência no âmbito do Código Civil é o critério espacial, valendo dizer que os prazos de prescrição estão todos elencados apenas nos artigos 205 e 206 do Código Civil, ao passo que os de decadência estão pulverizados pelo Código.

Assim, o que não estiver nos artigos 205 e 206 do CC será decadência e o próprio dispositivo legal que tratar do direito material potestativo (exercitável sem necessidade de ter sido violado), fará menção ao prazo e às expressões decai, caduca, ou outra expressão equivalente.

Veja o parágrafo único do art. 45. do CC: “Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.”

Nota-se que se trata de decadência; primeiro porque está fora das hipóteses dos artigos 205 e 206 do CC; segundo, por não se tratar de uma pretensão buscando sentença condenatória; e, terceiro, pela natureza da sentença desconstitutiva que é a anulatória, com prazo para ser exercitado.

Deve-se atentar para o fato de que esse critério espacial é exclusivo para identificar a prescrição e decadência previstas no Código Civil, havendo outras previsões em leis especiais, em que tal critério não se aplica, devendo, nesse caso, partir para o critério científico anteriormente tratado.

A essa altura vale uma observação com relação à decadência prevista na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor (CDC), que é tratada de forma diferente da do Código Civil.

Outra diferença entre os institutos é que o prazo de prescrição só é previsto em lei e pode ser renunciado após seu decurso (art. 191. do CC); já o prazo de decadência pode ser legal ou convencional, e quando legal é irrenunciável (art. 209. e 211 do CC).

A prescrição pode ainda ser alegada em qualquer grau de jurisdição pela parte que a aproveite, e o juiz pode pronunciá-la de ofício. No entanto, entendem alguns que se a prescrição não foi pré-questionada no acórdão recorrido, não poderá ser conhecida de ofício pelo STJ ou STF.

O caso é que, mesmo a prescrição passando a ser matéria de ordem pública, o devedor pode ter alguma obrigação natural que queira cumprir (pagamento de dívida prescrita), renunciando, assim, ao prazo de prescrição.

Esse é o entendimento do Enunciado 295 da IV Jornada do CJF: “A revogação do art. 194. do CC pela Lei nº 11.280/2006, que determina ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renúncia admitida o art. 191. do texto codificado.”.

No entanto, não é isso que sempre ocorre. Vê-se constantemente o conhecimento ex officio da prescrição por parte do juiz, o que leva à extinção do processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC.

Nessa hipótese, pode haver prejuízo ao credor quando estiver presente alguma causa que obsta a prescrição e o juiz não a observou, ou ainda, pode ser o caso de o devedor não querer que se declare a prescrição, porquanto tem o direito de renunciá-la.

Pelos princípios da cooperação e da não surpresa, seria mais sensato que o magistrado, entendendo haver ocorrido a prescrição, abrisse vista para as partes se manifestarem e, só depois, se devedor não renunciar à prescrição, e o credor não demonstrar alguma causa suspensiva ou interruptiva, sentenciar com julgamento de mérito reconhecendo a prescrição.


3. Impedimento, Suspensão e Interrupção

As normas de impedimento, suspensão e interrupção da prescrição são outros diferenciais, uma vez que, pela regra, não se aplicam tais normas no caso de decadência, exceto quando há previsão legal, como a da hipótese do art. 198, I do CC (contra os absolutamente incapazes).

O prazo de prescrição pode ser impedido, suspenso ou interrompido, dependendo da situação em que se encontram credor e devedor.

No impedimento, o prazo não inicia seu curso; na suspensão, o prazo inicia-se e fica suspenso, latente, retomando seu curso pelo prazo restante, após cessar a causa de suspensão; já a interrupção, faz com que o prazo transcorrido volte a correr desde o início após o ato que o interrompeu.

O que diferencia as causas de impedimento e de suspensão dos prazos prescricionais é que, no impedimento, a causa ocorre antes do início do prazo, enquanto na suspensão a causa surge após o início do prazo.

Assim, tomando-se como exemplo o art. 197, I do CC, que trata do caso em que não corre a prescrição entre cônjuges na constância da sociedade conjugal, podemos dizer que se o prazo de prescrição iniciou-se antes do casamento, ficará suspenso com sua realização e, se ocorrer a dissolução, o prazo segue somando-se ao já transcorrido; contudo, se a causa obstativa da prescrição surgir durante o casamento, o prazo sequer inicia-se, e somente se ocorrer a dissolução do casamento é que o prazo começará a correr.

A interpretação que se dá ao artigo 197, I do CC é que deve estender também aos companheiros, conforme Enunciado 296 do CJF – “Art. 197: Não corre a prescrição entre os companheiros, na constância da união estável.”

Quanto à causa de interrupção, desconsidera-se o prazo já transcorrido e inicia-se a contagem novamente.

A interpretação a ser dada ao artigo 202 do CC, de que a interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma vez, se refere à interrupção extrajudicial, assim, interrompida a prescrição por ato extrajudicial do credor (protesto cambial), não poderá interromper novamente o prazo por outro ato extrajudicial, cabendo ajuizar a ação competente antes de expirar o prazo prescricional que retornou o curso após o protesto cambial.

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Ajuizada a ação (protocolo da inicial) ocorre o exercício do direito à pretensão em juízo e o prazo interrompe-se novamente com o despacho que ordena a citação, retroagindo-se à data do protocolo da petição inicial, se o credor promover a citação no prazo e forma legais, conforme o art. 202, I, do CC e art. 240, §1º, do CPC, podendo ocorrer agora a prescrição intercorrente, ou seja, no curso do processo.

Nesses termos, o Enunciado 417 do CJF, ainda quando vigorava o CPC de 73, preceituava: “O art. 202, I, do CC deve ser interpretado sistematicamente com o art. 219, § 1º, do CPC, de modo a se entender que o efeito interruptivo da prescrição produzido pelo despacho que ordena a citação é retroativo até a data da propositura da demanda.”

No entanto, caso ordenada a citação e o autor não a promova (não junta guia de custas de diligência ou postagem; ou, intimado da devolução do mandado sem cumprimento mantém-se inerte, o prazo não se interrompe).

Ressalta-se, ainda, que a interrupção da prescrição para beneficiar mais de um credor ou prejudicar mais de um devedor, exige-se que haja solidariedade.

Assim, a contrário senso, a interrupção da prescrição por um dos credores ou em desfavor de um dos devedores, não aproveita nem prejudica os demais quando não se tratar de solidariedade (art. 204, caput e §1º, do CC).

Por outro lado, quando se tratar de suspensão da prescrição para beneficiar mais de um credor, terá que haver dois requisitos. Primeiro que haja solidariedade entre credores e, segundo, que a obrigação do devedor seja indivisível.

Esses requisitos também são exigidos no caso de interrupção da prescrição quando se tratar de herdeiro de devedor solidário, para que se opere contra os demais herdeiros. Nesse caso, exige-se que tanto a obrigação quanto o direito sejam indivisíveis.


4. Interpretações a respeito do tema

Regra geral, a interrupção da prescrição se dá por parte do credor, uma vez que lhe beneficia. No entanto, quando é o réu que toma a iniciativa de ajuizar determinada ação com o objetivo de impugnar direito do autor, a interpretação que se deve dar é que ocorre a interrupção da prescrição por iniciativa do réu.

Nesse sentido, foi editado o enunciado 416, do CJF, interpretando o art. 202. do CC: A propositura de demanda judicial pelo devedor, que importe impugnação do débito contratual ou de cártula representativa do direito do credor, é causa interruptiva da prescrição.


5. Institutos correlatos que não se confundem

Outros institutos relacionados ao fator tempo, que não se confundem com a prescrição, são a preclusão e a perempção.

Por meio da preclusão, perde-se uma faculdade processual por não tê-la exercido no momento próprio, ocorrendo o fenômeno de estabilização da relação jurídica processual.

Basicamente três espécies de preclusão podem ser verificadas: a) temporal; b) consumativa; c) lógica.

Quando não se pratica o ato processual no momento próprio, fala-se em preclusão temporal. Quando dentre vários atos que podem ser praticados, a parte optar por um deles, ocorre a preclusão consumativa e, quando se pratica ato anterior incompatível com ato posterior, fala-se em preclusão lógica.

Via de regra, os prazos para o Juiz são impróprios, valendo dizer que, se não praticados no momento próprio, nada impede que o faça posteriormente. No entanto, em algumas situações, identifica-se a preclusão para o magistrado, como no caso em que, proferida a sentença, não pode mais alterar o seu comando, salvo em hipóteses excepcionais de Embargos Declaratórios com efeitos infringentes, mas isso em decorrência lógica do saneamento de omissões, contradições ou obscuridades que levam à alteração do conteúdo da decisão. Caso contrário, somente o Juízo ad quem poderá reformar a sentença.

Já a perempção está relacionada a uma omissão contumaz do autor da ação, que dá causa à extinção do processo por três vezes consecutivas, não podendo mais ajuizar a mesma ação, só restando-lhe invocar o seu direito material em defesa.

Assim, pode-se verificar que, enquanto a prescrição e a decadência são tratadas no direito civil, a preclusão e perempção são vistas no direito processual.


Conclusão

Restou demonstrado que prescrição e decadência são institutos que tratam da perda de prazo, havendo distinções entre eles, uma vez que a prescrição atinge uma pretensão, ao passo que a decadência atinge o próprio direito material.

Isso porque, em que pese a prescrição atingir direito à pretensão, os dois institutos são de direito civil e não processual e, ainda, são matérias de mérito.

Para identificação dos institutos adotam-se o critério científico e o critério espacial.

Há em outras leis e ramos do direito esses mesmos institutos tratados de forma diferente que o Código Civil.

Busca-se, com a prescrição, evitar uma pretensão latente que impeça a paz social e cause insegurança jurídica.

Enquanto perdurarem as hipóteses especificas de impedimento, interrupção e suspensão, não há sobre elas nova incidência da Lei 14.010/20, ou seja, só se aplica a referida Lei se já não houver impedimento, interrupção ou suspensão do prazo.

Após 30 de outubro de 2020, os prazos impedidos, suspensos, ou interrompidos por força da Lei 14.010/20, iniciam, voltam a correr, ou têm sua contagem reiniciada, a depender das respectivas causas, e desde que não haja outras causas de incidência, que não sejam a da referida Lei.

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Sobre o autor
Marivaldo Cavalcante Frauzino

Advogado em Goiânia-Go desde 1996, graduado pela UCG (PUC/GO). Especialista em Direito Tributário pela UCB. Especialista em Direito Processual Civil pela UFG. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela FACH/GO (UniAnhanguera). Foi nomeado por dois anos Árbitro para Corte de Conciliação e Arbitragem da Comarca de Goiânia-Go - Decreto Judiciário nº 360/98, de 02/04/98. Foi membro de banca examinadora para concurso do magistério superior da Fundação Educacional de Gurupi-TO, em 1999. Foi professor convidado em 2005 da Faculdade Cambury de Goiânia-Go. Aprovado em 2013 em concurso para o cargo de Promotor de Justiça do Estado do Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRAUZINO, Marivaldo Cavalcante. Prescrição e decadência na pandemia do covid-19. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6279, 9 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85235. Acesso em: 22 dez. 2024.

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Atualização de artigo já publicado em decorrência de Lei nova de caráter transitório sobre o tema.

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