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Os cortes no fornecimento de energia elétrica e a pandemia de covid-19:

uma análise do julgamento da STP 272 pelo STF à luz dos direitos humanos

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4. À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS, A DECISÃO DO STF PODERIA TER SIDO DIFERENTE?

Por fim, após expostas tanto uma breve abordagem da tramitação da Ação de Suspensão de Tutela Provisória 272, assim como as razões pelas quais entende-se pelo acesso à energia elétrica como um direito fundamental social, instiga-se a seguinte questão: à luz dos direitos humanos, a decisão do Supremo Tribunal Federal poderia ter sido diferente?

Consoante fora dito, a energia elétrica se faz atualmente como um direito fundamental e sua essencialidade é verificada dia a dia na realidade dos brasileiros. Denota-se que a decisão proferida, a contrário senso do que se orientaria os Direitos Humanos, optou por restringir o direito de acesso aos usuários de um serviço público tão importante.

O jurista francês Louis Rolland[20] em 1930 desenvolveu premissas obrigatórias para os serviços públicos conhecidas como “lois de Rolland” ou “Leis de Rolland”, e em um desses princípios norteadores dos serviços públicos destaca-se o princípio da continuidade (continuité). Assim, entende-se que o Estado deve fornecer serviços público em caráter contínuo, não impedindo ou restringindo seu acesso.

Nesse sentido, Constituição da República Federativa do Brasil firma em seu texto em seu Art. 9º, §1º, que trata sobre o direito a greve, acerca da necessidade de disposição em Lei sobre a definição de serviços ou atividades essenciais, de caráter contínuo, devendo seus atendimentos serem inadiáveis a comunidade. Tal disposição encontra-se na Lei 7.783/89, que em seu Art. 10 define as atividades ou serviços que são consideradas essenciais, e, logo em seu inciso I, é destacado a produção e distribuição de energia elétrica.

Ressalta-se ainda que a Resolução Normativa 414, de 09 de setembro de 2010, da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica, e em seu Art. 11, I, considera também como serviço essencial, de caráter contínuo, à população a produção e distribuição de energia elétrica.

Tal entendimento foi reafirmado na situação excepcional que o mundo se encontra hoje, com a evolução da pandemia do covid-19, que motivou o desenvolvimento da Lei 13.979/20 que dispõe sobre medidas para o enfrentamento do surto viral que ora acomete o país. E o decreto 10.282 de 20 de março de 2020, que regulamenta a supracitada Lei, define em seu Art. 3º os serviços e atividades essenciais nesse período, dentre os quais no inciso X, encontra-se a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.

No mais, é disposto ainda no Art. 175, parágrafo único, IV, da Constituição Federal que incumbe ao Poder Público, seja direta ou por meio de concessão ou permissão, a prestação de serviços públicos, devendo Lei dispor sobre a obrigação de manter o serviço condizente aos usuários. A referida norma em questão é a Lei 8.987/95 que dispões sobre os regimes de concessão de serviços públicos, e nessa, é taxativo em seu Art. 7º, I, que são direitos dos usuários receberem um serviço público adequado.

A decisão do Supremo Tribunal Federal levou em consideração que a obrigação consignada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte aparentava onerar excessivamente a empresa requerente CONSERN, prestadora de serviço essencial de distribuição de energia elétrica aos usuários, uma vez que considerara a necessidade de restabelecimento de energia daqueles que se encontravam inadimplentes antes da Resolução 878 da ANEEL.

A referida resolução 878 é datada de 24 de março de 2020 quando comprovadamente o surto do covid-19 já causava consequências aos cidadãos de maneira geral. Destaque-se que, segundo se extrai do site da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS a Organização Mundial da Saúde considerou a doença como surto Pandêmico de nível mundial em 11 de março de 2020[21]. Tardiamente enquadrada dessa maneira, conforme se sabe, pois desde de 30 de janeiro de 2020 já era considerada pela mesma instituição como situação de “Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII)” [22].

Tal entendimento, inclusive, se alinha com o entendimento do Procurador-Geral da República em seu parecer juntado nos autos da STP 272, que denotou a essencialidade do serviço de energia elétrica, sobretudo diante das medidas restritivas impostas para o controle da epidemia da covid-19. Devendo assim o Poder Público zelar pela sua continuidade, vez que a energia elétrica possibilita a continuidade da renda (viabilizando alguma modalidade de trabalho remoto por meio de itens que demandem energia), cuidados relativos à saúde, bem como o armazenamento de alimentos no período de isolamento.

A referida situação se torna ainda mais nítida quando se analisa a questão recentemente enfrentada pelo estado do Amapá, que vivenciara 22 (vinte e dois) dias de completo apagão[23] no fornecimento de energia elétrica. A falta de energia elétrica no estado afetou também o setor hidráulico, resultando em falta de água encanada e mineral[24]. Da mesma forma, impactou os serviços de internet, telefonia, caixas eletrônicos e até postos de combustível pararam de funcionar, resultando em total crise o estado do Norte.

Isso sem considerar o impacto que os hospitais da região tiveram, eis que no período pandêmico da covid-19, com a superlotação dos estabelecimentos de saúde, a ausência de energia elétrica inviabiliza o funcionamento de aparelhos essenciais para a manutenção da saúde dos acometidos por essa doença, tais quais respiradores artificiais. Desta feita, resta claro a importância que a energia elétrica possui para a sociedade atual, uma vez que no atual século, os as pessoas tornaram-se muitos mais dependentes dos benefícios e facilidades tragos pelos aparelhos movidos a esse tipo de energia, tornando quase que insustentável a vivência com a sua falta.

Portanto, considera-se que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, à luz dos Direitos Humanos, poderia ter sido diferente, posto que, consoante fora demonstrado no presente artigo, o acesso à energia elétrica é considerado hoje um direito fundamental, e, uma vez que disposto na legislação brasileira a necessidade de continuidade do serviço público essencial, dada a situação excepcional em que o mundo se encontra, certamente a Corte Constitucional nacional poderia entender pela improcedência do pleito autoral da CONSERN, para assegurar aqueles cidadãos que há muito, não apenas após a Resolução 878 da ANEEL, estavam sendo afetados em suas atividades.


5. REFERÊNCIAS

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G1. Pesquisa: um em cada 5 alunos de escolas públicas não consegue estudar em casa na pandemia. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/08/07/pesquisa-um-em-cada-5-alunos-de-escolas-publicas-nao-consegue-estudar-em-casa-na-pandemia.ghtml. Acesso em 25 nov 2020

MIRANDA, Jorge. Manual de direito Constitucional. Tomo IV. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2000, p. 180.

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SENADO FEDERAL. PEC estabelece acesso à energia elétrica como um direito social. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/12/20/pec-estabelece-acesso-a-energia-eletrica-como-um-direito-social#:~:text=O%20acesso%20%C3%A0%20energia%20el%C3%A9trica,como%20direito%20social%20na%20Constitui%C3%A7%C3%A3º.&text=De%20acordo%20com%20ele%2C%20o,que%20dependem%20de%20fontes%20el%C3%A9tricas. Acesso em 22 nov 2020

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 175-178.


Notas

[1] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Segurança nº 846/DF, requerente: DISTRITO FEDERAL; requerido: TRIBUNAL DE JUSTICA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS – Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, julgado em 29 mai. 1996.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 175-178.

[3] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 492.

[4] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004, p. 5.

[5] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 492.

[6] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6.ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 524.

[7] ROSA, Taís Hemann da. Direito fundamental social de acesso à energia elétrica (apontamentos iniciais sobre a perspectiva brasileira). III Seminário Internacional de Ciências Sociais – Ciência Política. Disponível em: http://cursos.unipampa.edu.br/cursos/cienciapolitica/files/2014/06/ACESSO-%C3%80-ENERGIA-EL%C3%89TRICA-evento-sb.pdf. Acesso em: 05 ago. 2020.

[8] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6.ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 524.

[9] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 564.

[10] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 497.

[11] ROSA, Taís Hemann da. Direito fundamental social de acesso à energia elétrica (apontamentos iniciais sobre a perspectiva brasileira). III Seminário Internacional de Ciências Sociais – Ciência Política. Disponível em: http://cursos.unipampa.edu.br/cursos/cienciapolitica/files/2014/06/ACESSO-%C3%80-ENERGIA-EL%C3%89TRICA-evento-sb.pdf. Acesso em: 05 ago. 2020.

[12] BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 ago. 2020.

[13] PES, João Hélio. A constitucionalização de direitos humanos elencados em tratados. 2009. 128 f. Relatório final apresentado no Curso de Formação Avançada para o Doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas, na disciplina Direito Constitucional, sob a regência do Professor Doutor Jorge Miranda, ano letivo 2007/2008. Disponível em: https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/631-947.pdf. Acesso em: 08 ago. 2020.

[14] MIRANDA, Jorge. Manual de direito Constitucional. Tomo IV. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2000, p. 180.

[15] SARLET, Ingo Wolfgang; ZOCKUN, Carolina Zancaner. Notas sobre o mínimo existencial e sua interpretação pelo STF no âmbito do controle judicial das políticas públicas com base nos direitos sociais. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 115-141, maio/ago. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2359-56392016000200115&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 08 ago. 2020.

[16] ROSA, Taís Hemann da. O acesso à energia elétrica como manifestação do direito ao mínimo existencial: uma análise com ênfase na dimensão defensiva do direito de acesso à energia elétrica. 2016. 167 f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre, 2016. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/6787/2/DIS_TAIS_HEMANN_DA_ROSA_PARCIAL.pdf. Acesso em: 08 ago. 2020.

[17] G1. Pesquisa: um em cada 5 alunos de escolas públicas não consegue estudar em casa na pandemia. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/08/07/pesquisa-um-em-cada-5-alunos-de-escolas-publicas-nao-consegue-estudar-em-casa-na-pandemia.ghtml

[18] AGÊNCIA BRASIL. Analfabetismo cai, mas Brasil ainda tem 11 milhões sem ler e escrever. https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-07/taxa-cai-levemente-mas-brasil-ainda-tem-11-milhoes-de-analfabetos#:~:text=Apesar%20da%20queda%2C%20que%20representa,ao%20menos%20um%20bilhete%20simples.

[19] SENADO FEDERAL. PEC estabelece acesso à energia elétrica como um direito social. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/12/20/pec-estabelece-acesso-a-energia-eletrica-como-um-direito-social#:~:text=O%20acesso%20%C3%A0%20energia%20el%C3%A9trica,como%20direito%20social%20na%20Constitui%C3%A7%C3%A3º.&text=De%20acordo%20com%20ele%2C%20o,que%20dependem%20de%20fontes%20el%C3%A9tricas. Acesso em: 08 ago. 2020.

[20] ROLLAND, Louis. Précis de droit administratif. Imprenta: Paris, Dalloz, 1928.

[21] ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. OMS afirma que covid-19 é agora caracterizada como pandemia. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6120:oms-afirma-que-covid-19-e-agora-caracterizada-como-pandemia&Itemid=812. Acesso em: 13 ago. 2020

[22] ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. OMS declara emergência de saúde pública de importância internacional por surto de novo coronavírus. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6100:oms-declara-emergencia-de-saude-publica-de-importancia-internacional-em-relacao-a-novo-coronavirus&Itemid=812. Acesso em: 13 ago. 2020

[23] G1. Após 22 dias de apagão no Amapá, distribuidora e governo dizem que rodízio terminou e que energia foi retomada em 100%. Disponível em: https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2020/11/24/amapa-entra-no-22º-dia-de-apagao-com-novo-transformador-ligado-na-subestacao-que-pegou-fogo.ghtml

[24] AMBIENTE BRASIL. Apagão no Amapá: entenda as causas e consequências da falta de energia no estado. Disponível em: https://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2020/11/13/165153-apagao-no-amapa-entenda-as-causas-e-consequencias-da-falta-de-energia-no-estado.html

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Sobre o autor
Leonardo Augusto de Morais Soares

Advogado. Pós-graduado em Processo nos Tribunais Superiores na Instituição UniCEUB. Pós-graduado em Direito e Processo Tributário na Faculdade CERS. Graduado em Direito na Instituição UniCEUB. Possuo grande atuação e experiência junto aos Tribunais Superiores, com destaque para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entusiasta dos mais diversos campos do Direito Público como Direito Eleitoral e Direito Tributário. Atuação destacada também com Direito Civil, com ênfase para as subáreas Contratual/Obrigacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Leonardo Augusto Morais. Os cortes no fornecimento de energia elétrica e a pandemia de covid-19:: uma análise do julgamento da STP 272 pelo STF à luz dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6454, 3 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88884. Acesso em: 23 nov. 2024.

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