A inconstitucional tese da legítima defesa da honra

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08/03/2021 às 10:02

Resumo:


  • O feminicídio é a morte intencional e violenta de mulheres em decorrência de seu sexo, envolvendo agressões físicas e psicológicas.

  • A legítima defesa da honra é uma tese jurídica que busca justificar crimes cometidos por homens contra suas parceiras, mas vem sendo questionada por desrespeitar a dignidade da pessoa humana e os direitos à igualdade e à vida.

  • O princípio da soberania do júri garante a plenitude da defesa, o sigilo das votações e a competência para julgar crimes dolosos contra a vida, mas a decisão dos jurados pode ser anulada se for manifestamente contrária à prova dos autos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

IV  - A LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA DIANTE DE POSIÇÃO DO STF

Em medida cautelar na ADPF 779/DF, o ministro Dias Toffoli fixou entendimento que: 1) a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional por ofender a dignidade da pessoa humana, a vedação de discriminação e os direitos à igualdade e à vida; e 2) caso a tese seja veiculada — direta ou indiretamente — nas fases investigatória, processual e, inclusive, no âmbito do Tribunal do Júri, importará na "nulidade da prova, do ato processual ou até mesmo dos debates por ocasião da sessão do júri (caso não obstada pelo Presidente do Júri), facultando-se ao titular da acusação recorrer de apelação na forma do art. 593, III, 'a', do Código de Processo Penal".

O STF já assentou que no sistema constitucional nacional não existem garantias individuais de ordem absoluta (STF, 2ª Turma, RHC 132.115, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje 09/03/2017). No Tribunal do Júri, a soberania dos veredictos é um exemplo marcante, pois, de acordo com a legislação infraconstitucional, as decisões do Conselho de Sentença podem ser anuladas pela Justiça togada quando se mostrarem manifestamente contrária à prova dos autos (CPP, artigo 593, §3º). Porém, a questão se torna mais tormentosa quando a absolvição do acusado ocorre com base no quesito genérico (CPP, artigo 483, III) e mais de uma tese é levantada pela defesa, inviabilizando conhecer qual das teses teria sido acolhida pelos jurados, já que, como sabemos, proferem decisões sigilosas e imotivadas.

A 1ª Turma do STF fixou a tese de que "a absolvição do réu, ante resposta a quesito específico, independe de elementos probatórios ou de tese veiculada pela defesa, considerada a livre convicção dos jurados — artigo 483, § 2º, do Código de Processo Penal" (STF, 1ª Turma, HC 178.777, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 29/9/2020). A matéria, inclusive, será objeto de repercussão geral (Tema 1087 de relatoria do ministro Gilmar Mendes).

Como explicitaram Daniel Ribeiro Surdi de Avelar e ainda Rodrigo F. Pereira e Silva (Tribunal do Júri: a legítima defesa da honra e a decisão do ministro Dias Toffoli, in Consultor Jurídico), a decisão cria uma série de dificuldades de aplicação no caso concreto. De acordo com a liminar, a simples veiculação direta ou indireta da tese da legítima defesa da honra nas fases investigatória, processual ou no âmbito do Tribunal do Júri importará na "nulidade da prova, do ato processual ou até mesmo dos debates por ocasião da sessão do júri (caso não obstada pelo Presidente do Júri)". 

Assim, considerando que a mera veiculação da tese já importaria na nulidade da sessão de julgamento, questiona-se: o que seria a vinculação indireta da tese? Como seria possível à defesa trabalhar teses acessórias como, por exemplo, a causa especial de diminuição de pena da violenta emoção sem tangenciar a nulidade? Como postular a exclusão da qualificadora da futilidade em um crime passional sem trazer à lume o ciúme? Essa nulidade seria absoluta ou relativa? Ou ainda: deveria o magistrado anular o júri caso o acusado durante o interrogatório — momento de autodefesa que serve como fonte de quesitação (CPP, artigo 482, parágrafo único) — alegasse "indiretamente" a tese da legítima defesa da honra? E se o acusado, encontrando a esposa na cama com outro, não mata a esposa adúltera, mas, sim, o amante? E se for a mulher quem assassina a amante do marido quando o encontra na cama do casal? São muitas questões, que comportam uma série de alternativas e interpretações distintas.”

Como ainda esclareceram Daniel Ribeiro Surdi de Avelar e ainda Rodrigo F. Pereira e Silva a legislação atual fornece algumas ferramentas para controlar o uso da tese da legítima defesa da honra no júri, sem a necessidade da criação de uma nulidade por decisão judicial ou desrespeito ao princípio da plenitude de defesa:

“1) Considerando o procedimento bifásico do Tribunal do Júri, caso a legítima defesa da honra tenha sido sustentada pelo próprio acusado ou pela defesa técnica na primeira fase do procedimento, o magistrado poderá afastá-la na decisão de pronúncia, sem se descuidar do excesso de linguagem ou de adentrar no mérito das teses subsidiárias;

2) Como já dito, caso a tese seja suscitada pela defesa em Plenário, o MP terá oportunidade de, em réplica ou apartes, demonstrar sua irracionalidade”

Ao final do julgamento, o magistrado deve esclarecer aos jurados o significado de cada um dos quesitos (CPP, artigo 484 e parágrafo único). Assim, precisa explicar que caso respondam afirmativamente ao quesito absolutório genérico (CPP, artigo 483, §2º), estariam acolhendo a tese da legítima defesa da honra (na hipótese de ter sido essa a única levantada).

Assim, ficará preservado o princípio da soberania do júri, sendo mister lembrar que caso prospere a tese esposada pelo ministro Toffoli, o juiz que preside do Tribunal do Júri deverá explicar claramente aos jurados com relação a nulidade dessa tese da legítima defesa da honra.

De toda sorte, com o reconhecimento da inconstitucionalidade de referida tese, a legítima defesa da honra será, na prática, de uma vez por todas, banida de nossos Tribunais do Júri, uma vez que será totalmente inócua, caso suscitada.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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