O combate à violência doméstica se materializou na Lei nº 11.343/06, disseminada como Lei Maria da Penha, que inovou e trouxe à tona mecanismos para prevenir e reprimir a violência contra a mulher. No entanto, o modelo de justiça penal não conseguiu superar, ainda, a complexidade dos fatores que envolvem contextos históricos, políticos e sociológicos como causa da violência doméstica.
O panorama da opressão contra as mulheres ganha contornos mais drásticos ao se considerar as regiões interioranas do Brasil, haja vista a ausência de extensão aos municípios do interior daqueles instrumentos e mecanismos disponibilizados nas capitais para o combate à violência doméstica.
Dessa forma, é necessário pensar em meios de superação dos desafios que se colocam como obstáculo para o enfrentamento daquilo que pode ser denominado de interiorização da violência doméstica.
Para fins de contextualizar, conforme destacam Araújo, Albuquerque e Medina (2018), o decreto nº 1.973, de 1 de agosto de 1996, promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, e afirma em seu artigo 1º que:
“... entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (BRASIL, 1996).
No seu artigo 2º, declara que a violência contra a mulher inclui a violência física, sexual ou psicológica ocorrida na família, na comunidade ou que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado e seus agentes, onde quer que ocorra. (ARAÚJO, ALBUQUERQUE e MEDIDA, 2018).
A violência doméstica é considerada um problema mundial de saúde pública que tem a capacidade de comprometer a saúde física e emocional da mulher. No entanto, as mulheres residentes nos municípios do interior acabam ficando fora das estatísticas, ou são consideradas somente naqueles casos de crimes mais graves.
A Organização Mundial da Saúde estima que a violência contra a mulher seja responsável por 5 a 20% dos anos de vida saudáveis perdidos em mulheres de 15 a 44 anos (DA SILVA MINA; SHIMBA CARNEIRO apud ASSIS, CONSTANTINO & AVANCI, 2010).
Os estudos demonstram que a violência doméstica tem consequências que devem ser consideradas para fins de fomentação de políticas públicas que implementem mecanismos de prevenção e de combate a todo o tipo de violência doméstica, merecendo destaque a revisão de estudos (DA SILVA MINA; SHIMBA CARNEIRO apud SÁ, 2011), que pontua que, no mundo, um em cada cinco dias de absenteísmo no trabalho feminino decorre da violência doméstica.
A necessidade de estudos mais abrangentes sobre a situação das mulheres dos municípios interioranos do Brasil decorre da própria realidade brasileira, haja vista que Adeodato, Carvalho, Siqueira e Souza (2005) constatam que o Brasil é o país com os maiores índices de violência doméstica, pois 23% das mulheres estão sujeitas à violência doméstica, estimando que, a cada quatro minutos, uma mulher sofre agressão, e, em 85,5% dos casos de violência física contra mulheres, os agressores são seus parceiros.
Os estudos sobre a violência contra a mulher dos municípios do interior devem levar em consideração o reconhecimento da dimensão do fenômeno como um grave problema de saúde pública, por sua alta incidência e pelas consequências que causa à saúde física e psicológica das vítimas
Não se pode jogar para segundo plano a realidade de muitas mulheres que estão fora das estatísticas em razão da ausência de instrumentos e mecanismos que possam alcançá-las de forma a possibilitar a mesma proteção que é disponibilizada nas capitais.
Dessa forma, abre-se a discussão acerca da importância fundamental de estudos para compreender um pouco da realidade oculta destas mulheres que residem nos rincões de nosso Brasil, tudo de forma a elucidar a sociedade sobre a violência que atinge aquelas mulheres que não têm à disposição os mesmos instrumentos e mecanismos oferecidos nas capitais.