A teor do inciso III do art. 71 da Lei Maior, compete ao TCU “apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório”.
No RE 636.553/RS, o STF discutiu se o TCU devia observar o prazo decadencial de cinco anos previsto na Lei nº 9.784/99, para apreciação da legalidade das concessões de aposentadoria, e se era necessária a observância do contraditório e da ampla defesa. Em 19/02/20, fixou-se a seguinte tese de repercussão geral: “Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas.” Eis a ementa do aresto:
Recurso extraordinário. Repercussão geral.
2. Aposentadoria. Ato complexo. Necessária a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas. Inaplicabilidade do art. 54 da Lei 9.784/1999 antes da perfectibilização do ato de aposentadoria, reforma ou pensão. Manutenção da jurisprudência quanto a este ponto.
3. Princípios da segurança jurídica e da confiança legítima. Necessidade da estabilização das relações jurídicas. Fixação do prazo de 5 anos para que o TCU proceda ao registro dos atos de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, após o qual se considerarão definitivamente registrados.
4. Termo inicial do prazo. Chegada do processo ao Tribunal de Contas.
5. Discussão acerca do contraditório e da ampla defesa prejudicada.
6. TESE: “Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas”.
7. Caso concreto. Ato inicial da concessão de aposentadoria ocorrido em 1995. Chegada do processo ao TCU em 1996. Negativa do registro pela Corte de Contas em 2003. Transcurso de mais de 5 anos.
8. Negado provimento ao recurso. (RE 636553, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-129 DIVULG 25-05-2020 PUBLIC 26-05-2020)
No julgamento dos embargos de declaração opostos ao acórdão transcrito, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, adiu:
Com essa fundamentação, o Supremo Tribunal Federal definiu que a fixação do prazo de cinco anos se afigura razoável para que as cortes de contas procedam à análise da legalidade dos atos de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, após o qual estes serão considerados definitivamente registrados.
Trata-se de prazo ininterrupto, a ser computado a partir da chegada do processo à respectiva corte de contas – ou, como definido pelo Ministro Roberto Barroso durante o julgamento, um verdadeiro período de “cinco anos tout court”.
Passado esse prazo sem finalização do processo, o ato restará automaticamente estabilizado. Abre-se, a partir daí, a possibilidade de sua revisão, nos termos do art. 54 da Lei 9.873/1999 [9.784/1999].
Na esteira do julgamento supra, o TCU adotou o Acórdão nº 122/2021-Plenário:
Acórdão 122/2021 Plenário (Pensão Militar, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues)
Ato sujeito a registro. Princípio da segurança jurídica. Apreciação. Prazo. Revisão de ofício.
Passados cinco anos, contados de forma ininterrupta, a partir da entrada de ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão no TCU, sem sua apreciação, o ato será considerado registrado tacitamente, abrindo-se, a partir daí, a possibilidade de revisão, nos termos do art. 54 da Lei 9.784/1999 (RE 636.553 - Tema 445 da Repercussão Geral), c/c o art. 260, § 2º, do Regimento Interno do TCU.
Segundo o Relator, Ministro Walton Alencar Rodrigues, “a partir do registro tácito do ato de concessão, é possível a sua revisão, no prazo de 5 anos”, com base no art. 54 da Lei nº 9.784/99. Esse entendimento seria “plenamente compatível com o disposto no art. 260, § 2º, do Regimento Interno do TCU, in verbis: § 2º O acórdão que considerar legal o ato e determinar o seu registro não faz coisa julgada administrativa e poderá ser revisto de ofício pelo Tribunal, com a oitiva do Ministério Público e do beneficiário do ato, dentro do prazo de cinco anos da apreciação, se verificado que o ato viola a ordem jurídica, ou a qualquer tempo, no caso de comprovada má-fé.”
É de difícil compreensão este fragmento do voto do Ministro Gilmar Mendes: “Abre-se, a partir daí, a possibilidade de sua revisão, nos termos do art. 54 da Lei 9.873/1999 [9.784/1999].”
Eis os termos do art. 54 da Lei nº 9.784/99:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
A revisão prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/99 é a anulação, a ser levada a efeito pela Administração, sempre que um ato administrativo apresentar vício insanável. Ato administrativo, aqui, é o “ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão”.
Ora, à Administração não é dado anular um ato de aposentadoria, reforma ou pensão já registrado, expressa ou tacitamente, pelo Tribunal de Contas, sob pena de usurpação de competência. A propósito, cabe trazer à colação o ensinamento de Gabriela Lira Borges:
Tendo em vista tal cenário, questiona-se se a unidade administrativa que concedeu a aposentadoria provisoriamente pode alterar tal ato após o registro pelo TCU.
A resposta ao questionamento vem em sentido negativo, tendo em vista a atribuição de competência constitucional ao TCU relativamente à matéria. De fato, uma vez que a definitividade do ato de aposentadoria foi atribuída a esse tribunal, posterior modificação de sua decisão representaria usurpação de competência constitucionalmente atribuída.
Nesse sentido, a própria Corte de Contas tem entendimento consolidado no sentido de somente admitir alteração de ato registrado mediante determinação do próprio TCU, conforme se observa dos termos de sua Súmula nº 199:
Salvo por sua determinação, não podem ser cancelados pela autoridade administrativa concedente, os atos, originários ou de alterações, relativos a aposentadoria, reformas e pensões, já registrados pelo Tribunal de Contas, ao apreciar-lhes a legalidade, no uso da sua competência constitucional.
Diante desse contexto, conclui-se que não é possível o cancelamento de aposentadoria já registrada pelo TCU pelo órgão que concedeu o benefício.[1]
A questionada passagem do voto do Ministro Gilmar Mendes (está-se falando de uma única frase, isolada e dissonante) teria, muito provavelmente, restado sem consequências, na medida em que os embargos de declaração foram, ao fim e ao cabo, rejeitados... Não fosse o Acórdão nº 122/2021-Plenário, que, na prática, altera o prazo estabelecido pela Suprema Corte, de cinco para dez anos.
A utilização inadequada da referida parte dos aclaratórios (repita-se, rejeitados) pelo TCU leva a uma verdadeira desfiguração da tese fixada, constituindo, a um só tempo, ofensa aos julgados do STF e ao princípio da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).
Data maxima venia, o §2º do art. 260 do Regimento Interno do TCU deve ser lido à luz do RE 636.553/RS. Assim, o “acórdão que considerar legal o ato e determinar o seu registro não faz coisa julgada administrativa e poderá ser revisto de ofício pelo Tribunal, com a oitiva do Ministério Público e do beneficiário do ato, dentro do prazo de cinco anos” da entrada do respectivo processo no Tribunal (e não da apreciação). Isso, é claro, se verificado que o ato viola a ordem jurídica.
Se um ato de aposentadoria, reforma ou pensão, for considerado legal, por hipótese, três anos após a chegada do respectivo processo, o TCU terá dois (e não cinco) anos para desconstituir o registro. Em se tratando de registro tácito, não há que falar em revisão de ofício, porquanto o TCU teve cinco anos para apreciar a legalidade da concessão e não o fez.
A interpretação que se descortina nos dois últimos parágrafos está em perfeita sintonia com as decisões prolatadas pelo STF no RE 636.553/RS, que rendem homenagem aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, bem como à necessidade de estabilização das relações jurídicas.
[1] https://www.zenite.blog.br/e-possivel-o-cancelamento-pelo-orgao-concedente-de-aposentadoria-ja-registrada-no-tcu/