1. Estratégias de Ordenamento Transnacional conduzidas pela Comissão Europeia
A Comissão Europeia não tem competências formais em matéria de ordenamento do território, um domínio considerado do âmbito da soberania de cada um dos Estados-Membros. Contudo, os serviços da Comissão Europeia têm vindo a estimular e a apoiar, desde finais da década de 80, múltiplas iniciativas que visam o desenvolvimento de estratégias de ordenamento transnacional do espaço comunitário[1].
O Tratado da União Europeia, em seu artigo 2º dispõe que esta União se funda nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres[2].
Esta disposição guarda íntima relação com a presente discussão, uma vez que elevam os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana à posição central, em termos de relevância, no planejamento estatal e na elaboração de políticas públicas que sirvam a concretização de direitos fundamentais nos espaços urbanos e territoriais.
O artigo 3º, nº 3 deste mesmo tratado dispõe que a União deve estabelecer um mercado interno e se empenhar no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento econômico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União deve fomentar o progresso científico e tecnológico. A União deve combater à exclusão social e as discriminações e promover a justiça e a proteção sociais, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as gerações e a proteção dos direitos da criança. A União deve promover a coesão econômica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros. A União deve respeitar a riqueza da sua diversidade cultural e linguística e velar pela salvaguarda e pelo desenvolvimento do patrimônio cultural europeu[3].
Mais uma vez se percebe que o objetivo de promover a coesão econômica, social e territorial é um dos alicerces em que devem se assentar as políticas de desenvolvimento em todo o continente europeu.
Seguindo esta mesma lógica, consta do artigo 4º, nº 2 deste mesmo tratado que a União deve respeitar a igualdade dos Estados-Membros perante os Tratados, bem como a respectiva identidade nacional, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo no que se refere à autonomia local e regional. A União deve respeitar as funções essenciais do Estado, nomeadamente as que se destinam a garantir a integridade territorial, a manter a ordem pública e a salvaguardar a segurança nacional. Em especial, a segurança nacional continua a ser da exclusiva responsabilidade de cada Estado-Membro[4].
2. Princípios da Atribuição, da Subsidiariedade e da Proporcionalidade
Frise-se ainda que o artigo 5º nº 1, afirma que a delimitação das competências da União rege-se pelo princípio da atribuição, enquanto que o exercício das competências da União rege-se pelos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.
Explicando como devem ser interpretados estes princípios, os nº 3 e 4 deste mesmo artigo dispõem, respectivamente, que em virtude do princípio da subsidiariedade, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a União intervém apenas se e na medida em que os objetivos da ação considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local, podendo contudo, devido às dimensões ou aos efeitos da ação considerada, ser mais bem alcançados ao nível da União. E continua a afirmar que as instituições da União aplicam o princípio da subsidiariedade em conformidade com o Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. Os Parlamentos nacionais velam pela observância do princípio da subsidiariedade de acordo com o processo previsto no referido Protocolo. Dispõe o nº 4 deste mesmo artigo que em virtude do princípio da proporcionalidade, o conteúdo e a forma da ação da União não devem exceder o necessário para alcançar os objetivos dos Tratados[5].
Vale ainda considerar o artigo 6º, nº 1 quando dispõe que a União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7 de Dezembro de 2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em 12 de Dezembro de 2007, em Estrasburgo, e que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados. De forma alguma o disposto na Carta pode alargar as competências da União, tal como definidas nos Tratados. Os direitos, as liberdades e os princípios consagrados na Carta devem ser interpretados de acordo com as disposições gerais constantes do Título VII da Carta que regem a sua interpretação e aplicação e tendo na devida conta as anotações a que a Carta faz referência, que indicam as fontes dessas disposições. O nº 2 deste mesmo artigo dispõe que a União adere à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Essa adesão não altera as competências da União, tal como definidas nos Tratados[6].
3. Aplicações dos Princípio da Igualdade e do Desenvolvimento Sustentável
Convém também destacar o teor do artigo 9º deste mesmo Tratado da União Europeia, quando assevera que em todas as suas atividades, a União respeita o princípio da igualdade dos seus cidadãos, que beneficiam de igual atenção por parte das suas instituições, órgãos e organismos. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional e não a substitui[7].
O Tratado da União Europeia também tem dispositivo específico a tratar do desenvolvimento sustentável, a saber, o artigo 21º nº 2, alíneas d) e f), a seguir transcritos:
“Art. 21º - A União define e prossegue políticas comuns e ações e diligencia no sentido de assegurar um elevado grau de cooperação em todos os domínios das relações internacionais, a fim de: (...)
d) Apoiar o desenvolvimento sustentável nos planos económico, social e ambiental dos países em desenvolvimento, tendo como principal objetivo erradicar a pobreza;
e) Incentivar a integração de todos os países na economia mundial, inclusivamente através da eliminação progressiva dos obstáculos ao comércio internacional; (...)
f) Contribuir para o desenvolvimento de medidas internacionais para preservar e melhorar a qualidade do ambiente e a gestão sustentável dos recursos naturais à escala mundial, a fim de assegurar um desenvolvimento sustentável”[8].
Deve-se considerar ainda o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que em seu artigo 8º dispõe que na realização de todas as suas ações, a União terá por objetivo eliminar as desigualdades e promover a igualdade entre homens e mulheres[9].
Ainda no que tange à necessidade de um desenvolvimento sustentável, o artigo 11º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia dispõe que as exigências em matéria de proteção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e ações da União, em especial com o objetivo de promover um desenvolvimento sustentável[10].
No que tange à política social, o artigo 151º deste mesmo diploma assevera que a União e os Estados-Membros, tendo presentes os direitos sociais fundamentais, tal como os enunciam a Carta Social Europeia, assinada em Turim, em 18 de Outubro de 1961 e a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989, terão por objetivos a promoção do emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, de modo a permitir a sua harmonização, assegurando simultaneamente essa melhoria, uma proteção social adequada, o diálogo entre parceiros sociais, o desenvolvimento dos recursos humanos, tendo em vista um nível de emprego elevado e duradouro, e a luta contra as exclusões. Para o efeito, a União e os Estados-Membros desenvolverão ações que tenham em conta a diversidade das práticas nacionais, em especial no domínio das relações contratuais, e a necessidade de manter a capacidade concorrencial da economia da União. A União e os Estados-Membros consideram que esse desenvolvimento decorrerá não apenas do funcionamento do mercado interno, que favorecerá a harmonização dos sistemas sociais, mas igualmente dos processos previstos nos Tratados e da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas[11].
4. A Questão da Coesão Econômica, Social e Territorial
Há uma disposição específica para a questão da coesão econômica, social e territorial, tão amplamente abordada na presente obra. Trata-se do artigo 174º, que dispõe que (com a finalidade de promover um desenvolvimento harmonioso do conjunto da União) a União Europeia desenvolverá e prosseguirá a sua ação no sentido de reforçar a sua coesão económica, social e territorial. Em especial, a União procurará reduzir a disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas. Entre as regiões em causa, é consagrada especial atenção às zonas rurais, às zonas afetadas pela transição industrial e às regiões com limitações naturais ou demográficas graves e permanentes, tais como as regiões mais setentrionais com densidade populacional muito baixa e as regiões insulares, transfronteiriças e de montanha[12].
No que tange ao ordenamento ambiental dos espaços territoriais e urbanos consta do artigo 191º que a política da União no domínio do ambiente contribuirá para a prossecução dos seguintes objetivos: a) a preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente; b) a proteção da saúde das pessoas; c) a utilização prudente e racional dos recursos naturais; d) a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente, e designadamente a combater as alterações climáticas (nº 1)[13].
Consta ainda que a política da União no domínio do ambiente terá por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador. Neste contexto, as medidas de harmonização destinadas a satisfazer exigências em matéria de proteção do ambiente incluirão, nos casos adequados, uma cláusula de salvaguarda autorizando os Estados-Membros a tomar, por razões ambientais não económicas, medidas provisórias sujeitas a um processo de controlo da União (nº 2)[14].
Destaque-se ainda o Protocolo nº 28 da União Europeia, relativo à coesão econômica, social e territorial, quando reafirma que o fomento da coesão económica, social e territorial é vital para o pleno desenvolvimento e o sucesso duradouro da União; quando reafirma a sua convicção de que os Fundos Estruturais devem continuar a desempenhar um papel considerável na realização dos objetivos da União no domínio de coesão; quando a sua convicção de que o BEI deve continuar a consagrar a maior parte dos seus recursos ao fomento da coesão econômica, social e territorial e declaram a sua vontade de rever as necessidades de capital do BEI, logo que tal se revele necessário para esse efeito. Neste sentido, acordam em que o Fundo de Coesão forneça contribuições financeiras da União para projetos na área do ambiente e das redes transeuropeias nos Estados-Membros com um PNB per capita inferior a 90 % da média da União que tenham definido um programa que lhes permita preencher os requisitos de convergência econômica estabelecidos no artigo 126º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, entre outras questões operacionais para a disponibilização de créditos que possam servir aos objetivos de uma maior coesão econômica, social e territorial[15].
5. Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia
Finalmente, no que tange à Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, faz-se o recorte que se segue, especialmente no que se relaciona aos objetivos da presente obra, a começar pelo artigo 1º, que trata da dignidade da pessoa humana ao considerar que a dignidade do ser humano é inviolável. Neste sentido, deve ser respeitada e protegida[16].
Ao tratar da questão da igualdade, dispõe em seu artigo 20º que todas as pessoas são iguais perante a lei[17].
Por fim, ao tratar de uma política ambiental para a União Europeia, em seu artigo 37º, dispõe que todas as políticas da União devem integrar um elevado nível de proteção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, e assegurá-los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável[18].
Eis, em breve síntese, as disposições basilares para a política ambiental e de ordenamento dos espaços urbanos e territoriais na União Europeia.
Referências
FERRÃO, João. A Emergência de Estratégias Transnacionais de Ordenamento do Território na União Europeia: Reimaginar o Espaço Europeu para Criar Novas Formas de Governança Territorial?. Disponível em: <http://fcsh.unl.pt/geoinova/revistas/files/n7-1.pdf>. Acesso em 05 de novembro de 2015
MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010
[1] FERRÃO, João. A Emergência de Estratégias Transnacionais de Ordenamento do Território na União Europeia: Reimaginar o Espaço Europeu para Criar Novas Formas de Governança Territorial?. Disponível em: <http://fcsh.unl.pt/geoinova/revistas/files/n7-1.pdf>. Acesso em 05 de novembro de 2015.
[2] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 22.
[3] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 22.
[4] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 23.
[5] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 24.
[6] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 24-25.
[7] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 26.
[8] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 37-38.
[9] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 68.
[10] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 69.
[11] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 143-144.
[12] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 159.
[13] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 166.
[14] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 166.
[15] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 368-370.
[16] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 452.
[17] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 457.
[18] MESQUITA, Maria José Rangel de. Direito da união europeia. Textos básicos. Lisboa: associação académica da faculdade de direito de Lisboa, 2010, pág. 461.