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Investigação criminal nos crimes sexuais do art. 217-A do Código Penal, a produção de provas e o depoimento sem dano

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01/09/2021 às 09:35

Resumo:


  • O artigo discute os desafios na produção de provas em crimes sexuais sem vestígios físicos, focando no depoimento da vítima como prova principal.

  • Aborda a importância do depoimento especial e da Lei nº 13.431/17, que estabelece procedimentos para a escuta especializada e protege vítimas e testemunhas menores de idade.

  • Enfatiza a relevância da avaliação psicológica nas investigações de estupro de vulnerável e examina casos e jurisprudência para ilustrar as dificuldades e avanços na área.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi discutir o procedimento na produção de provas, quando o crime de estupro de vulnerável não deixar vestígios físicos, ressaltando a questão da palavra da vítima como prova elementar para o Inquérito Policial, assim qualificando os elementos de prova para fins de indiciamento dos acusados e, no momento oportuno, oferecimento da denúncia.

A problemática do trabalho se deu na medida em que vítimas menores de 4 anos, conforme orientação do Instituto Geral de Perícias (IGP – Rotinas para realização de Perícias Psíquicas em Crianças e Adolescentes vítimas de violência), não são ouvidas, causando prejuízo na produção de provas, e por consequência, na grande maioria dos casos, Inquéritos Policiais são remetidos ao Poder Judiciário sem indiciamento por falta de provas.

Nesse sentido, cabe ressaltar a necessidade de um projeto visando parcerias com as Prefeituras, para que seja possível desenvolver, através dos psicólogos, um método lúdico e eficaz visando estabelecer uma comunicação com as vítimas de abuso sexual, menores de quatro anos. Assim, seria possível que tivéssemos um laudo psicológico que aponte se houve ou não abuso sexual. Por consequência, qualificando a prova no procedimento policial e evitando que delinquentes ‘saiam’ impunes por falta de provas, já que em diversos casos o único elemento probatório é a palavra da vítima.

Em sendo a palavra da vítima a principal ferramenta nesses delitos que não deixam vestígios físicos, cabe referir que a mesma é elementar para o contexto probatório. Se por um lado busca-se a verdades dos fatos, por outro, é necessário dar proteção aos infantes, com isso o depoimento sem dano, surge para proteger as vítimas e testemunhas desses e de outros delitos. O projeto Depoimento sem Dano, que teve início em 2003, visa adequar o ambiente e a forma como os infantes devem ser ouvidos. Como já referido no capítulo sobre Depoimento Especial, a ideia é que tenhamos uma sala adequada para que os menores se sintam acolhidos e confortáveis no momento de seu depoimento, evitando o encontro das vítimas e testemunhas menores com o réu.

A entrevista realizada por profissional especializado vem ao encontro do projeto, pois tem o objetivo de evitar a chamada revitimização dos infantes, evitando-se perguntas inadequadas, impertinentes e agressivas. Cabe ressaltar que o contraditório e ampla defesa não restam prejudicados para a defesa do réu, pois a sala onde é realizado o depoimento sem dano é interligada, por vídeo e áudio, com a sala onde ficam os Advogados, Juiz, Réu, Promotor e Servidores, visando assim, uma entrevista indireta destes com o menor, que é realizada através do profissional especializado para tal ato, geralmente um Psicólogo ou Assistente Social.

A Lei nº 13.431/17, sobre Depoimento Especial e Escuta especializada, representa um avanço para a investigação e para os menores vítimas e testemunhas destes delitos. A legislação, que entrou em vigor em abril de 2018, regulamenta e complementa o projeto sobre Depoimento sem dano. Cabendo ressaltar que a Lei exige que os Órgãos observem e apliquem os procedimentos de oitivas das vítimas e testemunhas menores de idade. Evitando que as mesmas tenham que prestar diversas declarações em vários locais, quais sejam: Conselho Tutelar, Delegacia de Polícia, Perícia e Poder Judiciário. O objetivo é que o menor seja ouvido uma única vez, pensando em seu bem estar e evitando que reviva a violência sofrida.

A Lei de Depoimento Especial foi bem elaborada pelo legislador e foi ao encontro do Estatuto da Criança e do Adolescente, dando maior proteção aos infantes. Nesse sentido, o Convênio nº 044/2018-DEC reafirmou a aplicação da Lei, trazendo cláusulas cooperativas entre os convenentes visando ampla aplicação da Lei de Escuta Protegida.

Como garantia de que a Lei sobre Depoimento Especial se faça cumprir, surge a figura penal da Violência Institucional, constante no artigo 4º, inc. IV e alíneas. Tal tipificação representa a importância de se observar todos os procedimentos para a oitiva destes menores em situação ou que tenham presenciado violência sexual.

Mesmo com o depoimento especial, vale salientar a importância da avaliação psicológica da vítima de violência como um instrumento probatório robusto na instrução do Inquérito Policial.

A avaliação psíquica é o momento em que os peritos aplicam técnicas psicológicas visando avaliar questões como cognição, emoção e comportamento, também verificando questões sobre desenvolvimento mental do infante. Na avaliação ocorre a análise da veracidade e conexão em seu relato; se a vítima está em sofrimento psíquico em decorrência da violência sofrida, entre outros. Cabe referir que o Instituto-Geral de Perícias do Estado do Rio Grande do Sul realiza a Avaliação Psíquica apenas em crianças acima de quatro anos, não sendo possível realizar o exame em menores de quatro anos. Nesse viés, temos muitos Inquéritos Policiais remetidos sem indiciamento por falta de provas.

Conforme abordado nos dois estudos de caso, demonstrou-se a prática da Delegacia de Polícia, visando apontar as dificuldades de prova e o Depoimento especial, bem como suas implicações. No primeiro estudo de caso, a falta de avaliação psíquica prejudicou o indiciamento, o que não significa que o delito não tenha ocorrido, mas sim que não foi possível prová-lo. Já no segundo estudo de caso, foi possível perceber o avanço que o Depoimento Especial representa, já que foi fundamental para a representação por pedido de Prisão Preventiva de um dos acusados.

Por fim, restou demonstrada a importância da palavra da vítima nos crimes de Violência Sexual, cabendo referir que, mesmo com o avanço da Lei de Depoimento Especial, a avaliação psicológica também é de grande valia, aumentando a qualidade do Inquérito Policial e possibilitando, na maioria das vezes, o indiciamento do acusado.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 13.431, de 04 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Brasília, DF. 2017. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm>. Acesso em: 18 jun. 2018.

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Nota

1 FONTE DE REFERÊNCIA NOS LAUDOS DO IGP/RS - A avaliação da Validade da Declaração (Statement Validity Assessment – SVA) é reconhecida como a técnica mais difundida no mundo para medir a veracidade de uma declaração verbal. Sua origem data de 1954, na Alemanha, e sua metodologia foi aperfeiçoada em 1989, por Steller e Kohnken. Na sua forma atual, é aceita como evidência em tribunais de alguns países da Europa. Para mais informações sobre este instrumento, ver: Vrij, A., & J. C. Kircher (Eds.), Credibility Assessment (pp. 301-374). San Diego, CA: Academic Press (Elsevier). ISBN 978012394433.

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Sobre a autora
Bruna Fernandes

Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito. Pós-graduação em Investigação Criminal. Atualmente, Servidora Pública Estadual. Já Advogou.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Bruna. Investigação criminal nos crimes sexuais do art. 217-A do Código Penal, a produção de provas e o depoimento sem dano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6636, 1 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92584. Acesso em: 5 dez. 2025.

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