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Contrato de locação não residencial e suas nuances

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Proteção ao Fundo de Comércio Cláusula de Vigência e registro do contrato

É extremamente recomendável para proteção do fundo de comércio a inserção contratual de uma cláusula que obrigue o adquirente a respeitar o contrato em caso de alienação do imóvel. Porém, não basta a existência da chamada cláusula de vigência. É necessário que também se averbe o contrato junto à matrícula do imóvel no registro imobiliário competente.

Tais medidas se fazem necessárias, em decorrência do disposto no artigo 8º da lei das locações, abaixo transcrito:

Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

§ 1º Idêntico direito terá o promissário comprador e o promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo.

Sendo assim, caso o imóvel locado venha a ser alienado no decorrer da relação locatícia, o adquirente ou o promissário comprador (cujo título tenha sido registrado), poderá denunciá-lo.

Note-se que a alienação do imóvel, por si só, não resolve o contrato. O adquirente, caso não seja de seu interesse a continuidade da locação, deverá notificar o inquilino para que desocupe o imóvel, concedendo-lhe prazo de 90 dias.

A norma em comento se justifica pois o adquirente não é obrigado a respeitar uma avença da qual não fez parte. Trata-se do princípio da relatividade dos contratos.

Para o inesquecível Sylvio Capanema, como a lei não faz qualquer discriminação, é irrelevante que a alienação seja a título oneroso ou gratuito. Tanto poderá denunciar a locação o comprador do imóvel locado ou o permutante, quanto o donatário.[17]

A cláusula de vigência, juntamente com o registro do contrato, impedem que o adquirente denuncie a locação.

O registro se faz necessário para que se dê a presunção de publicidade ao contrato de locação, que passa a ter eficácia erga omnes, não podendo ser evocado, nesta hipótese, a relatividade dos contratos.

E aqui uma ressalva: o registro deve ser feito na matrícula do imóvel e não no Cartório de Títulos e Documentos. A razão é simples: quem deseja adquirir um imóvel deverá proceder às diligências necessárias para avaliar sua situação documental. Uma das mais importantes é a análise da matrícula atualizada.

É fácil perceber a importância da cláusula de vigência e o registro do contrato no fólio imobiliário nas locações não residenciais.

Nesta espécie de locação os locatários costumam fazer altos investimentos nos imóveis a fim de adaptá-los aos seus negócios. Ademais, os prazos contratuais costumam ser mais alargados.

O comerciante pode demorar anos para constituir seu fundo de comércio, que inclui a clientela. A ruptura prematura da avença, em decorrência da alienação do imóvel, pode causar grande prejuízo ao inquilino, cujo contrato estava desprovido da cláusula de vigência e não foi levado ao registro imobiliário.


Rescisão dos Contratos Nas Locações Privilegiadas

O art. 53 da Lei 8.245/91 protege as locações em que os inquilinos exerçam atividades que, por sua relevância e pelo interesse público (chamadas de privilegiadas por Maria Helena Diniz), devem ter maior proteção, restringindo as hipóteses de rescisão dos contratos. Dispõe o art. 53:

Art. 53. Nas locações de imóveis utilizados por hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas, o contrato somente poderá ser rescindido. (Redação dada pela Lei nº 9.256, de 9.1.1996)

I nas hipóteses do art. 9º;

II se o proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável e imitido na posse, com título registrado, que haja quitado o preço da promessa ou que, não o tendo feito, seja autorizado pelo proprietário, pedir o imóvel para demolição, edificação, licenciada ou reforma que venha a resultar em aumento mínimo de cinquenta por cento da área útil.

É preciso relembrar as formas pelas quais o art. 9º autoriza o desfazimento da locação:

Art. 9º A locação também poderá ser desfeita:

I - por mútuo acordo;

II - em decorrência da prática de infração legal ou contratual;

III - em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos;

IV - para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.

Depreende-se do texto legal que, nas locações privilegiadas está vedada a retomada para uso próprio, ou de ascendente ou descendente, e tampouco a denúncia condicionada.

É importante frisar que inciso II, do art. 53, estende ao promissário-comprador e ao promissário-cessionário o direito à rescisão, desde que os títulos aquisitivos sejam irrevogáveis, com imissão na posse e quitação do preço, além do seu registro no cartório imobiliário competente.


Contratos Atípicos de Locação Shopping Centers

Passaremos a tratar dos denominados contratos atípicos de locação, que a lei das locações aborda a partir do art. 54.

Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping centers, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

Tratam-se de contratos atípicos pois, permitem diferenças significativas, que exigem tratamento legal específico.

Dentre as cláusulas atípicas destacam-se as seguintes:

a) a que prevê um sistema dúplice de cobrança do aluguel, sendo um fixo mínimo, e outro percentual, sobre o total da receita mensal, sendo devido o maior deles, a cada mês;

b) a que possibilita a cobrança de pagamento de aluguel em dobro, no mês de dezembro;

c) a que obriga o locatário se inscrever na Associação dos Lojistas e participar do fundo comum de promoções, propaganda e marketing;

d) a que obriga o locatário a abrir e fechar a loja nos horários determinados pelo empreendedor e a não fazer promoções ou liquidações, senão na mesma época, sendo-lhe ainda vedado mudar o ramo de negócio.

Por se tratar de um centro comercial, onde existe um planejamento para que as lojas trabalhem de forma integrada, através de um mix de negócios e entretenimento, com ações de publicidade que atraem clientela, justifica-se que as locações em shopping centers tenham um tratamento legal diferenciado, com maior liberdade de contratar.

Entretanto, são assegurados aos lojistas os direitos provenientes da lei inquilinária, especialmente no tocante à a ação renovatória.

Não se pode confundir cláusulas atípicas com cláusula abusivas, que visam tolher os direitos dos inquilinos previstos em lei.

O § 1º do art. 54 elenca as despesas as quais o empreendedor não pode cobrar do locatário.

§ 1º O empreendedor não poderá cobrar do locatário em shopping center:

a) as despesas referidas nas alíneas a, b, e d do parágrafo único do artigo 22; e

b) as despesas com obras ou substituição de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite-se e obras de paisagismo nas partes de uso comum.

A alínea a do art. 22 a refere-se às obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel, o que é do interesse do empreendedor e se incorpora ao seu patrimônio.

Já a alínea b diz respeito, à pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas, considerando-se que os locatários não contribuem diretamente para o desgaste destas áreas, o que só se pode atribuir ao passar do tempo.

Por último, a alínea d, menciona as indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação.

Igualmente, são vedadas que se cobrem dos locatários as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite-se e obras de paisagismo nas partes de uso comum.

O parágrafo segundo do art. 54 determina que as despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe, exigir a comprovação das mesmas.


Da Locação Sob Encomenda -Built to Suit

O artigo 54-A da Lei 8.245/91, cuja redação foi dada pela Lei nº 12.744, de 2012, regula a locação conhecida como built to suit ou locação sob medida, ou ainda sob encomenda. O dispositivo está assim redigido:

Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.

Quando o locatário, pelas características do seu empreendimento, necessitar de um imóvel que seja construído ou mesmo adaptado às suas necessidades, poderá contratar a locação pelo sistema de encomenda, conhecido como built to suit.

Esta modalidade de contratação pressupõe investimentos de grande monta por parte do locador e, em contrapartida, o locatário se vincula a um contrato de longa duração.

A vantagem para o locatário é que o imóvel será construído ou adaptado atendendo às necessidades específicas de seu negócio, sem que tenha investir recursos na aquisição do terreno e construção do prédio. Assim, o locatário não terá que imobilizar seus recursos financeiros na aquisição do imóvel, podendo direcionar seus investimentos no seu próprio negócio.

Já para o locador, que muitas vezes é um investidor imobiliário, é possível obter uma rentabilidade acima do mercado, em relação ao montante investido, com a garantia de que o contrato perdurará por um longo período.

Cada vez mais nos deparamos com os contratos de locação sob medida, geralmente utilizados por grandes empresas ou até mesmos indústrias.

É de suma importância nos contratos built to suit que se realize uma prévia viabilidade econômica, a fim de equalizar o investimento realizado, com o valor da locação e a duração do contrato, assegurando que o locador recupere o capital investido e o inquilino consiga pagar o aluguel pactuado.

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Justamente por demandar altos investimentos o prazo de tal modalidade contratual é muito longo, não sendo, na prática, inferior a 15 anos.

Trata-se de uma subespécie da locação não residencial.

Releva assinalar que a locação sob medida não se limita à construção nova, podendo ser aplicada nos casos em que haja necessidade de substancial reforma de imóveis já existentes.

Como exemplo, podemos mencionar as intervenções de retrofit, pelas quais os prédios mais antigos passam por um processo de revitalização, adaptando e modernizando suas estruturas, tornando-os mais seguros e confortáveis e atrativos ao mercado.

Como bem lembra Luiz Scavone, é comum, neste tipo de contrato, que, além do contratante (o locatário, que recebe o imóvel encomendado) e do contratado (o locador, que providencia a2038/2874 construção e cede o seu imóvel), esteja presente um terceiro, ou seja, uma companhia securitizadora de recebíveis.[18]

Muito fundos imobiliários são provenientes de grandes empreendimentos construídos nos moldes do contrato built to suit, pois conseguem auferir uma rentabilidade diferenciada aos investidores, através de contratos longevos.

Exatamente por se tratar de uma operação que envolve vultosos investimentos, a lei deu tratamento diferenciado às locações por encomenda.

Desta forma, há uma prevalência maior do princípio da autonomia da vontade nas locações built to suit, assim como ocorre nos nas locações de shopping centers. As partes têm mais autonomia para contratar, não podendo o contrato, no entanto, se desviar dos princípios da função social e da boa-fé objetiva.

O parágrafo primeiro do art. 54-A estabelece que:

§ 1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.

Como dissemos em linhas pretéritas, o investimento realizado pelo proprietário do imóvel/locador nos contratos por encomenda é altíssimo, o que justifica a renúncia ao direito revisional do valor locatício, preservando assim a equação econômica do contrato, a fim de que o investidor possa reaver o montante investido.

O retorno do investimento está atrelado ao binômio tempo e preço. Dizendo de outra forma: não basta que o contrato seja de longa duração, é preciso que o valor do aluguel seja condizente com o investimento realizado.

Evidentemente, a renúncia deverá derivar de uma cláusula consensual e não unilateral.

Tão importante é o respeito ao prazo contratual pelo locatário, que a lei impõe severa sanção em caso de denúncia antecipada da relação locatícia. Assim o parágrafo segundo o artigo ora comentado prevê que:

§ 2º Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.

Como se infere, a multa permitida em caso de denúncia antecipada pelo locatário é pesadíssima. E não poderia ser diferente, uma vez que o locador suportaria ingente prejuízo se o prazo do contrato não fosse respeitado, gerando inegável desequilíbrio contratual.

Imaginemos que uma determinada empresa contrate uma locação sob medida de um prédio para abrigar um centro de compras. O investidor adquire o imóvel e realiza a obra, conforme a necessidade do inquilino. O valor total do investimento alcança a cifra de R$ 20 milhões de reais. Ajusta-se o prazo do contrato em 20 (vinte) anos, com aluguel mensal de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais) mensais.

Ao final do 36º (trigésimo sexto) mês o locatário, de forma unilateral, resolve rescindir o contrato. Se a multa pela rescisão antecipada se circunscrevesse àquela prevista no art. 4º da lei inquilinária, haveria abissal prejuízo ao locador, que alocou milhões de reais, com a justa expectativa de reaver seu investimento ao longo do tempo.

Daí o acerto da lei em impor uma multa compensatória pela denúncia antecipada do contrato, englobando o valor equivalente à totalidade dos aluguéis vincendos, até o término do prazo ajustado.

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Sobre o autor
Rodrigo Otávio Coelho de Souza

Advogado - Especialista em Direito Imobiliário e Contratual Pós Graduado em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCC Pós Graduado em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Rodrigo Otávio Coelho. Contrato de locação não residencial e suas nuances. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6890, 13 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97303. Acesso em: 23 abr. 2024.

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