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"Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidade delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976

"Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidade delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976

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1. Considerações iniciais

Tomando emprestadas as palavras de GABRIEL GARCIA MARQUES, escritas em sua obra Cem Anos de Solidão, e transcritas por LENIO STRECK [01], "em Macondo, o mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las precisava-se apontar com o dedo". A Lei 10.303, de outubro de 2001, "também é muito recente. Olhando a dimensão de seu texto, percebe-se que algumas coisas ainda não têm nome; os juristas limitam-se – quando o fazem – a apontá-las com o dedo... A ausência de uma adequada pré-compreensão (Vorverständnis) impede o acontecer (Ereignen) do sentido. Gadamer sempre nos ensinou que a compreensão implica uma pré-compreensão que, por sua vez, é pré-figurada por uma tradição determinada em que vive o intérprete e que modela os seus pré-juízos" [02].

Pois bem, recentemente se publicou na empresa que "no caso do Insider Trading, em que há uma regulamentação administrativa, a repressão penal reforça a repressão de natureza administrativa, eis que, assim como em outros países (como nos Estados Unidos e na Itália), foi percebido que a regulamentação na esfera administrativa não era suficiente para coibir tal conduta" [03].

Percebe-se daí que a ausência de uma adequada pré-compreensão impede o acontecer do sentido. Ou seja, na ansiedade de se punir quem supostamente pratique tal delito, permite-se a quebra de harmonia do sistema jurídico, olvidando a impossibilidade de se analisar o ordenamento jurídico as tiras e, dessa forma, espezinhado os postulados da segurança e da proteção à confiança.

É importante lembrar que segurança jurídica é um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. A outra, cuja natureza é a subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação.

Ademais, torna-se extremamente perigoso o afastamento a certos postulados, ainda que se tenha em mira repressão às novas condutas criminosas. Eis que tais garantias foram conquistadas à duras penas.

Por outro lado, partindo do que se fez publicar está legitimado todo tipo de intervenção penal, ainda que existam meios menos gravosos de se resolver à questão. Porém, o Direito Penal, é preciso que se tenha em mente, só tem lugar dentro de critérios de subsidiariedade, pois em se tratando do ramo do direito mais gravoso que é, eis que interfere na liberdade das pessoas com as penas privativas de liberdade, só deve ser considerada legítima em casos de grave lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos fundamentais [04].

Sob ótica inversa, então em 2001, partindo de condutas já previstas na esfera administrativa, são dispostos na legislação penal brasileira três crimes contra o mercado de capitais: manipulação de mercado; o uso indevido de informação privilegiada (insider trading) e o exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função, no sentido de reforçar a tutela desses bens jurídicos.

Desta forma, "poderá haver a responsabilização tanto do ponto de vista administrativo" [05]processo administrativo – "como do penal. É um reforço e a sinalização da importância desse bem - o mercado de capitais - que requer uma tutela jurídica mais ampla" [06]. Ou seja, "aquele processo pode redundar em um inquérito penal, e futuramente em uma ação penal" [07].

Isto porque quando são levantadas suspeitas de prática de uso privilegiado de informação, a CVM comunica o Ministério Público Federal, para que esse atue nas duas frentes: na cível e penal.

De um modo geral, pode-se reconhecer a complexidade do tema e, a dificuldade na colheita da prova. Este fato pode ser confirmado pelos números que nos dão conta, de menos de cinco denuncias ofertadas em casos de suposto uso de informação privilegiada. Sendo que as notícias indicam a existência de mais de duzentos procedimentos investigatórios abertos, com intuito de apurar tal delito. O que justifica a necessidade de intervenção da CVM, também na esfera penal.

Corroborando o acima escrito, calha transcrever o que disse o Procurador Federal RODRIGO DE GRANDIS, sobre o delito de insider tradibg "é um crime extremamente difícil de ser demonstrado: as provas são sempre indiretas, indiciárias e acabam por resvalar nos obstáculos da interpretação ainda tradicional do Direito Penal Econômico. É uma criminalidade moderna: um fenômeno novo" [08].

Vê-se que este novo tipo penal é de difícil apresentação, eis que opera um rompimento com o direito penal clássico e, por isso mesmo necessita de uma compreensão muito mais atenta, e também demanda um maior cuidado por parte do interprete, seja no que tange a aplicação concreta do instituto, seja no que diz respeito ao seu fundamento.


2. Fundamento

No mercado de capitais as informações são fundamentais essenciais para o comércio de valores mobiliários. Tais informações são imprescindíveis para as decisões dos investidores, das empresas e dos reguladores. Com efeito, certas informações recebem um tratamento sigiloso, e, ficam reservadas a um número limitado de pessoas. Por sua vez, tal sigilo se justifica dado a origem, natureza e função dessa informação, só sendo disponibilizada ao público em geral mais tarde.

De igual modo, o seu conteúdo e a sua adesão à realidade podem também variar. De toda sorte, o momento da divulgação e a qualidade da informação a divulgar, entre outros aspectos, condicionam e influenciam as decisões dos agentes no mercado e têm reflexos significativos sobre os preços que se formam.

Por isso mesmo, as normas que tratam do uso indevido de informação privilegiada, quer na esfera penal, quer na esfera do direito administrativo sancionador, obedecem aos mesmos princípios e apresentam redação bastante similar, cabendo, portanto, a sua análise em conjunto [09].

A propósito, a lei brasileira proíbe a transmissão e o uso indevidos dessa informação enquanto a mesma não for tornada pública. Antes disso, a sua utilização é restrita ou mesmo proibida. Desta forma, procura-se garantir o acesso à informação pela generalidade dos investidores em condições mínimas de igualdade, usando para o efeito como referente temporal o momento em que a informação é levada a público.

Demais disso, a transmissão ou utilização indevida de informação privilegiada, antes de sua pública divulgação, pode comprometer o regular funcionamento do mercado, e, conforme o caso frustrar as operações em curso e, por conseguinte gerar vantagens ilícitas para alguns investidores em detrimento dos demais.

Bem por isso, a lei considera que tais fatos constituem crime, quando praticados por determinadas pessoas e de forma dolosa.

Por sua vez, ao proibir penalmente estas condutas a lei pretende reforçar a confiança dos investidores no funcionamento dos mercados de valores mobiliários, regulando as condições de circulação da informação privilegiada (relevante) ou a possibilidade de uso negocial da mesma. Entretanto, a que se saber o que vem a ser considerada informação relevante.


3. Definição de Informação Privilegiada

O artigo 13 da Instrução CVM [10] Nº 358/2002, define como informação privilegiada aquela que:

"Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante.

§ 3º - A vedação do caput também prevalecerá:

.............................................................................

II – em relação aos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores e membros do conselho de administração, sempre que estiver em curso a aquisição ou a alienação de ações de emissão da companhia pela própria companhia, suas controladas, coligadas ou outra sociedade sob controle comum, ou se houver sido outorgada opção ou mandato para o mesmo fim."

Percebe-se que informação privilegiada é o fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, e de que tenha ciência os acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas. Vedando-se a negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta.

Por sua vez, fato relevante é aquele que pode influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores de comprar ou vender os valores mobiliários da companhia [11].

Pode-se citar como exemplo de fato relevante "a aquisição de ações por membro do Conselho de Administração antes da divulgação pela companhia de decisão do Conselho que aprovou a aquisição das próprias ações" [12].

Ademais, para a própria CVM, nos termos do art. 2º, da Instrução Normativa n. 358/2002, fato relevante é toda e qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável:

I – na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados;

II – na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores;

III – na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados [13].

Assim, para fins de caracterização do tipo em estudo, informação relevante será aquela que se inclua na definição prevista na norma emanada órgão regulador e fiscalizador do mercado de capitais [14].

É importante que se diga que ainda que a CVM tenha concluído que houve certa irregularidade por parte dos administradores de determinada S/A, por suposto descumprimento das disposições do art. 13, da Instrução Normativa n. 358/2002, (fato este que deve ser apurado em Processo Administrativo Sancionador CVM), e, ainda que tenha sido aprovado termo de compromisso por eles apresentado perante o órgão colegiado da CVM, ainda, assim será necessário a demonstração do pratica criminosa, para que se possa cogitar do crime esculpido no art. 27-D, da Lei n. 6.385/1976.

Desta forma, cabe indagar, ainda, se a utilização de informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e, da qual deva manter sigilo, é capaz de constituir também uma infração penal.


4. Do tipo penal previsto na Lei n. 6.385/1976:

Na senda evolutiva dos fatos sociais, o sistema jurídico vem paulatinamente acolhendo novas ordens de direitos, afastando-se, assim, de uma concepção obsoleta que reconhecia como tais apenas aqueles bens ou interesses suscetíveis de apropriação ou inovação individual [15].

Para JUAN CARLOS CARBONELL MATEU [16], se de um lado o Direito penal vê-se contingenciado pelo princípio da intervenção mínima, por outro, não há renunciar-se ao Direito Penal nas zonas onde sua atuação é necessária. É dizer, se o princípio da intervenção mínima se contrapõe à denominada fuga ao Direito Penal, também pouco a fuga do Direito Penal revela-se como solução, não se mostrando aceitável a afirmação de que o Direito Penal não pode ou não deve intervir onde não exista um bem jurídico individual clássico.

A propósito, "a atual configuração do modelo penal brasileiro, em função do surgimento gradual de uma série de leis que determinaram o deslocamento do seu foco de tutela de bens individuais para bens coletivos, distancia-se – ao contrário do que sustentam os penalistas adeptos de um "minimalismo garantístico" – de um padrão de intervenção mínima, e coloca, pelos menos hipoteticamente, a possibilidade de subversão de grande parte de uma hegemonia histórica nas relações de poder sustentadas e reproduzidas, em não desprezível parcela, pela aplicação da lei penal".

Sob esta nova ótica nasce, em 31 de outubro de 2001, a Lei n. 10.303, trazendo dentre os seus tipos incriminadores, um em especial que ora iremos nos ocupar o art. 27-D, cuja denominação é uso de informação privilegiada.

Com efeito, veja o que dispõe o mencionado artigo:

"Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários".

A pena à que se sujeita quem praticar tal delito [17], é a de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Dado ao seu pouco tempo de existência como tipo penal, calha acentuar que o estudo por parte da doutrina brasileira ainda é incipiente. Não obstante, os poucos que comentaram o tema terem apontado como desiderato do art. 27-D, da Lei n 6.385 de 1976, a manutenção do regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, que não pode ficar despido de proteção penal, haja vista a relevância do bem jurídico tutelado.


5. Bem jurídico

A política mundial trouxe sensíveis reflexos na dogmática penal e na criminologia, de vez que, a par da intensa discussão quanto à identificação do bem jurídico objeto dessa tutela, no momento atual o debate já não se versa mais sobre a criminalidade dos despossuídos, leitmov da doutrina penal durante todo o século XIX e boa parte do século XX, senão, preponderantemente, a criminalidade dos poderosos e das empresas (crimes of the powerful – coporate and business crime), em relação a quem, cada vez mais, se está se dirigindo o poder punitivo estatal [18].

Por isso, mesmo contemporaneamente, as condutas que, regra geral, somente podem ser praticadas por quem possui uma quota considerável de patrimônio individual, e constituem-se como indesejáveis por violarem bens e interesses de natureza coletiva, compõem um novo quadro de comportamentos cuja caracterização delituosa ainda encontra sérias resistências, especialmente por alguns setores da dogmática tradicionalmente comprometidos com a proteção única e exclusiva de interesses individuais. Isto revela uma face do conflito pelo poder instalado no cerne do direito penal, que se traduz num embate de paradigma, cuja superação põe-se, historicamente, como tarefa fundamental.

Para LENIO STRECK [19] "não há dúvida, pois, que as baterias do direito penal do Estado Democrático de Direito devem ser direcionadas para o combate dos crimes que impedem a concretização dos direitos fundamentais nas suas diversas dimensões. Neste ponto, aliás, entende este autor "que é neste espaço que reside até mesmo uma obrigação implícita de criminalização, ao lado dos deveres explícitos de criminalizar constantes no texto constitucional".

Em essência, o que se busca com essa contextualização do Direito Penal no ambiente socioevolutivo contemporâneo é advertir para o fato de que lesões indesejadas a bens jurídicos tradicionais – como a vida, a saúde, a dignidade humana, etc. – podem decorrer de ataques que não necessariamente lhe sejam diretos, mas que nem por isso deixam de atingi-los severamente [20].

Daí porque, na opinião de JUAN M. TERRADILLOS BASOCO "o legislador, ao erigir determinados bens jurídicos coletivos à categoria de objetividades jurídico-penais não está procedendo a uma "artificiosa criação de bens jurídicos sem conteúdo", porquanto são "tão reais e referíveis à pessoa como os tradicionais bens jurídicos individuais"" [21].

Com efeito, nem sempre é fácil identificar o bem jurídico, e como nos dias atuais, cada vez mais se diz que a função do direito é a de proteger bens jurídicos penalmente tutelados, a existência de dissídios quanto a delimitação do bem jurídico, pode até mesmo, obstar a proteção penal, que se pretendia quando da tipificação de determinada conduta em lei penal [22].

Nessa linha de pensamento, "não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de tutela jurídica desses bens" [23].

Porém é importante conhecer o alerta de HASSEMER [24] acerca da falácia da proposição de interpretar as normas penais segundo a sua finalidade de proteger bens jurídicos. Explicava HASSEMER que, "com isso, o que, no fundo, se conseguia, era intensificar e fortalecer o poder punitivo, em vez de limitar o seu alcance".

Nesse sentido acrescenta JUAREZ TAVARES [25] que "a melhor orientação é a de elevar o bem jurídico a uma outra categoria. Em vez de ser tratado como objeto de proteção, deve assumir a posição de objeto de referência necessário da incriminação. Isto implica exigir, em qualquer incriminação, a demonstração de a conduta haver lesado ou posto em perigo o respectivo bem jurídico".

No caso do tipo penal do art. 27-D, da Lei 6.385/76, calha observar com JOÃO CARLOS CASTELLAR [26] que "a identificação correta do bem jurídico é assunto que tem gerado alguma controvérsia na doutrina". Dito de outra forma, a identificação do bem jurídico no delito de uso de informação privilegiada está longe de ser algo pacífico.

A propósito, entendem alguns, que tutelando o princípio da transparência de informações, essencial ao desenvolvimento a estabilidade e, a eficiência do mercado de capitais, está se protegendo o próprio mercado. Noutras palavras, o que realmente se visa proteger é regular funcionamento do mercado de capitais.

Também, pode ser considerado como bem jurídico objeto de tutela, a proteção da confiança e do patrimônio dos investidores que aplicam seus recursos no mercado de capitais.

Ainda há quem aponte um bem jurídico imaterial, constante do tipo que é a "informação relevante", ou seja, a comunicação ou notícia trazida ao conhecimento de uma pessoa, sendo identificável, intangível, mas presente no mundo cultural, sendo o substrato sobre o qual se incorporam os valores sociais a que o direito visa proteger [27].

Já para FREDERICO DE LACERDA PINTO COSTA [28] "a incriminação ‘concretamente, visa proteger a função pública da informação, enquanto ‘justo critério de distribuição do risco do negócio no mercado de valores mobiliários’, salientando o autor que ‘está em causa, na verdade, a igualdade (meramente funcional) perante um bem econômico (a informação) necessário para a tomada de decisões econômicas racionais".

No entanto, não é a divulgação antecipada de qualquer informação que atinge o bem jurídico, mas sim aquela que tenha o condão de interferir efetivamente no bom andamento das negociações do mercado, sob pena de se olvidar o princípio da lesividade.

Ademais, nos crimes dolosos, a atuação se dirige contra o bem jurídico ou contra o sistema de conduta necessário a evitar o perigo ou a lesão do bem jurídico. Na espécie importa verificar se a direção da conduta contrária ao sentido da norma. Pois o que é valorado, por conseguinte, é tanto a direção contrária à norma (desvalor do ato), quanto a consecução do objetivo visado pela conduta e proibido pela norma (desvalor do resultado) [29].

JOÃO CARLOS CASTELLAR entende que o bem jurídico penalmente tutelado na espécie é "a proteção da confiança no correto funcionamento do mercado". Para esse autor "a confiança dos investidores tem um importante significado, motivo pelo qual sua tutela deve conseguir-se mediante uma política de ordenação estatal e de estabilidade nas condições de atuação dos operadores econômicos" [30].

Portanto, o bem jurídico objeto da tutela penal no delito de uso indevido de informação privilegiada estará na proteção da confiança que deve imperar no mercado de valores mobiliários, pois é este bem que estimula os investidores a aplicarem seus recursos neste mercado, e, concomitantemente, na proteção do patrimônio dos investidores que negociarem com o insider desconhecendo determinada informação relevante, pois estes correm o risco de sofrerem diminuição do seu patrimônio em virtude da desvantagem com que operam [31].

É de se observar que não se duvida da existência do crime de insider trading, no direito brasileiro, sem a efetiva demonstração de ofensa/afetação ao bem jurídico penalmente tutelado, - proteção a confiança - como não se duvida da existência de bruxas e OVNIS. Por isso mesmo, entende-se que a norma penal é expressa no sentido de exigir que a informação utilizada pelo sujeito ativo, seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros com valores imobiliários, pois, não há como se concretizar a vantagem indevida, sem que haja um resultado desvalorado.


6. Sujeito ativo

A doutrina admite a existência de dois tipos de insider: o primário e o secundário. Contudo, em se tratando de sanção penal, somente pode ser aplicada aos "insiders primários", que estão obrigados a guardar sigilo, nos termos da expressão "da qual deva manter sigilo". Já os "insiders secundários", que não estão obrigados a guardar sigilo, podem ser punidos administrativamente pela CVM, se ficar demonstrado que tiveram acesso e utilizaram informação que sabiam ser privilegiada [32]- [33]. Mais é só isso.

Com efeito, sobre o tema lecionaJOÃO CARLOS CASTELLAR [34] "trata-se de crime próprio, só podendo cometê-lo aqueles a quem a lei atribui o dever de lealdade, quais sejam: os administradores (art.155); b) os conselheiros e diretores (art. 145); c) os integrantes de órgão técnicos e consultivos (art. 160); d) os subordinados ou terceiros de confiança dos administradores, apelidados de ‘tipees’ (pessoas que recebem e usam ou passam adiante tais informações, inclusive jornalistas – art. 155, §2º); e) os membros do conselho fiscal; f) os acionistas controladores e minoritários (art. 22, V, da Lei n. 6.385/76); g) as pessoas que prestam serviços jurídicos ou contábeis à companhia, que também estão investidas por lei, do dever de sigilo; h) os agentes privados que atuam no âmbito do mercado de valores mobiliários (profissionais de distribuidoras e corretoras de valores mobiliários e demais instituições que tenham por finalidade social concessão de crédito, investimento e financiamento, além das administradoras de mercado de balcão organizado e bolsas de valores e de mercadorias e futuros); i) os agentes públicos encarregados da fiscalização do setor (integrantes da CVM, BACEN e CMN) e também aquelas referidas na Instrução CVM 358 (art. 13, §§1º e 2º).

Por outro lado, FAUSTO MARTIN DE SANCTIS [35] assevera que:

"não se cuida de delito próprio e, portanto, não se requer o nexo de causalidade entre o conhecimento do sigilo e o cargo ocupado pelo agente. É que diferentemente do que revelam os artigos citados sobre a quebra, aqui o legislador simplesmente coíbe a utilização, mediante negociação, de informação relevante de que tenha conhecimento. Ora, qualquer pessoa que tenha acesso a essa informação, seja em razão do cargo, ou não, poderá ser enquadrado no dispositivo, bastando que negocie com valores".

Ou seja, no entender desseautor,não se cuida de delito próprio e, portanto, qualquer pessoa que tenha acesso a essa informação, seja em razão do cargo, ou não, poderá ser enquadrada no dispositivo, bastando que negocie com valores.

Da mesma forma, no entender desses, não se pode esquecer, todavia, que o receptor da informação que age em concurso com o insider, também é chamado de insider secundário, agindo com consciência de que está adquirindo uma informação privilegiada (art. 29, CP) e, por força do contido no artigo 30 do CP, negocie e obtenha vantagem econômica indevida, concorrerá para o crime, eis que é circunstancia de caráter pessoal elementar do delito de uso indevido de informação privilegiada, e como tal comunica-se aos demais coautores ou partícipes.

Parece-nos, entretanto, que a razão está com aqueles que tratam o delito do art. 27-D, como crime próprio, eis que se exige do sujeito ativo a obrigação de manter sigilo e, tal obrigação só abarca as pessoas de quem a lei exige o dever de lealdade, não sendo prevista a punição na esfera penal para os casos previstos no §4º, do art. 155, da Lei 6.404/76, em homenagem ao princípio da legalidade.

Por isso mesmo, a qualquer pessoa que tenha tido acesso à informação é vedado obter, com base nela, vantagem no mercado de valores mobiliários; mas não é vedado, a qualquer pessoa, divulgar tal informação, mas apenas a pessoas determinadas. Noutras palavras, só pode cometer o crime descrito no art. 27-D, da Lei n.º 6.385/76, aquelas pessoas a quem a lei impõe o dever de lealdade.


7. Sujeito passivo:

Quanto ao sujeito passivo, o tema não traz maiores dificuldades. Eis que em especial são os titulares de valores mobiliários e os investidores nesse mercado, e, em geral, toda a coletividade que se vê prejudicada pela insegurança dessa atividade que sofrerá o prejuízo em seus investimentos.


8. Tipo objetivo

Ocorre o delito de uso indevido de informação privilegiada quando o agente utiliza de forma indevida ou abusiva de informação relevante e confidencial, de que tenha conhecimento e da qual deva guardar sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante a negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários.

Para ÁUREO NATAL DE PAULA, utilizar significa fazer uso, empregar de qualquer modo, usar, empregar com utilidade, aproveitar, ganhar, lucrar e até mesmo dando como brinde, pois a vantagem não precisa ser material, pode até ser de outra natureza, como para ganhar uma amizade, uma conquista amorosa bou sexual [36].

De nossa parte, não nos parece seja está a melhor interpretação, até porque o referido tipo penal cuida do mercado de capitais, ou seja, da ordem socioeconômica e, desta forma resta nítido tratar-se de vantagem econômica.

Ademais, o uso indevido de informação privilegiada é maneira de se obter vantagem econômica, valendo-se o insider da utilização da informação relevante de forma abusiva ou indevida, capaz de violar o "especial dever de que este é depositário, de manter sigilo até que a informação tenha sido amplamente divulgada e pessoa estar à disposição de todos, mantendo-se o desejado equilíbrio entre o detentor da informação e os demais participantes do mercado de valores mobiliários" [37].


9. Tipo subjetivo

A conduta descrita no art. 27-D exige um especial fim de agir por parte do agente na obtenção do resultado, eis que as expressões "de que tenha conhecimento", "da qual deva manter sigilo", "capaz de propiciar, para si ou para outrem" indicam essa necessidade.

Pode-se até dizer que o delito poderia ser praticado com dolo eventual do agente quanto a um desses elementos, por exemplo, o sujeito sabe que a informação seria divulgada e na dúvida quanto a isso utiliza-se da informação sem se importar que fosse ele o primeiro a dá-la ao conhecimento do mundo dos negócios.

Contudo, se o agente não tem consciência plena da ilicitude, bem como o desejo de obter o resultado, consubstanciado na vantagem indevida, não há que se falar na existência do referido delito, eis que a higidez do delito está condicionada a comprovação do especial fim de agir, e ainda, que a haja consecução do objetivo visado pela conduta e proibido pela norma (desvalor do resultado).


10. Elementos normativos do tipo

A expressão informação relevante é um elemento normativo constitutivo do tipo penal descrito no art. 27-D, por isso mesmo, é preciso contextualizá-lo concretamente como juízo de valor dentro do plano da tipicidade, o que se dará tendo por base a IN 358 da CVM e a própria lei 6.404/1976.

Também existem os elementos normativos de valoração jurídica, cujas definições são encontráveis no Direito Comercial, mais especificamente no Direito Empresarial: mercado, vantagem, negociação e valores mobiliários.

Ainda podemos citar o elemento normativo de referência específica à possível causa de justificação: indevida (vantagem). Está presente no tipo, porém, diz respeito à antijuridicidade. Se a vantagem for devida a conduta se torna não só atípica como permitida.


11. Momento consumativo

O delito descrito no art. 27-D, da Lei 6.385/1976, é indiscutivelmente material, de forma que o momento consumativo será o da realização do resultado, tido como a obtenção de vantagem indevida com a utilização da informação privilegiada.

Acrescente-se, ainda, que "a norma penal é expressa no sentido de exigir que a informação seja capaz de propiciar vantagem indevida mediante negociação com valores mobiliários; não há como se concretizar a "vantagem indevida" sem a realização do resultado [38]".

Por outro lado, alguns autores insistem que o momento consumativo se de com a simples revelação da informação sigilosa, e que por se tratar de crime formal não é necessário nenhum resultado, ou seja, é prescindível a obtenção de vantagem [39]. Trata-se, portanto, de crime de perigo abstrato [40].

Não nos parece que essa seja a posição mais correta, uma vez que o legislador teve o cuidado de deixar assentado que a vantagem indevida deve ser obtida mediante utilização de informação relevante ainda não divulgada ao mercado e, que a negociação se de em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários, ou seja, a vantagem daí advinda só pode ser econômica, que por sua vez, pressupõe a realização do resultado.

Além disso, caso não ocorra a alteração do regular funcionamento dos mercados, um dos resultados da conduta do agente, pensamos que o delito não se caracterizará.


12. Antinormatividade

Tendo o delito em questão, seu momento consumativo, como sendo o da realização do resultado, tido como a obtenção de vantagem indevida com a utilização da informação privilegiada, por trata-se de crime material, ou seja, de resultado.

Por isso mesmo torna-se importante observar que, invariavelmente, a eventual instauração de inquérito policial ou abertura de ação penal vem lastreada em procedimento administrativo, em que se apura os mesmos fatos do inquérito ou da ação penal.

É preciso dizer que, relativamente ao procedimento administrativo, existe uma espécie de "transação", em que aceita a proposta, - que neste caso é feita pelo investigado e não pelo Estado, como ocorre na esfera criminal, - o processo tem seu termo. Por outro lado, a assinatura do compromisso não importará confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada.

Percebe-se que a instauração de persecução penal, mesmo em sede de investigação policial, desse modo, nos crimes contra o mercado de capitais, definido no art. 27-D, da Lei nº 6.385/1976, somente se legitimará, após a constatação administrativa da efetiva ocorrência de fato ilícito. Antes disso, o comportamento do agente será penalmente irrelevante, porque até então manifestamente atípica.

Veja que a referência que existe é que está em elucidação o uso indevido de informação privilegiada. Então, se está em discussão, se foi feito uso ou não, de informação privilegiada, como se autorizar a ação penal, sem que o processo administrativo assim tenha concluído? Não tem fundamento.

Nesse contexto, é preciso ter em mente que a tipicidade penal implica a contrariedade com a ordem normativa, mas não implica a antijuridicidade (a contrariedade com a ordem jurídica), porque pode haver uma causa de justificação (um preceito permissivo) que ampare a conduta [41].

Por sua vez, a antijuridicidade surge da antinormatividade (tipicidade penal) e da falta de adequação a um tipo permissivo, ou seja, da circunstância de que a conduta antinormativa não esteja amparada por uma causa de justificação.

Neste diapasão, cumpre ressaltar, por oportuno, que o juízo da tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. A tipicidade conglobante é corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas [42].

Ademais, a função da tipicidade penal será, pois reduzi-la à verdadeira dimensão daquilo que a norma proíbe, deixando fora da tipicidade penal aquelas condutas que somente são alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não quer proibir, precisamente porque as ordena ou as fomenta.

Se o ordenamento jurídico prevê uma forma de suspensão do procedimento administrativo instaurado para a apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, se o investigado ou acusado assinar termo de compromisso (§ 5º, do art. 11º, da Lei nº 6.385/1976), não há que se falar em tipicidade penal, na espécie, não sendo autorizada a persecução penal estatal, exceto se não cumpridas as obrigações avençadas com a CVM no prazo estipulado (§§ 7º e 8º, do art. 11º, da Lei nº 6.385/1976).

Demais disso, como o ordenamento jurídico não deve ser analisado isoladamente, mas sim como um todo, e se dessa análise se observa que existe uma ou mais mornas que fomentam determinada conduta, forçoso é concluir pela atipicidade desta conduta, eis que não se observa a presença antinormatividade, indispensável para a existência da tipicidade penal.


13. Tentativa

É possível caso a informação esteja sendo passada por escrito e se extravie ou por qualquer meio de comunicação que, por qualquer motivo, por exemplo, falha na execução do arquivo contendo a informação passada por e-mail, impeça a revelação da informação. No caso de revelação verbal a tentativa é impossível.


14. Ação Penal

Pública incondicionada. O membro do Ministério Público, tomando conhecimento do ocorrido, pode agir de ofício e oferecer denúncia, provocando o Judiciário e instaurando a ação penal contra o agente independentemente de representação de eventual ofendido.

Por outro lado, não será despropositado concluir com JOÃO CARLOS CASTELLAR [43] que, para evitar a ocorrência de bis in idem e até mesmo como medida economia processual, a instauração de procedimento criminal pelos delitos previstos na Lei n.º 6.538/76 somente deverá se dar após a decisão definitiva do processo disciplinar pelos mesmos fatos, a fim de que se verifique se efetivamente permanecem elementos reveladores de indícios de infração penal subjacente à administrativa, evitando-se, com isso, o cúmulo de sanções, sobretudo as de natureza pecuniária, previstas nas duas esferas.


15. Pena

Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Por disposição do Art. 27-D, a multa cominada para o crime previsto neste artigo deverá ser aplicada em razão do dano provocado ou da vantagem ilícita auferida pelo agente e nos casos de reincidência, a multa pode ser de até o triplo do valor fixado.


16. Benefícios legais

Incabível a transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95 c.c. o artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01), vez que a pena privativa de liberdade máxima cominada é de cinco anos.

Aplicável o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, ou seja, suspensão condicional do processo, uma vez que a pena mínima abstratamente cominada é de um ano.


17. Competência

Pensamos que a competência de regra é da justiça estadual, eis que inexiste qualquer disposição legal que desloque tal competência, conforme exige o art. 109, inc. VI, da Carta da República.

A propósito, quanto a necessidade de disposição legal, importante registrar que os crimes praticados contra o sistema financeiro nacional são de competência da justiça federal, porque assim estabeleceu a Lei nº. 7.492/1986, no caput de seu art. 26:

"A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal".

Corroborando o que dissemos, ainda que por via oblíqua, FAUSTO MARTIN DE SANCTIS [44] critica o equivoco da lei de referencia, nos seguintes termos:

"o legislador, s.m.j., equivocou-se por não determinar expressamente que ela seria da Justiça Federal, como acertadamente consignou no art. 26, caput, da lei que definiu os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional".

Contudo, por dever de informação, é importante registrar que já existem manifestações em sentido contrário. Veja por exemplo a decisão do juízo da 6ª Vara Federal de São Paulo, prolatada pelo juiz Cavali, entendendo que "em casos de insider a competência é de uma das varas especializadas, pois os delitos contra este mercado constituem delitos contra o Sistema Financeiro Nacional" [45].

Ademais, na visão daquele magistrado, "a ofensa é direta e frontal a bem ou interesse da União, eis que a utilização da informação privilegiada gera a desconfiança de todos os atores do mercado, o que pode implicar na alteração dos investimentos realizados, com prejuízos evidentes ao país" [46].

Também nesse sentido, ressaltam CÉSAR ROBERTO BITTENCOURT e JULIANO JOSÉ BREDA [47] que, "em face do evidente interesse da União na manutenção de um mercado de capitais imune à utilização de informações privilegiadas e como a fiscalização e a regulamentação do mercado de capitais são de atribuição da autarquia da União, parece indiscutivelmente presente o requisito constitucional que determina a competência da Justiça Federal para o processo e o julgamento desse crime".

A competência para julgamento do tipo descrito no art. 27-D, da Lei n.º 6.385/76, ainda não foi analisada pelos tribunais superiores. Porém, alguns se valem de decisões desses tribunais, que analisando dispositivos outros da referida lei, afirmaram ser a competência da Justiça Federal [48] [49].

Contudo, não nos parece seja está a interpretação mais adequada, primeiro porque inexiste qualquer disposição legal que desloque tal competência, conforme exige o art. 109, inc. VI, da Carta da República, desta forma não porque se arrastar a competência para uma vara federal, sob pena de por si só afronto o princípio do juiz natural e, mormente em se tratando de direcioná-la a uma vara especializada em crimes financeiros, pois como demonstramos alhures o bem jurídico em questão não é o sistema financeiro nacional e, sim "a proteção da confiança no correto funcionamento do mercado" [50].

Ademais, não restam dúvidas de que a competência para processar e o crime em comento só pode ser da justiça estadual, exceto se presente em jogo algum bem, serviço ou interesse da União, conforme estabelece o art. 109, inc. VI, da Carta da República.


Notas

  1. Disponível em: <http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40> Acesso em: 12.06.2010.
  2. Idem.
  3. Essa assertiva é do procurador Federal Rodrigo de Grandis. Disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/juridico/noticias-e-entrevistas/Noticias/091030 No tA.asp> Acesso em: 06.06.2010.
  4. Nesse sentido: Luiz Regis Prado assevera que "a sanção penal só deve ser considerada legítima em casos de grave lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos fundamentais, como ultima ratio legis, na falta absoluta de outros meios jurídicos eficazes e menos gravosos. Essa tendência político-criminal restritiva do jus puniendi deriva do Direito Penal moderno e da concepção material de Estado de Direito" in Direito penal do ambiente. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009, p. 127.
  5. Idem.
  6. Idem.
  7. Idem.
  8. Idem.
  9. EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de capitais - regime jurídico. 2 ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro; Renovar, 2008, p. 536.
  10. Sigla para: Comissão de Valores Mobiliários.
  11. EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de capitais - regime jurídico. 2 ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro; Renovar, 2008, p. 466.
  12. Nesse sentido já decidiu a CVM em processo administrativo sancionador: Configura uso indevido de informação privilegiada a aquisição de ações por membro do Conselho de Administração antes da divulgação pela companhia de decisão do Conselho que aprovou a aquisição das próprias ações – Incidência do disposto no artigo 13, § 3º, Inciso II, da Instrução CVM nº 358/02. (CVM - PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº RJ 2003/5627)
  13. Art. 2º, da INSTRUÇÃO NORMATIVA n. 358, de 03 de janeiro de 2002.
  14. CASTELLAR, João Carlos. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 102.
  15. FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 54.
  16. Derecho penal: concepto y princípios constitucionales, 3, ed. Valencia: Tirant lo Blanch Alternativa, 1999, p. 203.
  17. ZAFFARONI, nos ensina que "’o delito’ e uma construção destinada a cumprir certa função sobre algumas pessoas e a cerca de outras, e não uma realidade social individualizável".
  18. SILVA SÁNCHEZ, Jesus Maria, A expansão do direito penal – aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais (tradução da 2ª ed. espanhola por Luiz Otavio de Oliveira Rocha), São Paulo: RT, 2002, p. 54.
  19. Disponível em: <http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40> Acesso em: 12.06.2010.
  20. TERRADILLOS BASOCO, Juan M. "La Constituicón penal. los derechos de la libertad", in Las sombras del sistema constitucional Español, Madrid: Trotta, 2003, p. 59.
  21. Idem, p. 59.
  22. De toda sorte, a identificação de um bem jurídico penalmente tutelado é indispensável, seja ele coletivo, seja ele individual, contudo não substitui o princípio unificador do direito penal, qual seja a conduta humana, pois sem ele não há que se falar sequer em fato típico.
  23. Isto é assim, porque o conceito de crime exige que determinado comportamento humano esteja previamente tipificado em lei, mas não é so ainda se exige a antijuridicidade e a culpabilidade. Ou seja, sem conduta humana, não há que se falar em crime.

    De outro lado, não se desconhece que o conceito analítico de crime, hodiernamente venha sofrendo certa mitigação. Contudo, não nos parece a posição mais correta, pois se se entender assim, o direito penal regulará qualquer coisa, desde que esteja presente um bem jurídico penalmente tutelado.

  24. ZAFFARONI, p. 462.
  25. Apud in Teoria do crime culposo. 3ª ed. integralmente rev., e ampl., Lumen Juris: Rio de Janeiro: 2009, p. 233.
  26. Teoria do crime culposo. 3ª ed. integralmente rev., e ampl., Lumen Juris: Rio de Janeiro: 2009, p. 233.
  27. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 102.
  28. Crimes contra o sistema financeiro nacional e o mercado de capitais, p. 28.
  29. Apud in Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 102.
  30. Nesse sentido: TAVARES, Juarez. Teoria do crime culposo. 3ª ed. integralmente rev., e ampl., Lumen Juris: Rio de Janeiro: 2009, p. 242.
  31. Idem, p. 106-107.
  32. Ibidem, p. 108.
  33. Comissão de valores mobiliários, processo administrativo sancionador nº 04/2004, Rel. Dir. Marcelo Fernandez Trindade, j. 28.06.2006. Nesse sentido Insider Traning. Regime jurídico do uso de informações privilegiadas no mercado de capitais. PROENÇA, Marcelo Augusto Martins. São Paulo: Quarter Latin, 2004, p. 320.
  34. Insider primário é aquele que detem acesso a informação privilegiada em razão de uma condição pessoal sua, ou ainda, pelo exercício de função que lhe permita acesso direto a informações privilegiadas. São as pessoas que recebem, diretamente, a informação privilegiada de sua fonte e tem conhecimento especializado suficiente para saber que tal informação é relevante. Insider secundário é aquele que recebe a informação privilegiada, direta ou indiretamente, dos insiders primários, e que não está sujeito ao dever de sigilo imposto aos administradores. Nesse caso, cabe à Comissão de Valores Mobiliários ou ao prejudicado, a prova que este teve acesso à informação.
  35. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 120-121.
  36. Crimes contra o sistema financeiro nacional e o mercado de capitais, p. 29.
  37. Idem, p. 29-30.
  38. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 108.
  39. EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de capitais - regime jurídico. 2 ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro; Renovar, 2008, p. 547.
  40. PAULA, Áureo Natal de. Crimes contra o sistema financeiro nacional e o mercado de capitais, Curitiba: Juruá, 2008, p. 33
  41. DE SANCTIS, Fausto Martin. Punibilidade no sistema financeiro nacional, Campinas: Millenium, 2003, p. 113.
  42. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 4. ed. rev. São Paulo: RT, 2002, p. 460.
  43. Idem, p. 459.
  44. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 35.
  45. Punibilidade no sistema financeiro acional. Campinas: Millenium, 2003, p. 117/118.
  46. JFSP: Ação penal n. 2009.61.81.009474-9. Também nesse sentido já decidiu o juiz federal Márcio Rached Millani, "é de competência da Justiça Federal e da vara especializada, e decidiu pela competência de ambas, prevalecendo os entendimentos de que o mercado de capitais é parte integrante do Sistema Financeiro Nacional e que existe o interesse da União e, logo, da Justiça Federal, pois as informações privilegiadas podem afetar todo o sistema do mercado de ações, causando prejuízo ao país" Eis que, no entendimento do referido magistrado "a utilização de informação privilegiada gera a desconfiança de todos os atores do mercado, o que pode implicar na alteração dos investimentos realizados, com prejuízos evidentes ao país". Disponível em: <http://www.prsp.mpf.gov.br/sala-de-imprensa/noticias_prsp/25-05-09-2013-insider-justica-recebe-denuncia-do-mpf-sp-e-chama-acusados-a-se-defender> Acesso em: 06.06.2010
  47. Idem.
  48. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e contra o Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 368.
  49. STF: RE 502.915-8/SP, DJ 27/4/07:
  50. Também correto o recorrente ao afirmar que os crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira devem ser julgados pela Justiça Federal - ainda que ausente na legislação infraconstitucional disposição nesse sentido -, quando se enquadrem os fatos em alguma das hipóteses previstas no artigo 109, IV, da Constituição.

    (...)

    Data venia, contudo, estou convencido de que o art. 109, VI, da Constituição, não esgota a disciplina quanto à competência da Justiça Federal relativamente aos crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira.

    Referido inciso, na verdade, antes amplia do que restringe a competência da Justiça Federal: possibilita ele, com efeito, que a partir das peculiaridades de determinadas condutas lesivas ao sistema financeiro e à ordem econômico-financeira, possa a legislação ordinária subtrair da Justiça estadual a competência para julgar causas que se recomenda sejam apreciadas pela Justiça Federal, mesmo que não abrangidas pelo art. 109, IV, da Constituição.

    Do contrário, poderiam surgir situações em que o crime seria julgado pela Justiça estadual mesmo que cometido contra bens, serviços e interesses, por exemplo, do Banco Central, com repercussões quiçá em toda a ordem econômico-financeira brasileira.

  51. STJ: CC 82.961/SP, DJ 22/06/2009.
  52. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 102.

Autor

  • Edemilson Mendes da Silva

    Edemilson Mendes da Silva

    advogado em Joinville, Presidente da Comissão de Estudos Jurídicos e Legislativos da Subseção de Joinville 2010/2012. Especialista em Ciências Penais pela Universidade do Sul de Santa Catarina em parceria com a Rede de ensino LFG; Pós-Graduando em Direito Socioambiental pela PUC/PR.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Edemilson Mendes da. "Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidade delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2839, 10 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18869. Acesso em: 26 abr. 2024.