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A influência do STF na regulamentação do aviso prévio

A influência do STF na regulamentação do aviso prévio

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O artigo investiga a atuação e a influência do Supremo Tribunal Federal na regulamentação do artigo 7º, XXI, da Constituição da República, que fixa o aviso-prévio.

RESUMO: O artigo investiga a atuação e a influência do Supremo Tribunal Federal na regulamentação do artigo 7º, XXI, da Constituição da República, que fixa o aviso-prévio.

A versão originária do princípio da separação dos poderes orientava que o Legislativo tinha por função principal a criação de normas gerais e abstratas, o Executivo deveria atuar com base no interesse da administração e o Judiciário aplicar a vontade da lei (juiz é a boca da lei).

No Estado Liberal, o exercício da jurisdição se limitava à resolução dos conflitos de interesses, permitindo, ainda, excluir do sistema jurídico normas contrárias ao texto da Constituição, cabendo ao Judiciário, neste caso, exercer uma função legislativa negativa.

A ideia de legislador negativo imperou durante muito tempo no Supremo Tribunal Federal, tal como se verifica na seguinte decisão:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DE DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS. EXTENSÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO APENAS A EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE. I - Não é dado ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo, mas apenas como legislador negativo nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade. II - Impossibilidade de extensão, às demais empresas, do prazo concedido pela Lei 8.620/93 às empresas públicas e sociedades de economia mista para parcelamento de débitos previdenciários. III - Agravo regimental improvido. [grifado]

(STF, RE 493234 AgR/RS, Primeira Turma, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgamento 27/11/2007, DJe 18-12-2007)

Tal perspectiva, congênita ao Estado Liberal, não se coaduna, entretanto, com a noção de Estado Pós-Social, que exige a intervenção integral do Estado na solução dos problemas individuais e coletivos. Ou seja, o princípio da tripartição dos Poderes não apresenta o mesmo conteúdo do Estado Liberal, não mantém as mesmas características delineadas no Espírito das Leis (Montesquieu).

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal passou a adotar nova postura nos seus julgamentos [01], admitindo, em determinadas circunstâncias, uma atuação mais pró-ativa, com o fim de suprir a ausência legislativa para regular fatos jurídicos submetidos a uma decisão da Corte Suprema.

Há vários casos, recentemente, que demonstram a atuação legislativa positiva do STF.

Exemplificativamente, mencionam-se os Mandados de Segurança 26.602/DF, 26.603/DF e 26.604/DF, nos quais a Corte assentou que o abandono, pelo parlamentar, da legenda pela qual foi eleito tem como consequência a extinção do mandato (fidelidade partidária).

Igualmente, na Petição 3.388/RR, o Supremo, enfrentando a situação de insegurança ocasionada pela demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, definiu, a partir do voto do saudoso Min. Menezes Direito, fixou inúmeras condições – atuando normativamente - para regular a extensão do usufruto dos indígenas sobre as terras que lhes são constitucionalmente garantidas.

Também haverá superação do dogma do legislador negativo na hipótese de procedência do pedido veiculado na ADPF 54, se a Corte entender que é possível a interrupção da gravidez na hipótese de feto anencéfalo. Vale dizer, a julgar desta forma, o STF criará uma terceira hipótese de excludente de criminalização do aborto, não prevista expressamente no Código Penal, que o autoriza apenas na hipótese de perigo para a vida da gestante e de gravidez decorrente de estupro (artigos 124 a 128 do Código Penal).

O exemplo mais recente refere-se ao aviso-prévio. A Constituição determina que o aviso-prévio deve ser "proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei" (art. 7º XXI). O Congresso Nacional, entretanto, permaneceu inerte, deixando de editar a lei, nada obstante transcorridas mais de duas décadas da promulgação da Constituição de 1988.

Em consequência da inércia legislativa, foram ajuizados Mandados de Injunção perante o STF (distribuídos sob os ns. 943/DF, 1010/DF, 1074/DF e 1090/DF), que, em 22/06/2011, iniciou a análise do caso, para assentar a necessidade de corrigir a inércia legislativa e, após a discussão, houve suspensão do julgamento, ficando assentado o seguinte [02]:

O Plenário iniciou julgamento conjunto de mandados de injunção em que se alega omissão legislativa dos Presidentes da República e do Congresso Nacional, ante a ausência de regulamentação do art. 7º, XXI, da CF, relativamente ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço ("Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;"). Na espécie, os impetrantes, trabalhadores demitidos sem justa causa após mais de uma década de serviço, receberam de seu empregador apenas um salário mínimo a título de aviso prévio. O Min. Gilmar Mendes, relator, ao reconhecer a mora legislativa, julgou procedente o pedido. Inicialmente, fez um retrospecto sobre a evolução do Supremo quanto às decisões proferidas em sede de mandado de injunção: da simples comunicação da mora à solução normativa e concretizadora. Destacou que, no tocante ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, o Min. Carlos Velloso, em voto vencido, construíra solução provisória fixando-o em "10 dias por ano de serviço ou fração superior a 6 meses, observado o mínimo de 30 dias". Aduziu, entretanto, que essa equação também poderia ser objeto de questionamento, porquanto careceria de amparo fático ou técnico, uma vez que a Constituição conferira ao Poder Legislativo a legitimidade democrática para resolver a lacuna. O Min. Luiz Fux acrescentou que o art. 8º da CLT admitiria como método de hetero-integração o direito comparado e citou como exemplos legislações da Alemanha, Dinamarca, Itália, Suíça, Bélgica, Argentina e outras. Apontou, ainda, uma recomendação da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre a extinção da relação trabalhista. Por sua vez, o Min. Marco Aurélio enfatizou que o critério a ser adotado deveria observar a proporcionalidade exigida pelo texto constitucional e propôs que também se cogitasse de um aviso prévio de 10 dias — respeitado o piso de 30 dias — por ano de serviço transcorrido. O Min. Cezar Peluso sugeriu como regra para a situação em comento que o benefício fosse estipulado em um salário mínimo a cada 5 anos de serviço. O Min. Ricardo Lewandowski, por seu turno, mencionou alguns projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional. Diante desse panorama, o relator acentuou a existência de consenso da Corte quanto ao provimento do writ e à necessidade de uma decisão para o caso concreto, cujos efeitos, inevitavelmente, se projetariam para além da hipótese sob apreciação. Após salientar que a mudança jurisprudencial referente ao mandado de injunção não poderia retroceder e, tendo em conta a diversidade de parâmetros que poderiam ser adotados para o deslinde da controvérsia, indicou a suspensão do julgamento, o qual deverá prosseguir para a explicitação do dispositivo final. MI 943/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 22.6.2011.

Segundo noticiou o Jornal Folha de São Paulo de 23/09/2011 (Caderno Mercado, p. B3), o Presidente da Câmara dos Deputados participou de uma reunião com integrantes do STF, para debater o tema e, nessa oportunidade, foi alertado que uma decisão definitiva da Corte dificultaria a votação da questão na Câmara e que o Judiciário, ao apreciar o tema, auxiliou o Congresso a ‘desobstruir’ as negociações outrora encetadas entre empregadores e empregados.

Passadas duas semanas da aludida reunião, o Congresso Nacional aprovou lei para regulamentar o dispositivo constitucional, aumentando para até noventa dias o aviso-prévio [03].

O caso do aviso-prévio demonstra claramente que o Supremo Tribunal Federal deixou de ser um órgão que exerce atividade legislativa negativa, tornando-se um influenciador direto da atuação do Congresso Nacional, inclusive na pauta de votações da Casa Legislativa.

Tudo isso comprava a nova leitura apresentada ao princípio da separação dos poderes, pois a adoção da postura de legislador positivo tem permitido que o STF conduza a própria pauta do Congresso Nacional.


Notas

  1. Sobre a transformação dos julgamentos do STF vide: SCHULZE, Clenio Jair. As gerações do mandado de injunção. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2875, 16 maio 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19109>. Acesso em: 23 set. 2011.
  2. Conforme noticiado no Informativo 632, do Supremo Tribunal Federal.
  3. Neste sentido é o conteúdo da mesma reportagem veiculada no Jornal Folha de São Paulo, Caderno Mercado, B3.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHULZE, Clenio Jair. A influência do STF na regulamentação do aviso prévio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3010, 28 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20085. Acesso em: 20 abr. 2024.