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Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais violadores dos direitos e garantias fundamentais do empresário

Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais violadores dos direitos e garantias fundamentais do empresário

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Apesar da CF/88 prever expressamente a responsabilidade objetiva do Estado pela prestação de serviços públicos, não excetuando o serviço jurisdicional, a jurisprudência do Superior Tribunal Federal não vem acompanhando a evolução doutrinária e legislativa-constitucional, afastando a responsabilidade do Estado pelos atos juridicionais.

Sumário: 1. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E CONSTITUIÇÃO. 2) DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO EMPRESÁRIO. 2.1) Direito de Liberdade. 2.2) Direito de Propriedade. 2.3) Direito ao devido processo legal. 3) FUNÇÃO JURISDICIONAL. 4) A RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS. 4.1) Direito Comparado. 4.1.1) A Responsabilidade do Estado por Atos Jurisdicionais na Argentina. 4.1.2) A Responsabilidade do Estado por Atos Jurisdicionais no Brasil. 5. CONCLUSÃO. 6. BIBLIOGRAFIA.


Introdução

Este trabalho propõe analisar a responsabilidade do Estado pela prática de atos jurisdicionais violadores dos direitos e garantias fundamentais do empresário.

A existência de um Estado Democrático de Direito, que se funda de uma sociedade efetivamente democrática e que procura assegurar justiça social, pressupõe a limitação do exercício do poder estatal por direitos e garantias fundamentais assegurados por leis aos administrados, sob pena de desequilíbrio nas relações entre o Estado e seus administrados.

O alcance dos objetivos de manutenção da ordem e realização do bem comum de forma justa, ao mesmo tempo em que exige a titularização de poder e prerrogativas para o Estado, demanda sejam assegurados direitos e garantias fundamentais aos seus administrados, que compensem sua sujeição ao Estado.

Estes direitos e garantias fundamentais devem ser assegurados a todos os administrados, inclusive aos empresários, especialmente porque estes exercem atividade de relevante importância para toda a sociedade e para o próprio Estado, na medida em que nos países que adotam o sistema econômico capitalista, a promoção do desenvolvimento econômico compete à iniciativa privada, principalmente, aos empresários.

Dentre os direitos e garantias fundamentais que mais interessam aos empresários, no exercício da sua atividade empresarial, destaca-se o direito à liberdade – fundamental para o livre exercício da suas funções, razão pela qual somente pode ser limitado por lei legítima – o direito de propriedade – o qual, dada a sua importância para a ordem econômica e social deve ser protegido sempre que for exercido em atendimento à sua função social – e o direito ao devido processo legal – principal direito fundamental, pois a observância dos demais depende, em última análise, da observância deste. 

Havendo violação aos direitos e garantias fundamentais do administrado, o seu agente violador deve ser responsabilizado, inclusive se este for o Estado, ainda que por intermédio da prática de atos jurisdicionais, a despeito dos equívocos cometidos no passado e que hoje já estão sendo corrigidos pela doutrina e jurisprudência brasileira e argentina, conforme demonstrado neste trabalho.


1. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E CONSTITUIÇÃO

A transição do Estado Absoluto para o Estado de Direito consistiu enorme evolução das sociedades modernas.

Entretanto, é a transformação do Estado de Direito em Estado Democrático de Direito a grande evolução no âmbito das organizações estatais, pois, ao mesmo tempo em que este visa garantir a manutenção da ordem, impondo a observância de valores conservadores socialmente aceitos, procura exercer função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas para que seja alcançado o bem comum.

O Estado de Direito, inspirado por uma ideologia liberal, apresentou como características básicas, segundo José Afonso da Silva (SILVA, 2005):

“(a) submissão ao império da lei, que era a nota primária de seu conceito, sendo a lei considerada como ato emanado do povo formalmente pelo poder Legislativo, composto de representantes do povo, mas do povo-cidadão; (b) divisão de poderes, que separe de forma independente e harmônica os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, como técnica que assegure a produção das leis ao primeiro e a independência e imparcialidade ao último em face dos demais e das pressões dos poderosos particulares; (c) enunciado e garantia dos direitos individuais. Essas exigências continuam a ser postulados básicos do Estado de Direito, que configura uma grande conquista da civilização liberal.”

Ocorre que, estas características, na prática, não garantiram justiça social, possibilitando, com isto, a prevalência dos interesses individuais sobre os direitos sociais. Daí o natural desenvolvimento do Estado Social de Direito, assim caracterizado pelo citado constitucionalista brasileiro (SILVA, 2005):

“O individualismo e o abstencionismo ou neutralismo do Estado liberal provocaram imensas injustiças, e os movimentos sociais do século passado e deste especialmente, desvelando a insuficiência das liberdades burguesas, permitiram que se tivesse consciência da necessidade da justiça social, conforme nota Lucas Verdú, que acrescenta: “Mas o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como liberal, necessitou, para enfrentar a maré social, despojar-se de sua neutralidade, integrar, em su seio, a sociedade, sem renunciar ao primado do Direito. O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista, para transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social”. Transforma-se em Estado Social de Direito, onde o “qualificativo social refere-se à correção do individualismo clássico liberal pela afirmação dos chamados direitos sociais e realização de objetivos de justiça social”. Caracteriza-se no propósito de compatibilizar, em um mesmo sistema, anota Elías Díaz, dois elementos: o capitalismo, como forma de produção, e a consecução do bem-estar social geral, servindo de base ao neocapitalismo típico do Welfare State.”

Porém, nem o Estado Liberal de Direito, nem o Estado Social de Direito propiciaram democracia, entendendo-se esta como efetiva soberania popular que exige a participação operante do povo na coisa pública como garantia geral dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo.

Conforme já dito, o Estado de Direito, seja liberal, seja social, trata da igualdade como elemento puramente formal, ou seja, sem base material, sem efetividade prática, o que não propicia participação ativa do povo na atuação das funções estatais.

Objetivando a existência de um Estado que se funda de uma sociedade efetivamente democrática e que assegura justiça social, surgiu a idéia de um Estado Democrático de Direito, com as seguintes características identificadas por José Afonso da Silva (SILVA, 2005):

“A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas reunir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se entremostra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando.

Neste Estado Democrático de Direito, a observância da lei mantém relevante importância. Porém, a lei que deve ser observada é a que caracteriza desdobramento da Constituição do país, objetivando a realização do princípio da igualdade e da justiça, não, apenas, formalmente, mas, principalmente, proporcionando a igualização das condições socialmente desiguais.

O Estado deve atuar, portanto, em conformidade com a lei, pois seu poder está limitado pelo ordenamento jurídico positivo para que seja assegurada a realização da justiça, conforme observa Juan Carlos Cassagne (CASSAGNE, 2006):

“La concepción de estado de justicia requiere el mantenimiento de un principio, considerado esencial en el Estado de Derecho decimonónico, que há constituído el modelo en los países de Europa Occidental. Tal principio – denominado legalidad – se traduce em la exigência de que la actuación de la Administración se realice de conformidad al ordenamiento positivo, el cual limita o condiciona su poder jurídico.”

Sendo, assim, a Constituição, a norma suprema dos Estados Democráticos de Direito, servindo como orientação obrigatória para a criação das leis que regularão as relações sociais, além de estabelecer a estrutura do Estado, a organização dos seus órgãos, os modos de aquisição e exercício do poder, esta deve estabelecer limites à atuação estatal para assegurar os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, inclusive dos empresários, responsáveis pelo desenvolvimento econômicos dos países capitalistas.

Nesta linha intelectiva, José Afonso da Silva (SILVA, 2005), conceitua a constituição do Estado como:

“um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua atuação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organza os elementos constitutivos do Estado.”

A Constituição Argentina limita, expressamente, a atuação do Estado ao consagrar a garantia da legalidade, proibindo o arbítrio subjetivo do governante e de seus funcionários, como bem observa Juan Carlos Cassagne (CASSAGNE, 2006):

“Nuestro estatuto fundamental consagra la garantía de legalidad em su art. 19 y em otras normas complementarias como los arts. 16, 17, 18 y 28, CN, principio que reposa en un  fundamento de seguridad y de justicia, por cuanto se objetivan la competência y los fines de la actividad de la Administración que no quedan librados al arbítrio seubjetivo del gobernantes o del funcionario.”

Conclui-se, portanto, que a organização e atuação estatal encontram limites para preservar os direitos e garantias fundamentais do administrado, vez que a essência do Estado é o seu povo.


2) DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO EMPRESÁRIO

Para que sejam alcançados os objetivos de manutenção da ordem e realização do bem comum de forma justa, é preciso que as relações entre o Estado e seus administrados sejam equilibradas.

Neste sentido, ao mesmo tempo em que deve ser titularizado poder e prerrogativas pelo Estado, deve-se assegurar, aos administrados, direitos e garantias fundamentais que compensem sua sujeição ao Estado, necessária à convivência social.

Aludidos direitos e garantias fundamentais se justificam pela necessidade de realização de justiça distributiva, objetivo dos Estados Democráticos e Direito. Assim, também, destaca Juan Carlos Cassagne (CASSAGNE, 2006):

“Su fundamento es, como y alo expresamos, la realización de la justicia distributiva em cuanto ella asegura y permite realizar la distribuición del bien común (libertad, propriedad, igualdad, etc.) entre los administrados em las relaciones jurídicas que los ligan com la Administración.”

Estes direitos e garantias fundamentais estão previstos na Constituição dos Estados Democráticos de Direito, também, como limitadores da atuação estatal no exercício do seu poder político, seja qual for a função desempenhada – legislativa, executiva ou jurisdicional.

A declaração de direitos e garantias fundamentais, historicamente, decorreu da transição dos Estados Absolutistas para os Estados Liberais. Neste novo modelo de Estado era preciso adotar uma estrutura de governo democrático, com um sistema de limitação de poderes, para que a atuação dos governantes não interviesse, excessivamente, nas ações dos governados.

Importante destacar que nos Estados Democráticos de Direito o exercício do poder estatal depende da soberania popular, já que, no fundo, o poder emana o povo e deste deriva aos governantes. Daí porque se justifica a limitação à atuação estatal pelos direitos e garantias do administrado, exposta por José Afonso da Silva (SILVA, 2005):

“A expressão direitos fundamentais do homem, como também já deixamos delineado com base em Pérez Luño, não significa esfera privada contraposta à atividade pública, como simples limitação ao estado ou autolimitação deste, mas limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem.”

Referidos direitos e garantias fundamentais são aqueles que reconhecem autonomia e independência aos administrados, diante dos demais membros da sociedade e do próprio Estado.

Tendo em vista que a doutrina e a Constituição brasileira denominam estes direitos e garantias fundamentais como direitos e garantias fundamentais individuais ou do homem é preciso analisar se as pessoas jurídicas são destinatárias destes direitos e garantias fundamentais, tendo em vista que, normalmente, os empresários são pessoas jurídicas.

Não obstante a nomenclatura utilizada pela doutrina e pela Constituição conduza à conclusão de que os direitos e garantias fundamentais são destinados, apenas, às pessoas físicas, o estudo destes evidenciam que se estendem às pessoas jurídicas, inclusive aos empresários, vez que são administrados pelo Estado e, como já foi dito, estes direitos e garantias fundamentais foram instituídos para limitar a atuação do Estado perante seus administrados.

Seguindo esta linha intelectiva, José Afonso da Silva (SILVA, 2005) assevera que:

“a pesquisa do texto constitucional mostra que vários dos direitos arrolados nos incisos do art. 5º se estendem às pessoas jurídicas, tais como o princípio da isonomia, o princípio da legalidade, o direito de resposta, o direito de propriedade, o sigilo das correspondências e das comunicações em geral, a inviolabilidade do domicílio, a garantia do direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, assim como a proteção jurisdicional e o direito de impetrar mandado de segurança. Há até direito que é próprio da pessoa jurídica, como o direito à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos (logotipos, fantasias, p. ex.).”

Neste trabalho serão destacados os direitos e garantias fundamentais que mais interessam ao desenvolvimento da atividade empresarial, considerando empresário o sujeito de direito responsável pela promoção do desenvolvimento econômico nos sistemas capitalistas, como é o brasileiro e o argentino.

2.1) Direito de Liberdade

Um dos principais direitos fundamentais para a efetivação de um Estado Democrático de Direito, porque se opõe ao autoritarismo, a liberdade possui conteúdo variável, pois depende do poder do homem sobre as coisas da natureza, a sociedade e sobre si mesmo.

Ao contrário do que se pode imaginar, o direito de liberdade não conflita com as restrições impostas ao homem pelo poder estatal. Ao revés, o exercício legítimo do poder estatal e o direito de liberdade do administrado devem coexistir para propiciar a manutenção da ordem social e o desenvolvimento dos administrados.

Portanto, é necessária a limitação do direito de liberdade, porém, esta limitação somente justifica-se caso decorra de lei legítima, consentida por aqueles cuja liberdade restringe, ou seja, pelos administrados.

Neste sentido, a liberdade pode ser conceituada nos termos contidos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, expostos por José Afonso da Silva (SILVA, 2005):

“A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem: assim, o exercício dos direitos naturais do homem não tem outros limites senão os de assegurarem aos demais membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses limites somente a lei poderá determinar.”

Inspirado neste conceito, José Afonso da Silva (SILVA, 2005) conclui que:

“Desde que a lei, que obrigue a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, seja legítima, isto é, provenha de um legislativo formado mediante consentimento popular e seja formada segundo processo estabelecido em constituição emanada também da soberania do povo, a liberdade não será prejudicada.”

Esta conclusão advém, também, do conteúdo do inciso II do art. 5º da Constituição Federal Brasileira que dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

Mencionado dispositivo constitucional demonstra que somente a lei pode impor restrições às atividades do empresário, não podendo haver restrições à liberdade destes por atos jurisdicionais que não encontrem fundamentação legal, sob pena de responsabilização do Estado por violação a direito fundamental do empresário.

2.2) Direito de Propriedade

O direito de propriedade é o que sofreu mais alterações em seu conteúdo, ao longo dos anos, dentre os direitos fundamentais dos administrados, especialmente a partir da exigência e atendimento à função social da coisa no seu exercício.

Atualmente, o instituto da propriedade não é regulado, apenas, pelo Direito Civil. O regime jurídico da propriedade é composto por um complexo de normas administrativas, empresariais e civis, sob uma base constitucional.

Por esta razão, o direito de propriedade deve ser assegurado ao empresário, observando as normas do Direito Empresarial e do Direito Constitucional, especialmente as que regulam a propriedade na ordem econômica.

Embora a propriedade privada consista num direito individual fundamental, dada a sua importância sócio-econômica, esta também é estabelecida pela Constituição Brasileira como princípio da ordem econômica e social, nos termos do seu art. 170, incisos II e III.

Esta constatação tem sua importância acentuada nos países que adotam um sistema econômico fundado na iniciativa privada. De fato, tanto no Brasil quanto na Argentina, a promoção do desenvolvimento econômico compete à iniciativa privada, principalmente, aos empresários.

Neste sentido, o direito de propriedade deve ser protegido pelo Estado sempre que for exercício em atendimento à função social da coisa sobre a qual ele incide.

A atuação estatal, por sua vez, somente pode limitar o exercício do direito de propriedade para assegurar o atendimento da sua função social. Não se justifica outra forma de limitação, quiçá que não decorra de lei, tendo em vista que se trata de um direito fundamental que mais limita a atuação estatal do que é limitada por ela.

Assim sendo, os atos estatais não podem violar o direito privado que é a propriedade, especialmente quando este direito é exercido pelo empresário em atendimento à função social da empresa, o que interessa a todos da sociedade e ao próprio Estado, conforme já dito.

2.3) Direito ao devido processo legal

Outro direito fundamental de suma importância para o empresário é o direito ao devido processo legal, decorrente do princípio da proteção judiciária.

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional exige a observância das garantias da independência e imparcialidade do juiz; do juiz natural; do direito de ação; da ampla defesa; do contraditório, etc.

A todos os administrados deve ser assegurado o devido processo legal para que uns não sejam privilegiados em detrimento de outros.

Independentemente das convicções ideológicas do magistrado, este deve garantir este princípio fundamental a todos os jurisdicionados indistintamente, sob pena de violação a um dos principais direitos fundamentais, que se fundamenta no princípio da separação dos Poderes.

Conforme assevera Frederico Marques, citado por José Afonso da Silva (SILVA, 2005), por intermédio do devido processo legal:

“Garante-se o processo, e “quando se fala em processo, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais.”

Em suma, dada a sua importância para a efetivação de um Estado democrático, não obstante o surgimento de princípios e direitos sociais novos que visam proteger o mais fraco, em nenhuma hipótese se justifica tratamento desigual às partes de um processo judicial no que tange à suas regras instrumentais, sob pena de violação ao direito fundamental que assegura a observância de todos os demais direitos fundamentais, em caso de violação, seja por particular, seja pelo próprio Estado.

Daí não se poder admitir a violação a direitos fundamentais no exercício da função jurisdicional, vez que esta é a última instância que o administrado dispõe para reivindicar o atendimento dos seus direitos e garantias fundamentais.


3) FUNÇÃO JURISDICIONAL

O poder é um fato social consistente na possibilidade de imposição de certas regras de conduta aos integrantes de determinado grupo para que sejam alcançados os objetivos daquele e possibilitada a convivência destes, possuidores, cada um, de características próprias.

O Estado, sendo estrutura social, ou seja, constituído por um grupo de pessoas denominado povo, exerce poder para atingir seus objetivos e manter a ordem.

O poder estatal é exercido pelo governo, ou seja, pelo conjunto de órgãos supremos, cabendo a cada um deles funções específicas.

O poder estatal é único, indivisível e indelegável. Porém, pode se desdobrar em diversas funções. De acordo com a organização estatal dominante, são três as funções que compõem o poder estatal: legislativa, executiva e jurisdicional.

Conforme aduz José Afonso da Silva (SILVA, 2005):

“A divisão dos poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função; assim, às assembléias (Congresso, Câmaras, Parlamento) se atribui a função Legislativa; ao Executivo, a função executiva; ao Judiciário, a função jurisdicional; (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação. Trata-se, pois, como se vê, de uma forma de organização jurídica das manifestações do Poder.”

A função jurisdicional consiste, portanto, em atuação do Estado que aplica o Direito aos casos concretos, objetivando resolver os conflitos sociais e, com isto, garantir a manutenção da ordem e a realização da justiça.

Ao exercer esta função jurisdicional, o Estado, através do Poder Judiciário, deve se amparar em normas gerais e abstratas dirigidas, indistintamente, aos integrantes do Estado.

Neste sentido, José Afonso da Silva (SILVA, 2005) destaca que:

“Divididas as funções da soberania nacional por três Poderes distintos, Legislativo, Executivo e Judiciário, os órgãos deste (juízes e tribunais) devem, evidentemente, decidir atuando o direito objetivo; não podem estabelecer critérios particulares, privados ou próprios, para, de acordo com eles, compor conflitos de interesses, ao distribuírem justiça. Salvo o juízo de equidade, excepcionalmente admitido, como referimos ao tratar do mandado de injunção, normalmente o juiz, no Brasil, pura e simplesmente aplica os critérios que foram editados pelo legislador.”

Portanto, o exercício da função jurisdicional possui um objetivo, qual seja, garantir a ordem através da realização da justiça.

Para alcançar este objetivo, a função jurisdicional deve ser exercida observando suas limitações, impostas, geralmente, por leis a fim de garantir a preservação dos direitos e garantias dos demais sujeitos de direito, sob pena do Estado, enquanto sujeito de direitos e obrigações, que exerce a função jurisdicional, responder pelos danos causados aos jurisdicionados.

Conforme já dito, a atuação estatal, inclusive a que se dá pelo exercício da função jurisdicional, encontra limites para preservar os direitos e garantias fundamentais do administrado, vez que a essência do Estado é o seu povo.


4) A RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS

Até o século XVII, pouco se falava em responsabilidade do Estado. Neste período, em decorrência da concentração do poder real e de uma ideologia absolutista, não se admitia a responsabilização estatal. A soberania estatal colocava o Estado acima do Direito, considerando-o um sujeito imune e/ou infalível.

Com as revoluções ocorridas no século XVIII, propiciadas pelo desenvolvimento da ideologia liberal, a idéia de Estado absolutista, com o poder concentrado no monarca, é substituída pela idéia de Estado de Direito, cujas principais regras estão dispostas em uma Constituição. E é esta construção do Estado de Direito que exigiu o desenvolvimento da responsabilidade do Estado.

Nos Estados de Direito, o Estado deve responder por seus atos que causem danos a terceiros. Esta responsabilidade incide, inclusive, sobre os atos jurisdicionais praticados pelo Estado – Poder Judiciário.

Algumas teorias doutrinárias foram elaboradas para justificar a responsabilização estatal, conforme assinala Jorge Luis Maiorano (MAIORANO, 1984).

Dentre estas teorias destaca-se a teoria da relação contratual. Inspirada na doutrina de Jean-Jacques Rousseau – Do Contrato Social – sustenta que o Estado deve reparar os danos decorrentes do descumprimento do seu dever de garantir os direitos individuais, tendo em vista que, quando os indivíduos renunciaram ao direito de fazer justiça com as próprias mãos, delegando esta tarefa para o Estado, este se converteu em garantidor da vida, da liberdade, do patrimônio e dos demais direitos dos indivíduos.

Também teve repercussão a teoria da culpa extracontratual ou aquiliana, segundo a qual a responsabilidade do Estado decorre da prática de ato ilícito cometido por seus representantes, dentre eles o magistrado.

Não obstante a relevância das teorias supracitadas, a responsabilização do Estado, por seus atos praticados no âmbito no Direito Público ou Privado, encontra fundamento no fato deste ser um sujeito de direito.

Efetivamente, nos Estados de Direito, a busca pela efetividade da justiça; a garantia ao direito à vida, à propriedade, à igualdade, à liberdade, etc., são compromissos do Estado. Portanto, sendo este um sujeito de direito, não pode ser irresponsável pelo descumprimento de suas funções e/ou pelo cumprimento de suas funções de forma defeituosa. Isto justifica a responsabilização do Estado pela prática de atos que causem danos a terceiros, qualquer que seja a função exercida pelo Estado.

Tal entendimento é corroborado por Alberto B. Bianchi (BIANCHI, 1996):

“en última instancia el fundamento de la responsabilidad del Estado radica pura y simplemente en los postulados y principios del Estado de derecho, recogidos en muchas de las normas de nuestra Constitución. Es que no puede decirse que alguien está sometido ao ordenamiento jurídico si no es responsable por los daños que ocasiona y los indemniza debidamente; y el Estado – obviamente – no es ajeno a esta regla esencial.”

Ocorre, todavia, que a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais – praticados, portanto, por agentes do Poder Judiciário – não tem o mesmo alcance da responsabilidade do Estado por atos administrativos e normativos – praticados por agentes dos Poderes Executivo e Legislativo.

Nesta linha intelectiva, Juan Carlos Cassagne (CASSAGNE, 2006) expõe que:

“Se trata de una responsabilidad de carácter excepcional dado que en toda comunidad jurídicamente organizada todos sus componentes tienen el deber o carga genérica de someterse a las decisiones que se adopten en los procesos jurisdiccionales, lo cual lleva consigo la carga de soportar los daños ocasionados por uma sentencia desfavorable.”

Efetivamente, é pressuposto para o convívio social harmônico e pacífico que os particulares se submetam às decisões do Estado, principalmente quando estas decisões decorrem de um devido processo legal, onde foram observados todos os direitos e garantias legais e constitucionais.

Por esta razão é que a regra geral é da inexistência de responsabilidade do Estado pela prática de ato jurisdicional, conforme aduz Roberto Dromi (DROMI, 2006):

“En esta matéria, por principio general, la solución clásica ha sido la irresponsabilidad estatal, basada en que el acto jurisdicional se caracteriza por su fuerza de verdad legal (cosa juzgada). Si se considera que la sentencia declara el derecho, no puede surgir responsabilidad de ella, pues el acto es conforme el derecho.”

Jorge Bustamante Alsina (ALSINA, 1995), ao analisar o julgamento do caso “Román S.A. C. c. Estado nacional”, destacou que:

“en principio, el ejercicio regular por el Estado, de sus poderes próprios no constituye fuente de indemnización para los particulares, a menos que el ordenamiento lo condicione al pago de la reparación correspondiente.

(...)

Los perjuicios que sean consecuencias normales y necesarias de la actividad lícita desarrollada, que non son indemnizables habida cuenta que ellos importan limitaciones de carácter general al ejercicio de todos los derechos individuales afectados por dichas actividad.

(...)

La responsabilidad estatal por su actividad lícita no es aplicable a los actos judiciales.”

Não obstante o acima exposto, a prática de atos jurisdicionais danosos não está isenta de responsabilização dos seus agentes. Em situações excepcionais, quando o exercício da atividade jurisdicional causa danos a terceiros, os prejudicados devem ser ressarcidos, a fim de restabelecer a igualdade e a propriedade, garantidas constitucionalmente nos Estados Democráticos de Direito.

É certo que, afastar qualquer possibilidade de responsabilização do Estado por seus atos jurisdicionais implicaria em violar o princípio da igualdade, bem como o direito de propriedade, sendo este o entendimento, também, de Roberto Dromi (DROMI, 2006):

“Las víctimas del error judicial tienen derecho indemnizatorio. Por ejemplo, cuando a alguien se lo condena y posteriormente se deja sin efecto la sentencia. Si el damnificado por el error judicial no obtuviera un resarcimiento por el daño que se ha inferido, quedaria vulnerado el principio de la igualdad de las cargas públicas, y también se habría violado el derecho de propriedad en el sentido amplio en que lo entiende la jurisprudencia. Es indispensable que el Estado garantice la integridad y efectividad de la justicia que administra. La injusticia eventual, aunque derive de sentencia definitiva, debe ser adecuada y oportunamente indemnizada.”

Por esta razão, excepcionalmente, o princípio supracitado é afastado, especialmente, quando um ato jurisdicional posterior revisa determinado ato jurisdicional porque houve erro judicial ou porque o mesmo foi praticado de forma ilegítima, ou seja, contrária ao direito objetivo.  

Segundo Juan Carlos Cassagne (CASSAGNE, 2006), a doutrina e a jurisprudência argentina vem admitindo a responsabilização do Estado por atos jurisdicionais quando se obtém a modificação da coisa julgada formal e material de uma sentença definitiva, cujo conteúdo decorreu de erro ou dolo do agente que praticou o ato jurisdicional.

Referido Autor sustenta, todavia, que:

“Pero también, excepcionalmente, debe admitirse la responsabilidad del Estado, aun cuando no exista revisión de la cosa juzgada formal y material de uma sentencia definitiva, si se dispone uma detención indebida – por un plazo que exceda el razonable – de uma persona que después resulta absuelta al dictarse la sentencia definitiva, cuando la respectiva detención pueda calificarse de arbitraria.”

Roberto Dromi (DROMI, 2006), segue o mesmo entendimento doutrinário, quando observa que “el problema de la responsabilidad estatal por ejercicio de la función judicial no se esgota en el supuesto de las sentencias erróneas.”.

O entendimento dominante da jurisprudência e doutrina, todavia, é no sentido de que a responsabilização do Estado por atos judiciais exige prévia revisão deste ato, bem como que o mesmo corresponda a um erro inescusável ou a uma prestação judicial irregular.

Para confirmar o acima exposto, é válido transcrever as observações de Jorge Bustamante Alsina (ALSINA, 1995) ao caso supracitado.

“la Corte ha sostenido que sólo puede responsabilizarse al Estado por error judicial cuando el acto jurisdicional que origina el daño sea declarado ilegítimo y dejado sin efecto, pues hasta esse momento el carácter de verdad legal que ostenta la sentencia pasada en autoridad de cosa juzgada impide, en tanto se mantenga, juzgar que hay error. Lo contrario importaría un atentado contra el orden social y la seguridad jurídica pues la acción de daños y perjuicios constituiría um recurso contra el pronunciamiento firme, no previsto ni admitido por la ley.”

(...)

los perjuicios que sean consecuencias normales y necesarias de la actividad lícita desarrollada, que no son indemnizables habida cuenta que ellos importan limitaciones de carácter general al ejercicio de todos los derechos individuales afectados por dicha actividad. No ocurre lo mismo se dice en el pronunciamiento, con los daños anormales que significan para el titular del derecho un verdadero sacrifício desigual que no tiene la obligación de tolerar si  reparación conforme a la garantía del art. 17 de la Constitución Nacional.

(...)

Unicamente puede admitirse la responsabilidad estatal si el daño es la consecuencia de la actividad que lo generó, y entonces sólo debería un resarcimiento si aquél resulta de uma actividad ilícita por falta de servicio o por error judicial irreparable imputable a dolo o culpa en la ejecución del acto judicial declarado ilegítimo.”

Seguindo esta linha intelectiva, sem esquecer o princípio da coisa julgada, tampouco da necessária segurança jurídica, a atividade jurisdicional, ainda que exercida por agente competente e sem que este incorra em culpa, quase sempre causa danos a terceiros. Este dano, por sua vez, somente deve ser suportado quando forem garantidos os direitos e garantias fundamentais aos jurisdicionados, vez que estes não podem ser desprezados sob o pretexto de ser garantida a integridade e a plenitude do Poder Judiciário.

Em suma, quando o exercício da atividade jurisdicional fere direitos e garantias fundamentais do jurisdicionado, causando-lhe danos em decorrência de erro judicial, culposo ou doloso, ou de prestação jurisdicional defeituosa, este ato jurisdicional deve ser considerado ilícito e, via de regra, após a sua revisão, é cabível a responsabilização do Estado com relação aos danos sofridos pelo jurisdicionado.

Por fim, destaca-se que esta responsabilização estatal por atos jurisdicionais, embora quase sempre seja analisada pela doutrina e pela jurisprudência no âmbito dos danos decorrentes de processos penais, também deve ser considerada nos processos civis e comerciais, sendo este o entendimento de Léon Duguit, Marcel Waline e Leonardo Colombo, citados por Jorge Luis Maiorano (MAIORANO, 1984), muito embora este último acompanhe o entendimento de Miguel Marienhoff, assim externado:

“eventual responsabilidad del Estado en el fuero civil o comercial aparece muy atenuada, pues en él el Estado actúa como tercero que dirime uma contienda patrimonial entre partes, siendo éstas quienes llevan el control del proceso a través del ejercicio de sus respectivas acciones; en cambio, en el fuero penal el control del proceso está a cargo del Estado y no del imputado”

Este entendimento de Maiorano e Merienhoff, todavia, parece está dissociado da realidade, tendo em vista que quem preside o processo civil ou comercial é o Juiz, cujas atribuições legais, caso não sejam observadas, podem causar sérios danos às partes.

Além disso, deve-se observar que, ainda que as partes pratiquem os atos que lhes competem, objetivando impulsionar o processo, na realidade, o prosseguimento processual nos termos da lei, observando os direitos e garantias fundamentais das partes, depende do Juiz, o qual pode prestar um mau serviço jurisdicional, por omissão ou comissão, bem como pode provocar um erro judicial, por dolo ou culpa.

Por estas razões, mostra-se mais acertado o entendimento doutrinário que estende a responsabilização do Estado, com igual amplitude, tanto no âmbito dos processos penais, quanto no dos processos cíveis e comerciais, até mesmo porque os direitos de igualdade e de propriedade – mais atingidos pelos processos cíveis e comerciais – são garantidos constitucionalmente da mesma forma como ocorre com o direito de liberdade – mais atingido pelo processo penal.

4.1) Direito Comparado

Muito embora o objetivo deste trabalho consista em apresentar uma visão global sobre o tema, não se restringindo a um sistema jurídico particular, é válida a análise da evolução do pensamento sobre a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais no Brasil e na Argentina, dada as características do curso que motivou a sua elaboração.

4.1.1) A Responsabilidade do Estado por Atos Jurisdicionais na Argentina

Conforme observa Alberto B. Bianchi (BIANCHI, 1996):

“Lo primero que há de notarse – com referencia a la Argentina – es que toda la construcción jurídica elaborada en torno a la responsabilidad estatal procede en el fondo de uma elaboración jurisprudencial.”

Por esta razão, a análise da evolução do pensamento sobre a responsabilidade estatal por atos jurisdicionais na Argentina está aqui baseada, principalmente, nas considerações de Pascual E. Alferillo e Agustín Rugna, no artigo intitulado La Responsabilidad del Estado por la Actividad en la Doctrina de la Corte Federal, constante na Revista Jurídica Argentina La Ley, volume 2006-E, pág. 468 a 474.

Referidos Autores observam que a evolução da doutrina judicial da Corte Suprema de Justiça da Nação, no que tange à responsabilização do Estado, apresenta diferentes etapas.

A primeira etapa, que durou até 1933, sustentava a tese de inexistência de responsabilidade estatal por atos jurisdicionais em quaisquer casos, exceto quando esta decorria de uma lei.

Os fundamentos para a inexistência de responsabilidade estatal extracontratual consistiam, basicamente, na interpretação gramatical do art. 43 do Código Civil Argentino, antes da sua reforma pela Lei 17.711; no fato dos atos jurisdicionais serem atos do poder público, praticados no exercício da sua soberania; e na necessidade de prévia lei que atribuísse responsabilidade estatal pela prática de atos públicos, conforme dispunha a Lei 3.952.

De fato, as influências da concepção de soberania, advinda do século XVII, dificultava qualquer tentativa de responsabilização do Estado por seus atos.

Neste sentido, ao tratar da evolução do tema na jurisprudência argentina, Alberto B. Bianchi (BIANCHI, 1996) expõe que:

“Tal construcción – señalo em segundo término – ha sido lenta y laboriosa. Tuvo que lidiar em sus comienzos com el antigo principio de la inmunidad del Estado íntimamente emparentado com la idea de que el Rey no puede obrar mal, de que puede causar perjuicio...

(...)

La idea de la soberania nacida como médio de cimentar el absolutismo monárquico en los siglos XVI y XVII permitió colocar al soberano por encima del derecho y hacer de él um sujeto infalible.”

A segunda etapa originou-se a partir da decisão proferida no caso “Devoto” (CSJN, 22/09/1933, “Tomás Devoto y Cía (S.A. Comercial, Industrial y Financiera) c. Gobierno Nacional”, JÁ, 43-416, com nota de Rafael BIELSA).

A partir de então, passou-se a considerar a existência de responsabilidade do Estado por atos culposos ou negligentes praticados por seus representantes (dependentes ou funcionários), aplicando-se, para tanto, os arts. 1.112 e 1.113 do Código Civil às relações de direito público por razões de justiça e de equidade.

Analisando o julgamento supracitado, Cassagne (CASSAGNE, 2000) observa que:

“esse caso, que motivó la crítica de Bielsa en cuanto asimilaba la responsabilidad del Estado a la del patrón, sobre la base de un texto del Código Civil, há constituido, sin enbargo, um punto de partida importante en la historia de la responsabilidade por cuanto permitió salir del campo de la irresponsabilidad y contrastar diferentes concepciones dando paso al desarrollo de las teorias que, sin ley que específicamente regulara la matéria, basaron el fundamento de la responsabilidad estatal en princípios de derecho público, fundamentalmente en los arts. 16 y 17 de la Constitución Nacional (igualdad entre cargas públicas y garantia de la propriedad)”.

Vê-se que esta fase é marcada pela influência das teorias civilistas sobre responsabilidade. Isto porque, até então, o Direito Público não havia desenvolvido seus fundamentos autônomos à responsabilidade estatal.

A terceira e atual etapa inicia-se em 1985 com o julgamento do caso “Vadel” (CSJN, 18/12/1984, “Vadell, Jorge F. c. Provicia de Buenos Aires, La Ley, 1985-B, 3).

Neste julgamento, a Corte Suprema de Justiça Nacional modificou seu entendimento, dando início à consolidação da teoria da responsabilidade direta e objetiva do Estado pelo exercício danoso – irregular, deficiente, tardio, etc. – dos atos que lhe são próprios.

Com esta evolução sobre o tema, a CSJN deixou de fundamentar a responsabilidade do Estado com as regras de Direito Civil e passou a buscar sua fundamentação no Direito Público, de modo que a responsabilização do Estado passou a depender, apenas, da produção de dano e da necessidade de serem observados os princípios constitucionais da igualdade e da propriedade.

Esta evolução sobre a responsabilidade estatal em geral influenciou o entendimento da CSJN sobre a responsabilidade do Estado decorrente do exercício da sua função jurisdicional.

Neste sentido, para que haja responsabilidade do Estado por danos decorrentes da atividade jurisdicional é necessário que o ato danoso seja ilícito, ou seja, contrário aos preceitos normativos que regulam esta atividade.

Não se admite, portanto, a responsabilidade do Estado por danos decorrentes de sentenças proferidas em processos que observaram todos os direitos e garantias fundamentais dos jurisdicionados. A responsabilidade estatal, no que tange à sua função jurisdicional, existe quando há erro procedimental, ou seja, quando seus agentes prestam o serviço jurisdicional de forma defeituosa.

Este entendimento sobre a responsabilidade do Estado pelo exercício da função jurisdicional é confirmado pelo precedente “Hotelera Río de la Plata S.A.C.I. c. Provincia de Buenos Aires” (CSJN, Hotelera Río de la Plata S.A.C.I. c. Provincia de Buenos Aires”, 1985, t.307, p. 821), quando é dito que:

“es responsable la provincia por la orden irregularmente impartida por uno de los magistrados integrantes de su Poder Judicial, toda vez que ella implico el cumplimiento defectuoso de funciones que Le son propias, ya que quien contrae la obligación de prestar un servicio lo debe realizar en condiciones adecuadas para llena el fin para el que há sido establecido, siendo responsable de los perjuicios que causare su incumplimiento o su irregular ejucución. Ello se funda en la aplicación por via subsidiaria del art. 1112 del Código Civil y pone em juego la responsabilidad extracontratual del Estado en el ámbito del derecho público...”

Mais claro, ainda, sobre a inexistência de responsabilidade pelos atos jurisdicionais lícitos, é o julgamento do caso “Robles, Ramón Cauetano c. Buenos Aires, Provincia y otros” (CSJN, Robles, Ramón Cauetano c. Buenos Aires, Provincia y otros s/ daños y perjuicios, 18/07/02, t. 325, p. 1855):

“las sentencias y demás actos judiciales no puden generar responsabilidad del Estado por sus actos lícitos ya que no se trata de decisiones de naturaleza política para el cumplimiento de fines comunitarios sino de actos que resuelven un conflicto en particular; los danõs que pueden resultar del procedimiento empleado para dirimir la contienda, si no son producto del ejercicio irregular del servicio, deben ser soportados por los particulares, pues son el costo inevitable de una adecuada administración de justicia...”

Conclui-se, portanto, que, na Argentina, o entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante, quanto à responsabilização do Estado por atos jurisdicionais, consiste na inexistência de responsabilidade estatal, exceto quando não se observam os direitos e garantias fundamentais do jurisdicionado e isto implica na adoção de um procedimento inadequado, que possa ser qualificado como exercício irregular da função jurisdicional.

No âmbito normativo, por sua vez, é antiga a preocupação em estabelecer a responsabilidade do Estado Argentino por seus atos, conforme destaca Jorge Luis Maiorano (MAIORANO, 1985):

“En el orden nacional: desde los albores del derecho fue evidente la preocupación de nuestros hombres públicos por regular expressamente la responsabilidad del Estado. Así, tanto el Reglamento de la Junta Conservadora, dictado el 22 de octubre de 1811 como los Estatutos Provisionales sancionados por la Junta de Observación el 5 de mayo de 1815 y por el Congreso de Tucumán el 22 de noviembre de 1816; el Reglamento Provisorio de 1817 y las Constituciones de 1819 y 1826 incluyeron preceptos que obligaban al Estado a indemnizar los perjuicios ocasionados con motivo de la actuación judicial.”

No século XX foram apresentados alguns projetos de leis objetivando positivar a responsabilização do Estado por erro judicial em processos penais. Entretanto, nenhum tornou-se lei.

As Províncias, por sua vez, vem prevendo a responsabilização do Estado por erro judicial em normas distintas, porém, restritas aos processos penais. Jorge Luis Maiorano (MAIORANO, 1985), destaca as seguintes:

“La última etapa de esta evolución en el derecho local se produce durante el último gobierno constitucional cuando – en uma feliz coincidência – las províncias de Buenos Aires, Santa Fe y La Pampa, se dictaron normas especiales que regulan esta matéria. La ley 8132, sancionada el 30 de octubre de 1973 (ADLA, XXXIII-D, 4048) prevé, en el ámbito de la provincia de Buenos Aires, uma reparación económica a toda persona condenada por error a uma pena privativa de la libertad uma vez resuelto definitivamente a su favor el recurso de revisión.

(...)

la ley 7658, de la provincia de Santa Fe (ADLA, XXXVI-A, 906) no limita la indemnización únicamente al supuesto de condena privativa de la libertad sino que incluye, también, el supuesto de que la condena consista em la inhabilitación del procesado.

(...)

la ley 699 de la provincia de La Pampa (ADLA, XXXVI-B, 1712) la cual asegura uma reparación econômica integral para todas las personas condenadas por error; fija en dos años el plazo de caducidad de la acción de indemnización disponiendo, además, la publicación de la sentencia de revisión.

Não obstante os direitos positivos das Províncias tenham se mostrado mais avançado que o direito nacional, merece crítica a restrição da responsabilidade estatal por erros judiciais praticados, apenas, nos processos penais.

Neste sentido, deve-se observar que o Pacto de São José da Costa Rica – aprovado pelo Estado Argentino – dita, em seu art. 10 que “toda persona tiene derecho a ser indemnizada conforme la ley em caso de haber sido condenada em sentencia firme por error judicia.”. Vê-se que esta norma não faz distinção entre erro judicial cometido nos processos penais dos erros judiciais cometidos nos processos cíveis ou comerciais, razão pela qual a legislação dos países que aprovaram a Convenção Americana sobre Direitos Humanos não devem fazer esta distinção descabida. 

4.1.2) A Responsabilidade do Estado por Atos Jurisdicionais no Brasil

Assim como na Argentina, a atividade jurisdicional no Brasil é monopolizada pelo Estado.

Desta forma, consistindo a atividade jurisdicional em modalidade de serviço público, aplica-se à mesma a regra da responsabilidade objetiva – independente de dolo ou culpa – estabelecida pelo art. 37 da Constituição Federal:

Art. 37. [omissis]

[...]

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem danos a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Ocorre que, como assevera Adriano Aparecido Arrias de Lima (LIMA, 2005), o simples não atendimento da pretensão do jurisdicionado pelo Judiciário não significa configuração de dano. Por conseguinte, não ensejará a responsabilização estatal.

“Saliente-se que sempre alguma das partes, no processo, terá decisão desfavorável. Isso não pode ser tomado como lesão. É cediço que o escopo da jurisdição (paz social) só é atingido quando se traz o equilíbrio para a relação das partes. O lesado, por assim dizer o vencido na lide, será aquele que não devia ser beneficiado pela decisão judicial, pois não era o legítimo detentor do direito.”

O ato jurisdicional, portanto, somente ensejará responsabilização do Estado quando decorrerem de erro ou vício.

Neste sentido, convém destacar que, não obstante ter havido discussões doutrinárias acerca da aplicabilidade do parágrafo 6º do art. 37 da Constituição Federal aos atos jurisdicionais, o inciso LXXV do art. 5º da própria Constituição Federal não deixa dúvida sobre a responsabilização do Estado por erro judiciário.

“Art. 5º. [omissis]

[...]

LXXV – O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.”

Apesar do referido dispositivo constitucional não possuir a melhor redação, possibilitando interpretação restritiva que limita a responsabilização estatal por erro jurisdicional cometido, apenas, nos processos penais, atualmente falecem dúvidas quanto a sua aplicabilidade a todas as espécies de processos judiciais.

Este, inclusive, é o entendimento de Adriano Aparecido Arrias de Lima (LIMA, 2005), quando comenta aludido dispositivo constitucional, aduzindo que:

“Desta forma, consagrado está a responsabilidade do Estado pelo erro judiciário, aqui tanto o civil quanto o penal. Este inciso é uma apresentação peculiar da responsabilidade objetiva comportada pelo § 6º do art. 37 da Carta Magna.”

Igual entendimento, é esposado por Pablo Holmes Chaves (CHAVES, 2001).

“Não é só no caso da justiça criminal que cabe porém a responsabilização, sendo cada vez mais possível a responsabilidade objetiva do estado por erro na prestação jurisdicional cível, graças ao disposto na nossa atual constituição.”

Antes do advento da Constituição Federal de 1988, porém, parte da doutrina defendia a irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, amparando-se em diversos argumentos.

Alguns doutrinadores sustentaram a irresponsabilidade estatal por atos jurisdicionais por considerar estes a expressão da soberania nacional.

Ocorre, todavia, que, num Estado Democrático de Direito, todos, inclusive o Estado, estão submetidos à lei, razão pela qual não podem agir em afronta ao Direito Positivo.

Adere a este posicionamento Adriano Aparecido Arrias de Lima (LIMA, 2005):

“Tem-se que a soberania legitima o poder-dever do Estado com o único escopo de beneficiar a coletividade. Das vontades e anseios desta coletividade que emana o ordenamento jurídico, que tem como finalidade regular a vida em sociedade. Desta maneira, conclui-se que a atividade jurisdicional não é absoluta, mas é margeada pela vontade popular, que se consubstancia neste ordenamento jurídico.”

Defendeu-se, ainda, a irresponsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais para que não seja ofendida a coisa julgada e comprometida a segurança jurídica, vez que a responsabilização estatal dependeria de reconhecimento de que o ato jurisdicional foi praticado em desacordo com a lei, o que ensejaria a sua revisão, mesmo após a extinção do processo em que foi praticado.

Referida tese não procede. Primeiro, porque a coisa julgada opera-se entre as partes do processo em que a decisão que se tornou irrecorrível foi proferida. Não sendo, o Estado, parte deste processo não há que se falar em impossibilidade deste ser responsabilizado pelos atos errôneos ou viciados praticados por seu agente no curso do aludido processo. Além disso, para a responsabilização estatal não é exigida prévia revisão do ato jurisdicional lesivo ao jurisdicionado.

Noutra senda, já foi argumentado que a responsabilização do Estado por atos jurisdicionais comprometeria a independência dos magistrados – agentes do Estado que praticam os atos jurisdicionais em seu nome.

Esta argumentação não procede, seja porque implicaria, tão somente, na impossibilidade do magistrado e não do Estado; seja porque a independência do magistrado é política, estando o mesmo submetido à lei, a qual os responsabilizam por atos culposos ou dolosos, conforme consta no art. 133 do Código de Processo Civil Brasileiro.

“Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:

I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte.”

De igual modo não tem cabimento as alegações de que o jurisdicionado deve se submeter à falibilidade dos juízes ou que a responsabilidade do Estado depende de previsão legal específica para cada caso, como também já foi argumentado na Argentina.

Sendo o Estado o detentor do monopólio da atividade jurisdicional, o jurisdicionado não tem como escolher quem decidirá as suas lides. Por outro lado, depender de previsão legal significaria submeter a responsabilização do Estado à sua própria vontade, já que o Poder Judiciário e o Poder Legislativos integram o Estado.

Conforme expõe Adriano Aparecido Arrias de Lima (LIMA, 2005) sobre o tema:

“Se em um dado momento da história o Estado avocou a administração da justiça, assumiu o dever de mantê-la funcionando adequadamente. E, ainda sobre este argumento, não serão somente os jurisdicionados os lesados pelos erros dos magistrados, e sim toda a coletividade, pois este é o alvo da jurisdição (a pacificação social).”

Percebe-se, pois, que a doutrina brasileira desenvolveu o tema responsabilidade do Estado desde a completa inexistência de responsabilidade até à máxima responsabilidade, que independe de culpa do agente estatal. Neste sentido, Pablo Holmes Chaves (CHAVES, 2001) diz que:

A responsabilidade civil do estado se desenvolveu na doutrina desde a completa irresponsabilidade do estado pelos atos praticados no exercício dos seus poderes legais à completa responsabilização do estado pelos atos de seus agentes, mesmo que não haja culpa, teoria da responsabilidade objetiva do estado.

Ocorre, entretanto, que com o desenvolvimento do Estado Absolutista para o Estado Democrático de Direito, os ideais de democracia e de igualdade superaram a teoria da irresponsabilidade Estatal, não mais admitindo-a, conforme lembra o citado mestre (CHAVES, 2001).

Hoje, diante dos avanços da teoria publicista e com a vitória dos ideais liberais de soberania popular e igualdade, não mais se aceita a teoria regaliana da responsabilidade estatal, salvo algumas poucas legislações que ainda não admitem a teoria objetiva da responsabilidade do estado.

De fato, hoje prevalece da teoria da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos danosos cometidos por seus agentes. Todavia, a transição da irresponsabilidade do Estado para a sua responsabilização objetiva perpassou pela teoria mista, que estabelece a responsabilidade subjetiva do Estado, apenas no que diz respeito aos atos de gestão, inexistindo responsabilidade do Estado por atos de império. Veja-se o que diz o referido autor (CHAVES, 2001).

Ao lado da teoria regaliana há a teoria mista ou civilística. Para ela os atos do estado se dividem em atos de império e atos de gestão. Pelos atos de império não haveria responsabilização, pois fugiriam eles ao direito privado sendo sujeitos apenas aos institutos do direito público. Quanto aos atos de gestão, esses seriam praticados sob a regência do direito comum, estando sujeitos à responsabilização do estado pelos prejuízos causados por agentes em seu exercício. Além disso, por essa teoria, só haveria responsabilidade do estado quando houvesse culpa pelo dano causado, a chamada culpa de serviço.

Esta evolução da teoria sobre a responsabilidade do Estado é identificada nas Constituições do Brasil, conforme recorda Pablo Holmes Chaves (CHAVES, 2001).

No nosso direito constitucional as constituições Imperial, de 1824, e Republicana, de 1891, determinavam que os agentes públicos responderiam por danos praticados na atividade administrativa pessoalmente por dolo ou culpa. Com a Constituição de 1934 (mantido na Constituição de 1937) consagrou-se o princípio do art.15 do Código Civil pelo qual o "estado seria responsável solidariamente pelos atos danosos de seus agentes a título de culpa"(12). A Constituição de 1946 foi além, abandonando a culpa e determinando que o Poder Público seria responsável pelos danos a que desse causa no desempenho de suas atividades, o que foi mantido, junto com o direito de ação regressiva pelo estado ao funcionário que agisse com dolo ou culpa até a atual constituição que consagra esse princípio no art. 37, §6º.

Percebe-se, portanto, que tanto a doutrina brasileira como o seu direito positivo adotaram a teoria da responsabilidade do Estado, a partir do momento em que este se desenvolveu para Estado de Direito, garantidor dos princípios da igualdade e da isonomia.

Aqui, mais uma vez é válida a lição do citado doutrinador (CHAVES, 2001).

Deve haver, na verdade, "a repartição dos encargos públicos entre os cidadãos"(14) , pois que a ação praticada pelo estado se realiza em regra no benefício de todos e, como tal, seria injusto que apenas alguns se onerassem em nome de todos os beneficiados pela conduta comissiva ou omissiva danosa do estado. Nesse sentido, como o estado incorpora, simbolicamente, o todo da sociedade, nada mais justo que todos arquem com os ônus causados por conduta causadora de dano que visava ao bem da coletividade. Assim, os cofres públicos deverão sempre ressarcir o terceiro prejudicado diante de ato estatal que seja prejudicial.

Não obstante a superação das teorias doutrinárias acima criticadas e da prevalência da última aqui exposta, o Supremo Tribunal Federal (STF), nas poucas oportunidades que se manifestou sobre o tema, adotou postura conservadora para afastar a possibilidade de responsabilização do Estado pela prática de atos jurisdicionais ou para limitar a responsabilização estatal aos casos em que há específica previsão legal.

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: ATOS DOS JUÍZES. C.F., ART. 37, § 6º. I. - A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. II. - Decreto judicial de prisão preventiva não se confunde com o erro judiciário, C.F., art. 5º, LXXV, mesmo que o réu, ao final da ação penal, venha a ser absolvido. III. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido. (STF – 2ª Turma - RE 429518 AgR / SC – Rel. Min. CARLOS VELLOSO - DJ 28.10.2004 p. 49).”

“RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO DO PODER JUDICIÁRIO. O princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente declarados em lei. Orientação assentada na Jurisprudência do STF. Recurso conhecido e provido. (STF – 1ª Turma - RE 219117 / PR – Rel. Min. ILMAR GALVÃO - DJ 29.10.1999 p. 20).”

“Responsabilidade objetiva do Estado. Ato do Poder Judiciario. - A orientação que veio a predominar nesta Corte, em face das Constituições anteriores a de 1988, foi a de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciario a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do S.T.F. Recurso extraordinário não conhecido. (STF – 1ª Turma - RE 111609 / AM – Rel. Min. MOREIRA ALVES - DJ 19.03.1993 p. 4281).”

É fácil concluir que este entendimento do STF está em desacordo com a Constituição vigente, pois nesta está contido dispositivo que expressa o princípio de responsabilização objetiva do Estado pelos seus atos, inexistindo exclusão para os atos jurisdicionais, a qual, seria exceção à regra, razão pela qual deveria estar expressada, se esta fosse a intenção dos constituintes.

Efetivamente, sendo o serviço jurisdicional serviço público, não se justifica conferir-lhe tratamento diferenciado do que é dispensado aos demais serviços públicos no que tange à responsabilização estatal. Neste sentido, Pablo Holmes Chaves (CHAVES, 2001):

Nesse sentido o serviço judiciário é serviço público, por isso que se compreende que na atividade administrativa judiciária o estado responde nos termos da responsabilidade objetiva comum.

Os atos jurisdicionais errôneos consistem na falha de decisão que ofende direito garantido por lei. Por ser de grande poder ofensivo, configura-se como uma das mais espetaculares formas de dano que podem ser causados pelo Estado, o que justifica a sua responsabilização objetiva, sob pena de ofensa aos direitos e garantias fundamentais constitucionais assegurados aos jurisdicionados, inclusive aos empresários.


5. CONCLUSÃO

Nos Estados Democráticos de Direito, a atuação do estado encontra limites, principalmente, para que não sejam violados os direitos e garantias fundamentais do administrado.

O Estado, enquanto sujeito de direito, é titular de direitos e devedor de obrigações. O regular cumprimento das suas obrigações é necessário ao atendimento dos direitos e garantias dos demais sujeitos que são a essência do próprio Estado.

Dentre os sujeitos de direitos, cujos direitos e garantias fundamentais devem ser respeitados, destacam-se os empresários, pois estes exercem função social relevantíssima, consistente na promoção do desenvolvimento econômico.

A promoção do desenvolvimento econômico interessa tanto ao Estado, quanto aos demais integrantes do povo, pois, na sua falta, o Estado não arrecadará tributos – o que inviabilizará o cumprimento das suas funções – os trabalhadores não terão emprego – ficando impossibilitados de proverem sua subsistência – os consumidores não poderão atender as suas necessidades de consumo – pois não haverá oferta dos produtos e serviços por estes exigidos.

Em suma, a promoção do desenvolvimento econômico – tarefa conferida, principalmente, aos empresários nos sistemas capitalistas – é fundamental para que seja mantida a ordem social e para que o Estado alcance seus objetivos de progresso à vista do bem comum.

Para tanto, é necessário que sejam preservados os direitos e garantias fundamentais que os empresários necessitam para o desenvolvimento das suas atividades, dentre estes a liberdade, a propriedade e o devido processo legal, sob pena de prejuízo, não apenas para estes, mas também para todos da sociedade, inclusive para o Estado.

A preservação destes direitos e garantias fundamentais deve ser garantida, principalmente, pelo Estado, no exercício das suas funções, inclusive a jurisdicional. Isto porque, o direito é custo e onerar em demasia o empresário prejudica toda a sociedade, tendo em vista que a promoção do desenvolvimento econômico não será alcançada, ou, pelo menos, sofrerá retração.

Quando o exercício da atividade jurisdicional fere direitos e garantias fundamentais do empresário, causando-lhe danos em decorrência de erro judicial, culposo ou doloso, ou de prestação jurisdicional defeituosa, fica prejudicado o desenvolvimento da sua atividade econômica, o que prejudica o desenvolvimento da economia do país.

Por esta razão, conclui-se que a prestação jurisdicional defeituosa deve conduzir à responsabilização do Estado, sujeito que detém o monopólio desta função, sob pena de prejuízo para toda a sociedade.

Não obstante a Constituição Argentina não expresse a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais violadores de direitos dos jurisdicionados, a jurisprudência da Corte Suprema de Justiça da Nação vem admitindo a responsabilização estatal quando o serviços jurisdicionais são prestados defeituosamente.

Já no Brasil, apesar da Constituição prevê expressamente a responsabilidade objetiva do Estado pela prestação de serviços públicos, não excetuando o serviço jurisdicional, ao contrário, prevendo, expressamente, a responsabilidade do Estado por erro judiciário, a jurisprudência do Superior Tribunal Federal não vem acompanhando a evolução doutrinária e legislativa-constitucional, afastando a responsabilidade do Estado pelos atos juridicionais, fundamentando-se em preceitos superados que não guardam relação com a atual Constituição Brasileira.


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SILVA, José Afonso da.2005Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SACRAMENTO, Eraldo. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais violadores dos direitos e garantias fundamentais do empresário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3443, 4 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23153. Acesso em: 19 abr. 2024.