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A moralidade como princípio validador da Lei da Ficha Limpa

A moralidade como princípio validador da Lei da Ficha Limpa

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A validade da Lei da Ficha Limpa deve fundar-se na vontade constitucional de prestigiar o Princípio da Moralidade, o qual deve ser maximizado quando em colisão com o Principio da Presunção de Inocência.

Resumo: A validade da Lei da Ficha Limpa perante a Constituição de Federal de 1988 constitui o objeto deste trabalho, o qual analisa o Princípio da Moralidade para o exercício do mandato eletivo, considerada a vida pregressa do candidato, bem como os princípios constitucionais que devem ser ponderados para justificar a constitucionalidade da nova lei.

Apresentam-se, inicialmente, algumas noções gerais sobre os institutos relacionados com o tema central do trabalho, tais como: conceito e força normativa dos princípios; princípios da Moralidade e da Presunção de Inocência; aspectos relevantes sobre o Princípio da Moralidade para o exercício do mandato, conforme art. 14, §9º, da Constituição Federal; necessidade e relevância da ponderação de princípios constitucionais; surgimento da Lei da Ficha Limpa; princípios da Anualidade e da Irretroatividade da Lei; prevalência da Moralidade e a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010).

Durante o desenvolvimento do trabalho, introduzidos alguns conceitos básicos para compreensão do tema, especialmente sobre os princípios constitucionais, apresentam-se fundamentos de ponderação do Princípio da Moralidade com o Princípio da Presunção de Inocência, já que presente o conflito entre estes princípios na Lei Complementar n. 135/2010.  Defende-se que a validade da Lei da Ficha Limpa deve fundar-se na vontade constitucional de prestigiar o Princípio da Moralidade, o qual deve ser maximizado quando em colisão com o Principio da Presunção de Inocência.

Ao final, expõe-se que o Princípio da Moralidade para o exercício do mandato, por tutelar o interesse coletivo, deve prevalecer sobre o direito individual do candidato que pretende disputar um mandato eletivo, mesmo que alegue Presunção de Inocência, ante a falta do trânsito em julgado de decisões que ensejam inelegibilidade nos termos da nova lei.

Palavras-chave: Princípios. Presunção. Inocência. Moralidade. Mandato. Vida Pregressa. Inelegibilidade.

Sumário: Introdução. 1. Princípios – Força Normativa. 2. Princípio da Presunção de Inocência. 3. Princípio da Moralidade. 4. Princípio da Moralidade para o Exercício do Mandato. 5. A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010). 6. Ponderação de Princípios Constitucionais na Lei da Ficha Limpa. 7. A Moralidade como princípio validador da Lei da Ficha Limpa. Conclusão. Referências.


“A moralidade é a melhor de todas as regras para orientar a humanidade.”

[Friedrich Nietzsche]

INTRODUÇÃO

Cansados com a habitual corrupção praticada pelos candidatos eleitos, mais de um milhão e meio de brasileiros apoiaram a iniciativa popular que originou a Lei Complementar n. 135/2010. A norma acrescentou novas hipóteses de inelegibilidades à Lei Complementar n. 64/1990.

O objetivo da nova lei, também conhecida como Lei da Ficha Limpa, é o de impedir que candidatos com vida pregressa reprovável participem das eleições. Conseqüentemente, permite que apenas os que detenham moralidade possam participar das eleições e, se eleitos, exercer o mandato eletivo, conforme prevê o §9º, do art. 14, da Constituição Federal de 1988.

A edição da lei veio em resposta ao clamor do povo, que está notoriamente enfastiado com o habitual domínio da corrupção no poder, praticada pelos mandatários eleitos. Esse cenário impulsionou a aprovação das alterações na Lei Complementar n. 64/1990 de forma a se aviltar a necessidade da moralidade para o exercício das funções públicas eletivas.

Tem-se notado que não há mais razoabilidade em se permitir que candidatos com vida pregressa desabonadora participem das eleições, pois a história tem mostrado que, se eleitos, são indignos de representar o povo, porquanto atentam - em regra - contra o interesse da coletividade.

O cidadão tem o direito e o Estado tem o dever de manter a higidez das eleições, depurando-as para impedir a participação de pessoas que não reúnam a moralidade mínima para exercer o mandato. O povo não pode correr o risco de ter como opções apenas candidatos com vida pregressa inidônea, até porque o modelo brasileiro de representação popular é carente de instrumentos mais rápidos e eficientes de destituição do mandatário inidôneo, como é o recall, por exemplo, onde o próprio povo revoga o mandato. Esse importante instituto ainda não fez parte das tímidas reformas eleitorais que o Brasil tem realizado, embora a Lei da Ficha Limpa represente razoável modificação.

A Lei Complementar n. 135/2010, ao prever novas hipóteses de inelegibilidade, contribui sobremaneira para a purificação das eleições e, consequentemente, para o ganho qualitativo na representação popular. Nesse aspecto, surge importante o papel do Poder Judiciário que, pelo seu poder contramajoritário, poderá decidir pela validade ou não da nova lei, ainda que isso seja contrarie a vontade popular que impulsionou a lei.

Ocorre que essas novas hipóteses de inelegibilidades, embora objetivamente previstas na norma, têm sido duramente criticadas, principalmente pelos candidatos, os quais alegam que a lei ofendeu inúmeros princípios constitucionais, notadamente os da Presunção de Inocência (art. 5º, LVII), da Anualidade (art. 16) e da Irretroatividade da Lei (art. 5º, XL, XXXVI). Essa é a problemática central deste trabalho.

Nesse contexto, ergue-se imprescindível o estudo do tema para identificar uma solução razoável que venha harmonizar essa alegada colisão de princípios constitucionais e, por conseqüência, confirmar a validade da nova lei diante da Carta da República.

Em assim sendo, opta-se por identificar, compreender, desenvolver, avaliar e criticar, sucinta e especialmente com fundamentos utilizados pela doutrina, a validade da Lei da Ficha Limpa frente à Constituição da Federal, a fim de visualizar uma solução ponderada para a problemática que do tema exsurge.

A metodologia a ser utilizada justifica-se pela tendência atual de enfocar, sempre que possível, nos trabalhos acadêmicos, um viés crítico, comparativo e empírico. Tudo no interesse do debate necessário teoria/prática, de forma a não ficar afeito a abstrações purificadas, infensas às ligações direito/sociedade. A pesquisa desenvolvida é do tipo bibliográfica e documental. Em relação à tipologia, segundo a utilização dos resultados colhidos, é pura, porquanto, sem querer modificar a realidade, o que se espera é a busca de conhecimentos; quanto à abordagem, é qualitativa, uma vez que se objetiva uma maior compreensão das ações e relações humanas e uma observação dos fenômenos sociais causados pelo objeto analisado. No que se refere aos objetivos, a pesquisa é descritiva e exploratória, tendo em vista que classifica, explica e interpreta os dados e fatos, procurando aprimorar idéias e buscar mais informações sobre o tema estudado. Feitas essas considerações, esclarece-se o plano de trabalho.

O presente estudo inicia-se com a demonstração que os princípios detêm força normativa e função fundamentadora, interpretativa e supletiva do ordenamento jurídico, o que é de basilar importância para se compreender mais adiante a ponderação de princípios constitucionais.

Em seguida, faz-se breve exposição sobre o Princípio a Presunção de Inocência, destacando-se sua imprescindibilidade para os indivíduos, sua relatividade e sua aplicação ao Direito Eleitoral.

O próximo capítulo trata do Princípio da Moralidade em sentido amplo, ocasião em que se destaca sua relação com o Princípio da Legalidade e relevância para a coletividade.

O capítulo seguinte trata ainda sobre o Princípio a Moralidade, só que limitado ao exercício do mandato, oportunidade que se chama atenção para o desejo do legislador constitucional de considerar a vida pregressa do candidato para o exercício da função pública.

Por fim, a última parte do desenvolvimento do trabalho enfrenta a ponderação dos princípios constitucionais relacionados com a Lei da Ficha Limpa, de maneira a demonstrar o sentido validador do Princípio da Moralidade. É feito um balanceamento especial entre o Princípio da Presunção de Inocência e o da Moralidade. Demonstra-se que há um efetivo conflito de interesses. De um lado existe o direito de pleno exercício de direitos políticos do cidadão, no caso pretenso candidato, e de outro à proteção à moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato.

O candidato quer participar das eleições e invoca que algumas das novas hipóteses de inelegibilidade ofendem o Princípio da Presunção de Inocência previsto no art. 5º, LVII, CF/88. O legislador, por sua vez, invocou o prestígio à moralidade como supedâneo para regulamentar hipóteses de inelegibilidade, ainda que para isso fosse preciso dispensar em alguns casos o trânsito em julgado das decisões, bastando que fossem editadas por órgão colegiado.

Sabe-se que os princípios não se excluem do ordenamento jurídico, pois a Carta da República constitui uma unidade e suas normas devem ter a máxima efetividade. Portanto, havendo colisão entre princípios, necessária se faz admitir a adoção do critério da ponderação, vale dizer, deve o intérprete perquirir qual deles deve prevalecer e qual deve ser mitigado com o menor sacrifício possível.

O tema, dessa forma, leva à adoção da técnica do juízo de proporcionalidade para identificar qual seria a solução constitucionalmente adequada para manter válida a Lei da Ficha Limpa nas hipóteses que prevê inelegibilidade em decisões que dispensam o trânsito em julgado.

Afinal, o que se pergunta e se verá neste trabalho é se a exigência de moralidade para o exercício do mandato pode relativizar outros princípios constitucionais, notadamente o clássico Princípio da Presunção de Inocência.


1. PRINCÍPIOS – FORÇA NORMATIVA

É fácil perceber a importância que a comunidade jurídica, notadamente os tribunais superiores, tem atribuído aos princípios quando se depara com casos polêmicos (hard cases) que exigem maior fundamentação e interpretação como forma de convencer os destinatários das decisões judiciais. Esse prestígio dos princípios ficou evidente nos julgamentos dos registros de candidaturas nas Eleições Gerais de 2010 no Brasil.

Por ocasião da edição da Lei Complementar n. 135/10, a qual atribuiu nova redação à Lei Complementar n. 64/90 para regulamentar hipóteses de inelegibilidades com base na vida pregressa do candidato, a sociedade e os tribunais travaram longos debates sobre os princípios relacionados com o tema. Discutiu-se a constitucionalidade da nova lei diante de princípios clássicos como o da Irretroatividade da Lei, Presunção de Inocência, Duplo Grau de Jurisdição, Moralidade, Legalidade, Anualidade, dentre outros.

É imperioso, portanto, discorrer brevemente sobre os princípios e, considerando o enfoque deste trabalho, que busca analisar a Lei da Ficha Limpa em relação aos princípios da Moralidade e da Irretroatividade da Lei, deve-se tratar ainda quanto à força normativa que os princípios detêm no ordenamento jurídico atual.

A doutrina constitucional mais moderna tem afirmado que os princípios não são destituídos de força normativa, embora já se tenha defendido o contrário em outros tempos. Isso significa que os princípios não são meras orientações. Pelo contrário, princípios são postulados irradiantes com força vinculante e normativa, especialmente quando estão encartados na Constituição Federal. Na classificação mais moderna, eles integram o conceito do gênero norma jurídica, da qual são espécies os princípios e as regras, ou para outros, as normas-princípios e as normas-regras.

Nesse sentido, José Afonso da Silva destaca que os princípios são ordenações que se irradiam para os sistemas de normas. Ao traçar a diferença entre os princípios e normas, diz ainda que:

As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.

Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais’. Mas, como disseram os mesmos autores, ‘os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização constitucional.

Há, no entanto, quem concebe regras e princípios como espécies de norma, de modo que a distinção entre regras e princípios constitui uma distinção entre duas espécies de normas (2006, p. 669).

Princípios são assim normas que confluem valores e se irradiam para os sistemas jurídicos fixando balizas a todas as espécies de ação jurídica. Servem de base para o Direito e são instrumentos imprescindíveis para a solução de casos difíceis (hard case) como o da Lei da Ficha Limpa, já que, segundo Dworkin (1989, p.72),[2] derivam do campo da moral como standarts ou padrões de valores socialmente consagrados. Vale dizer, como lembra Ivo Dantas, os princípios revelam a própria estrutura ideológica estatal representada pelos valores consagrados pela sociedade, in verbis:

[...] princípio é categoria lógica e, tanto quanto possível universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estrutura ideológica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade (1995, p. 59).

Nota-se que os princípios são ordens mandamentais, nucleares e fundamentais de um sistema, de um todo, a base principal do ordenamento normativo, sendo que para uma norma ser classificada como princípio é indispensável sua qualidade de irradiar balizas, de ser transcendental. Celso Antônio Bandeira de Melo traz objetiva lição sobre a questão.

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido (1994, p. 450).

Assim, considerada a delimitação do tema neste trabalho, e não se distanciado do contexto jurídico, deve-se ficar bem claro que, atualmente, a natureza jurídica dos princípios é eminentemente normativa e não apenas declarativa. Eles representam os valores consagrados pela sociedade.

Fixadas essas primeiras premissas, impõe-se reconhecer que os princípios desempenham papel determinante no ordenamento jurídico, servindo-o por meio de suas tríplices facetas, como bem pontua Paulo Bonavides (2000, p. 54).

Afirma o autor que os princípios têm três facetas específicas no ordenamento jurídico, a saber: fundamentadora, interpretativa e supletiva.

A primeira se refere à capacidade de os princípios servirem de base ao ordenamento jurídico em razão de representarem os valores maiores da sociedade. Eles embasam o sistema normativo, bem como têm a capacidade de expurgar todas as normas que lhe forem adversas.

Já a faceta interpretativa serve de vetor de orientação ao exegeta jurídico na interpretação das normas para adequá-las aos valores básicos. Daniel Sarmento aprofunda esse aspecto interpretativo, lecionando que:

Os princípios constitucionais desempenham também um papel hermenêutico constitucional, configurando-se como genuínos vetores exegéticos para a compreensão e aplicação das demais normas constitucionais e infraconstitucionais. Nesse sentido, os princípios constitucionais representam o fio-condutor da hermenêutica jurídica, dirigindo o trabalho do intérprete em consonância com os valores e interesses por eles abrigados (2000, p. 54).

Afinal, por todas as razões lançadas, quer se demonstrar que o princípio é o início, a base, o trilho, a fonte irradiativa, a "prima ratio, primeira concretização normativa de um valor, é um fundamento das regras, com força prospectiva, revelando o conteúdo e o limite das demais normas, como seus alicerces" (MELLO, 2007, p. 193).

Por tais fundamentos, uma vez que os princípios possuem força normativa e são superiores às regras, porque estruturantes, devem ser observados e respeitados tais quais as regras, sendo de grande e inarredável importância para a solução das questões jurídicas sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa.


2. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Inúmeros candidatos barrados na Lei da Ficha Limpa nas Eleições Gerais de 2010 sustentaram a tese que Lei Complementar n. 135/2010 era inconstitucional, pois ofendia o Princípio da Presunção de Inocência previsto na Carta da República ao imputar como inelegíveis os que detinham, por exemplo, condenação judicial por órgão colegiado ainda sem trânsito em julgado.

Por tais razões e diante do propósito deste trabalho, cumpre fazer breve menção ao que vem a ser exatamente o Princípio da Presunção de Inocência alegado pelos candidatos.

O Princípio da Presunção de Inocência está previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória". Trata-se de um dos preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito e destina-se especialmente à tutela da liberdade pessoal dos acusados no processo penal.

O princípio teve origem na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a qual dispõe em seu art. 9º que:

Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.

Posteriormente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948[3] também previu o Princípio da Presunção de Inocência, especificamente:

Artigo XI. Todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.

Em seguida, a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, firmado em 1969, em seu artigo 8º, número 2, do qual o Brasil é signatário, repetiu o principio da Presunção de Inocência, estabelecendo que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.[4]

A previsão do princípio em declarações internacionais revela sua importância como uma das mais relevantes garantias constitucionais do cidadão. Com esse status internacional, pode-se até cogitar que o cidadão poderá invocar os tribunais internacionais para que seja observado o princípio, caso desrespeitado por seu país de origem.

A propósito, o Princípio da Presunção de Inocência, ou do “Estado de Inocência” para alguns, também é entendido por parte da doutrina como “Presunção de Não Culpabilidade”. Nesse aspecto, Mario Chivario assevera que:

Embora não se trate, de perspectivas contrastantes, mas convergentes, é forçoso reconhecer que no primeiro caso se dá maior ênfase aos aspectos concernentes à disciplina probatória, enquanto que no segundo se privilegia a temática do tratamento do acusado, impedindo-se a adoção de quaisquer medidas que impliquem sua equiparação com culpado (1982, p. 12).

Para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues, o Princípio da Presunção de Inocência é sinônimo de Não Culpabilidade e apresenta dimensão multifacetária, in verbis:

A propósito da dimensão do princípio da presunção de inocência, George Sarmento enfatiza a necessidade de ‘cristalizar a presunção de inocência como um direito fundamental multifacetário, que se manifesta como regra de julgamento, regra de processo e regra de tratamento’. Cria-se assim ‘um amplo espectro de garantias processuais que beneficiam o acusado durante as investigações e a tramitação da ação penal’, porém, ‘sem impedir que o Estado cumpra sua missão de investigar e punir os criminosos, fazendo uso de todos os instrumentos de persecução penal previstos em lei’, assegurando o combate legítimo e efetivo da criminalidade.

Vale destacar ainda que o princípio da presunção de inocência tem sido encarado como sinônimo de presunção de não-culpabilidade. São expressões equivalentes. Está é a nossa posição. Não podemos desmerecer, contudo, que em face da redação esboçada no inc. LVII do art. 5º da CF, ensaiou-se uma distinção entre presunção de inocência e presunção de não culpabilidade (2009, p. 45).

Já para Mirabete, a Constituição Federal sequer presume a inocência. No seu entender, ela apenas declara a não culpabilidade, in verbis:

O que se entende hoje, como diz Florian, é que existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou, mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado. Assim, melhor é dizer-se que se trata do ‘princípio de não-culpabilidade’. Por isso, a nossa Constituição Federal não ‘presume’ a inocência, mas declara que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e se estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado (2001, p. 42).

O objetivo central do princípio é que o Estado estabeleça procedimentos que equacionem a pretensão punitiva estatal - jus puniendi - e o direito de liberdade assegurado ao acusado, a fim de suspender sua periculosidade com medidas razoáveis (prisões provisórias), se necessárias, até sentença penal condenatória com trânsito em julgado, única ocasião que poderá ser considerado definitivamente culpado.

O princípio serve de trilho para que o Estado, no exercício de seu direito-dever de punir, mantenha-se de acordo com os preceitos fundamentais que tutelam o direito a liberdade do individuo, não podendo ultrapassar os limites legais. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade surgem nesse norte para assegurar que a liberdade dos indivíduos não será restringida de forma indevida, pois, caso contrário, poderá o acusado reclamar a devida correção socorrendo-se ao duplo grau de jurisdição.

O Princípio da Presunção de Inocência assegura ao acusado as seguintes conseqüências processuais: o direito à ampla defesa, ao duplo grau de jurisdição, ao direito de apelar em liberdade, ao direito de prova, ao direito de silêncio, ao direito de ser tratado com dignidade, ao direito de inviolabilidade da sua intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.

Destarte, no ordenamento jurídico pátrio, antes de ser aplicada qualquer forma de sanção ao indivíduo, aquele que se encontra na condição de réu deve passar por uma acurada averiguação de todos os elementos e provas que compõem o fato delituoso, de forma que não seja tolhido o fundamental direito de liberdade de pessoas inocentes até sentença penal condenatória com trânsito em julgado.

A esta altura já pode se verificar que, no aspecto penal, está clara a aplicação do Princípio da Presunção de Inocência, até porque para esta finalidade se destina expressamente na Constituição Federal. Porém, cumpre estudar se poderia ser utilizado pelos candidatos como princípio no Direito Eleitoral, especificamente nos processos de registro de candidatura, os quais têm natureza cível-eleitoral.

O referido princípio pode ser aplicado à seara cível-eleitoral, já que pode ser entendido como princípio basilar dos processos em geral, destinados a qualquer acusado, ainda que no campo cível. Inclusive esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, esboçado no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 144, em agosto de 2008, na qual se concluiu pela aplicação do Princípio da Presunção de Inocência no Direito Eleitoral.

Eficácia irradiante da presunção de inocência – Possibilidade de extensão desse princípio ao âmbito do processo eleitoral - Hipóteses de inelegibilidade – Enumeração em âmbito constitucional (CF, art. 14, §§ 4º A 8º) – Reconhecimento, no entanto, da faculdade de o Congresso Nacional, em sede legal, definir ‘outros casos de inelegibilidade’ – Necessária observância, em tal situação, da reserva constitucional de lei complementar (CF, art. 14, § 9º) – Impossibilidade, contudo, de a lei complementar, mesmo com apoio no § 9º do art. 14 da constituição, transgredir a presunção constitucional de inocência, que se qualifica como valor fundamental, verdadeiro ‘cornerstone’ em que se estrutura o sistema que a nossa carta política consagra em respeito ao regime das liberdades e em defesa da própria preservação da ordem democrática - Privação da capacidade eleitoral passiva e processos, de natureza civil, por improbidade administrativa – Necessidade, também em tal hipótese, de condenação irrecorrível – Compatibilidade da Lei n. 8.429/92 (Art. 20, ‘caput’) com a Constituição Federal (art. 15, V, c/c o art. 37, § 4º) – O significado político e o valor jurídico da exigência da coisa julgada [...]

O efeito irradiante da ADPF, embora vincule a Justiça Eleitoral por força do art. 10, §3º, Lei n. 9.868/99 (efeito vinculante), não significa que o princípio não poderá ser balanceado com outro de mesmo patamar constitucional, conforme se demonstrará mais adiante.

Veja-se, assim, que o Princípio da Moralidade, postulado de proteção positivado na Constituição Federal, não se contem apenas ao processo penal, decerto transcende para o campo cível, em especial para o Direito Eleitoral.


3. PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Os romanos já diziam que “non omne quod licet honestum est”, vale dizer, “nem tudo o que é legal é honesto”. No Brasil prevaleceu entendimento semelhante por muito tempo, que sustentava “o ato pode ser imoral, mas é legal”. A sociedade brasileira da época, portanto, aceitava esse desvio de conduta sob o argumento de que não havia agressão à lei quando o ato ofendesse apenas à moralidade. Sucede que de lá para cá aconteceram mudanças, principalmente na legislação, já que não se trata da mesma época, cultura e costumes. Passou-se a exigir que o cidadão, em especial o que exerce o poder estatal em qualquer de suas formas, comporte-se de acordo com a Lei e com a Moral. Eis a importância do Princípio da Moralidade e seu estudo em relação à Lei da Ficha Limpa, a qual estabeleceu critérios para proteger a moralidade para exercício do mandato eletivo.

Ao se perquirir algumas provas da mencionada distorção entre Moral e Direito, constata-se o pensamento de Nicolau Maquiavel encartado no Capítulo 18 de O Princípe, obra de sua autoria:

Deve-se compreender que um príncipe, sobretudo um príncipe novo, não pode observar todas aquelas coisas que fazem com que os homens sejam considerados bons (in D’ELIA, 1995, p. 112).

A autonomia entre Direito e Moral sempre foi mantida, sendo que a diferença consiste na falta de coercibilidade da Moral no mundo dos fatos. Esta obriga apenas o interior do homem, sem que haja sanção exterior imposta pelos seus pares. Enquanto a Moral se projeta do interior para interior da cabeça do homem, ou as vezes para o exterior comportamento do indivíduo, o Direito se projeta do exterior para o interior do homem, impondo-lhe condutas de comportamento. Como bem leciona Noberto Bobbio, os homens são responsáveis pelo cumprimento das normas da Moral frente a si mesmos; já em relação a normas do Direito, a responsabilidade dos homens pelo cumprimento se dá frente à coletividade, que pode usar meios coercitivos para exigi-lo (in Djalma Pinto, 2006, p. 327).

Para melhor compreensão sobre a Moral, vale transcrever a lição de Adolfo Sanches Vásques:

[...] é um conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual e social dos homens, p. ex: Não se tornes cúmplice de uma injustiça. Moralidade, conforme esse autor, é a moral em ação, a moral prática e praticada (in ANNA, 1980, p. 49).

Hans kelsen, por sua vez, fixa as diferenças entre Moral e Direito com base na ordem de coação, in verbis:

O Direito só pode ser distinguido essencialmente da Moral quando – como já mostramos – se concebe uma ordem de coação, isto é, como uma ordem normativa que procura obter uma determinada conduta humana ligando à conduta oposta um acto de coerção socialmente organizado, enquanto a Moral é uma ordem social que não estatui quaisquer sanções desse tipo, visto que suas sanções apenas consistem na aprovação da conduta conforme as normas e na desaprovação da conduta contrária às normas, nela não entrando sequer em linha de conta, portanto, o emprego da força física (1984, p. 99).

Enfim, as normas de qualidade moral são as que condicionam um trilho de comportamento para o homem, surgindo do grupo social e mudando, conforme o tempo, o lugar e as culturas.

A normatização da Moral no Brasil pode ser observada com maior robustez na própria Constituição Federal de 1988. Nela, a Moral obteve qualidade constitucional, incorporando-se de forma definitiva em nosso ordenamento jurídico. Está, consequentemente, positivada na maior lei do país para que dela possa irradiar seus efeitos para as demais normas descendentes do ordenamento. A observância da Moral passou a ser requisito de diversos comportamentos, primordialmente o do exercente do poder. Na Constituição, a Moral passou a ser, irretorquivelmente, baliza que ultrapassada torna o ato não apenas imoral, mas ainda ilegal e, por consequência, sem validade. Conclui-se, assim, que houve significativo avanço na incorporação da Moral no ordenamento jurídico brasileiro, com claro desiderato de repelir o exercício do poder com atos que, ainda aparentemente legais, como se entendia por longo tempo, não passam de atos sem validade, por serem conjuntamente imorais e ilegais.

A Constituição vigente trata expressamente da moralidade em diversos dispositivos, a fim de estabelecer uma pauta jurídica com base na ética, que inclusive é passível de controle judicial. Violar o Princípio da Moralidade, como bem observa Uadi Lâmego Bullos (2009, p. 642), é violar a própria Constituição Federal. Logo, deve-se concluir que a previsão da moralidade na Carta da República não é apenas uma disposição meramente declaratória, mas sim uma norma de observância obrigatória.

O legislador constituinte atribuiu tamanha importância à moralidade que a inseriu a expressamente como princípio informador da Administração pública e permitiu que qualquer cidadão pudesse reclamar sua observância por meio de ação popular.

Em relação à Administração Pública, a moralidade está prevista no art. 37 da Constituição (CF/88, 2010), o qual tem a seguinte redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] (grifo nosso)

“Pelo Princípio da Moralidade administrativa, não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça,” conforme observa Alexandre de Moraes (2007, p. 642).

Acerca da ação popular, a moralidade consta no inciso LXXII do art. 5º (CF/88, 2010), a saber:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; [...] (grifo nosso)

Não se pode deixar de mencionar, a propósito, a ação civil pública, prevista no art. 129 da Constituição Federal (CF/88, 2010), como uma das funções institucionais do Ministério Público, e regulamentada pela Lei n. 7.347/85, como outro instrumento de proteção à moralidade sob o enfoque administrativo.

Alem desses instrumentos, pode-se citar, ainda, outros de índole processual para a proteção da moralidade, como os previstos na Lei de Improbidade - Lei n. 8.429/92 - que admite, entre outras ações, as de natureza cautelar de seqüestro e arresto de bens e o bloqueio de contas bancárias e aplicações financeiras (CARVALHO FILHO, 2010, p. 23).

O Princípio da Moralidade, segundo a jurisprudência que foi se consolidando após a Constituição de 1988, destacou-se como pilar dos mais relevantes para a proteção da coletividade, conforme asseverou o Ministro Milton Luiz Pereira:

Os empregados ou dirigentes de concessionária de serviço público também estão sob as ordenanças do "princípio de moralidade", escudo protetor dos interesses coletivos contra a lesividade. As leis surgem de fatos reais que não podem ser ignorados na interpretação e aplicação do texto legal editado com aquela finalidade.[5]

Sobre o tema, interessante notar a pontual constatação que José Afonso da Silva estabelece sobre a moralidade, na qual é dispensável averiguar a intenção do agente para constatar se o ato é imoral ou não, bastando que se verifique o objeto, o conteúdo do ato e confronte-os com o senso comum de honestidade, justiça etc:

Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum da honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir, entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos, entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos (2006, p. 563).

Conquanto venha se destacando a importância da positivação da Moral e sua incorporação na maior Lei do Estado, não se pode deixar de falar que mesmo que não houvesse qualquer norma sobre o tema, o cidadão, o agente público em especial, não poderia agir para provocar danos a terceiros ou à coletividade, porque a atuação conforme a boa-fé sempre foi de conhecimento dos homens, como regra de conduta que ainda que se propalasse de boca-em-boca, já era extraível do próprio direito natural. A incorporação expressa do Princípio da Moralidade na Constituição Federal veio exatamente para deixar de ser uma opção individual para ser uma pauta jurídica de cumprimento obrigatório por todos.

Aliás, como destaca Djalma Pinto (2006, p. 324), a Moral deixou faz tempo de ser apenas exortação à boa conduta para tornar-se um componente essencial do Direito pátrio. Alcançou status coercivo a fim de tornar inválido qualquer ato que busque ofendê-la. Sobre o tema, Djalma lembra que o novo Código Civil dá particular destaque à probidade como requisito contínuo de validade dos contratos, aos estabelecer no art. 442: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. No mesmo sentido recorda outro dispositivo do mesmo estatuto:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Outro aspecto sobre a Moral que não pode ser deixado de falar é que ela sofre constante mutação, variando principalmente conforme a época e os costumes e se particularizando, inclusive, segundo a função da área de atuação do indivíduo como, por exemplo, a moral familiar, a moral administrativa, a moral religiosa, a moral das ruas, a moral dos presídios, a moral no âmbito profissional, a moral esportiva. Mas uma coisa é inarredável, a Moral sempre está associada à noção de norma do bem, da boa-fé, contrário de maldade.

Para melhor elucidar esse pensamento, cumpre mencionar o que escreve Djalma Pinto ao citar Will Durrant:

Moralidade, disse Jesus, é bondade para com os fracos, moralidade, disse Nietzsche, é bravura dos fortes, moralidade, diz Platão, é a eficiente harmonia do todo.

[...]

Os homens absorvidos na corrida pelo dinheiro não estão aptos a governar um estado.

Em moral não devemos esperar inovações surpreendentes: apesar das interessantes aventuras dos sofistas e dos nietzschianos, todas as concepções morais giram em torno do bem geral. A moralidade começa com associação, interdependência e organização; a vida em sociedade requer a concessão de uma parte da soberania do indivíduo à ordem comum; e a norma de conduta acaba se tornando o bem-estar do grupo (2006, p. 324).

A propósito, é fácil notar que ao tratar sobre moralidade, inevitavelmente a legislação ou a doutrina acabam por tratar sobre a probidade. Exsurge necessária, assim, traçar breve distinção entre os dois institutos. Nesse norte, José Afonso da Silva leciona que a Probidade Administrativa é uma forma de Moralidade Administrativa em que há dano ao erário. Diz o saudoso professor:

A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão dos direitos políticos (art. 37, §4º). [...] Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem (2006, p. 669).

A par da lição de José Afonso, neste trabalho optou-se por incluir a noção de probidade administrativa dentro do conceito genérico de moralidade.

Para atribuir maior abrangência à moralidade, inclusive de forma prévia para os que pretendem ingressar no poder, o legislador constituinte reformador elevou a moralidade a requisito indispensável para exercício de mandato eletivo, conforme se verifica na Emenda de Redação n. 04, verbis:

Art. 14 [...] § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (grifo nosso)

É nesse aspecto, como requisito para o exercício do mandato eletivo, que o estudo da moralidade interessa para o presente trabalho.

Sucede que o legislador apenas citou a moralidade sem defini-la, razão que cumpre traçar algumas premissas que revelem seu significado e alcance, o que tem sido reconhecido pela doutrina como tarefa das mais difíceis.

Nesse sentido alerta Lucas Rocha Furtado, in verbis:

Poucos institutos são de definição tão difícil quanto o princípio da moralidade. É certo que a moralidade administrativa, como afirma com correção Hely Lopes Meirelles, não se confunde com a moralidade comum. Igualmente correta a afirmação de Celso Antônio Bandeira de Mello de que os administradores têm o dever de observar padrões éticos de comportamento. Todavia, quando se afirma que a moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum, não se define nem uma nem outra. Buscar na ética a solução para o conteúdo da moralidade administrativa também não parece resolver o problema, pois saímos de um conceito abstrato, o de moralidade, para outro tão ou mais abstrato ainda.

Desvio de finalidade, dever de honestidade, boa-fé são termos normalmente utilizados para buscar alguma aproximação teórica com a moralidade administrativa.

Este princípio talvez se enquadre como alguns fenômenos impossíveis de definição. Temos que compreendê-lo ou apreendê-lo apenas por meio da descrição de condutas que afetem seu âmbito de atuação ou que sejam a ele contrárias (2007, p. 103).

Vale ressaltar que a moralidade tem autonomia em relação à legalidade, razão que pode existir sem esta. A moralidade não se reduz à legalidade. Caso contrário, a Constituição Federal não teria reservado dois princípios distintos para a legalidade e para moralidade.

A decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.617/DF, a qual julgou válida a Resolução n. 7/05 do Conselho Nacional de Justiça que tratou sobre o nepotismo, evidencia bem essa autonomia. Admite a plena efetividade da moralidade independentemente da existência de lei que vede a conduta reprovada.

Embora se defenda a referida autonomia, para José Afonso da Silva, o Princípio da Moralidade está normalmente associado ao Principio da Legalidade, já que um ato formalmente legal pode estar materialmente comprometido com a moralidade, in verbis:

A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita, por exemplo, com o intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com o intuito de favorecer alguém, por certo que se está, produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade [...] (2006, p. 669).

De igual forma assevera Carvalho Filho:

Embora o conteúdo da moralidade seja diverso do da legalidade, o fato é que aquele está normalmente associado a este. Em algumas ocasiões, a imoralidade consistirá na ofensa direta à lei e aí violará, ipso facto, o princípio da legalidade. Em outras, residirá no tratamento discriminatório, positivo ou negativo, dispensado ao administrado; nesse caso, vulnerado estará também o princípio da impessoalidade, requisito, em última análise, da legalidade da conduta administrativa (2010, p. 24).

Ao destacar a importância da Moral no grupo social, Djalma Pinto destaca bem sua diferença em relação ao Direito:

A Moral não se confunde com o Direito, já restou incontroverso. Mas o Direito não consegue cumprir bem o seu papel no grupo social em que a Moral é totalmente desprestigiada. Onde os princípios e os valores, que elevam o espírito humano, não conseguem se propagar a forma do Direito acaba se mostrando inconsistente para fazê-lo prevalecer. Sequer consegue dar eficácia aos comandos normativos extraídos da Moral por ele incorporados.

Uma República em que representantes do povo não conseguem deixar de priorizar o próprio interesse, ainda quando no exercício de relevantes funções, acaba por difundir costumes incompatíveis com os bons princípios, através dos quais a Moral se expressa. O seu excessivo abandono na base da sociedade prejudica a própria efetividade do Direito. A violência insuportável nas ruas de nossas cidades é apenas a confirmação de que, na Moral, reside o verdadeiro alicerce de sustentação do Direito (2006, p. 327).

É imperioso destacar que o Princípio da Moralidade que se busca esclarecer e que foi albergado pela Constituição Federal em vários de seus dispositivos, como alerta Bandeira Mello (2008, p. 120), não se refere à moral comum, porém está ligado aos valores morais hospedados nas normas jurídicas. Assim, não é qualquer agressão à moral comum que se entenderá suficiente para dizer que o Princípio da Moralidade protegido pela Carta da República foi violado. O princípio estará violado quando houver transgressão a uma norma moral que traga em seu bojo ofensa a um bem jurídico tutelado. Nesse viés, é que o legislador entendeu necessária a moralidade para o exercício do mandato (§9º, art. 14) e estabeleceu critérios objetivos para sua identificação (LC n. 135/10), sendo a higidez da representação popular no Poder Executivo e do Poder Legislativo o valor jurídico que se buscou tutelar.

Essas considerações reforçam a conclusão de José Afonso da Silva sobre a relação estreita que há entre a moralidade e a legalidade. O Princípio da Moralidade vem ao encontro do Princípio da Legalidade, encorpando-o, dando-lhe contornos mais largos do que isoladamente teria. E o fato da moralidade estar prevista na Constituição Federal, como já foi dito alhures, estabelece uma pauta jurídica, dando-lhe exigibilidade e coercibilidade.

O que se quer demonstrar, enfim, é que não basta cumprir a lei; é necessário ainda que se cumpra a lei de acordo com os valores morais tutelados. Esse é pilar jurídico da moralidade, reforçar a legalidade.

A esta altura, fica mais claro identificar o significado e alcance do Princípio da Moralidade. Obedecer ao Princípio da Moralidade significa que, além de seguir o que a lei determina, deve-se pautar a conduta na moral, fazendo o que for mais adequado, útil e melhor ao interesse coletivo. Para tanto, antes é necessário – com base no interesse público - separar o justo do injusto, o bem do mal, o legal do ilegal, o conveniente do inconveniente e o honesto do desonesto. Isso, a Lei da Ficha Limpa tentou fazer ao definir hipóteses objetivas que caracterizam falta de moralidade para o exercício do mandato eletivo, conforme se verá.


4. PRINCÍPIO DA MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO

Ao se consultar a história do país é possível constatar que os candidatos que foram detentores de uma vida pregressa repleta de imoralidades públicas e anotações criminais em suas folhas de antecedentes, costumaram praticar crimes de toda ordem, a maioria em prejuízo do erário. Não é difícil perceber, portanto, que o administrador público – sob o pretexto de exercer o mandato eletivo em nome do povo – transforma por vezes a caneta de seu ofício no mesmo pé-de-cabra que arromba os cofres públicos (metáfora notoriamente repetida pelo eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto).

São por razões como essas que o Princípio da Moralidade para o exercício do mandato foi introduzido na Constituição como objeto de inelegibilidade. Está previsto no art. 14, § 9º da Constituição Federal (CF88, 2010) que exige lei complementar para estabelecer casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

A proteção do exercício do mandato eletivo, com a elevação do Princípio da Moralidade a objeto de inelegibilidade, foi inaugurada pela nova redação atribuída ao §9º do art. 14 da Constituição pela Emenda Constitucional de Revisão n. 4/94.

A inovação, dessa maneira, veio proteger o exercício do mandato, valor digno da maior proteção, conforme já era ressaltado há tempo por doutrinadores clássicos como José Afonso da Silva, que assim dispôs sobre o referido dispositivo constitucional (§9º do art. 14):

Entenda-se que a cláusula ‘contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função’ só se refere à normalidade e à legitimidade das eleições. Isso quer dizer que ‘a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato são valores autônomos em relação àquela cláusula, não são protegidos contra a influência do poder econômico ou o abuso de função, etc., mas contra valores em si mesmos dignos de proteção, porque a improbidade e imoralidade, aí, conspurcam só por si a lisura do processo eleitoral (2006, p. 670).

Nesta senda, embora sempre fosse claramente perceptível a importância do referido Princípio da Moralidade para o exercício do mandato, é interessante ressaltar que muito se debateu sobre sua eficácia, ou seja, se era ou não dotado de eficácia suficiente para sua imediata aplicação.

Para Marcos Ramayana, o Princípio da Moralidade para o exercício do mandato, o qual denomina de Princípio da Moralidade Eleitoral, é dotado de eficácia contida. Dessa forma, o doutrinador rebate que o preceito constitucional (art. 14, § 9º) que trata do referido princípio seja norma de eficácia limitada, vale dizer, discorda do teor da Súmula n. 13 do Tribunal Superior Eleitoral que conclui pela não auto-aplicabilidade da regra prevista no §9º, art. 14, da Constituição. Diz a súmula: “não é auto-aplicável o §9º do art. 14 da Constituição, com a redação de Revisão nº 4/94”.

Ramayana pontua:

Cabe ao órgão jurisdicional competente para o deferimento do pedido de registro de candidatos (TSE, TRE’s e juízes eleitorais) perscrutar se o interessado é possuidor de vida pregressa ilibada aplicando a norma dos artigos 1º, II, e 14, § 9º, da CRFB.

Se concluir que as anotações criminais são decorrentes de fatores graves, tais como: processos criminais hediondos ou assemelhados aos mesmos; crimes de roubo, extorsão, estelionato, defraudações, seqüestros, latrocínios e outros deverão fiscalizar a ordem constitucional e indeferir os respectivos pedidos, cabendo as instâncias superiores à análise da razoabilidade destas decisões. As normas são de eficácia contida e não limitada: o que neste ponto, data vênia, ousamos discordar da posição sumulada no verbete 13 do egrégio Tribunal Superior Eleitoral [...] (2009, p. 58).

Essa discussão doutrinária era acentuada antes da edição da Lei da Ficha Limpa, pois com a Lei Complementar n. 135/10 o dispositivo constitucional que trata sobre a vida pregressa do candidato e a moralidade para o exercício do mandato foi regulamentado.

Mesmo assim, entende-se que não era razoável, com vênia à doutrina contrária, portanto, o argumento levantado no sentido de que o art. 14, §9º, da Constituição, seria de eficácia limitada, porque se trata, decerto, de norma de eficácia contida, ou seja, norma que tem aplicação imediata, podendo apenas e, tão-somente, a legislação infraconstitucional restringir a sua aplicabilidade, como bem estabeleceu o legislador constitucional no próprio dispositivo.

A Lei da Ficha (LC n. 135/2010) estabeleceu várias hipóteses objetivo-delineadoras para a identificação do candidato que não detém moralidade para o exercício do mandato, a saber:

Art. 2º [...] c) o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos;

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;

3. contra o meio ambiente e a saúde pública;

4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;

5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;

7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;

8. de redução à condição análoga à de escravo;

9. contra a vida e a dignidade sexual; e

10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;

f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos;

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;

....................................................................................................

j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição;

k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura;

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;

m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário;

n) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão que reconhecer a fraude;

o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário;

p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22;

q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos;

Mas a análise da moralidade para o exercício do mandato não se resume tão-somente nas balizas da LC n. 135/10. Deve-se lembrar que o ordenamento jurídico é uno e nesse sentido a Constituição Federal, em especial, não pode ser ignorada. Seus inúmeros preceitos relacionados com a moralidade também devem ser observados quando da análise da moralidade eleitoral.

Nesse norte, para Marcelo Figueiredo, em sua obra "O controle da moralidade na Constituição", o conteúdo da moralidade pode e deve ser buscado na Constituição. Ademais:

[..] Sendo assim, ao amparo dos valores prestigiados na Lei maior, como a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, do pluralismo político (art. 1º), o legislador tem o dever de observar a moralidade quando legisla. É dizer: como seria atender à "dignidade humana" não observando a moralidade? Sem dúvida alguma, lei que não atendesse à moralidade ou que estabelecesse conteúdo contrário aos standards da moralidade estaria, por certo, violando direta ou indiretamente os valores constitucionais (2003, p. 124).

Já Ferreira Filho, ao tratar sobre a moralidade eleitoral no artigo com o título "A inelegibilidade para proteger a ‘moralidade para o exercício do mandato’", diferencia os aspectos negativo e positivo sobre o tema.

Dois aspectos avultam na análise: um, do ângulo positivo; outro, do negativo.

O primeiro se comprova pelo espírito em que é levada a vida pública. Traduz-se no "espírito público", que concerne ao procedimento para com o interesse geral.

O segundo muito se aproxima da "probidade administrativa"; contudo, não se resume nesta. Vai além, porque afasta a exploração do poder, pro domo sua. Isto renega a busca das vantagens materiais que podem provir do mandato, ou as possibilidades que este propicia (2006, p. 18).

Ainda no referido texto, Ferreira Filho lembra Aristóteles, quando tratou da instituição da dokimasia (que em uma tradução livre para o português significa "exame"), característica da democracia de Atenas, a qual os candidatos às magistraturas eletivas e os designados para outras magistraturas ou funções eram sujeitos a uma espécie de “investigação social” ou “sindicância da vida pregressa". Segundo Ferreira Filho:

A dokimasia era um exame em que se investigava o passado do aspirante à magistratura, escrutinando-se as suas origens familiares, a sua participação nas cerimônias religiosas, ou cívicas, o cumprimento de suas obrigações cívicas, militares, ou financeiras. Visava isso evidentemente a verificar se, em razão de sua conduta passada, era ele apto e confiável para exercer funções de interesse geral.

Era esse exame realizado perante o Conselho (Boulè), que decidia pela qualificação ou desqualificação do cidadão, nem processo contraditório em que se ouviam testemunhas e, eventualmente, acusadores. Da decisão cabia recurso para os heliastas, isto é, para o Tribunal, que era também composto de cidadãos sorteados, portanto, que tinham passado pela dokimasia (2006, p. 19).

Ao discorrer sobre à auto-aplicabilidade do § 9º do artigo 14 da Constituição, o ex-Procurador Regional Eleitoral do Estado do Acre, Marcelo Antônio Ceará Serra Azul, traz valiosas justificativas para a moralidade no exercício do mandato, verbis:

O registro de candidatura é ato judicial, no qual se deve ter em vista o princípio da moralidade administrativa, sendo certo que parcela do Poder estatal somente pode ser alcançada por pessoas idôneas, de moral ilibada e reputação indene de dúvidas, haja vista o Preâmbulo da Constituição Federal, e os artigos 14, parágrafo 9º, 5º, XXXV, 37, caput e parágrafo 4º, Art. 54, Art. 85, V, 101, 105, 119, II, 120, II, 123, I que, sistematicamente, demonstram que a acessibilidade à parcela do Poder Estatal, seja Federal, Estadual, Distrital ou Municipal, somente é possível a pessoas probas, cuja moral seja ilibada, indene de dúvidas.

Decidir pelo registro de candidatura de pessoa cuja moral é maculada é violar a Constituição da República, pois, permite-se que pessoas sem moral para o exercício de mandato eletivo possam a ele se candidatar, fazendo tabula rasa do princípio da moralidade e de seus corolários os princípios da moralidade para o exercício de mandato eletivo e princípio da moralidade para acesso à parcela de poder estatal, dando acesso ao Poder Pátrio a pessoas sem moral para o exercício do Poder Político (2006, p. 11).

Djalma Pinto, ao defender a dispensabilidade de lei que regulasse a moralidade eleitoral, reforça a conclusão pela suficiência que os dispositivos da Constituição já conferiam para o tema antes mesmo da edição da Lei da Ficha Limpa. Diz o doutrinador:

A exigência de lei para definir "vida pregressa", traçando os contornos dos seus efeitos, no âmbito eleitoral, parece excessiva. Tenha-se presente que a Constituição, em diversos artigos, exige probidade para o exercício de qualquer função pública, recomendando, inclusive, a cassação dos direitos políticos e o afastamento do cargo nos casos de corrupção. Fácil, pois, concluir que qualquer pessoa, condenada por crime relacionado com desvio de dinheiro público, mesmo que não transitada em julgado a decisão, não preenche o requisito constitucional que manda considerar a vida pregressa na aferição dos casos de inelegibilidade. Aguardar a edição de mais uma lei para ratificar e assegurar eficácia àquilo que a Constituição erigiu a nível de princípio, importa, em última análise, em subtrair-lhe a vigência (2006, p. 116).

Por compromisso a dialética acadêmica, cumpre mencionar os fundamentos dos que defendiam o sentido contrário, que propugnavam pela eficácia constitucional limitada do § 9º do art. 14 da Constituição Federal. Essa corrente salientava para o risco de uma aplicação da referida disposição normativa, sem que tenha havido a sua devida regulamentação por Lei Complementar, o que acarretaria indevida invasão do Poder Judiciário na seara do processo legislativo.

Assim, para Henrique Neves da Silva, ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral:

As hipóteses de inelegibilidade, por serem regras impeditivas que excluem a incidência da regra geral, necessitam ser examinadas de forma restrita e de acordo com o princípio da tipicidade.

E é bom que assim seja, sob pena de permitir que a discricionariedade de valores para a edição de leis – atribuição exclusiva do legislador – seja exercida por pessoas às quais a Constituição não reconhece competência.

Em jogo os princípios da independência dos poderes e a própria expressão da soberania nacional, que se revela pelo sufrágio universal e pelas leis editadas pelos representantes eleitos.

A "ira cívica" é procedente. Os quadros revelados pelos reiterados episódios revelados nos últimos tempos dão conta disso. Não se deve, contudo, dirigir esse sentimento ao Poder Judiciário. A ele não compete elaborar as leis, exercer o juízo de valor previsto no texto constitucional e nem criar hipóteses de inelegibilidade fora do texto legal, mesmo que em observância ao princípio da moralidade para o exercício do mandato em razão da vida pregressa do candidato (2006, p. 12).

As conclusões que podem ser extraídas dos fundamentos da corrente contrária a auto-aplicabilidade do art. 14, § 9º da CF/88 são: 1) Decisão favorável à consideração da vida pregressa dos candidatos como causa geradora de inelegibilidade conduziria a um ativismo judicial indevido, formulador de um desequilíbrio entre os poderes Judiciário e Legislativo; 2) A decretação de inelegibilidade por análise da vida pregressa poderia se tornar um instrumento de perseguição política; 3) Caberia aos partidos políticos, e não ao Poder Judiciário, fazer uma triagem entre os candidatos, excluindo os corruptos; 4) Não havia previsão relativa à análise da vida pregressa na Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar n. 64/90); 5) O eleitor brasileiro, em sua maioria, tem formação suficiente para distinguir os probos dos ímprobos.

Sucede que a edição da Lei Complementar n. 135/10 enfraqueceu sobremaneira a corrente que defendia a eficácia limitada do princípio da moralidade eleitoral, pois ocupou exatamente o espaço normativo que servia de fundamento para esta corrente.

Destarte, para o deferimento do registro de candidatura protocolizado após a Lei da Ficha Limpa é indispensável que o pretenso candidato não se enquadre em nenhuma das hipóteses de restrição insertas na Lei de Inelegibilidades, pois o legislador entendeu que estará desprovido de honestidade para a função público-eletiva, bastando que tenha uma decisão colegiada em seu desfavor.

Sobre esse aspecto da decisão que ainda não transitou em julgado, percebe-se que o Brasil não é o inaugurador deste entendimento. Mesmo antes da edição da Lei Complementar n. 135/10, Marcos Ramayana defendia com a citação de riquíssimos exemplos do direito comparado a prescindibilidade da existência de decisão judicial com trânsito em julgado:

Na Bélgica, o Código Eleitoral no art. 6º, com a alteração da Lei de 5 de julho de 1976 (art. 3º), assim dispõe: ‘Ficarão definitivamente privados da capacidade eleitoral, não podendo ser admitidos à votação, os que tenham sido condenados a uma pena criminal’. A lei não especifica se deve haver o trânsito em julgado. Vê-se, portanto, que na legislação pátria deveria existir um dispositivo legal que não permitisse o deferimento de pedidos de candidaturas cujos interessados já estivessem condenados, sem trânsito em julgado. Nestes casos, poder-se-ia constituir uma espécie de inelegibilidade criminal.

A Lei Eleitoral da Dinamarca de 31 de maio de 1987, no art. 4º, item I, assim expressa: ‘A inelegibilidade para o Parlamento é atribuída a todo o indivíduo que gozar do direito de voto, nos termos do arts. 1º e 2º, salvo se estiver condenado por um acto que, aos olhos da opinião pública, o torne indigno de ser membro do Parlamento’.

Outrossim, a Lei Orgânica nº 5, de 19 de junho de 1985, do Regime Eleitoral Espanhol, no art. 6º, item 2, disciplina: ‘Não poderão ser eleitos: a) os condenados por sentença transitada em julgado, a pena privativa de liberdade, durante o período de duração da mesma; b) ainda que a sentença não seja transitada em julgado, os condenados por crime de rebelião ou os membros de organizações terroristas condenados por crime contra a vida, a integridade física ou liberdade das pessoas’.

É interessante observar que na Lei Eleitoral de 31 de julho de 1924 (texto refundido), de Luxemburgo, o eleitor perde a capacidade ativa e, por via de conseqüência, a capacidade passiva, quando: ‘Art. 4º: 2º - os que tiverem sido objeto de condenação penal; 3º - os que tiverem sido condenados, bem como seus cúmplices, a pena de prisão por furto, receptação, fraude ou abuso de confiança, contrafacção, emprego de falsificações, falso testemunho, falso juramento, suborno de testemunhas, peritos ou intérpretes...’

Como se nota, as aludidas legislações dos países da União Européia procura adotar mecanismos impeditivos de candidaturas revestidas de imoralidade pela vida pregressa, quando já existe uma condenação, mesmo sem que haja o trânsito em julgado (2009, p. 64).

Veja-se que os países europeus não hesitavam de sobrelevar o Princípio da Moralidade, ainda que fosse preciso relativizar o clássico Princípio da Presunção de Inocência ao dispensar o trânsito em julgado das decisões judiciais. Fica fácil perceber que esses países, a exemplo dos novos rumos inaugurados pelo Brasil com a Lei da Ficha Limpa, entendiam que a vida pregressa do candidato fere o Princípio da Moralidade, constituindo obstáculo para que exerça o mandato eletivo, mesmo que não haja decisão judicial definitiva.

Por derradeiro, vale lembrar que a Justiça brasileira já enfrentava a utilização do Princípio da Moralidade como requisito impeditivo ou não do exercício do mandato eletivo, ocasiões que, em sua maioria, decidiu pelo prestígio ao postulado da Moral. Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2006. INDEFERIMENTO. REGISTRO DE CANDIDATURA. EXAME DE VIDA PREGRESSA. ART. 14, § 9º, CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSALVA DO ENTENDIMENTO PESSOAL. PROVIMENTO.

1. O art. 14, § 9º, da CF, deve ser interpretado como contendo eficácia de execução auto-aplicável com o propósito de que seja protegida a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerando-se a vida pregressa do candidato.

2. A regra posta no art. 1º, inciso I, g, da LC nº 64, de 18.05.90, não merece interpretação literal, de modo a ser aplicada sem vinculação aos propósitos da proteção à probidade administrativa e à moralidade pública.

3. A autorização constitucional para que Lei Complementar estabelecesse outros casos de inelegibilidade impõe uma condição de natureza absoluta: a de que fosse considerada a vida pregressa do candidato. Isto posto, determinou, expressamente, que candidato que tenha sua vida pregressa maculada não pode concorrer às eleições.

4. A exigência, portanto, de sentença transitada em julgado não se constitui requisito de natureza constitucional. Ela pode ser exigida em circunstâncias que não apresentam uma tempestade de fatos caracterizadores de improbidade administrativa e de que o candidato não apresenta uma vida pregressa confiável para o exercício da função pública.

5. Em se tratando de processos crimes, o ordenamento jurídico coloca à disposição do acusado o direito de trancar a ação penal por ausência de justa causa para o oferecimento da denúncia. Em se tratando de acusação de prática de ilícitos administrativos, improbidade administrativa, o fato pode ser provisoriamente afastado, no círculo de ação ordinária, por via de tutela antecipada, onde pode ser reconhecida a verossimilhança do direito alegado.

6. No entanto, no julgamento do RO nº 1.069/RJ, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, sessão de 20.9.2006, esta Corte assentou entendimento segundo o qual o pretenso candidato que detenha indícios de máculas quanto a sua idoneidade, não deve ter obstaculizado o registro de sua candidatura em razão de tal fato.

7. Desta forma, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, alinho-me a novel jurisprudência do TSE, ressalvando o meu entendimento.[6]

É imperioso destacar que a moralidade é utilizada para refinar não só o acesso aos cargos eletivos do Poder Executivo e Legislativo, mas também aos que compõem o Poder Judiciário. Para ingresso nos órgãos do Poder Judiciário é exigida a reputação ilibada de seus membros, não havendo - neste sentido - qualquer justificativa razoável para os membros dos Poderes Executivo e Legislativo também não atenderem ao requisito constitucional da moralidade para o exercício do mandato, previsto no art. 14, § 9º.

Vale citar os dispositivos constitucionais que exigem a necessidade de idoneidade da vida pregressa para ingresso em vários órgãos do Poder Judiciário, a saber:

Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:

XIII dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

Art. 104. O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros.

Parágrafo único. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal [...]

Art. 119. O Tribunal Superior Eleitoral compor-se-á, no mínimo, de sete membros, escolhidos:

I – [...]

II - por nomeação do Presidente da República, dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal.

Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral elegerá seu Presidente e o Vice- Presidente.

Art. 120. Haverá um Tribunal Regional Eleitoral na Capital de cada Estado e no Distrito Federal.

§ 1º - Os Tribunais Regionais Eleitorais compor-se-ão:

I – [...]

II – [...]

III – por nomeação, pelo Presidente da República, de dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça.

Art. 123. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis.

Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo:

I - três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional;

II - dois, por escolha. (grifo nosso)

O art. 187 da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC n. 75/93) e o art. 78 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC n. 35/79) também exigem a presença da idoneidade moral, especificamente:

Art. 187. Poderão inscrever-se no concurso bacharéis em Direito há pelo menos dois anos, de comprovada idoneidade moral.

Art. 78 - O ingresso na Magistratura de carreira dar-se-á mediante nomeação, após concurso público de provas e títulos, organizado e realizado com a participação do Conselho Secional da Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 2º - Os candidatos serão submetidos a investigação relativa aos aspectos moral e social, e a exame de sanidade física e mental, conforme dispuser a lei. (grifo nosso).

Dessa forma, se os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e de várias entidades da Administração Direta e Indireta também devem ser possuidores de moralidade para exercerem suas funções, com ainda mais razão, os representantes do povo, também devem sujeitar-se a essa peneira da Moral.

Vê-se que a moralidade enraizou-se no ordenamento jurídico brasileiro de tal forma que se encontra tanto nas relações entre particulares, conforme se extrai das regras do Código Civil vigente, bem como para o exercício da função Administrativa e acesso ao mandato eletivo. Neste último aspecto, viu-se que constitui óbice ao deferimento do requerimento de registro de candidatura a carência de moralidade para o exercício do mandato eletivo por parte de pré-candidato, cuja verificação dos fatos ilícitos relacionados à sua vida pregressa deverá ser examinada em função dos dispositivos objetivos da Lei das Inelegibilidades, com a nova redação atribuída pela Lei da Ficha Limpa (LC n. 135/10), os quais prevêem hipóteses maculadoras como as que derivam da prática de abuso do poder econômico ou político, crime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público, crime contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência, crime contra o meio ambiente e a saúde pública, crimes eleitorais para os quais a lei comine pena privativa de liberdade, crime de abuso de autoridade nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública, crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, crime de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos, crime praticado por organização criminosa, quadrilha ou bando, infração de improbidade administrativa, crime de corrupção eleitoral, captação ilícita de sufrágio, dentre outras tantas situações.

A aplicação do princípio da moralidade previsto no §9º do art. 14 da Constituição Federal é imediata na análise do requerimento de registro de candidatura (RRC), que pode ser questionado também por meio de uma das diversas ações de natureza eleitoral.


5. A LEI DA FICHA LIMPA (LEI COMPLEMENTAR N. 135/2010)

Com o intuito de regulamentar o §9º, art. 14, da Constituição Federal, o Congresso Nacional editou a Lei Complementar n. 135, de 04 de junho de 2010, a qual estabelece hipóteses de inelegibilidade como forma de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato com base na análise da vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Essa lei ficou conhecida como Lei da Ficha Limpa e sua edição se deve fundamentalmente à pressão e iniciativa popular. O projeto de lei (PLP n. 518/2009)[7] foi elaborado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE)[8] e posteriormente encampado pelos deputados federais Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), Arnaldo Jardim (PPS-SP) e outros. Com fundamental apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que mobilizou a sociedade por meio das igrejas católicas, foram obtidas mais de 1,6 milhões de assinaturas de apoio ao projeto que restou aprovado e recebeu sanção presidencial na véspera do início das convenções partidárias para as eleições de 2010. Na internet foram mais de 2,1 milhões de assinaturas.[9]

A alteração legislativa colocou a vida pregressa do candidato em primeiro plano nas eleições, como forma de também combater o crescente número de escândalos de corrupção no Poder Público nos últimos anos em todo o país. Essa foi uma das principais motivações que mobilizou os signatários do projeto e milhões de cidadãos que emprestaram suas assinaturas.

Vê-se que o objetivo constitucional da lei, somada à vontade dos cidadãos que a impulsionaram, ocasionou importante inovação jurídica com reflexo profundo no processo de escolha de mandatários para o exercício do poder, pois estabeleceu acurado filtro nas eleições ao vedar a candidatura de pessoas com vida pregressa desabonadora. Esse é o espírito da lei que veio de baixo com notável apoio popular, circunstância a qual seus intérpretes não podem ignorar.

Sucede que, para atribuir efetividade à nova lei, o legislador incluiu hipóteses expressas e objetivas de inelegibilidade que, para muitos candidatos, afrontam à Constituição Federal. Sustentou-se em vários tribunais eleitorais do país, em especial no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal, que a Lei da Ficha Limpa ofenderia vários princípios constitucionais, como os da Presunção de Inocência, Legalidade, Duplo Grau de Jurisdição etc.

Os tribunais, por seus juízes que votaram a favor da validade e constitucionalidade da nova lei, rebateram a tese dos candidatos chamados “fichas-sujas” sustentado que a Lei Complementar n. 135/2010 também se assenta em princípios constitucionais, como o da moralidade e o da probidade (arts. 14, §9º, 37, caput). Conclui-se, portanto, que a questão acarreta inevitavelmente o confronto de princípios da Constituição Federal, circunstância que reclama a ponderação dos valores que abarcam para apurar qual a solução deve ser prevalente.


6. PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA LEI DA FICHA LIMPA

Na Constituição Federal não deve haver conflito de normas, uma vez que a Lei Maior deve ser una e harmônica. Essa é máxima do princípio da unidade da Constituição, que estatui que a Constituição deve ser interpretada de modo a evitar contradições entre suas normas, especialmente entre os princípios. Como diz Christine Peter, “a Constituição é [...] um sistema normativo fundado em determinadas idéias que constituem um núcleo irredutível, condicionante da inteligência de seus intérpretes” (2005, p. 278).

Em relação às normas-regras, não há maiores dificuldades quanto à solução para eventuais conflitos, resolvendo-se através dos critérios clássicos de solução de conflitos normativos, a saber, hierárquico, cronológico e da especialidade.

A questão para o presente trabalho, entretanto, trata-se de colisão entre normas-princípios de estatura constitucional, em que a proposta de solução se encontra na ponderação judicial dos valores albergados pelos princípios envolvidos.

Luís Roberto Barroso esclarece do quê se trata exatamente a ponderação judicial de princípios:

Consiste em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas (2003, p. 357).

Diante da colisão, o exegeta jurídico deve fazer a ponderação entre princípios contrapostos para perquirir qual deve ceder parcialmente em prestígio do outro, mediante o menor sacrifício possível. Será a dimensão do princípio que pesará na balança da ponderação.

Sobre o tema, cumpre mencionar a lição de Eros Roberto Grau, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, para o qual:

Não há, no sistema, nenhuma norma a orientar o intérprete e o aplicador a propósito de qual dos princípios, no conflito entre eles estabelecido, deve ser privilegiado, qual o que deve ser desprezado. Em cada caso, pois, em cada situação, a dimensão do peso ou importância dos princípios há de ser ponderada (1990, p. 145).

Nesse viés, os princípios constitucionais relacionados com a Lei da Ficha Limpa que estão aparentemente em confronto devem ser ponderados. O método utilizado como regra para tal exercício é o juízo de proporcionalidade. Através dele é possível sopesar os princípios favoráveis ao candidato barrado pela Lei da Ficha Limpa com os que protegem a sociedade, como a moralidade para o exercício do mandato (§9º, art. 14, CF/88). A equação redundará no alcance e significado que a lei deve ter frente aos valores que deve prestigiar e irradiar para o caso concreto. Nesse norte acrescenta Carbonel ao citar Luís Prieto Sachís que:

Certamente no mundo do direito o resultado da ponderação não será necessariamente o equilíbrio entre tais interesses, razões ou normas; ao contrário, o habitual é que a ponderação desemboque no triunfo de algum deles no caso concreto (2003, p. 78).

Destarte, conclui-se que – no plano abstrato - o exegeta opera com princípios jurídicos de mesmo peso, de forma que se torna possível harmonizá-los no sistema normativo constitucional. Porém – no plano concreto - quando houver a colisão dos mesmos valores será indispensável a ponderação, pela qual a solução poderá levar na prevalência de um sobre o outro, sem que o relativizado seja totalmente suprimido.

A adoção da proporcionalidade como técnica interpretativa é mencionada pela doutrina e utilizada pelos tribunais, inclusive pela Suprema Corte, segundo é possível constatar no Habeas Corpus n. HC n. 93250, da lavra da eminente Ministra Ellen Gracie:

[...] Na contemporaneidade, não se reconhece a presença de direitos absolutos, mesmo de estatura de direitos fundamentais previstos no art. 5º, da Constituição Federal, e em textos de Tratados e Convenções Internacionais em matéria de direitos humanos. Os critérios e métodos da razoabilidade e da proporcionalidade se afiguram fundamentais neste contexto, de modo a não permitir que haja prevalência de determinado direito ou interesse sobre outro de igual ou maior estatura jurídico-valorativa. [...][10]

Santiago Guerra Filho também adota a proporcionalidade como regra de ponderação, qualificando-o como “princípio dos princípios.” Diz então que:

[...] para resolver o grande dilema da interpretação constitucional, representado pelo conflito entre princípios constitucionais, aos quais se deve igual obediência, por ser a mesma posição que ocupam na hierarquia normativa, preconiza-se o recurso a um ‘princípio dos princípios, o princípio da proporcionalidade, que determina a busca de uma ‘solução de compromisso’, na qual se respeita mais em determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo o(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando totalmente com o respeito, isto é, ferindo-lhe(s) seu ‘núcleo essencial’, onde se acha insculpida a dignidade humana (1999, p. 59).

Veja-se que é comum adotar a conclusão que não há princípios e direitos absolutos na Constituição, malgrado seja possível sustentar como raras exceções os princípios da dignidade da pessoa humana, e vedação de tortura e racismo, os quais teriam qualidade de absolutos. Celso de Mello, eminente Ministro da Suprema Corte, trata com clareza sobre a possibilidade da relativização de princípios:

Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.[11]

Para melhor compreensão sobre a ponderação, Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcelos mencionam alguns exemplos de valores que podem ser sopesados:

a) a relativização da coisa julgada (colisão entre o princípio da segurança jurídica e valores tais como justiça); b) eficácia horizontal dos direitos fundamentais (aplicação das normas constitucionais às relações privadas); c) contraste entre a liberdade de expressão e o direito à informação com o direito à honra, à imagem e à privacidade (2003, p. 349).

Veja-se que já restou superada a interpretação e aplicação meramente formalista e positivista do direito. Hoje, permite-se ao julgador que avalie a justiça ou injustiça de sua decisão no caso concreto, ponderando princípios, o que não significa total liberdade ao magistrado, mas sim maior flexibilidade dentro dos limites normativos. A existência de ponderação não é uma “carta branca” para voluntarismos ou o exercício indiscriminado de ativismo judicial; jamais. A ponderação deve ser realizada sob o estrito trilho da convicção motivada do juiz, com basilares e sólidos preceitos jurídicos de sustentação lançados com base na teoria da argumentação.

Assim sendo, é clarividente que, se de um norte o magistrado deve buscar a ponderação de bens constitucionalmente tutelados, no caso concreto, de outra senda, não significa a permissão para voluntarismos e subjetivismos, porquanto a sua conclusão estará sujeita ao controle de racionalidade por meio da mencionada teoria da argumentação. Em suma, quer se dizer que na ponderação judicial de princípios a imparcialidade do intérprete é fundamental, pois caso contrário poderá sustentar a prevalência de um ou outro valor de acordo com suas convicções pessoais sem o devido amparo técnico-jurídico. Nesse sentido, bem pontua Carbonel ao mencionar Luiz Prieto Sachís, para o qual a ponderação deve ser a “ação de considerar imparcialmente os aspectos contrapostos de uma questão ou o equilíbrio entre o peso de duas coisas” (2003, p. 151). (grifo nosso)

Afirma ainda que:

isto não significa que a ponderação estimule um subjetivismo desembocado, nem que seja método vazio ou que conduza a qualquer conseqüência, pois se não dá garantia a uma resposta para todo caso prático, nos indica que há de fundamentar para resolver um conflito constitucional (2003, p. 151).

Destacando da mesma forma a importância da ponderação equilibrada e controlada, Márcio Paulo Cruz e Rogério Gomes Zuel sustentam que:

O Estado Democrático de Direito exige a controlabilidade das decisões, e tanto quanto possível a minimização das paixões e racionalidade do julgador. É por isso que se diz póspositivista a metódica por nós adotada. Não se ignora o texto, mas ele deve ser transcendido pela práxis do operador do direito (2007, p. 23).

Percebe-se que a interpretação do direito constitucional encontra-se intimamente ligada a valores e princípios e, por conseguinte, à possibilidade de colisão entre eles, razão que existe a técnica da ponderação pelo juízo de proporcionalidade, processo este hermenêutico, necessário e condizente com o direito constitucional aberto e moderno.

É nesse campo que será possível verificar a validade da Lei da Ficha Limpa, primordialmente sobre a vereda do Princípio da Moralidade, porquanto é prisma que fomenta aprofundado debate na comunidade jurídica.


7. A MORALIDADE COMO PRINCÍPIO VALIDADOR DA LEI DA FICHA LIMPA

A edição da Lei Complementar n. 135/2010, famigerada Lei da Ficha Limpa, veio atender o forte clamor popular, evidenciado notadamente por meio de mais de 1,6 milhões de assinaturas de cidadãos, que reclamava uma alternativa eficaz, substancial e ampla para barrar a candidatura de pessoas com vida pregressa desabonadora, incompatível para o exercício de funções públicas. A lei, portanto, veio ocupar o espaço constitucional previsto no §9º do art. 14 da Carta da República, o qual autorizou que o legislador infraconstitucional estabelecesse novas hipóteses de inelegibilidade, como forma de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato com base na vida pregressa do candidato.

A aplicação da lei acabou sendo destinada especialmente à Justiça Eleitoral quando do julgamento dos registros de candidatura. Não se trata apenas de uma tarefa casual, mas sim uma obrigação, ante os valores que estão envolvidos. Como já destacava o ex-Ministro do TSE Cesar Asfor Rocha, a Justiça Eleitoral tem o poder-dever de velar pela aplicação dos preceitos constitucionais de proteção à probidade administrativa e à moralidade para o exercício do mandato, verbis:

[...] Os casos legais complementares de inelegibilidade do cidadão têm por escopo preservar valores democráticos altamente protegidos, sem cujo atendimento o próprio modo de vida democrático se tornará prejudicado ou mesmo inviável”, argumentando ainda que “[...] a Justiça Eleitoral tem o poder-dever de velar pela aplicação dos preceitos constitucionais de proteção à probidade administrativa e à moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º, CF/88).[12]

A observância do espírito da nova lei não pode ser ignorado, sendo obrigação do julgador observá-lo, inclusive porque trata de postura imposta pelo próprio ordenamento jurídico, já que na Lei de Introdução ao Código Civil, norma esta de sobre-direito que estabelece princípios maiores para a interpretação das leis em geral, está claro que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (art. 5º). Deixar de observar o desiderato da lei em casos como este, notadamente onde o clamor popular escancarou a motivação da norma, é ser infiel com as razões que levaram à sua edição, é ignorar os seus fins sociais. E nesse viés exsurge claro que o desiderato da norma é prestigiar o Princípio da Moralidade para o exercício do mandato eletivo, ainda que para isso seja necessária a complexa ponderação com outros valores também de estatura constitucional.

A ponderação que se visualiza, e tem como base o Princípio da Moralidade como base da Lei da Ficha Limpa, pode ocorrer com os principais princípios suscitados pelos candidatos, como os da Presunção de Inocência, Anualidade e Irretroativade da Lei. Para o presente trabalho interessa, contudo, ponderar a moralidade com o Princípio da Presunção de Inocência, já que nova lei considerou a vida pregressa do candidato em situações que sequer há trânsito em julgado das decisões.

Assim, busca-se balancear o Princípio da Moralidade com o clássico e relevante Princípio da Presunção de Inocência, a fim de peneirar uma solução substancial para a validade e constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Não é difícil perceber que - na verdade - há um conflito de interesses, onde de um lado está, em suma, o direito de pleno exercício de direitos políticos do candidato, e, de outro lado, à proteção à moralidade para o exercício do mandato, com base na vida pregressa do candidato. Vale dizer, o pretenso candidato inelegível nos termos da nova lei quer ter seu registro deferido invocando que preenche os requisitos de elegibilidade, uma vez que as hipóteses de inelegibilidade da LC n. 135/2010 aparentemente não resistiriam ao princípio constitucional da Presunção de Inocência.

Antes de adentrar exatamente no balanceamento do Princípio da Presunção de Inocência, cumpre, a propósito do tema, notadamente em prestígio ao compromisso de bem informar neste trabalho acadêmico, tecer breves comentários sobre os princípios da Irretroatividade e da Anualidade em relação à Lei da Ficha Limpa.

Acerca do PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE, o Tribunal Superior Eleitoral se manifestou que a Lei da Ficha Limpa pode ser aplicada para as eleições de 2010, sem que isso represente retroação a atingir o ato jurídico perfeito e do direito adquirido, segundo consignou nas Consultas de números n. 1120 e 1147.[13] Para sustentar essa conclusão, a Corte Eleitoral entendeu que as condições de elegibilidade devem ser aferidas no momento do registro de candidatura, e que não há direito adquirido a regime jurídico de inelegibilidade anterior.

Do voto condutor do Ministro Hamilton Carvalhido, relator da Consulta n. 1120, extrai-se que, embora a lei considere fatos condenatórios do passado, isso não significa que seja retroativa. Segundo o Ministro, “seus termos não deixam dúvida quanto a alcançar situações anteriores ao início de sua vigência e, consequentemente, as eleições do presente ano, de 2010”. Acrescentou ainda:

[...] a LC n. 135/10 se aplica aos processos em tramitação, já julgados e em grau de recurso. Por isso mesmo, insisto, o art. 3º desta lei abriu a possibilidade de aditamento dos recursos antes da sua entrada em vigor. [...][14]

O Relator da Consulta n. 1147, Ministro Arnaldo Versiani, também se posicionou quanto à possibilidade de aplicação da lei a fatos anteriores, sem ter ressalvado que isso represente ofensa ao principio da irretroatividade da lei:

[...] essa questão não é nova e já foi decidida antes por este Tribunal, quando entrou em vigor a própria Lei Complementar n. 64/90, como se viu dos precedentes nos Recursos nos 8.818 e 9.797, segundo os quais a ‘inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da Lei Complementar 64-90, aplica-se às eleições do corrente ano de 1990 e abrange sentenças criminais condenatórias anteriores à edição daquele diploma legal’, ‘ainda que o fato e a condenação sejam anteriores à vigência’.

[...] a LC n. 135/10, que alterou as causas de inelegibilidade, aplica-se aos processos em tramitação iniciados, ou mesmo já encerrados, antes de sua entrada em vigor, nos quais tenha sido imposta qualquer condenação a que se refere a nova lei.

Assim, para a maior Corte Eleitoral do país, não há ofensa a direito adquirido ou a ato jurídico perfeito, pois as causas de inelegibilidade, embora relacionadas a situações anteriores à edição da nova lei, devem ser aferidas a cada eleição, entendimento este existente em data precedente à Lei da Ficha Limpa, segundo consta no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 32158, de 25/11/2008, da relatoria do eminente Ministro Eros Grau:[15]

As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas a cada eleição, na conformidade das regras aplicáveis no pleito, não cabendo cogitar-se de coisa julgada, direito adquirido ou segurança jurídica.

O que deve ficar claro é que a nova lei é aplicada para o futuro, pois foi editada antes dos registros de candidatura. Não há assim falar em aplicação retroativa.  Nesse sentido, disse o Min. Hamilton Carvalhido na Consulta n. 1120:

Como já assinalado anteriormente, não se trata de retroatividade de norma eleitoral, mas, sim, de sua aplicação aos pedidos de registro de candidatura futuros, posteriores à sua entrada em vigor, não havendo que se perquirir de nenhum agravamento, pois a causa de inelegibilidade incide sobre a situação do candidato no momento de registro de candidatura. [...]

As situações passadas, as quais constituíram o regime jurídico anterior de inelegibilidade, não alcançaram a qualidade de direito adquirido. Logo a lei pode considerá-las para fins de inelegibilidade, pois - como vem se sustentando - inexiste direito adquirido a regime jurídico, conforme já decidiu o Pretório Excelso ao reconhecer a possibilidade de tributação dos inativos (Ações Diretas de Inconstitucionalidade números 3105/04 e 3128/04).[16]

Ausente o direito adquirido a regime jurídico, no regime de inelegibilidades também não haverá o aludido direito. Sobre o tema, disse o Min. Arnaldo Versiani na Consulta n. 1147:

As novas disposições legais atingirão igualmente a todos aqueles que, repito, ‘no momento da formalização do pedido de registro da candidatura’, incidirem em alguma causa de inelegibilidade, não se podendo cogitar de direito adquirido às causas de inelegibilidade anteriormente previstas. [...][17]

É imprescindível ressaltar, contudo, que a Lei da Ficha Limpa não pode impedir a candidatura dos candidatos que já cumpriram integralmente suas penas, ainda que não decorra mais de oito anos antes da edição da nova lei. Caso contrário, haveria dupla punição, indubitável bis in idem. Assim, por exemplo, um candidato declarado inelegível por três anos, por ter sido condenado por abuso do poder econômico praticado nas eleições de 2006, não incide na Lei da Ficha Limpa, pois sua inelegibilidade foi integralmente cumprida no ano de 2009. Porém, caso o mesmo candidato fosse condenado por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A, Lei n. 9.504/97), também nas eleições de 2006, a Lei da Ficha Limpa lhe será aplicável, pois sua condenação não lhe impôs inelegibilidade; logo não há que falar em bis in idem neste caso.

O TSE já decidiu nesse sentido ao julgar em 01/10/2010 o Recurso Ordinário n. 788-47.2010.6.22.0000. Disse o eminente Ministro Arnaldo Versiani na decisão monocrática:[18]

[...] Assim, tendo sido o candidato condenado, por captação ilícita de sufrágio nas eleições de 2006, ele está inelegível pelo período de oito anos a contar da referida eleição, nos termos da alínea j, o que alcança o pleito de 2010.

Anoto que o Tribunal, inclusive, já se pronunciou em caso também alusivo à alínea j no julgamento do Recurso Ordinário nº 4336-27.2010.6.06.0000, concluído em 25.8.2010, do qual destaco a seguinte ementa:

‘Inelegibilidade. Condenação por captação ilícita de sufrágio.

Aplicam-se às eleições de 2010 as inelegibilidades introduzidas pela Lei Complementar nº 135/2010, porque não alteram o processo eleitoral, de acordo com o entendimento deste Tribunal na Consulta nº 1120-26.2010.6.00.0000 (rel. Min. Hamilton Carvalhido).

As inelegibilidades da Lei Complementar nº 135/2010 incidem de imediato sobre todas as hipóteses nela contempladas, ainda que os respectivos fatos ou condenações sejam anteriores à sua entrada em vigor, pois as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, não havendo, portanto, que se falar em retroatividade da lei.

Tendo sido condenado pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado, por captação ilícita de sufrágio, com a cassação de diploma, é inelegível o candidato pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição em que praticado o ilícito, nos termos da alínea j do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, na redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010. Grifo nosso.

Recurso ordinário a que se nega provimento.’

No que diz respeito à condenação por abuso de poder econômico, anoto que no julgamento do Recurso Ordinário nº 2544-32, relator Ministro Marco Aurélio, concluído na sessão de 30.9.2010, o Tribunal entendeu, por maioria e com a ressalva de meu ponto de vista, que, na hipótese de condenação pretérita em ação de investigação judicial que já tenha decorrido o prazo alusivo à inelegibilidade de três anos imposta ao candidato, não cabe reconhecer a inelegibilidade por oito anos do art. 1º, I, d, da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/2010.

Anoto que essa hipótese de inelegibilidade da alínea d não constitui inovação trazida pela LC nº 135/2010, mas teve sua redação apenas alterada, elevando-se o respectivo prazo de inelegibilidade - de três para oito anos - e estabelecendo sua caracterização também diante da existência de decisão proferida por órgão colegiado, e não mais apenas com o trânsito em julgado da decisão na AIJE.

Desse modo, tendo sido o candidato condenado, com base na antiga redação do art. 22, XIV, da LC nº 64/90, a três anos de inelegibilidade a partir da eleição de 2006, não há como se aplicar a nova redação da alínea d e concluir que o candidato está inelegível por oito anos.

Nesse ponto, afasto o fundamento alusivo à inelegibilidade do art. 1º, I, d, da LC nº 64/90, mantendo-se o indeferimento do pedido de registro, em virtude da causa de inelegibilidade decorrente da citada alínea j. (grifo nosso).

Para encerrar sobre o princípio, vale lembrar o voto do Ministro Pedro Acioli, quando do julgamento no TSE do Recurso n. 9.052, de 30.8.1990, ocasião que se pode concluir que o Princípio da Irretroatividade da Lei não é óbice às hipóteses de inelegibilidades inseridas pelo legislador, in verbis:

Bem se posiciona o recorrente, em suas razoes, quando assim expressa: O argumento de que a lei não pode retroagir para prejudicar, em matéria eleitoral, ou seja, que o art. 1°, I, ‘g’, da LC 64/90 não pode ser aplicada a fatos pretéritos à sua vigência, contrapõe-se a doutrina pátria, representada pelo festejado Caio Mário da Silva Pereira (in Instituições de Direito Civil - Vol I - Ed. Forense - 1971 - p. 11O):

‘As leis políticas, abrangendo as de natureza constitucional, eleitoral e administrativa, têm aplicação imediata e abarcam todas as situações individuais. Se uma lei nova declara que ficam sem efeito as inscrições eleitorais anteriores e determina que todo cidadão deve requerer novo título, aplica-se a todos, sem que ninguém possa opor à nova disposição a circunstancia de já se ter qualificado eleitor anteriormente.’ Com a devida vênia, as inelegibilidades representam ditames de interesse público, fundados nos objetivos superiores que são a moralidade e a probidade; à luz da atual construção doutrinária vigente os coletivos se sobrepõem aos interesses individuais, não ferindo o regramento constitucional.

Ademais o princípio da irretroatividade para prejudicar não é absoluto, como na lei penal. A se validar aquele entendimento, chegaríamos à absurda hipótese de deferir registro a candidato que até o dia 20 de maio passado, como titular de cargo público, cometeu os maiores desmandos administrativos (a data é a véspera da vigência da LC 64/90). Ora, o interesse público recomendou e fez incluir na legislação referida a penalização da inelegibilidade para os casos de improbidade, não restringindo a sua aplicabilidade a qualquer título; aliás, esse eg. TSE, respondendo às Consultas nº 11.136 e 11.173 (em 31.05.90) da mesma forma, não mencionou qualquer restrição à vigência dessa lei complementar. (fls. 114/115). [...]

Em relação ao PRINCÍPIO DA ANUALIDADE ou DA ANTERIORIDADE ELEITORAL, destaque-se inicialmente que também tem assento constitucional e, por tal razão, foi amplamente sustentado pelos candidatos e debatido nos tribunais eleitorais. Está previsto no art. 16 da Constituição Federal com a seguinte redação:

A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

Segundo a tese levantada pelos candidatos barrados pela Lei da Ficha Limpa nos tribunais eleitorais nas Eleições de Gerais de 2010, a nova norma ofenderia o mencionado Principio da Anualidade. Sustentam que a lei alterou o processo eleitoral a menos de um ano das eleições, portanto em frontal ofensa à regra de segurança do art. 16 da Carta Democrática.

Quanto a esse aspecto, o eg. TSE também enfrentou o tema por ocasião da já referida Consulta n. 1120, na qual se assentou que a nova lei não atenta contra o Princípio da Anualidade. O fundamento para tanto é que inelegibilidade é norma de natureza material-eleitoral que não altera o processo eleitoral. Disse o e.Ministro Hamilton Carvalhido:[19]

Infere-se do caso em tela que as inovações trazidas pela Lei Complementar n. 135/2010 têm a natureza de norma eleitoral material e em nada se identificam com as do processo eleitoral, deixando de incidir, destarte, o óbice esposado no dispositivo constitucional.

A propósito, recorto do pronunciamento da ASESP (fls. 11-12):

“[...] O conceito de processo eleitoral tem com importante distinção realizada doutrina processualista, entre a materialidade do direito e sua instrumentalidade. Nesse sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco preceituam que

O que distingue fundamentalmente direito material e direito processual é que este cuida das relações dos sujeitos processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma de se proceder aos atos deste – sem nada dizer quanto ao bem da vida que é objeto do interesse primário das pessoas (o que entra na órbita do direito substancial).

Ressaltando o aspecto da instrumentalidade, ou seja, da distinção entre normas de direito eleitoral e normas de direito processual eleitoral, o e. Ministro Moreira Alves proferiu elucidativo voto, nos autos da ADIN n. 354/1990.

O Eminente Ministro consignou, em síntese, que o processo eleitoral abrange as normas instrumentais diretamente ligadas às eleições, desde a fase inicial, ou seja, da apresentação das candidaturas, até a fase final, com a da diplomação dos eleitos.

Transcreve-se os seguintes excertos de seu voto:

‘O que é certo é que processo eleitoral é expressão que não abarca, por mais amplo que seja o sentido que se lhe dê, todo o direito eleitoral, mas apenas o conjunto de atos que estão diretamente ligados às eleições.

[...]

A meu ver, e desde que processo eleitoral não se confunde com direito eleitoral, parte que é dele, deve-se entender aquela expressão não como abrangente de todas as normas que possam refletir-se direta ou indiretamente na série de atos necessários ao funcionamento das eleições por meio do sufrágio universal – o que constitui o conteúdo do direito eleitoral -, mas, sim, das normas instrumentais diretamente ligadas à eleições

[...]

Note-se, porém, que são apenas as normas instrumentais relativas às eleições, e não as normas materiais que a elas de alguma forma se prendam.

Se a Constituição pretendesse chegar a tanto não teria usado da expressão mais restrita que é ‘processo eleitoral’

[...]”. (grifos no original)

Com base em entendimento desta Corte em situação análoga à dos presentes autos, sobre a aplicabilidade de lei eleitoral, o Tribunal manifestou-se nos seguintes termos:

“- Inelegibilidade. Desincompatibilização. Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Presidentes e demais membros das Diretorias dos Conselhos e Subseções. Vigência da Lei Complementar nº 64-90.

- Aplicação imediata do citado diploma (art. 1º, II, g), por se tratar da edição de lei complementar, exigida pela Constituição (art. 14, § 9º), sem configurar alteração do processo eleitoral, vedada pelo art. 16 da mesma Carta.

- Devem afastar-se de suas atividades, quatro meses antes do pleito, os ocupantes de cargo ou função de direção, nas entidades representativas de classe, de que trata a letra g do item II do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, entre as quais se compreende a O.A.B.” (Cta nº 11.173/DF, Relator Min. Octávio Gallotti, julgada em 31.5.90, DJ 9.7.90 – nosso o grifo) [...]

O Principio da Anualidade para o eg. TSE, assim, abarca apenas as inovações normativas que alterem “o processo eleitoral”, o que não é o caso das inovações trazidas com a Lei da Ficha Limpa.

Em reforço a essa conclusão, cumpre lembrar do julgamento do Recurso Extraordinário n. 129.392, de 16/04/93,[20] no qual o Supremo Tribunal Federal tratou do mesmo tema e consignou pela inaplicabilidade do Princípio da Anualidade ao regime de inelegibilidades. O Pretório Excelso entendeu que o regime de inelegibilidade não está afeto à regra do art. 16 da Constituição. Neste ano, o Supremo Tribunal Federal também voltou a discutir a questão e, embora os julgamentos estejam empatados em cinco a cinco, ante a falta de um ministro, a Corte entendeu que devem prevalecer as decisões judiciais do TSE que indeferiram os registros de candidatura com base na Lei da Ficha Limpa.[21]

Vê-se, assim, que tanto o princípio da irretroatividade da lei, como o Princípio da Anualidade, nenhum foi óbice para que os tribunais eleitorais deferissem os registros dos candidatos com vida pregressa objetivamente desabonadora nos termos da nova lei. Tem prevalecido a vontade do legislador infraconstitucional motivada pelo desiderato do constituinte insuflado no Princípio da Moralidade encartado no 9º, art. 14, da Carta da República.

Pois bem, voltando o estudo em relação ao PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, a Lei da Ficha Limpa supostamente o ofenderia porque previu hipóteses de inelegibilidade em que foram dispensadas o trânsito em julgado das decisões judiciais, bastando que houvesse decisão colegiada de órgão judicial. Citam-se os seguintes exemplos:

 [...] d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: [...]

Há evidente colisão entre o Princípio da Presunção de Inocência (art. 5º, LVII da Constituição) e o Princípio da Moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º, da Constituição).

Inicialmente, deve-se esclarecer que está claro que o Princípio da Moralidade para o exercício do mandato tem acepção mais ampla que o Princípio da Presunção de Inocência, já que este, enquanto protege em primeiro momento o cidadão - individualmente, aquele outro princípio protege a coletividade – o conjunto de indivíduos, bem como a própria representação popular, a coisa pública. Esse aspecto tem grande relevância para o presente trabalho, pois é nessa qualidade mais ampla do Princípio da Moralidade que está seu sobrepeso para ser ponderado com os demais princípios.

Sobre a presunção de inocência, cumpre lembrar o entendimento do Colendo TSE esposado nas recentes consultas de números 1120 e 1147 (2010), nas quais assentou que inelegibilidade não é a rigor uma pena, mas sim mera restrição temporária à elegibilidade.

Parece bem razoável a tese que a inelegibilidade não é exatamente pena, mas apenas restrição sui generis. Menciona-se que as hipóteses de inelegibilidades previstas na própria Constituição não possuem pena, até porque não há decisão judicial, como é o caso dos inalistáveis e analfabetos, que são inelegíveis, ou como é o caso das inelegibilidades reflexas, nas quais:

são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição (§7º, art. 14).

O TSE, mesmo antes da edição a Lei da Ficha Limpa, já vinha assentando que inelegibilidade não era pena, conforme se pode depreender do Recurso n. 9.052, de 30.8.1990, de Relatoria do Ministro Pedro Acioli:[22]

[...] Ao contrário do que afirmado no voto condutor, a norma ínsita na LC 64/90, não tem caráter de norma penal, e sim, se reveste de norma de caráter de proteção à coletividade. Ela não retroage para punir, mas sim busca colocar ao seu jugo os desmandos e malbaratações de bens e erário público cometidos por administradores. Não tem o caráter de apená-los por tais, já que na esfera competente e própria e que responderão pelos mesmos; mas sim, resguardar o interesse público de ser, novamente submetido ao comando daquele que demonstrou anteriormente não ser a melhor indicação para o exercício do cargo.

A Suprema Corte também já se manifestou no mesmo sentido:

[...] inelegibilidade não constitui pena. Destarte, é possível a aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Complementar nº 64, de 1990, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. No acórdão 12.590, Rec. 9.7.97-PR, do T.S.E., o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, deixou expresso que a inelegibilidade não é pena, sendo-lhe impertinente o princípio da anterioridade da lei. [...][23]

Conquanto esse enfoque da “não pena” exaltado pelo TSE e pelo STF reforce a tese que sequer haveria afronta ao Princípio da Presunção de Inocência, prefere-se enfrentar a questão por outro flanco, o da ponderação com o Princípio da Moralidade, pois suplantaria a discussão se há ou não afronta ao importante postulado da inocência.

Para esse sopesamento, contudo, é indispensável que o intérprete não se limite a avaliar a questão sob um único norte. O princípio da proporcionalidade utilizado para a ponderação deve ser fracionado nos seus sub-princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, conforme de Robert Aléxy lembrada pelo Professor Luiz Henrique Urquhart Cademartori.

No caso do conflito entre princípios (ou colisão entre princípios, nos termos de Aléxy), diversamente das regras, este se dá no plano do seu “peso” valorativo que entre eles – os princípios colidentes - deverá ser ponderado e não no plano da validade, como no caso do conflito entre regras.

Considerados prima facie, os princípios são todos válidos e hierarquicamente iguais, sendo que a sua colisão somente ocorre nos casos concretos, quando um princípio limita a irradiação de efeitos do outro. Quando se depara com a colisão de princípios, o intérprete deverá valer-se de um critério hermenêutico de ponderação dos valores jusfundamentais que Aléxy denomina de “máxima da proporcionalidade” a qual é composta de três máximas parciais: adequação, que ao estabelecer a relação entre o meio empregado e o fim atingido, mede seus efeitos a partir de hipóteses comprovadas ou altamente prováveis; necessidade, que estabelece que a medida empregada (vale dizer, a norma) deve considerar, sempre, o meio mais benéfico ao destinatário, e proporcionalidade em sentido estrito que é a ponderação com base nos valores jusfundamentais propriamente ditos, os quais, na jurisprudência da Suprema Corte da Alemanha, encontram na noção de dignidade da pessoa humana uma espécie de meta-valor a orientar a interpretação dos demais direitos fundamentais, embora em Aléxy a sua interpretação seja diversa, pois é ancorada na análise de dois princípios colidentes, sejam quais forem, de igual hierarquia e tendo como critério de opção, em última instância, as decorrências sociais do caso concreto face aos dois critérios de adequação e necessidade, antes observados, que influirão na escolha do princípio que deva prevalecer naquela situação (2008, p. 1).

Com base em Aléxy, diz Olivar Coneglian (2009, p. 26) que, para o sub-princípio da adequação, o meio escolhido deve ser capaz para a obtenção do resultado almejado. Para o sub-princípio da necessidade, o meio deve ser o mais plausível e suave entre os disponíveis. Já para o princípio da proporcionalidade estrita, o meio deve revelar que o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coactiva da mesma, ou seja, o meio deve ser o que trouxer mais vantagens como o menor sacrifício possível.

Com essas balizas, a relativização do Princípio da Presunção de Inocência diante do Princípio da Moralidade restou plenamente enquadrada nos três sub-princípios.

É adequada, porquanto sua relativização encorpa e torna hábil a efetividade da lei da Ficha Limpa, a qual visa impedir a candidatura de candidatos com vida pregressa desabonadora. O resultado pretendido pelo legislador é do contemplar a própria vontade constitucional de prestigiar a moralidade em detrimento da vida pregressa do candidato.

É necessária, porque a relativização da presunção de inocência é meio razoável, que não impede absolutamente que o candidato participe das eleições, uma vez que poderá obter o direito de ser candidato mediante liminar, conforme prevê o art. 3º da Lei Complementar n. 135/2010.

 É proporcional em sentido estrito, porque a mitigação imposta ao Princípio da Presunção de Inocência encontra arrimo no julgamento por um grupo de juízes, o que já lhe confere maior segurança jurídica que um julgamento judicial monocrático. Vale dizer, as vantagens na relativização pesam mais que as desvantagens, mormente porque se contemplará maior número de pessoas representados pela coletividade, ao invés de apenas um ou outro candidato.

Vale destacar que o Princípio da Presunção de Inocência já foi relativizado por diversas vezes pelos tribunais e pela própria legislação. Nesse aspecto bem assentou o Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia no Acórdão n. 240, de 03/08/2010, de relatoria do eminente Desembargador Rowilson Teixeira:

Cumpre lembrar que a mitigação do princípio da presunção de inocência tem sido aceita pelos tribunais, especialmente pela Suprema Corte. São os casos das prisões cautelares (prisão preventiva, em flagrante, temporária). Todas são válidas mesmo diante da ausência de uma decisão judicial transitada em julgado. A finalidade é a cautela em favor da sociedade. Com a Lei da Ficha Limpa não foi diferente. O legislador concedeu mais uma medida de cautela à sociedade. Trata-se de relevante medida liminar, permitindo-se que seja afastada a elegibilidade de quem tem vida pregressa reprovável.

A restrição é razoável, até porque o cidadão nestas condições não estaria impedido de obter uma contra-cautela para participar das eleições (art. 3º da LC n. 135/10 c/c art. 26-C, LC n. 64/90) ou de alcançar a própria absolvição nos processos pendentes.

O argumento que essa inelegibilidade traria efeitos irreversíveis ao pretenso candidato, pois lhe tiraria tempo de mandato que não voltaria mais, não pode ser vista apenas sobre esse ponto de vista. Do outro lado, a sociedade também teria no cargo público o político por um tempo que não voltaria mais. A questão, portanto, não é de certeza de um lado e nem de outro, mas sim de razoabilidade, de peso de valores. Se o princípio da presunção de inocência tutela o indivíduo em face do Estado, quais valores tutelam a sociedade e o Estado em face do indivíduo, como bem questiona o Ministério Público à fl. 161? Vale dizer, a quem deve ser concedida a cautela, ao candidato (e seus eleitores que o apóiam a despeito de sua vida pregressa), ou ao restante do eleitorado, a sociedade, ao Estado, ao bem comum? Eis a inteligência da Lei da Ficha Limpa, que concede imperiosa medida cautelar ao povo.

Em razão desses fundamentos, é razoável que o Princípio da Presunção de Inocência, por ter menor peso e amplitude que o Princípio da Moralidade para o exercício do mandato, deve ser mitigado em prestígio deste e para que seja preservada a idoneidade da representação popular.

Em defesa do princípio democrático e presentes as hipóteses objetivas de inelegibilidade com base na vida pregressa do candidato, cabe ao Poder Judiciário fazer uso de seu poder contramajoritário e vedar a candidatura de pessoa sem condições morais que pretende desempenhar uma função política na democracia representativa, notadamente porque esta sequer dispõe de meios mais rápidos e eficazes para a revogação do mandato, a exemplo do recall, pelo qual o povo destitui o mandatário do poder.

É preciso ter presente que para se constituir a democracia representativa imperioso se faz que o cidadão – eleitor tenha diante de si a possibilidade real de escolher dentre vários candidatos aquele que detenha patrimônio moral compatível com a importância da função representativa que irá exercer.

Em assim sendo, não há razoabilidade no deferimento de registro de candidatura ao cidadão com vida pregressa desabonadora, conforme prevista objetivamente na nova lei, pois é indigno de se lançar como candidato e mais ainda de exercer mandato, ainda que sustente em seu favor o Princípio da Presunção de Inocência. Essa restrição à candidatura baseada na vida pregressa não adotada apenas pelo Brasil, mas também por vários países, principalmente os europeus, conforme já se demonstrou anteriormente.

Decerto, o deferimento de registro de candidato indigno de representar não interessa à sociedade, já enfastiada de se deparar com mandatários preocupados tão-somente com seus projetos particulares, os quais pouco ou nada têm de benefícios ao interesse comum e coletivo.

O noticiário diário revela que o povo, seja onde estiver, está – em regra – desamparado com a falta de compromisso real dos governantes, que se enlameiam com casos de corrupção. Os poderes Legislativo e Executivo estão desacreditados pela população diante da atual conjuntura de sucessivos escândalos envolvendo os aludidos representantes do povo. São por essas razões que o Judiciário deve evitar a ruína do modelo da representação popular, expurgando os aspirantes ao mandato com vida pregressa reprovável, ainda que para isso seja necessária a ponderação de interesses do candidato e da população.

A ponderação de princípios como forma de prestigiar a Lei da Ficha Limpa não viola a tripartição de funções do Poder Estatal, porquanto as novas hipóteses de inelegibilidade foram trazidas a lume pelo poder competente para tanto [legislativo], restando ao Poder Judiciário se valer do seu poder contramajoritário e indeferir o registro de candidatos objetivamente inelegíveis.  Interpretar a lei com esses parâmetros é imprescindível para a defesa da liberdade do voto, da moralidade administrativa para o exercício do mandato, da normalidade e legitimidade das eleições, dos valores democráticos (igualdade e liberdade) e dos princípios fundamentais da democracia (princípio da soberania popular e princípio da participação do povo no poder).

Nesse cenário, resta indubitável que a aplicação do Princípio da Moralidade não implicará necessariamente a exclusão do clássico e também importante Princípio da Presunção de Inocência. Um não excluirá o outro, mas tão-somente mitigará o outro, já que as normas constitucionais devem ser insufladas pela máxima efetividade possível. O Princípio da Presunção de Inocência é mitigado com o sacrifício mínimo, pois garante-se ao cidadão ao menos a decisão por órgão colegiado.

Enfim, a problemática do presente estudo se resume a indagação: deve prevalecer o Princípio da Moralidade para o exercício do mandato para impedir o registro de candidato com vida pregressa desabonadora mesmo que não haja trânsito em julgado da causa de inelegibilidade?

Durante todo o desenvolvimento deste trabalho quis se demonstrar que o Princípio da Moralidade tem preferência sobre os demais alegados em defesa dos candidatos.

O intérprete da norma tem que se manter firme nesse prisma para defender a moralidade para o exercício do mandato, e, por consequência, indeferir os registros de candidaturas daqueles que têm contra si decisões que, malgrado recorríveis, demonstram – aos olhos do legislador e do povo – a indignidade para exercer a função pública eletiva.

Sem embargos de opiniões em sentido contrário, basta verificar a história antiga ou recente do país para constatar que o candidato com vida pregressa nada ilibada, notadamente aquele condenado por atos de improbidade, corrupção, falsidades, dentre outros ilícitos, tende - em regra – a praticar as imoralidades inatas ao seu caráter já nas eleições, pois abusa do poder econômico e político para obter votos, isso quando não age para captar ilicitamente os votos.

A Lei da Ficha Limpa é da maior importância e pode representar a cisão na história pátria para um período de maior higidez na representação popular, pois possibilitará que o candidato indigno seja afastado do poder antes mesmo de assumi-lo, já que no exercício do poder tem se verificado inúmeros entraves e demora em cassá-los.

O que se sustenta, assim, é que os direitos coletivos, aqui como conseqüências de fundo do Princípio da Moralidade, devem se sobrepor aos direitos individuais do candidato. Decerto, a idoneidade moral deve ser uma condição de elegibilidade inafastável e o exercício dos direitos políticos deve ser entendido como meio de tutela da soberania popular e da democracia representativa e não como direito do candidato para participar das eleições. A moralidade é imperiosa nesse embate.

O interesse da coletividade com a higidez da representação popular deve prevalecer sobre o direito individual do candidato que pretende disputar mandato eletivo, mesmo tendo contra si condenações recorríveis. O povo não pode ser refém da duvidosa moralidade do candidato.

Por todas essas razões, a Lei da Ficha Limpa é válida, é constitucional, porque os princípios erguidos pelos candidatos em suas defesas não resistem à ponderação com o amplo e relevante Princípio da Moralidade para o exercício do mandato eletivo, para o qual – por vontade expressa do legislador constituinte – deve impedir a candidatura daqueles que tenham vida pregressa reprovável, nos termos da Lei de Inelegibilidade (LC n. 64/1990), com a nova redação atribuída pela famigerada Lei da Ficha Limpa (LC n. 135/2010).


CONCLUSÃO

A moralidade é valor de maior importância e deve informar a vida pregressa do candidato que pretende exercer um mandato eletivo. O Princípio da Moralidade para o exercício do mandato, conforme previsto na Constituição Federal (§9º, art. 14), é mais que uma diretriz para os aplicadores e intérpretes da lei, é um mandamento, uma ordem que deve ser obedecida e prestigiada, porquanto dotada de coercibilidade e representa a ideologia estatal consagrada pelos valores socialmente estabelecidos, notadamente com a edição da Lei Complementar n. 135/2010, a famigerada Lei da Ficha Limpa.

A nova lei consagrou a vontade popular, manifestada em mais de 1,6 milhões de assinaturas, para estabelecer hipóteses objetivas de inelegibilidade baseadas na moralidade do candidato, considerada sua vida pregressa. A própria Carta da República determina que se considere a vida pregressa, a vida passada do candidato. Assim, a mensagem social é clara: não há mais razoabilidade em se permitir que candidatos com vida pregressa desabonadora participem das eleições, pois são indignos de representarem o povo. O eleitor não pode correr o risco de ter como opções apenas candidatos destituídos do mínimo de moralidade para o exercício da função pública.

Nesse aspecto, o Princípio da Presunção de Inocência, conquanto seja garantia fundamental de grande relevância para o indivíduo, não é absoluto, e pode ser ponderado com outros princípios, como o da moralidade para o exercício do mandato. Isso, especialmente, porque na Constituição não deve haver conflito de princípios, pois dotada de unidade e suas normas devem ter a máxima efetividade.

Em assim sendo, como é certo que os princípios não se excluem do ordenamento jurídico, deve-se ponderá-los com base no princípio maior da proporcionalidade para identificar qual deles, na hipótese em exame, será mitigado, mediante o sacrifício mínimo, em prestígio do outro, o qual prevalecerá.

Nesse norte, faz-se imprescindível a adoção da interpretação para justificar a validade da Lei da Ficha Limpa diante da Constituição Federal, ou seja, a vida pregressa do candidato deve garantir a proteção da moralidade para o exercício do mandato, ainda que para isso seja preciso relativizar outros princípios também de estatura constitucional, como o da Irretroatividade da Lei, da Anualidade ou Anterioridade Eleitoral (art. 16) e, especialmente, o da Presunção de Inocência.

Portanto, entre a prevalência das novas hipóteses de inelegibilidade que dispensam o trânsito em julgado e o direito do candidato de participar das eleições – o julgador deve flexibilizar o Princípio da Presunção de Inocência para restringir a capacidade eleitoral passiva (de ser votado) do candidato, a fim de resguardar a moralidade para o exercício do mandato eletivo, mantendo-se a higidez da representação popular. O Princípio da Moralidade, por ser mais amplo ao tutelar a coletividade, deve prevalecer sobre o direito individual do candidato que pretende disputar mandato eletivo, mesmo tendo contra si condenações recorríveis.


REFERÊNCIAS

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Notas

[2] Ronald Dworkin define os princípios como um "standard" que há de ser observado por ser uma exigência da justiça, da equidade ou de alguma outra dimensão da moralidade.

[3] A Declaração foi ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 226, de 12.10.1991, e promulgada pelo Decreto n. 592, de 06.12.1992.

[4] A Convenção foi ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992, e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992.

[5] O julgado foi proferido pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 255861/SP, de relatoria do Ministro Milton Luiz Pereira. DJU, 22/10/2001, p. 268.

[6] TSE. Recurso Ordinário n. 1133. Rio de Janeiro/RJ. Rel. Min. José Augusto Delgado. Publicado em sessão de 21/09/2006.

[7] Cf. PLP-518/2009 – Câmara dos Deputados. Disponível em: (http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=452953). Acesso em 17/10/2010.

[8] O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral foi o autor do projeto da Lei da Ficha Limpa que recebeu mais de 1,6 milhões de assinaturas, mas o projeto foi apresentado no Congresso Nacional pelo Deputado Federal ... Disponível em:  http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2010/05/21/imprensa35856.shtml. Acesso em: 18/10/2010.

[9]Disponível em: http://www.avaaz.org/po/brasil_ficha_limpa/97.php?cl_tta_sign=efd3c0684c95e58898090ccd21e36c1e. Acesso em: 17/10/2010.

[10]  O voto foi proferido no Habeas Corpus n. 93250 / MS - Mato Grosso do Sul. DJ 27/06/08. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[11]  RTJ 173/807-808; RE 374981/RS, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno). Cf. Informativo do STF n. 381. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[12] O entendimento foi proferido no Recurso Ordinário n. 912/RR, publicado no Diário da Justiça de 04.08.2006. Disponível em: http://www.tse.jus.br. Acesso em 15/10/2010.

[13] Disponíveis em: http://www.tse.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[14] A consulta foi julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral na véspera das eleições gerais de 2010.

[15] Disponível em: http://www.tse.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[16] Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 15/10/2010.

[17] A consulta foi julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral na véspera das eleições gerais de 2010.

[18] Disponível em: http://www.tse.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[19] Disponível em: http://www.tse.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[20] Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[21] Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 15/10/2010.

[22] Disponível em: http://www.tse.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[23] Trata-se do Mandado de Segurança n. 22.087, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, publicado no Diário da Justiça de 28.6.1996. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 16/10/2010.


Autor

  • Edgard Manoel Azevedo Filho

    Analista Judiciário Federal do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia desde 2005. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR (2004). Advogado Eleitoral e Tributarista entre 2004 e 2005. Especialista em Direito Público (Constitucional e Administrativo) pela UNIR (2007). Especialista em Direito Eleitoral e Direito Processual Eleitoral pela Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Letras de Rondônia – FARO (2011). Foi Assessor-Chefe da Presidência e da Corregedoria Regional Eleitoral e Parecerista da Diretoria Geral/TRE-RO. Twitter: @edgardmanoel. Email: [email protected].

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AZEVEDO FILHO, Edgard Manoel. A moralidade como princípio validador da Lei da Ficha Limpa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3938, 13 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27314. Acesso em: 19 abr. 2024.