Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/29115
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Gênero, cárcere e família: estudo etnográfico sobre a experiência das mulheres no tráfico de drogas

Gênero, cárcere e família: estudo etnográfico sobre a experiência das mulheres no tráfico de drogas

Publicado em . Elaborado em .

Aborda-se a criminalidade feminina com ênfase no tráfico de drogas. A pesquisa sobre as relações de poder que envolvem as mulheres que chegam ao tráfico de drogas e, após a condenação, são colocadas em estabelecimentos penais masculinos.

Resumo: Neste texto, aborda-se a criminalidade feminina com ênfase no tráfico de drogas. A pesquisa sobre as relações de poder que envolvem as mulheres que chegam ao tráfico de drogas e, após a condenação, são colocadas em estabelecimentos penais masculinos torna-se relevante, pela escassez de trabalhos nesse sentido. Através dos dados, observa-se um aumento da criminalidade feminina e que a participação das mulheres em crimes de tráfico drogas é consideravelmente maior que a dos homens. A perspectiva de gênero precisa ser encarada como um dos eixos que constituem as relações sociais como um todo. A importância das relações sociais, juntamente com as estruturas familiares, surge quando para sua manutenção é necessário a organização através do exercício de atividades, exercício que necessita de representantes, ou seja, a determinação e a tomada de papéis. Estudo Etnográfico. Como marco teórico refere-se a Bourdieu (1999, 2006 e 2007), Foucault (1997, 2002, 2007 e 2011), Butler (2003, 2005 e 2007) e Lemgruber (1993 e 2001)  

Palavras-chave: Gênero. Família. Cárcere. Mulher.


INTRODUÇÃO

A análise da criminalidade feminina no tráfico de drogas, com recorte na vida de mulheres que se encontravam em situação de vulnerabilidade social deve considerar suas motivações para a entrada no mundo do ilícito, que tantos reflexos geram em suas relações familiares, nesse processo de fora/dentro do cárcere.

O tema foi desenvolvido de forma interdisciplinar. O Direito Penal funciona como alicerce para uma abordagem contextualizada com outras áreas como: Antropologia, Sociologia, Criminologia, dentre outras.

A abordagem antropológica permite refletir sobre a experiência de vida dessas mulheres que não se resume a experiência do cárcere. Nesse sentido atenta-se para o “ponto de vista do nativo”, buscando a observação direta dos comportamentos sociais a partir das relações humanas. 

Por meio do trabalho de campo, foi possível observar os fatos e fenômenos vividos, coletar dados referentes a eles para proceder à  análise e à interpretação dos mesmos, numa articulação entre a teoria e o fato etnográfico, objetivando  compreender o problema pesquisado, mas, principalmente, conhecer a cultura do Outro. Tudo isso implica uma vivência profunda e relativizadora do olhar de uma professora de direito penal com outros modos de vida, com outros valores e com outros sistemas de relações sociais.

Realizar uma pesquisa dentro de um estabelecimento prisional total significa sair de um lugar confortável, buscando compreender as mulheres que ali cumprem suas penas, procurando, assim, aprender com o Outro nesse contexto tão cheio de particularidades, por meio de uma relação de empatia entre a pesquisadora e o objeto de estudo.

As pesquisas empíricas com tema prisional foram as que mais detectaram, nas últimas décadas, uma modificação da participação feminina nos mais variados tipos de crimes. Iniciou-se, então, um processo de segmentação dos estudos em torno das mulheres e seu envolvimento com a criminalidade, pois, até então, o estudo de uma criminalidade “tipicamente” feminina se baseava em estereótipos, pré-conceitos e representações sociais muito específicas (OLIVEIRA, 2000).

A retomada do potencial feminino, que ocorreu, em parte, com a liberação feminina e com a entrada da mulher no mercado de trabalho, promovendo a desconstrução das famílias de núcleo patriarcal, demonstram um novo interesse pelo que a mulher pode oferecer e a responsabilização pelo próprio destino.

Para estudar as instituições, costumes e códigos, ou o comportamento de mulheres e homens, é imprescindível atingir os seus sentimentos subjetivos e desejos pelos quais eles vivem. Cada cultura possui seus próprios valores; as pessoas têm suas ambições, seguem seus impulsos, desejam diferentes formas de felicidade.

Dentro do presídio, em contato com as mulheres, vendo, escutando e observando o que lá acontece, foi possível colher não só os dados estatísticos, mas também os sentimentos, desejos e vontades de mulheres que, num processo de encarceramento, encontram-se com suas relações afetivas e familiares transformadas.

Vale reafirmar que a confiabilidade e a legitimidade de uma pesquisa empírica dependem, fundamentalmente, da capacidade de o pesquisador articular teoria e empiria em torno de um objeto, questão ou problema de pesquisa. Isso não só demanda esforço, leitura e experiência, mas também implica incorporar referências teórico-metodológicas de tal maneira que se tornem lentes a dirigir o olhar, ferramentas invisíveis a captar sinais, recolher indícios, descrever práticas, atribuir sentido a gestos e palavras.

O trabalho foi desenvolvido de forma que o objeto de estudo investigado e analisado transponha fronteiras de tal forma que a análise, ancorada em referencial teórico e metodológico da antropologia, transcenda o conhecimento empírico. Em sua maioria, as mulheres estão encarceradas em razão do tráfico de drogas. Tal fato me levou a indagações, instigou-me a querer entender o significativo crescimento desse segmento, dentro de um presídio. 


A MULHER E A CRIMINOLOGIA

Na virada do século XX, os teóricos atribuíam a violência feminina às influências dos estados fisiológicos pelos quais a mulher passaria na vida: a puberdade, a menstruação, a menopausa e o parto, ou seja, às influências relacionadas à sexualidade e à maternidade (SOARES e ILGENFRITZ, 2002).

Importante lembrar que o Código Penal Brasileiro vigente (datado de 1940) encontra-se ainda marcado por alguns elementos dessa perspectiva, apontando que, pela sua constituição hormonal, a mulher possui uma natureza psicológica por vezes sujeita a transtornos mentais significativos, em determinados períodos específicos da sua vida, os quais influenciam o psiquismo como ocorre, por exemplo, no delito de infanticídio, crime pelo qual a mulher mata o próprio filho influenciada pelo estado puerperal.

Na lição de Encarna Bodelón, devemos recordar o papel histórico do direito penal:

Longe de proteger seus interesses, o direito penal do século XIX e boa parte do século XX contribuiu para reproduzir uma determinada significação do ser social mulher, isto é, da estrutura de gênero. Por um lado, a mulher aparece sujeita a tutela e sem plena responsabilidade, por outro, estabelece um conjunto de controles sociais sobre a sexualidade feminina e um conjunto de estereótipos sobre sua sexualidade  (BODELÓN, 2000).

No artigo Mulher e Cárcere: uma perspectiva criminológica, Sposato (2007) refere que a literatura, a partir dos anos setenta, permite aferir o tratamento dispensado às mulheres pelo sistema penal, mostrando sua posição desigual no direito penal.  Mais que isso, permite identificar que, historicamente, a mulher aparece considerada pelo sistema penal como uma pessoa sujeita a tutela, a um conjunto de mecanismos de controle sobre sua sexualidade (como a criminalização do aborto) e um conjunto de estereótipos sobre o feminino.

A autora diz que a história da criminalização de mulheres é a história do exercício do poder fundado em um direito cujas bases são inegavelmente sexistas (SPOSATO, 2007).

É sabido que o direito penal, com seus instrumentos repressivos de controle social, recai sempre sobre os mais vulneráveis, porque a prática do sistema penal está orientada a castigar os pobres e deixar impunes outros setores, mesmo que causem danos mais graves (op. cit. 2007). No mundo do tráfico de drogas, observa-se exatamente isso, ou seja, pune-se o pequeno traficante, a “mula”, o “fogueteiro”, enquanto as grandes organizações criminosas ficam impunes.

Carol Smart (1994) se manifesta dizendo que o direito tem gênero, pois atua como uma tecnologia de gênero, ou seja, um processo de produção de identidades fixas. A mulher é o diferente e, quando não exerce o papel de mãe ou esposa, é desviada.Da mesma forma, a Teoria Legal Feminista dos anos oitenta favorece a compreensão acerca das relações entre gênero e direito e identifica um direito sexista (AZAOLA, 1997).

No estudo realizado por Vera Andrade (apud SILVA, 2011), verificou-se que a entrada do movimento feminista na Criminologia Crítica ampliou o objeto de estudo desta, constatando-se que a seletividade do sistema penal, em um primeiro momento, não abrangia a desigualdade de gêneros, mas tão somente a desigualdade de grupos e classes.

A introdução da questão de gênero na Criminologia Crítica, segundo a autora, trouxe uma dupla contribuição: não só propiciou maior compreensão sobre o funcionamento do sistema penal e social, como também mostrou que, sob o aparente mito da neutralidade e tecnicismo, mediante os quais são aplicadas as normas e são formulados os conceitos jurídicos, há uma visão dominantemente masculina.

A adoção de um paradigma masculino, absoluto e uno quando da elaboração das políticas penitenciárias viola e violenta a cidadania das mulheres encarceradas, diz Talita Rampín (2011), contribuindo para o incremento de um processo cada vez mais intensivo de sua invisibilização, ao ponto de negar-lhes o bem mais caro à pessoa humana: a dignidade.

Com a entrada da categoria “gênero” nas ciências sociais, analisar a criminalidade feminina associando/comparando com a criminalidade masculina já não se justifica mais, pois ficou evidente a existência de diferentes temporalidades e mulheres atuando em cada lugar, em cada contexto, tornando-se, portanto, uma história múltipla (SCOTT apud SALMASSO, 2004).

Segundo Joan Scott, gênero é um conceito que repousa na articulação entre duas proposições:

(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder [...] o gênero é uma primeira maneira de dar significado às relações de poder. Seria melhor dizer o gênero é um primeiro campo no seio do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado (SCOTT,1995:14).

Sendo o gênero, no entendimento de Scott, uma forma de significar relações de poder, é necessário que se compreenda que não há uma natureza do gênero feminino ou uma natureza do gênero masculino. A natureza que justifica a existência de corpos com determinadas características não pode ser pensada senão como uma existência dentro da linguagem ou a partir da linguagem.

O gênero feminino e o masculino vão se constituir e se definir dentro de relações e nas práticas que se estabelecem e que assumem um significado cultural. Não há uma natureza dos gêneros que seja efetivamente neutra. Então, masculinidade e feminilidade são significados estabelecidos culturalmente que fazem com que uma determinada pessoa apreenda comportamentos tidos como masculinos e comportamentos relacionados com o feminino (SILVA, 2009).

Gênero, conforme Butler (2003 e 2005), é modelo de dominação social de dimensão simbólica, baseado nas oposições sexuais em que os componentes biológicos não são diferenciados dos componentes culturais estabelecidos.

A categoria gênero analisa a construção sociocultural das diferenças em razão do sexo ou das noções de masculino e feminino, ou das identidades masculino/feminino, em um determinado momento histórico, em uma determinada sociedade. “Os significados dessas identidades, que são criadas culturalmente, variam no tempo e em cada sociedade, sendo, portanto, conceitos que variam e se transformam” (SILVA, 2009:31).

Assim, gênero é construção cultural que normaliza os comportamentos esperados e definidos como sendo femininos e masculinos. Para além da construção das identidades, o gênero está presente em toda a estrutura social, refletindo na própria constituição do corpo. Segundo Judith Butler:o efeito do gênero se produz pela estilização do corpo e deve ser entendido, consequentemente, como a forma corriqueira pela qual os gestos, movimentos e estilos corporais de vários tipos constituem a ilusão de um eu permanentemente marcado pelo gênero (BUTLER, 2003:200).

A autora traz a ideia de que os atributos do gênero são performativos:

O fato de a realidade do gênero ser criada mediante performances sociais contínuas significa que as próprias noções do sexo essencial e de masculinidade ou feminilidade, verdadeiras ou permanentes, também são constituídas como parte da estratégia que oculta o caráter performativo do gênero e as possibilidades performativas de proliferação das configurações de gênero fora das estruturas restritivas da dominação masculina e da heterossexualidade compulsória (op.cit., 2003: 201).

De acordo com Heilborn (1994), isso implica afirmar que a palavra sexo ficou vinculada à dimensão anátomo-fisiológica, enquanto o conceito de gênero passou a referir-se às características e papéis culturais atribuídos por aqueles que, na condição de homens ou mulheres, inserem-se numa dada sociedade e numa dada cultura.

Segundo Margareth Rago e Heleieth Saffioti (2004:32), no século XIX, a mulher foi projetada para o âmbito privado (lar/casa), ao contrário dos homens que tinham seus lugares na esfera pública (trabalho/rua). Ao homem cabia a tarefa de ser pai e chefe provedor dos bens materiais necessários à sobrevivência de sua família; à mulher cabia a tarefa da maternidade e da criação dos filhos, sempre retraída à tranquilidade aparente do lar.

A menor incidência de mulheres no mundo do crime é entendida como especificamente relacionada com um contexto social que reflete toda uma cultura social de que a mulher pertence a uma esfera doméstica. Assim, a ideologia da domesticidade e incapacidade vai se configurando para as mulheres, devendo elas “submeter-se à autoridade masculina em casa e fora dela, sob pena de serem olhadas como anormalidades ou monstruosidades” (RAGO, 2004:34).

Fonseca (2004) observa que devemos usar com cautela a oposição entre casa (como espaço feminino) e rua (espaço masculino). Essa dicotomia, particularmente bem adaptada à progressiva separação de espaços na família burguesa do século XIX, não se aplica, necessariamente, em outros contextos. Nos grupos populares, o público e o privado se confundem: tanto as mulheres quanto os homens contribuem para o orçamento familiar realizando atividades irregulares (setor informal); os horários de trabalhos flexíveis possibilitam que ambos estejam presentes e ativos nas suas casas e na vida cotidiana do bairro.

O crime, enquanto ação realizada na esfera pública, continua sendo um espaço essencialmente masculino, permanecendo a criminalidade praticada pelas mulheres relacionada ao mundo feminino, relacionando-se com a casa, com os filhos, com a família e com a manutenção desta (PERROT, 2010).

No decorrer de décadas, as mulheres lutaram e conseguiram conquistar um espaço muito importante dentro da sociedade. Para Perrot (2010), pelo menos no mundo ocidental, o lugar das mulheres, no espaço público, foi revestido de elementos em cuja representação fica evidenciado o imaginário masculino da mulher; vista como selvagem, mais instintiva do que racional, ela incomoda e ameaça.

A partir dessa ideia, as mulheres, que por muito tempo foram representantes da figura dócil, dedicadas aos companheiros, mostraram-se, escondida ou abertamente, como delituosas, capazes de cometer crimes.

Almeida assim se manifesta:

Muitas, o tempo todo controladas até por elas mesmas, rebelam-se contra um status feminino que lhes fora imposto no decorrer dos séculos, bem como contra maus-tratos, contra a submissão e também contra a subestimação de sua capacidade de delinquir (ALMEIDA, 2001:100).

No trabalho de campo, encontrei mulheres excepcionalmente fortes, decididas, capazes de fazer o que fosse preciso em prol de seus filhos, que escapam ao modelo estigmatizado da passividade, submissão, recato, delicadeza, fragilidade creditada à mulher do espaço doméstico, fugindo, em grande escala, aos estereótipos atribuídos às vítimas e ao sexo frágil.

Homens e mulheres desempenham um papel preestabelecido de acordo com funções de gênero convencionadas socialmente. Como contraponto ao modelo passivo de mulher, ousa-se falar sobre a violência feminina, que era ou ainda é vista como patologia, pelo fato de o comportamento das mulheres violentas ser rotulado como inapropriado e não feminino. Consequentemente, a tradicional socialização feminina atuaria como um fator que protege as mulheres de entrarem no mundo da infração (ASSIS & CONSTANTINO, 2001).

Para Almeida (2001), a mulher nega esse mito do feminino deificado, torna-se a sua antítese, a sombra da mulher santa e mãe, e o ato de violência torna-se uma forma de quebrar limites.

A inserção da mulher no espaço público, antes proibido, a busca de autonomia, o mexer com a ordem masculina, enfim, o empoderamento feminino, ocorreu por várias vias, como o trabalho assalariado e as lutas pela cidadania, a partir de movimentos feministas, nos anos de 1960 e 1970. A noção de gênero surge pautada nesses movimentos, constituindo-se como um conceito das ciências sociais, referente à construção social do sexo.

Para compreendermos toda a estrutura atual, em face da criminalização feminina, é indispensável atentarmos que a “mulher reclusa é vista como tendo transgredido a ordem em dois níveis: a) a ordem da sociedade; b) a ordem da família, abandonando seu papel de mãe e esposa – o papel que lhe foi destinado. Por isso sofrem uma punição também dupla: a) a perda da liberdade com a privação de liberdade comum a todos os prisioneiros; b) estão sujeitas a níveis de controle e observação muito mais rígidos, que visam a reforçar nelas a passividade e a dependência, o que explica por que a direção de uma prisão de mulheres se sente investida de uma missão moral” (LEMGRUBER, 1993:86).

Essa mulher é não só criminalizada por sua conduta ilícita, mas também estigmatizadas pela violação do comportamento socialmente esperado, ou seja, sofre uma dupla marginalização social.

Ela passa a ser vista como agente de uma transgressão ainda maior, pois a ação criminosa deveria fazer parte do mundo masculino, e a mulher que assume esse papel acaba por se transformar numa “espécie de monstro”, realizando uma dupla transgressão.

Michel Foucault procura entender a figura do “monstro” em nossa sociedade moderna, definindo-a como sendo essencialmente uma noção jurídica. Dessa forma, “o monstro seria aquele que combina o impossível com o proibido” e, serve como o grande modelo de todas as pequenas discrepâncias. Segundo o filósofo, o “monstro humano” é aquele que constitui em sua existência mesma e em sua forma, não apenas uma violação das leis da sociedade, mas a violação das leis da natureza” (FOUCAULT, 2002: 69-70).

As práticas sociais revelam representações masculinas e femininas determinantes das relações sociais construídas cultural e historicamente. Na definição dos papéis sociais, ou das identidades criadas como masculino/feminino, estão presentes as relações de poder que acabam conferindo o significado dos mesmos, apesar de não se restringirem apenas a relações de poder. E aqui essas relações não são tidas como uma coisa única, estanque, mas como relações, processos, onde o poder está presente. Passa-se a pensar no poder como algo fragmentado, presente sempre em todas as relações do cotidiano (SILVA, 2009).

Para Bourdieu (1999), a violência pode ser uma forma de poder. Segundo ele, é possível perceber, na história das mulheres, a violência não apenas invisível, mas declarada, isto é, a transgressão de normas, de uma forma ou de outra, gera violências. A violência pode não levar a mudanças estruturais, mas produz sinais de que a mulher está questionando as estruturas, pela violência.

Resistência e subordinação são conceitos importantes na análise dessas relações de poder estabelecidas entre os gêneros. A subordinação das mulheres está alicerçada no processo de construção social dos gêneros masculino/feminino e as discussões sobre gênero pretendem justamente questionar os espaços delimitados como femininos, tal como a unidade doméstica e o ambiente familiar.

Para Foucault (2007), o poder é sempre uma relação; ele é exercido também dentro desses lugares: ambiente privado e familiar. Assim, propõe que observemos o poder sendo exercido em muitas e variadas direções, como se fosse uma rede que, “capilarmente”, se constitui por toda a sociedade. O poder deveria ser concebido mais como “uma estratégia”, não sendo, portanto, um privilégio que alguém possui ou do qual se apropria. Acrescenta, ainda, que se deve observar o poder como uma rede de relações sempre tensas, sempre em atividade.

Na concepção de Foucault (2007), o exercício do poder sempre se dá entre sujeitos que são capazes de resistir. Poder é sempre um enfrentamento. Sendo assim, há que se ter presente a possibilidade de o outro reagir, porque sem reação não se tem poder. O poder se exerce em espaço de liberdade: onde esta não exista, tem-se apenas obediência. E violência é sempre dominação e não subordinação. Na dominação, há ausência de liberdade, verdadeiro assujeitamento do outro.

O poder, em todas as sociedades, segundo Foucalt (2007), está fundamentalmente ligado ao corpo, uma vez que é sobre ele que se impõem as obrigações e as proibições.

A partir desses conceitos é relevante pensar na possibilidade de as mulheres resistirem, enquanto sujeitos ativos, à sua subordinação, tornando-se sujeitos com possibilidades de transformação.

Os papéis sexuais definidos como femininos contrapõem-se às representações de violência, de manifestação de contrariedade à normatividade, por isso a esfera criminal sempre foi reservada aos homens. A definição dos papéis sexuais, segundo a historiadora francesa Michelle Perrot (2010), fez com que a cidade fosse um espaço sexuado, com espaços definidos como masculinos e outros como femininos.

Nessa perspectiva, a violência simbólica apresenta tema central nos estudos de Bourdieu (1999). Tal violência não é fruto da instrumentalização pura e simples de uma classe sobre a outra, mas é exercida através dos jogos engendrados pelos atores sociais. Os “sistemas simbólicos” cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra, dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam, contribuindo, assim, segundo a expressão de Weber, para a “domesticação dos dominados”.

Para o sociólogo, essa socialização a que se refere é, na verdade, uma violência simbólica que só ocorre de forma eficaz, porque há um habitus  que orienta os agentes a apreender seu lugar no mundo social, percebendo tal lugar como natural.

 A ordem se perpetua por meio de esquemas de representação dos objetos/sentidos e reprodução do mundo, revelados nas práticas sociais que repetem um arranjo onde há a divisão social entre os sexos, com predomínio do masculino. Essa forma de repetição se dá com a percepção de que as divisões sociais são um fato natural e não construções sociais, ou seja, o indivíduo constrói as suas percepções a partir do coletivo. A divisão social está presente em estado objetivado, através das estruturas e em estado subjetivado, incorporado no habitus, que sustenta essas práticas de produção de uma mesma organização social.

No espaço social, há relações assimétricas de dominação entre os atores. Essa dominação se perpetua pela própria inculcação, nas mulheres, do pensamento que privilegia o masculino, já que as mesmas interpretam o mundo através de esquemas e categorias sociais construídas e eternizadas dentro do predomínio do masculino (SILVA, 2009).

A incorporação inconsciente é imposta pelo poder simbólico responsável pela determinação de significações − dominação simbólica − que naturaliza a diferença entre masculino e feminino a partir das diferenças biológicas. Fala-se em dominação simbólica porque esta pressupõe um poder não percebido pelos dominados, que assimilam conceitos que favorecem os dominadores, e estes, por sua vez, sem perceberem esse processo, reproduzem esses conceitos e essa ordem (op. cit., 2009). É eficaz porque consentido por quem sofre o poder e é consentido porque essas disposições são inculcadas, primeiramente pela família, e depois por toda a ordem social, com suas instituições prontas a socializar e ampliar os esquemas de dominação.

A incorporação da dominação se dá, como já dito, pela submissão imediata e inconsciente da mulher, num processo de violência simbólica, com o compartilhamento entre dominador e dominado, da organização natural das coisas, num gradativo processo de “socialização do biológico e biologização do social” (BOURDIEU, 1999:9).

A dominação se dá no engendramento de jogos a serem estabelecidos nas relações entre os agentes sociais nos diversos campos  (BOURDIEU, 1999). As divisões da ordem social que estão instituídas entre os gêneros têm habitus diferenciados. Isto importa em diferentes esquemas de percepção do mundo, a partir de um habitus masculino e de um habitus feminino, que determinam preceitos favoráveis ao masculino e desfavoráveis ao feminino.

A desigualdade entre o habitus masculino e o feminino é uma forma de dominação social. Os dominados terminam por interiorizar sua dominação, passando a assumir aqueles valores/princípios que levam à sua própria dominação.

Sem ter outro caminho para pensar a si, cabe aos dominados tomar esses esquemas para se perceber e se comportar dentro das classificações ditas naturais dos dominantes (alto/baixo, masculino/feminino, branco/negro, etc.), ou quaisquer outras constituídas como disposições naturais amplamente incorporadas (BOURDIEU apud ALMEIDA, 2001).

Como estamos analisando o envolvimento de mulheres no tráfico de drogas, em boa parte, com seus maridos ou companheiros, é preciso pensar na família como categoria social e cultural de construção mental da realidade (BOURDIEU, 2007).

A família, assevera Bourdieu (op. cit., 2007), é ao mesmo tempo estrutura estruturante e estrutura estruturada, ou seja, categoria objetiva (das estruturas sociais) e subjetiva (das estruturas mentais), produzindo representações que contribuem para a reprodução da ordem social.

Há um processo de naturalização dessa instituição social que é percebida como uma categoria natural, realizando o trabalho simbólico de transformar, como fator de integração, a obrigação de amar imposta a seus membros em disposição amorosa exercida, sobretudo, pelas mulheres.

Por meio desse trabalho simbólico, incorporam-se as relações de dominação/submissão como sendo relações de natureza afetiva.

Na família, tem início o processo de interiorização dos papéis de gênero:

[...] o funcionamento da unidade doméstica como campo encontra seu limite nos efeitos da dominação masculina que orientam a família em direção à lógica do corpo, à integração, podendo ser um efeito da dominação (BORDIEU, 2007:132).

Dentro dela, define-se o espaço privado como espaço feminino onde vigora a economia de bens simbólicos:

A célula familiar, tal como foi valorizada ao longo do século XVIII, permitiu que sobre as duas dimensões principais − o eixo marido-mulher e o eixo pais-filhos − se desenvolvessem os elementos principais do dispositivo de sexualidade, o corpo feminino, a precocidade infantil, a regulação dos nascimentos, e, em menor medida, provavelmente, a especificação dos pervertidos (FOUCAULT, 1997:142).

A família, enquanto instância formal de controle, contribui para a reprodução das desigualdades de gênero, reforçando a ideia de que o espaço público seja local de domínio masculino.Pode-se falar, a exemplo de Perrot (2010 e 2005), em formas de resistência das mulheres ao poder masculino, reveladas em estratégias do cotidiano que lhes conferem poderes.

A atenção à questão de gênero, no entanto, não atende simplesmente a uma tendência contemporânea ocasional que concebe a mulher como um novo sujeito em diversos setores e esferas da vida social e assim também no sistema penal, mas reveste-se de uma dupla significância que reside precisamente em refletir acerca dos efeitos ou consequências que a criminalização e a penalização podem ocasionar não só para a mulher como indivíduo e sujeito de direitos, mas também de forma extensiva a toda a sociedade.


UM PRESÍDIO PARA HOMENS

Como aponta Foucault (apud STELLA, 2001), na história das punições sociais, a prisão foi construída por e para homens, com o objetivo de ser um aparelho que transformasse homens. Marginais e ladrões, depois de devidamente treinados e disciplinados, seriam docilmente reintegrados à sociedade como homens de bem, prontos para serem úteis a si e à nação. Foucault apenas cita que, ao longo da história, mulheres e crianças também estiveram presas, não discutindo, porém, a especificidade do cárcere feminino.

Julita Lemgruber (2001:374), no artigo A mulher e o Sistema de Justiça Criminal: algumas notas, expõe que “as prisões são basicamente planejadas e desenhadas para homens e suas regras são definidas por homens. Na medida em que o número de mulheres presas é menor que o de homens, elas são, em muitos países, incluindo o Brasil, frequentemente alojadas em unidades pertencentes a um complexo prisional masculino, estando sujeitas as regras que não dão conta das suas necessidades específicas.

A partir da Constituição da República de 1988 tornou-se imperativa a observância das orientações humanitárias, para além de recepcionarem a legislação especial até então vigente  – assegurando, assim, enquanto opção política adotada – autonomia política e soberania popular – o caráter fundamental de direitos individuais das mulheres que eventualmente devam cumprir sanções penais. Isto é, muito além da necessidade de estabelecimentos distintos, particularmente em razão do sexo, observa-se que especificamente às mulheres encarceradas foram asseguradas condições especiais.

A legislação penal , seguindo os passos dados pelo texto constitucional, assim dispõe: “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade (sentença ou pela lei), impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”. Segundo Aníbal Bruno (apud DEMERCIAN e MALULY, 2012:714), “é no tratamento penitenciário que se realiza a verdadeira individualização da pena e se adotam os processos que a moderna Penalogia  preconiza”. Diz este autor que:

Quando se passa à execução da medida penal, o crime ficou para trás. O que o estabelecimento penitenciário recebe é o homem, que o crime contribuiu para definir, mas cuja personalidade complexa excede à manifestação do fato punível. A esse homem real, na sua íntima natureza, como a observação de todos os dias irá revelar, é que deverá ajustar-se o tratamento ressocializador que a execução da pena representa.

A Carta Constitucional  estabelece que a pena seja cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, ou seja, mulheres em estabelecimentos femininos e homens nos masculinos, porque na verdade não existe, originariamente, um estabelecimento penal misto. Os presídios masculinos acabam por se transformar em mistos quando o Estado coloca mulheres para neles cumprirem suas penas.

As mulheres são submetidas a regime especial  para a execução da pena privativa de liberdade. Assim, esta será cumprida em estabelecimento próprio, observando-se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal.

Ao se referir a estabelecimento “adequado à sua condição pessoal”, a lei quer dizer que devem ser levados em consideração o sexo, as condições fisiológicas e psicológicas da mulher.

Quando as mulheres não são colocadas num estabelecimento adequado a elas e sim em presídios masculinos, esses direitos a que a lei se refere não são atendidos, como o exercício da maternidade pela falta da creche, o direito de amamentar seu filho. A liberdade já restrita em razão da condenação fica ainda mais cerceada, já que elas não podem transitar em lugares onde estão os homens, ficando impedidas de ingressar em determinados espaços.

A mulher e o maior de 60 (sessenta) anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal .  O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados. Esta permissão decorre da previsão de eventuais dificuldades materiais na construção de centros penitenciários distintos em sítios diversos.

As Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros , da ONU, estabelecem que as diferentes categorias de presos deverão ser mantidas em estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes zonas de um mesmo estabelecimento prisional, levando-se em consideração seu sexo e idade, seus antecedentes, as razões da detenção e o tratamento que lhes deve ser aplicado.

Assim sendo, quando for possível, homens e mulheres deverão ser detidos em estabelecimentos separados; em estabelecimentos que recebam homens e mulheres, o conjunto dos locais destinados às mulheres deverá estar completamente separado.

A Constituição Federal , com o objetivo de atender aos direitos fundamentais das mulheres, dispõe também que às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.

Para que essa garantia constitucional seja atendida, a lei ordinária  passou a prever que os estabelecimentos penais destinados as mulheres sejam dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até seis meses de idade. Assim, a penitenciária feminina deve ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de seis meses e menores de sete anos .

Destinam-se essas instalações à prestação de assistência ao filho desamparado da mulher encarcerada. Como se sabe, a execução da pena atinge, (in)diretamente, os filhos das condenadas e se torna indispensável que sejam eles assistidos, ao menos enquanto estiverem na idade de dependência estreita com a mãe. Não há obrigatoriedade da existência de tais instalações, mas não há dúvida de que são necessárias.

Tais alterações vieram ao encontro dos tratados e acordos internacionais de que o Brasil faz parte, em que os Estados signatários se comprometem a fazer com que as presas tenham uma forma digna de cumprimento da pena que lhes foi imposta, não permitindo que seus laços familiares sejam rompidos, principalmente com seus filhos menores e/ou recém-nascidos.

O período de amamentação, além de fundamental para o recém-nascido, também evita a depressão pós-parto, uma vez que não rompe com os laços entre mãe e filho. Como se percebe, sem muito esforço, a mulher encarcerada, tal como outra mãe, apega-se ao seu filho, e se puder dispensar-lhe os cuidados necessários, isso fará com que o cumprimento da pena seja menos traumático.

Rogério Greco (2012) assevera, sobre o assunto, que por mais que alguns digam que, na verdade, essas regras implicarão na “prisão” da criança, que se vê obrigada a acompanhar o cumprimento da pena da sua mãe, em muitas situações, essas crianças são “jogadas” na casa de familiares que, mesmo contra a vontade, são obrigados a dispensar os cuidados necessários ao desenvolvimento delas.

Nesta sucinta análise da legislação, podemos observar que não há qualquer previsão, pelo menos expressa, da colocação de mulheres em presídios masculinos. Até então, o que existe é a possibilidade de homens e mulheres serem colocados em prédios distintos de um mesmo conjunto arquitetônico. Observa-se, também, que apesar de a Constituição trazer um novo pensamento no que diz respeito ao encarceramento de mulheres, essas ideias ainda não foram colocadas em prática.

É sabido que o sistema prisional brasileiro está aquém do ideal em relação às questões estruturais e logísticas. Em relação à condição da mulher, é ainda mais grave, pois a elas é destinado o que é possível fazer (adaptar) dentro desse sistema prisional masculino.

Nas condições em que as mulheres são colocadas nos presídios masculinos o que se observa é que os direitos delas, que na verdade são mais do que direitos, são garantias individuais constitucionais violadas pelo Estado, transformam a execução da pena em uma punição ainda maior.Apesar do crescimento significativo de mulheres encarceradas, o Estado não faz novos investimentos de forma a atender as especificidades dessa população.  O que se vê é o improviso, como o que aconteceu em Bagé, onde o ambulatório foi transformado em “cela” feminina, ou seja, são colocadas em espaços que não passam de apêndices do estabelecimento masculino. Os prédios construídos para prisões masculinas acabam por serem readaptados para comportar o aprisionamento de mulheres. 

Karyna Sposato (2007) ressalta que as mulheres estão expostas a padecer os sofrimentos do encarceramento de uma forma mais aguda, e não porque sejam menos adaptáveis, senão porque as condições materiais, físicas e sociais de seu confinamento são significativamente diferentes.

A mulher grávida que ganha seu filho na prisão não tem atendidas as condições para o exercício da maternidade, como, por exemplo, um espaço separado para ela permanecer com o filho até os seis meses de idade para poder amamentá-lo e cuidá-lo.

Nesse caso, em razão das alterações introduzidas no Código de Processo Penal  (CPP), o juiz tem a faculdade de colocar a mulher condenada em prisão albergue domiciliar a partir do sétimo mês de gravidez ou com gravidez de risco e, após o nascimento da criança, permanecerá por mais um mês em casa, devendo retornar à prisão após esse período para terminar de cumprir sua pena. Essas medidas mostram-se de fundamental importância para a melhor garantia dos direitos da mulher e de seu filho.

Quando falo nos direitos da mãe que está no cárcere, refiro-me também ao direito fundamental da criança à convivência familiar e ao de ser cuidada por sua família de origem, de acordo com o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente  (ECA). Não esqueçamos que a preservação do vínculo familiar já era preocupação expressa da Convenção dos Direitos da Criança , na qual se reconhece o direito da criança separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contatos diretos com ambos, garantindo o direito, tanto da criança quanto dos familiares, à informação sobre o paradeiro do membro familiar que teve sua liberdade restrita pelo Poder Público.

Também em razão da escassez de vagas decorrente da adaptação que é feita nos presídios masculinos, as mulheres experimentam condições piores de privação de liberdade que os homens condenados pelos mesmos delitos.

Na prática, diz Nucci:

Lamentavelmente, o Estado tem dado pouca atenção ao sistema carcerário, nas últimas décadas, deixando de lado a necessária humanização do cumprimento da pena, em especial no tocante à privativa de liberdade, permitindo que muitos presídios se tenham transformado em autênticas masmorras, bem distantes do respeito à integridade física e moral dos presos, direito constitucionalmente imposto (NUCCI, 2007:943).

Segundo o professor Luiz Antônio Bogo Chies (2011:9), “os espaços prisionais dos estabelecimentos não foram projetados para o encarceramento misto; tornaram-se mistos por pressões conjunturais e por opções político-penitenciárias. Nesses contextos, o compartilhar de alguns espaços produz situações dramáticas e que são mascaradas por ambiguidades que invisibilizam as perversidades carcerárias”. Chies (2011:9) denomina estes lugares de “estabelecimentos masculinamente mistos”. Se as prisões são, de forma inerente e inevitável, lugares ofuscados e de ofuscação para as mulheres encarceradas em presídios masculinos, os processos de invisibilização – os quais perpassam os espaços prisionais destinados e as estratégias de afetação de subjetividades, de “mortificações do Eu” (CHIES apud GOFFMAN, 1990) – avançam sobre uma dimensão que lhes deveria garantir dignidade na diferença e na igualdade; a dimensão dos direitos e das garantias judiciais.

Sabrina Rosa Paz (2009:33), em sua dissertação de mestrado, cita o estudo realizado pelo Grupo Interdisciplinar de Trabalhos e Estudos Penitenciários, coordenado pelo Prof. Dr. Luiz Antônio Bogo Chies, que observou que a prática do encarceramento de mulheres em presídios projetados para homens amplia a invisibilidade da mulher presa, bem como aumenta as perversidades do encarceramento em virtude das sobrecargas de punições dirigidas àquelas que nele são inseridas, tais como: o rompimento dos vínculos e das relações sócio-afetivas; privações materiais; afetação da identidade e da autoestima; rótulos e estigmas; violação de direitos, que iremos abordar no próximo capítulo.

Embora a mulher pareça invisível ao sistema penal pela sua representatividade, considerando as estatísticas, o sistema penal e, especificamente a prisão, podem lhe impingir consequências significativamente mais penosas. Para Sposato (2007), o endurecimento do sistema penal mediante a adoção de penas estendidas e limitação ao regime de garantias e/ou benefícios penitenciários, somada ao número reduzido de estabelecimentos destinados a mulheres, produz taxas de superlotação bastante graves em se tratando do encarceramento feminino.O trabalho a ser oferecido também difere do proporcionado aos homens, mas sempre cumpre anotar que não pode limitar-se a atividades domésticas sem expressão econômica.

O presídio feminino não deve constituir seção ou anexo de estabelecimento prisional masculino, pois a subcultura carcerária que se forma no estabelecimento destinado aos homens não pode contaminar o estabelecimento feminino.

Assevera Miguel Reale Júnior (2013) que a perda da liberdade, todavia, não pode levar à perda da dignidade, e para tanto, a fim de não acrescentar à prisão ainda maiores gravames, é necessário minimizar ao máximo os malefícios próprios da vida prisional.

Diz o autor que a tarefa da prisão é de “humanizar e punir”, tarefa essa repleta de contradições e percalços, mas ainda assim deve ser tentada, com os olhos voltados a manter a higidez física e mental do encarcerado, de forma a ensejar-lhe a visualização de um horizonte, de uma perspectiva, apesar dos muros da prisão que antes impedem a entrada de valores positivos do que a fuga dos presos.

Em 2010, foi divulgado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) documento importante para o processo de visibilização das mulheres encarceradas: as “Reglas de lãs Naciones Unidas para el tratamiento de lãs reclusas y medidas de no privativas de liberdade para lãs mujeres delincuentes (Reglas de Bangkok)”.

Nesse documento, podemos encontrar disposições referentes às particularidades do encarceramento feminino, permanecendo válidas e aplicáveis as regras para o encarceramento, de modo geral: as Regras de Bangkok, que visam complementar as Regras Mínimas para tratamento de pessoas presas , e as Regras de Tóquio , que tratam de medidas não privativas de liberdade e são endereçadas às autoridades penitenciárias, órgãos e agentes atuantes no sistema de justiça criminal.

Essas regras tratam da temática das mães no cárcere, como o direito da mulher, no momento da prisão, de poder definir como dispor sobre seus filhos, para evitar que as crianças fiquem desamparadas e sejam inseridas de forma desnecessária em programas de acolhimento institucional. Preocupam-se, também, com a manutenção dos vínculos entre a mãe encarcerada e seus filhos, incluindo disposições sobre a visita e sua importância.

Nas palavras de Rampín:

A invocação deste novo instrumento serve para evidenciar uma tendência, antes que meramente normativa, de ampliar e expandir a própria compreensão de direitos humanos e regras de encarceramento que, a partir das especificidades de gênero e da contextualização histórico-cultural do próprio encarceramento, permitem o alargamento do reconhecimento de direitos, bem como contribui para a efetivação do enfoque de gênero necessário, sem o qual a violência contra a mulher seguirá ocorrendo em nível institucionalizado (RAMPÌN, 2011:61).

A autora ainda considera que referida visibilização é necessária como primeiro movimento para o enfrentamento do absurdo de um sistema que age segundo um paradigma antropocêntrico a despeito da existência de outras realidades, ocultadas e aviltadas de forma sistemática.A meu ver, não ocorre uma dupla punição, mas tripla, que se encontra na privação de liberdade em razão da própria condenação; no fato de cumprirem suas penas num presídio masculino, o que restringe ainda mais a liberdade de locomoção e as submete a tratamento que não considera suas necessidades e, em consequência disso, na ruptura das relações familiares, especialmente o afastamento de seus filhos. Passam, assim, a sofrer uma sobrecarga de punição.


O AGRAVAMENTO DO ESTADO DE VULNERABILIDADE

São preocupantes as complexas relações de exclusão social, na condição de encarceramento feminino. Sem oportunidades de renda em espaço de execução penal, como pensar no atendimento às necessidades dos filhos que se encontram em ambiente extramuros?A mulher sofre com a ausência dos familiares, especialmente da mãe e dos filhos, cuja distância, ocasionada pela prisão, é por ela intensamente sentida, o que faz a “cadeia pesar”. Por essa razão, para ficar perto de seus familiares, prefere permanecer em estabelecimentos carcerários masculinos, provisórios, insalubres, com superlotação, onde não possui acesso a direitos, a ir para penitenciárias mais aparelhadas, longe dos familiares, mas com possibilidades de trabalho, educação e remição de pena. A mulher, por preocupar-se com o universo fora das grades, tende a se submeter a condições, muitas vezes, degradantes, indignas para um ser humano.

A maioria das mulheres que entrevistei reclamam da falta de trabalho ou outra atividade durante o cumprimento da pena, pois, por estarem em um presídio masculino, a privação de liberdade decorrente da condenação se restringe ainda mais, devido ao fato de elas não poderem ter acesso às alas onde estão os homens.

Destaca-se o caráter seletivo do sistema de justiça criminal, que opera de modo muito mais intenso e frequente entre os indivíduos mais vulneráveis, socialmente, privados do acesso ao trabalho e à remuneração dignos, à educação de mínima qualidade, à saúde e à segurança, dentre inúmeros outros direitos fundamentais individuais e sociais, ao mesmo tempo que fortalece a convicção acerca dos efeitos que sobre o indivíduo exerce a reação social, principalmente quando sob a forma de prisão, submetendo-o à estigmatização e prisionalização, dentre outras consequências intrínsecas à privação de liberdade, que potencializam a reincidência.

O controle social se exerce de forma generalizada para homens e mulheres. No entanto, no caso das mulheres, o controle social, ao contrário de restringir-se ao sistema penal, está provavelmente de maneira mais intensa justamente na estrutura familiar, na escola, na mídia e na opinião pública, que integram o controle social informal, ou seja, em diversos aspectos do tecido social, razão pela qual a análise de uma suposta seletividade diminuída do sistema penal sobre as mulheres não pode prescindir de observar todo o arsenal de controle social existente e, sobretudo, a dimensão altamente repressiva de sua intervenção. Em suma, “há todo um mecanismo de controle social formal e informal, em relação às mulheres”, diz Silva (2011:17).

Quando a mulher se desvia do papel imposto socialmente, logo a família, a escola e todos os mecanismos de controle social informal atuam com maior rapidez e efetividade. O controle formalizado, portanto, o controle penal, apenas entra em cena para condutas que superam este filtro inicial. Porém, quando acionado, sua repercussão no universo feminino adquire feição potencializada. As mulheres criminalizadas enfrentam práticas jurisdicionais e institucionais profundamente marcadas por relações patriarcais.

A gênese da criminalidade contemporânea não pode ser compreendida apenas nos limites da dimensão econômica, de modo a sustentar uma associação causal entre pobreza e criminalidade. Zaluar (1996) aponta a insuficiência da associação causal e explicativa entre pobreza e delinquência, incapaz de compreender por que, em diversos casos, sujeitos submetidos às mesmas deficiências de ordem econômica alcançam distintos padrões e níveis de criminalidade. A partir da concepção que associa pobreza a criminalidade, abre-se espaço para a construção de uma imagem do pobre enquanto portador de uma essência delitiva, como se fosse exclusividade sua.

Claudia Fonseca (2004) observa que para compreender o ethos dos grupos populares , suas estratégias de sobrevivência e seus projetos de ascensão, é indispensável pôr em relevo a especificidade de suas experiências frente a essa “forma de poder”.

Impossibilitadas de acessar a maiores níveis de bem-estar e de desenvolver estratégias de superação de dificuldades, tais mulheres tornam-se muito mais vulneráveis frente aos riscos e conflitos que operam no entorno. Sua inabilidade, na solução de conflitos oriundos da vida em sociedade, muitas vezes conduz à adoção de meios ilícitos para satisfazer necessidades, objetivos e realizações propostos e valorizados no meio cultural em que estão inseridas.

Em seu artigo Conceito de entidade familiar e seguridade social, Claudia Fonseca (2007) diz que, na melhor das hipóteses, dinâmicas alternativas em grupos populares seriam vistas como uma adaptação funcional à pobreza – “estratégias de sobrevivência”. Embora essa última noção aponte para aspectos importantes da realidade, arrisca ser usada de forma simplista, reduzindo tudo que é específico a uma questão econômica – como se “pobres” tivessem estratégia de sobrevivência em vez de cultura.

Em outras palavras, o estado de vulnerabilidade é um processo multidimensional que se expressa de várias formas, como fragilidade e suscetibilidade diante das deficiências estruturais, desamparo institucional perante o estado, debilidade interna para enfrentar e aproveitar as oportunidades que se apresentam, ou insegurança permanente que desmotiva a construção de estratégias dirigidas ao acesso a melhores níveis de bem-estar.

A relação da mulher com o tráfico de drogas, em grande parte, se dá em razão de uma relação afetiva anterior que, na verdade, é mais um reflexo da relação de submissão da mulher ao homem também no crime, pois permite que ela concilie suas tarefas domésticas, constituindo-se numa alternativa de subsistência (SPOSATO, 2007).

Ao contrário do trabalho formal, o comércio ilícito de drogas oferece vários atrativos: fácil acesso, remunerações vantajosas em face dos salários do mercado legal e tarefas de menor esforço físico. Esses fatores têm significado positivo para muitas mulheres que trabalham com o tráfico. Contudo, estando no cárcere, o trabalho formal é o desejo confesso da maioria, pois consideram uma opção moralmente superior, relacionada a valores morais e à ética da mulher provedora, além do desejo de autopreservação, já que as atividades ilícitas têm alto risco pessoal e comprometem a estrutura da família.

Ocorre que, na ausência de acesso ao trabalho formal, o tráfico de drogas, absorve a mão de obra feminina de segmento social mais vulnerável, colocando-a, normalmente, numa posição subsidiária ou subalterna em relação ao homem, pois as mulheres, em geral, realizam a função de "mula" ou “avião” (que transporta a droga), “vapor” (que negocia pequenas quantidades no varejo), “fogueteira” (que controla a presença da polícia), “bucha” (a pessoa que está presente na cena em que são efetuadas as prisões de alguém envolvido), além de outras, como cúmplices, o que não tem muito significado hierárquico na ordem do tráfico. Assim, a mulher torna-se “alvo fácil” para o sistema penitenciário, não só por assumir uma posição de inferioridade, tornando-se mais vulnerável, mas também pelo baixo poder frente ao sistema de justiça criminal.

Na perspectiva dos seus destinatários, a condenação à pena de prisão tem-se revelado uma experiência marcante. A segregação social que ela impõe a relativa desumanização associada à vida intramuros e a própria desorganização e fragilização das condições de existência, decorrentes da retirada de contextos de integração familiar e laboral, constituem os traços essenciais dessa experiência, a qual tende a ser representada e vivida de forma negativa pelos condenados.

Com a experiência do cárcere, a visão que elas possuem sobre tudo o que aconteceu em suas vidas já não é a mesma. As representações que tinham acerca das experiências afetivas vividas e que influenciavam suas condutas parecem transformar-se diante de uma nova realidade que se estabelece.

Lemgruber (1993) assevera que é impossível passar por uma prisão e sair sem marcas e feridas. Acontece com todos. Com os que para lá são mandados, para cumprir uma pena, com os funcionários e os visitantes, e também com pesquisadores, porque a realidade prisional se revela deveras impactante.

Baratta (2004) assinala que a qualidade de criminoso ou marginal e desviado não é uma qualidade natural, senão uma adjetivação atribuída socialmente através de processos de definição e reação (etiquetamento). Estamos falando de um atributo profundamente depreciativo, o estigma, ou seja, trata-se do estigma negativo, que na antiguidade clássica “avisava a existência de um escravo, de um criminoso, de uma pessoa cujo contato devia ser evitado” (GOFFMAN, 1990:11).

Essa marca tende a afetar as redes de sociabilidade familiar e comunitária, fragilizando eventuais suportes materiais e efetivos delas decorrentes e problematizando as condições de integração social devido a atitudes e práticas de humilhação, fuga e segregação, tendo como alvo elementos da família do condenado. Hassen (2007) diz que não é fácil aos familiares dos presos encontrarem com quem se relacionarem, pois as pessoas, em geral, têm o hábito de rejulgar os condenados pela justiça, perpetuando, de maneira intuitiva, julgamentos e condenações.

O estigma assume a afeição de uma etiqueta, de um rótulo de intensa capacidade depreciativa e difícil remoção. Ao ser rotulada como criminosa, e, sobretudo, quando submetida à prisão, a pessoa passa a ser portadora de um estigma que altera sua identidade social e a induz a assumir estereótipos antagônicos, transitando entre realidades sociais e culturais distintas (GOFFMAN, 1990: 20). Com isso, torna-se muito mais suscetível de reincidir, ao mesmo tempo em que se torna ainda mais vulnerável frente à seletividade do direito penal.

Nos últimos anos, ficou muito evidente que o cárcere, ao contrário de promover a reinserção social produz mais segregação e preconceito. Segundo a narrativa de uma das entrevistadas, “a pena que a sociedade impõe é perpétua”.

As mulheres criminalizadas sofrem uma marginalização e discriminação específicas. Consequentemente, quando estigmatizadas como delinquentes sofrem uma dupla marginalização social, que se remete à construção do Outro, diferente biologicamente e, do Outro, diferente porque desviante e transgressor da norma. A mulher difere do homem, e sua identidade social é construída muitas vezes a partir de suas incapacidades (SPOSATO, 2007).


CONSIDERAÇÕES FINAIS 

No fundamento da pena de privação de liberdade está presente o controle do corpo do indivíduo, sua exclusão do mundo externo, e a confinação tem o objetivo da punição e da prevenção de novos delitos, já que aquele corpo é tomado como agente de vontade ou compulsão criminosa, até que seja arbitrada a sua ressocialização (através de algum benefício), ou cumprida a totalidade da pena. O cárcere, ao contrário de promover a reinserção social, a individualidade, a dignidade, dentre outros valores, produz, em realidade, mais segregação e preconceito.

A realidade dessas mulheres é complexa. Encarceradas, perdem não só a liberdade, mas também sua identidade, porquanto o tratamento na prisão é coletivo. O cárcere, com seus muros, grades, portões e cadeados faz a ruptura, temporária, na vida da mulher com o mundo exterior.

Pela observação e narrativas das presas, constatou-se que o estado de absoluta necessidade de meios para prover a sobrevivência pessoal e a dos filhos, em Bagé, foram os maiores responsáveis pela inserção das mulheres no “negócio da droga”. Dessa forma, o tráfico passa a constituir, facilmente, um meio de subsistência.

Refletir a questão do tráfico de drogas, considerando a vulnerabilidade social, não significa associar pobreza à criminalidade, mas dar visibilidade aos problemas enfrentados pelas mulheres diante do sistema penitenciário.

Não se pode negar que a forte visão androcêntrica da realidade social fez com que também as leis criadas no Brasil tivessem um viés preponderantemente patriarcal, especialmente no direito penal. Ocorre, por consequência, que na aplicabilidade das penas e nas condições fornecidas às mulheres, o direito penal evidencia-se como um instrumento privilegiado de política e de utilidade social.

Sendo um espaço político (público) que ainda é um espaço masculino, o princípio da igualdade e da individualização da pena, garantidos constitucionalmente, acabam não sendo observados pelo sistema penal, que reforça a negação das questões de gênero.

Os cuidados para as especificidades da população prisional feminina não têm merecido, dos formuladores de políticas públicas e da gestão penitenciária, uma atenção especial, pois o que se observa é uma absoluta negligência e esquecimento do sistema penal brasileiro, do feminino.

A prisão e o confinamento de mulheres se traduzem em um instrumento de potencialização das assimetrias sociais e das discriminações. O desafio da sociedade e dos poderes instituídos consiste na busca de pautas mais igualitárias na aplicação da justiça e no reconhecimento da condição de sujeitos de direitos das mulheres.

Importante uma reflexão sobre o que queremos quando aprisionamos pessoas, pois se o objetivo é a ressocialização, faz-se necessário que as políticas devam atender tais especificidades. É preciso romper com a invisibilidade da mulher para romper com a atual política penitenciária.

Apreendi, nesta pesquisa, que não existe um mundo do lado de dentro do muro do presídio e outro do lado de fora, aparentemente diferentes. Existe uma ligação entre o fora e o dentro, pois as mulheres, de alguma forma, mantêm contato com o mundo exterior. O muro que cerca o presídio circunscreve apenas uma face da mesma sociedade.

Valores como família, conjugalidade, filiação, afeto estão presentes dentro do presídio, mas configurados de outra forma, pois esses valores já existiam na vida dessas mulheres do lado de fora.

Ninguém sai incólume de um processo de encarceramento. Melhor ou pior, o certo é que as relações se modificam. A relação com os filhos, se antes do cárcere não era sólida, acaba por se firmar. Com relação à conjugalidade, ou a relação termina, porque a mulher se decepciona com o companheiro, ou toma novos contornos, consolidando sentimentos, demonstrando que o afeto se sobrepõe aos problemas enfrentados por ambos.

É imperativa a necessidade de se adicionar uma nova variável nos estudos clássicos da criminologia, por exemplo, o binômio criminalidade e gênero, permitindo um olhar sobre os efeitos específicos que se produzem quando o sujeito criminalizado for uma mulher.A falta de políticas públicas que considerem a prisão sob a perspectiva de gênero acaba por gerar uma sobrepena para as mulheres. Mais do que uma política prisional, é indispensável que a política criminal, entendida de forma ampla, leve em conta as particularidades das mulheres que entram em contato com o sistema de justiça criminal.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Rosemary de Oliveira. Mulheres que matam. Universo imaginário do crime no feminino. Rio de Janeiro: Relume Dumará: UFRJ, 2001.

ASSIS, Simone G. & CONSTANTINO, Patrícia. Filhas do mundo: infração juvenil feminina no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001. AZAOLA, Elena. El Delito de ser Mujer. México: CIESAS, 1997.

BARATTA, Alessandro. Criminologia Critica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do Direito Penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3. ed., Rio de Janeiro: Editora Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2002.

______; STRECK, Lênio Luiz; ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999.

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. 10. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.

BODELÓN, Encarna. Relaciones Peligrosas: Género y Derecho Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 29. Jan-mar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

BOURDIEU, Pierre.  A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1999.

______. Poder Simbólico. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2006.

______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 8. ed. Campinas, SP: Papirus, 2007.

BUGLIONE, Samantha. O Dividir da Execução Penal: olhando mulheres, olhando diferenças. In: CARVALHO, Salo de (org.) Crítica à Execução Penal – doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

BUTLER, Judith. El gênero em disputa. El feminismo y la subversión de la identidad. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 2007.

______.  Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

______. Cuerpos que importan: sobre los limites materiales y discursivos del sexo. Buenos Aires: Paidós, 2005. CHIES, Luiz Antônio Bogo. A prisão dentro da prisão: uma visão do encarceramento feminino na 5ª Região Penitenciária do RS. XV Congresso Brasileiro de Sociologia. GT21 - Segregação social, políticas públicas e direitos humanos. 26 a 29 de julho de 2011, Curitiba (PR). DA MATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984.

______. Carnaval, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1997.

DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 8. ed. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2012.

DORA, Denise Dourado (org.). Feminino Masculino: igualdade e diferença na justiça. Porto Alegre: Sulina, 1997.

DUBY, Georges; PERROT, Michelle. As mulheres e a história. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995.

ESPINOSA, Olga. A mulher encarcerada em face do poder punitivo. São Paulo: IBCCRIM, 2004.

FONSECA, Claudia. A vingança de Capitu: DNA, escolha e destina na família brasileira contemporânea. In Gênero, Democracia e Sociedade Brasileira (Cristina Bruschini e Sandra Unbehaum, orgs.). São Paulo: Editora 34. 2002.

______. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.

______. Conceito de entidade familiar e seguridade social. TRF – 4ª Região. Caderno de Direito Previdenciário, módulo 3. Porto Alegre, 2007.

FOUCAULT, Michel. Os Anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

______. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 34. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

______. A microfísica do poder. 29. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2011. ______. Arqueologia do saber. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

FRINHANI, Fernanda de Magalhães Dias; SOUZA, Lídio de. Mulheres encarceradas e espaço prisional: uma análise de representação social. Revista Psicologia: teoria e prática, Vitória, 2003.

GENNEP, Arnold Van. Os ritos de passagem: estudo sistemático dos ritos da porta e da soleira, da hospitalidade, da adoção, gravidez e parto, nascimento, infância, puberdade, iniciação, coroação, noivado, casamento, funerais, estações, etc. Petrópolis: Vozes, 1977.

GIDDENS, Antony. A Transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. São Paulo: UNESP, 1992.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de janeiro: Guanabara, 1990.

______. Manicômios, prisões e conventos. 4. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992.

GOIFMAN, Kiko; MÜLLER, Jurandir.  Valetes em Slow Motion - a morte do tempo na prisão; imagens e textos. Campinas SP: Editora da Unicamp, 1998.

GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal - parte geral. v.2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 6. ed. Niterói, RJ: Editora Impetus, 2012.

GROLLI, Dorilda. Alteridade e feminino. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2004.

HASSEN, Maria de Nazareth Agra. Da visita íntima na prisão: a corporalidade negociada. In: Ondina Fachel Leal (Org.). Corpo e significado. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1995.

HEILBORN, Maria Luiza. De que gênero estamos falando? In: Sexualidade, Gênero e Sociedade. ano 1, n° 2. CEPESC/IMS/UERJ, Rio de Janeiro, 1994.

ILGENTRITZ, Iara. As Drogas e o novo perfil das mulheres prisioneiras no Estado do Rio de Janeiro. Setembro/2003. Disponível em:<http://www.mamacoca.org/FSMT_sept_2003/pt/doc/ilgenfritz_drogas_mulher_prisioneira_pt.htm> Acesso em: 17. Nov. 2011.

INÁCIO, Manuelle de Oliveira; LINHARES, Francisco Fred Lucas; SILVA, Marluce Pereira da Silva. A constituição de subjetividades de mulheres apenadas: o exercício da sexualidade e afetividade na sociedade de normalização. Fazendo Gênero 9. Diásporas, Diversidades, Deslocamentos, 2010. KNAUTH, Daniela Riva; HASSEN, Maria de Nazareth Agra; VICTORIA, Ceres Gomes. Pesquisa qualitativa em saúde: uma introdução. Porto Alegre: Tomo Editorial Ltda, 2000.

LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres. Rio de janeiro: Forense, 1993.

______. A mulher e o Sistema de Justiça Criminal: algumas notas. Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 36. out-dez. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do pacífico ocidental. In: Ethnologia, n.s., nº 6-8, 1997.______. Crime e costume na sociedade selvagem. Brasília: Editora UnB, 2003.

MATTA, Roberto da. A Casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. MINAYO, Maria Cecília S. O conceito de representações sociais dentro da sociologia clássica. In: GUARECHI, Pedrinho A. e JOVCHELOVITCH, Sandra. Textos em representações Sociais. Petrópolis - RJ: Vozes, 1994.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. Comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-84. 6. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1996.

MOSCOVICI, Serge. A representação social e psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

MV Bill; ATHAYDE, Celso. Falcão: mulheres e o tráfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

______. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

OLIVEIRA, Roberto C. O trabalho do antropólogo. São Paulo: Editora Unesp/paralelo 15, 2000.

OLMO, Rosa Del.  A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1990.

PAZ, Sabrina Rosa. A Caravana do Amor: um estudo sobre reciprocidades, afetos e sexualidade em um estabelecimento prisional que comporta homens e mulheres em seu interior, Rio Grande/RS. Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas, 2009.

PERROT, Michele. Os excluídos da história. Operários, mulheres e prisioneiros. 5. ed.São Paulo: Editora Paz e Terra, 2010.

______. As mulheres ou os silêncios da história. Baurú, SP: EDUSC, 2005.

PIMENTEL, Eliane. Amor bandido: as teias afetivas que envolvem a mulher no tráfico de drogas. Dissertação de Mestrado, no Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas, 2005.

POLAK, Michel. Memória e identidade social. Rio de Janeiro: Estudos Históricos, vol.5, n.10, 1992.

RAGO, Margareth e SAFFIOTI, Heleieth. Ser mulher no séc. XXI ou carta de Alforria. A mulher nos espaços público e privado. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

RAMPÍN, Talita Tatiana Dias. Mulher e Sistema Carcerário: a institucionalização da violência de gênero. In: BORGES, Paulo César Corrêa (Org.). Sistema Penal e Gênero. Tópicos para a emancipação feminina. São Paulo: Editora Cultura Acadêmica, 2011.

REALE, Miguel. Instituições de Direito Penal - Parte Geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013.

SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e psicologia criminal. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2007.

SÁ, Geraldo R. A prisão dos excluídos: origem e reflexões sobre a pena privativa de liberdade. Rio de Janeiro: Diadorim, 1996.

SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

SALMASSO, Rita de Cássia. Criminalidade e condição feminina: estudo de caso das mulheres criminosas e presidiárias de Marília-SP. Revista de Iniciação Científica da FFC. v.4. n.3., 2004.

SANTOS, Maricy Beda Siqueira dos; NÉRI, Heloneida Ferreira; OLIVEIRA, Maria Fernanda Leite; QUITETE, Byanka; SABROZA, Adriane. Do outro lado dos muros: a criminalidade feminina. Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. Mnemosine. v.5. n. 2. Departamento de Psicologia Social e Institucional / UERJ. Rio de Janeiro, 2009

SARTI, Cíntia. A família como espelho. São Paulo: Editoras Reunidas, 1995.

SCHIEBINGER, Londa. O feminismo mudou a ciência? Baurú, SP:EDUSC, 2001.

SCOBERNATTI, Gisele. Entre Amores Invisíveis e Silenciados: histórias de abusadoras sexuais. Pelotas: EDUCAT, 2012.

SCOTT, Russel Parry. O homem na matrifocalidade: gênero, percepção e experiências do domínio doméstico. Cadernos de Pesquisa (São Paulo), 1990. SCOTT, Joan, 1995. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista educação e realidade, vol. 20, n.2, jul/dez. Porto Alegre, 1995.  SERRES, Michel. A Lenda dos anjos. São Paulo: Aleph, 1995.

SILVA, Lilian Ponchio. Sistema Penal: campo eficaz para a proteção das mulheres? In: BORGES, Paulo César Corrêa (Org.). Sistema Penal e Gênero. Tópicos para a emancipação feminina. São Paulo: Editora Cultura Acadêmica, 2011.

SILVA, Lourdes Helena Martins da. Crimes da paixão: uma história de gênero na cidade de Bagé. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, UFPEL, Pelotas, 2009.

SMART, Carol. La mujer del discurso jurídico. In: Mujeres, derecho penal y criminologia. Madri: Siglo Veintiuno, 1994.

SOARES, Barbara M. e ILGENTRITZ, Iara. Prisioneiras: vida e violência atrás das grades. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2002.

SPOSATO, Karyna Batista. Mulher e Cárcere: uma perspectiva criminológica. In: REALE, Miguel; PASCHOAL, Janaína (Org.) Mulher e Direito Penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007.

STELLA, Claudia. As implicações do aprisionamento materno na vida dos(as) filhos(as). Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 34. abr-jun. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

VELHO, G. Observando o familiar. In: Individualismo e Cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1981.

______. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2003. WAGNER, Roy. A invenção da Cultura. São Paulo: Cosacnaify, 2010.

ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1996.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDI, Maria Luiza. Gênero, cárcere e família: estudo etnográfico sobre a experiência das mulheres no tráfico de drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4058, 11 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29115. Acesso em: 19 abr. 2024.