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A justiça constitucional em John Hart Ely

A justiça constitucional em John Hart Ely

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Os escritos de John Hart Ely são uma contribuição distinta e importante da literatura jurídica estadunidense. O objetivo deste texto é expor os pilares da teoria construída por esse autor em sua obra mais comentada "Democracy and distrust".

INTRODUÇÃO

Os escritos de John Hart Ely são uma contribuição distinta e importante da literatura jurídica estadunidense. A combinação de uma voz informal e ao mesmo tempo intensa atingiu as instituições dos Estados Unidos da América, o objetivo deste trabalho é tentar entender o porquê disso, expondo assim os pilares da teoria construída por esse autor.

A teoria a ser exposta fala sobre o controle de constitucionalidade realizado pelo judiciário hodiernamente. Na construção aqui desenvolvida, trataremos do ativismo judicial, visto por alguns autores como um exercício que fere a tripartição dos poderes, posto que o judiciário parece adentrar, especialmente no controle de constitucionalidade, em esferas além de sua competência. Tal afirmação é justificada porque o legislativo é considerado o original representante do povo e elaborador das leis, antes de elas entrarem no ordenamento jurídico. Ely apresenta uma visão muito cética a respeito desse quadro, entre outros assuntos, os quais tentaremos reconstruir.

Ainda, convém esclarecer que nos pouparemos de apresentar as críticas destinadas à teoria elyana, remetendo-nos para as principais e sem muitas contextualizações, pelo simples motivo de que a ideia central é apresentar a obra do autor e não suas opiniões diversas.

Nesse viés, dividimos o trabalho três partes. A primeira é uma brevíssima exposição sobre o constitucionalismo estadunidense, tentando embasar o leitor sobre a cultura jurídica daquele país. Ainda, em sede introdutória, entendemos interessante uma simples biografia do autor título deste trabalho.

Após, partiremos para um background conceitual das principais terminologias encontradas em Ely. Portanto, trataremos da visão do autor sobre a Constituição dos Estados Unidos da América; também explicaremos a diferença entre os interpretativistas e os não-interpretavistas; e por fim, descreveremos o conceito de teoria procedimental.

Avançando, serão abordadas as principais ideias do autor em um tópico genérico, descrevendo dentro do possível as bases conceituais e os planos hermenêuticos basilares da construção dogmática de Ely.

Por fim, será descrito o ceticismo do autor, nota peculiar de seu trabalho jurídico e que influencia toda a construção teórica por nós a seguir apresentada.

Quanto à metodologia, basicamente o trabalho será do tipo revisional, expondo a obra do autor, com breves comentários de outros doutrinadores e em alguns pontos apresentando nossa originalidade. No que tange às citações de língua estrangeira, na maior parte dos casos (quando não houver tradução original em língua portuguesa) será de nossa responsabilidade.


1 CONSTITUICIONALISMO NORTE AMERICANO

Antes de iniciar nosso artigo, é vital que façamos um pequeno paralelo sobre a Constituição dos Estados Unidos da América. Essa síntese não tem outro motivo senão embasar o leitor sobre o processo constitucional daquele país e assim o ambientar ao texto e as ideias de John Hart Ely, foco do nosso texto.

A Constituição dos Estados Unidos da América data de 1787, mas o Constitucionalismo daquele país é anterior. A Constituição tem sete artigos e vinte e seis aditamentos, que a complementam e geralmente tratam a respeito dos direitos fundamentais.

Os pontos básicos a serem levantados são os seguintes: as decisões pretorianas são essenciais na aplicação e interpretação da Constituição[1]; ainda, o costume também tem um valor alto, juridicamente; e por fim, não menos importante, há as Constituições dos Estados federados (que diferem da carta magna por serem extensas e regulamentárias), que regulam pontos importantes da Constituição. Tudo isso somado a ideia do Common Law[2] e dos princípios de direito público.


2 O JURISTA JOHN HART ELY[3]

John Hart Ely nasceu em 1938, em Nova Iorque, e faleceu em 2003, na Flórida. Durante sua carreira, foi professor de direito constitucional na Harvard University e diretor da Stanford Law School, ainda, posteriormente, lecionou na University of Miami Law School. Antes da carreira acadêmica, foi membro júnior do quadro de 16 advogados da Warren Commission, assessor do Juiz Earl Warren e defensor público em San Diego.

Seu principal trabalho, Democracy and distrust: a theory of judicial review (1980) foi agraciado com o prêmio Order of the Coif Triennial Book Award de melhor livro sobre direito público publicado no biênio 1980-82[4].

Outro dado interessante de sua carreira, é que em pesquisa realizada em 2000 pela University of Chicago, chegou-se a conclusão de que Ely é o quarto jurista americano mais frequentemente citado em todos os tempos. Ainda, segundo pesquisa da University of Miami School of Law, o livro paradigma do autor, Democracy and distrust, é o livro jurídico mais citado desde 1978, sendo referido 1.460 vezes[5].


3 ELEMENTOS DA TEORIA DE JOHN HART ELY: BASES CONCEITUAIS

A teoria do Professor Ely não é somente constitucional, ou diz respeito somente à interpretação da Constituição, ela é maior que isto. Além da diretriz jurídica, a teoria de elyana é importante para uma reflexão dialógica sobre a sociedade plural e pluralista democrática e constitucionalmente includente. Portanto, suas reflexões também tratam sobre política e cultura[6].

Assim, o que vamos estudar é uma teoria de controle constitucional que oferece relevantes contribuições às temáticas da relação entre o direito, a política e a justiça e da relação entre os poderes judiciário e legislativo.

3.1 A Constituição dos Estados Unidos da América por Ely: aspectos básicos[7].

No decorrer de Democracia e descontentamento, nota-se que o livro é, em certas partes, como um manual de direito constitucional, pois explica a Constituição estadunidense de modo completo, ementa por ementa. Nessa abordagem, o autor tenta demonstrar a aplicação correta de cada dispositivo, ainda faz um paralelo histórico, ou seja, como o constituinte pensou determinado direito e por que o escreveu. Talvez a explicação histórica seja também uma das partes mais interessantes do livro.

Mas, dentro desse contexto, de explicação, talvez o que se veja de maneira mais produtiva é a simples ideia de que a Constituição não fixa valores substantivos, é o que Ely tenta comprovar – apesar de deixar bem claro que a Carta Magna é um documento complexo, portanto, complicado é dar uma caracterização superficial e genérica. No texto original (sem ementas) esses valores não aparecem. Já nas ementas, quando aparecem, são muito poucos, e talvez por erro do legislador. Por Ely: “[...] tais tentativas de fixar valores substantivos não cabem numa constituição[8]”.

Nessa temática, o autor tenta comprovar que as disposições constitucionais que tentaram impor valores não sobreviveram. As que sobreviveram é porque são pouca importantes e não geram discussões, por exemplo, a autoincriminação e o double jeoparty. Agora, outras que vieram tais quais: a escravidão e a lei seca, não se garantiram, foram eliminadas por revogação, e outras menores, ainda, foram revogadas por interpretação judicial[9].

Nesse raciocínio, compreende Ely que o objetivo daquela Constituição é garantir a liberdade. E denota sua explicação para como conseguir essa liberdade. A resposta é que o processo de escolha de valores deve estar aberto a todos[10].  E talvez tenha sentido, haja vista que uma Constituição que trate somente de questões de processo se torna mais aberta as mudanças da sociedade, e dessa forma, sobrevivendo por mais tempo. Isso é presente na Constituição estadunidense, diferentemente de constituições de cunho ideológico.

Mas ainda isso é um breve contexto inicial da formatação de Constituição por Ely, no decorrer do trabalho, observaremos, novamente, algumas dessas abordagens, com um viés mais especializado.

3.2 Interpretativistas e não-interpretavistas

Uma importante e difícil distinção deve ser feita: quem são os interpretativistas e os não-interpretavistas[11]. Os interpretativistas afirmam que os juízes que aplicam a Constituição devem limitar-se a fazer cumprir as normas explícitas ou efetivamente explícitas na constituição escrita. Por outro lado, os não-interpretativistas adotam uma opinião contrária, ou seja, que os tribunais devem ir além desse conjunto de referências e fazer cumprir normas que não se encontram claramente indicadas na linguagem do documento[12]. Mas essa separação não significa a diferenciação entre “ativismo” e “automoderação”, pois essas categorias existem nas duas teorias. Ainda, acrescente-se ao debate a questão do “jusnaturalismo”, que é atrelado a postura não-interpretativista; que é o oposto do “positivismo”, semelhante ao interpretativismo[13].

Sobre o interpretativismo, nas linhas primeiras de Democracia e descontentamento, Ely fala dos atrativos ligados a essa abordagem. Primeiro, explica que tal teoria é a que se encaixa melhor na concepção americana do que é o direito e de como ele funciona. Segundo por que tal método advém das dificuldades óbvias que o não-interpretativismo encontra ao tentar conciliar-se com a teoria democrática dos EUA[14]. Além disso, ressalta que o interpretavismo estrito é praticável somente nos casos mais literais.

Ainda, nessa esfera do interpretavismo, discorre o autor de que os juízes não são eleitos, nem reeleitos. Assim, em atenção ao princípio democrático, tal ideia de controle de constitucionalidade atenta contra essa característica[15]. Explica o autor: “quando uma corte invalida um ato dos poderes políticos com base na Constituição, no entanto, ela está rejeitando a decisão dos poderes políticos, e em geral o faz de maneira que não esteja sujeita à “correção” pelo processo legislativo ordinário[16]”. Extrai-se disso que, um órgão que não foi eleito, ou que não é dotado de nenhum grau significativo de responsabilidade política, diz aos representantes eleitos pelo povo que eles não podem governar como desejam.

Ocorre que nessa colisão das duas teorias, ambos defensores são taxados, pelos antagonistas, como antidemocráticos, como se pode ver, com certa razão. E todos confirmam a ideia de que a democracia majoritária é o cerne do sistema americano. Deste modo, quando o adepto do não-interpretativismo entrega aos juízes a tarefa de definir valores que devem ser colocados fora do alcance do controle majoritário, o interpretativista toma seus valores diretamente da Constituição - isso significa que, como a constituição foi ratificada pelo povo, os valores vêm deste. Nessa hipótese, quem controla o povo não são os juízes, mas a Constituição, assim, o povo controla a si mesmo, dentro do raciocínio[17].

3.3 A teoria procedimentalista

Continuando é importante teorizar, mesmo que brevemente, o que é a teoria adotada por Ely. Juntamente com Ely, destacam-se na doutrina outros procedimentalistas, tais quais: Habermas, Luhmann, e Garapon.

Basicamente, para a teoria, em sentido geral, a Constituição não pode mais ser entendida como uma “ordem” que regula primariamente a relação entre o Estado e os cidadãos[18]. O poder social, econômico e administrativo necessita de disciplinamento por parte do Estado de Direito. De outro lado, porém, a Constituição também não pode ser entendida como uma ordem jurídica global e concreta, destinada a impor a priori uma determinada forma de sociedade. A Magna Carta determina procedimentos políticos, segundo os quais os cidadãos, assumindo seu direito de autodeterminação, podem perseguir cooperativamente o projeto de produzir condições justas de vida. Somente as condições processuais da gênese democrática das leis asseguram a legitimidade do Direito[19]. Em Habermas, nota-se a defesa de procedimentos de criação democrática do Direito, protegendo o direito de todos participarem de forma igualitária da “discursividade produtora dos sentidos jurídicos”. Assim, é indispensável um procedimento que permita a inclusão de todos os cidadãos nos ambientes discursivos, tal como em Ely[20]. Desse modo, numa sociedade pluralista, a fundamentação das normas jurídicas é resultado de um procedimento democrático que garanta a participação de todos na formulação do Direito, essa é a base da teoria[21]. Numa democracia procedimental, portanto, serão legítimas e válidas as leis que receberem a aprovação de todos os cidadãos em um procedimento legislativo constituído legalmente[22].

A teorização contrária ao procedimentalismo é denominada substancialismo[23]. Os últimos sustentam que as decisões judiciais auxiliam na afirmação dos direitos fundamentais e na realização de uma “agenda igualitária”, especialmente por se tratar da realização, pelo direito, de princípios jurídicos já admitidos socialmente; por outro lado, os procedimentalistas acham que o direito, em excesso, pode ser prejudicial ao regime democrático[24].

Em John Hart Ely, vimos posicionamento distinto do procedimentalismo “universalizante” de Habermas e da teoria sistêmica/autopoiética de Luhmann, focando sua ideia no contexto estadunidense, que é afetado por um ativismo judicial intenso, contra o qual se dirige, portanto, podemos denominar Ely como um procedimentalista constitucional. No contexto elyano, a função dos tribunais é garantir e proteger o direito dos cidadãos de participarem das decisões políticas e governamentais, independentemente do “mérito substancial” das opções políticas em jogo, pois a tarefa de definir os valores e os conteúdos de uma comunidade deve ficar a cargo dos órgãos de representação democrática, daí entendemos o porquê que o autor se baseia muito na questão das minorias, que são excluídas deste jogo. Uma vez que a Constituição se preocupa em manter a liberdade, é compreensível que, para atingir esse objetivo, ela estabeleça “um conjunto bastante amplo de proteções procedimentais e por um esquema ainda mais elaborado que visa assegurar que, ao se fazerem escolhas substantivas, o processo de decisão estará aberto a todos, em condições de relativa igualdade, e os responsáveis pelas decisões cumprirão o dever de levar em consideração os interesses de todos os que serão afetados por suas deliberações[25]”. Portanto, se afasta a ideia de uma interpretação constitucional baseada em valores fundamentais, pois a tarefa de buscar valores externos que completem a “textura aberta” da Constituição é uma tarefa inócua[26].

Enfim, o discurso de Ely é um pouco diferente dos demais, mas abordagem ficará mais densa nos próximos pontos. Adiantaremos agora para os aspectos gerais da teoria elyana, onde poderá se ver com mais cuidados os pontos importantes da construção doutrinária do autor.


4 A TEORIA DE ELY

A teoria de Ely tem como fundamento inarredável a autoridade do texto constitucional e do contexto da Constituição. Sua teoria, tida como procedimental, oferece às cortes um caminho próprio, coerente, em certa medida original, de proteção dos direitos assegurados a todos, especialmente aos de acesso e participação política e os de igualdade.

No pensamento do autor, nem o interpretativismo restrito a dispositivos constitucionais como unidades contidas em si mesmas nem o não-interpretativismo apegado à afirmação dos valores fundamentais da sociedade apresentam respostas hermenêuticas satisfatórias. Com isso, o próprio autor diz no prefácio de seu principal livro, que tenciona a elaborar uma terceira teoria de controle de constitucionalidade (distante da interpretativista e não interpretavista, apresentando um meio termo). Assim, defende que essa teoria é coerente com os pressupostos democráticos implícitos da constituição; e que na verdade, essa nova via teórica é estruturada de modo que faça com que os tribunais sejam instrumentos que ajudam a tornar tais pressupostos uma realidade[27].

O autor baseia muito sua teoria na questão democrática[28]-[29]. Com base nesse valor, discorre sobre o controle de constitucionalidade. Para ele, os “iguais” em “posição original” tentando formar um governo começariam da presunção de que nenhum dos valores de um adulto “médio” deve contar mais ou menos do que os de outro, o que desencadeia na ideia de que as questões públicas devem geralmente ser decidas pelo voto majoritário de tais pessoas ou seus representantes. Sobre isso, o autor aponta três exceções: (i) quando a maioria das pessoas vota para excluir outras tantas pessoas do processo ou de outra maneira para diluir a influência delas no dito processo; (ii) quando tal maioria decreta um regime regulatório para si e outro, menos favorável, para uma ou outra minoria; (iii) quando outros constrangimentos colaterais parecem suficientemente importantes (e vulneráveis, segunda a opinião da maioria), de forma que os legisladores decidem por voto majoritário nomeá-los em um documento constitucional e desse modo torna-los imunes à retirada por algo inferior a um voto majoritário similar no futuro.[30]

Com isso, defende o autor que a determinação dos valores deve ficar a cargo dos representantes eleitos, cabendo ao judiciário interferir em caso de funcionamento deficitário do processo democrático[31]. O mau funcionamento pressupõe que o processo não nos merece confiança, desta maneira: “(i) os incluídos estão obstruindo os canais de mudança política para assegurar que continuem sendo incluídos e os excluídos permaneçam ondem estão, ou (ii) quando, embora a ninguém se neguem explicitamente a voz e o voto, os representantes ligados à maioria efetiva sistematicamente põem em desvantagem alguma minoria, devido à mera hostilidade ou à recusa preconceituosa em reconhecer uma comunhão de interesses -  e, portanto, negam a minoria a proteção que o sistema representativo fornece a outros grupos”[32].

Em Democracia e descontentamento, o autor explana exatamente sobre como as cortes devem dar conteúdo aos dispositivos que não podem ser interpretados somente pela sua literalidade ou historicidade, esses dispositivos exigem um esforço hermenêutico maior. No seu entender, as cortes devem proteger os direitos que são designados com alguma especificidade no documento constitucional como habilitados a proteção. Desta maneira, quando os dispositivos constitucionais apresentam uma abertura de sentido (não correspondem meramente a procedimentos, ou seja, são cláusulas abertas[33]) o autor apresenta duas soluções. A primeira é que existe a necessidade das cortes protegerem os direitos de acesso políticos, tais quais: o voto, à reeleição, organização políticas, liberdade de manifestação, etc. A segunda reflete a ideia de que os representantes devem representar os seus eleitores, e isso implica nalguns direitos de igualdade ou, em outros termos, proteger os direitos das minorias contra a vontade das maiorias. Ely baseia sua teoria, também, na reação às maneiras como o pluralismo fracassa em proteger as minorias[34]. Por Habermas, “Ely imprime um rumo procedimental inesperado à desconfiança liberal em relação a minorias tirânicas. Ele se interessa pelas limitações concretas do pluralismo formalmente permitido e utiliza a representação clássica da representação virtual[35], a fim de reclamar uma participação com igualdade de chances para as minorias tecnicamente representadas, porém, de fato, excluídas ou impedidas[36]”.

Os três argumentos principais de Ely para a forma de controle de constitucionalidade orientada para a participação (participation-oriented form of judicial review) são: (i) os direitos de acesso e de igualdade são os que menos devemos confiar aos nossos representantes eleitos, isso porque eles são os mais suscetíveis de impedir o acesso de vários grupos insurgentes e dissidentes ao processo e para colaborar com uma minoria dominante, de maneira a tiranizar ou discriminar certas minorias, de cujo apoio eles não necessitam, por isso a intervenção judicial não é justificada quando o escopo é a proteção de “valores fundamentais da sociedade”, pois, se o que eles realmente desejam é o respeito aos “valores do povo”, é inegável que os representantes eleitos têm fortes incentivos para defini-los corretamente, a fim de se reelegerem[37]; (ii) as preocupações gerais da Constituição são os direitos de acesso e de igualdade; (iii) a abordagem representation-reinforcing para o controle de constitucionalidade é a que representa o ideal democrático das instituições estadunidenses.

Voltando à celeuma da democracia, o autor também defende o “utilitarismo”, pois a teoria utilitária de democracia produz um controle de constitucionalidade mais interessante no tocante à igualdade, diferentemente de uma teoria de democracia voltada para a igualdade pura, que se satisfaz com dar cada um o seu voto[38].

Nesse viés, Ely se opõe a proteção judicial, pela Suprema Corte, de direitos que não são encontrados na Constituição, que não são pré-requisitos para a participação política e que não figuram entre aquelas que a maioria controladora assegurou para si. Isso porque, na concepção estadunidense (em qualquer sociedade ocidental) não se acredita que qualquer cidadão tenha mais direito do que o outro para ditar o que é importante[39]-[40].

Avançando, o autor, por várias vezes discorre sobre a cláusula do due process of law[41]. Sobre o assunto, descreve que tal cláusula contém sentido somente procedimental – diferentemente de como ela é comumente aplicada pela Suprema Corte, que a interpreta de maneira extensiva, dando-lhe valor substantivo, fato que o autor repudia[42]. Sobre a questão de identificar os valores substantivos dados aos “princípios de justiça fundamental”, explica que é uma tarefa impossível, assim, as cortes deveriam não se dedicar a fazê-lo, haja vista que não devem revogar o ato das legislaturas popularmente eleitas. Complementa que deve se afastar a tentação de dar um conteúdo substantivo a “princípios de justiça fundamental”, ou seja, de requerer não simplesmente que certos procedimentos sejam observados, mas igualmente que “princípios de justiça fundamental” substantivos sejam cumpridos[43]. Assim, entende Ely que as liberdades civis são mais protegidas em um tipo de controle constitucional voltado para o processo e para a participação política, ao contrário do que acontece quando o controle é voltado para imposição judicial de “valores fundamentais da sociedade”[44]. Resumindo: a Constituição estadunidense regula em primeira ordem os problemas de organização e de procedimentos, não sendo vista para a distinção e implementação de valores fundamentais, de maneira que a sustância da mesma não se habitaria em regulamentos materiais, e sim formais; assim, a Corte deve zelar pela manutenção da Constituição[45], tão somente.

Tendo em vista essa noção de controle constitucional, com base no processo e não de valores, o autor desenvolveu a teoria “nós-eles” (we-they). Tal doutrina explica que a corte deveria mais suspeitar é das classificações que favorecem os grupos que são dominantes na legislatura (no caso estadunidense: que favoreçam, desde sempre, brancos, homens, protestantes e heterossexuais[46]). Isso porque há certa tendência, até aceitável, mas não correta, de aceitar generalizações que as tranquilizem de que os grupos aos quais pertencem são superiores[47]-[48].

É aqui que nasce uma das preocupações conflituosas de Ely. O autor procura um meio-termo entre a impraticabilidade do originalismo e as perigosas conclusões inferidas por um realismo judicial que declara que o texto significa unicamente o que a Suprema Corte diz que é. O conflito existe porque Ely compreende que a posição de meio-termo é difícil de sustentar. Assim, se por um lado admite a impossibilidade teorética do interpretativismo estrito; por outro, ele concluiria que a natureza ampla, sem limites fixos, de partes do texto convidaria e justificaria o exercício de arbítrio judicial na aplicação dos critérios constitucionais[49].

Ao caminhar entre esses dois pontos de vista contraditórios, Ely se debate com o seu principal dilema, que é definir o papel da Suprema Corte como instituição política. Conclui que a Suprema corte deveria ser um tipo de supervisor da política eleitoral e ombudsman[50] da democracia representativa. Pollack vê com dificuldades essa questão, haja vista que Ely fornece pouca justificação para esta substituição em massa do republicanismo do século XVIII, que está no bojo da própria magna carta, por uma democracia participativa igualitária[51].

Habermas também critica Ely[52], pois, para o estadunidense a Suprema Corte só pode conservar sua imparcialidade se resistir à tentação de preencher seu espaço de interpretação com juízos de valores morais. Observa o alemão que Ely é contrário também a uma teoria de interpretação dirigida por princípios, no sentido da interpretação construtiva de Dworkin[53]. Assim, nessa visão, Ely é, no mínimo, contraditório, pois ele tenta pressupor a validade de princípios e recomendar ao tribunal uma orientação por princípios procedimentais dotados de conteúdos normativos. Explica Habermas que o próprio conceito de procedimento democrático apoia-se num princípio de justiça, no sentido de igual respeito por todos. Porém isso não resulta, de formal alguma, que os princípios que fundamentam a força de legitimação da organização e do procedimento da formação democrática da vontade não sejam suficientemente informativos devido à sua natureza procedimental e que tenham que ser completados através de uma teoria substancial dos direitos[54].

Mas Habermas também concorda com Ely no que tange à repulsa a uma compreensão paternalista do controle de constitucionalidade. Essa compreensão possui “uma desconfiança amplamente difundida entre os juristas contra a irracionalidade de um legislador que depende de lutas de poder e de votações emocionais da maioria”. Conclui que “uma jurisdição juridicamente criativa do Tribunal constitucional justificar-se-ia a partir de seu distanciamento da política, bem como a partir da racionalidade superior de seus discursos profissionais[55]”.

Resumindo, para Pollack, a teoria elyana não é facilmente atingível. Ainda, para Habermas, essa teoria não dispensa uma orientação por princípios, mesmo que princípios procedimentais quer Ely entenda como princípios ou não. Finalmente, entende-se que Ely oferece uma opção coerente e muito original de aplicação da Constituição.

Como já dissemos, Ely busca uma abordagem procedimentalista com base na autoridade da Constituição. Afirma que a Constituição se preocupa basicamente com questões de processo[56], relacionados com direitos de acesso e de igualdade (não exclusivamente) e não com imposição de valores ou princípios fundamentais afirmador por uma determinada sociedade em uma determinada época.


5 O CETICISMO

Talvez um dos grandes contributos de Ely fosse a sua peculiar desconfiança nas instituições estadunidenses[57]. É nesse viés que tentaremos encontrar o ponto de sarcasmo[58] que o autor emprega em seu texto e que reflete em muito em sua teorização e também em sua fama como jurista[59].

Uma das grandes questões abordadas por Ely é a moral (no livro razão[60]). Ele afirma que a filosofia moral é um objeto próprio do direito constitucional. A ressalva é feita no sentido de que não são só os juízes os mais aptos para identificar essa moral e, posteriormente, aplicá-la[61]. Claro que numa sociedade moderna, os tribunais são também responsáveis por essa tarefa. O problema é que não existe a isenção moral desejada por Dworkin (com seu Hércules) no judiciário[62]. Assim, Ely afirma com veemência que o judiciário não é “neutro”, portanto, é incapaz de falar sobre os melhores princípios morais de uma sociedade[63]. Novamente, existe a peculiaridade do autor em afirmar que: “De fato, podemos propor a hipótese de que, quando mais perto a Corte fica de um raciocínio manifestamente baseado em valores fundamentais, pior é seu desempenho[64]”. Conclui que não existe uma única e pura filosofia moral aplicável em todos os casos, pois os entendimentos podem ser diversos, sendo assim, não existe uma filosofia certa e outra errada[65]-[66]. Na vertente estadunidense, para Ely, os juízes irão, como sempre, privilegiar os valores dos profissionais liberais de classe média alta (da qual são oriundos, não só os juízes, mas os filósofos, os políticos e os juristas, ou seja, os formadores de opinião).

Também, nesse mesmo viés, é pujante que a Corte tenciona a sacramentar como valores fundamentais valores facilmente identificáveis por nós, são eles: a liberdade de expressão, associação e educação, a liberdade acadêmica, a privacidade do lar, a autonomia pessoal, e até mesmo o direito das mulheres[67]. Ely concorda com esse raciocínio, obviamente, as suas críticas, mais uma vez ácidas, são que a maioria dos teóricos do direito (à época e naquela realidade estadual, hoje entendemos diferente) começa a esvaziar o recinto sempre que alguém tenciona o debate nas questões do emprego, alimentação ou moradia, pois, para eles, esses são direitos importantes, mais não fundamentais. Por fim, o autor lamenta que a sociedade estadunidense tenha tido a decisão constitucional de assegurar o voto universal e agora tem que dar meia volta e sobrepor às decisões populares a valores de juristas de “primeiro escalação[68]”[69].

Em Democracia e Desconfiança, Ely fala sobre as bases pelas quais os juízes definem esses valores morais, e vai, pouco a pouco, descontruindo essas bases. Por exemplo, afirma que a tradição é uma referência invariavelmente passageira, sendo invocada para dar apoio àquele que se revela como referência principal: o consenso genuíno do pensamento estadunidense contemporâneo. Sobre esse consenso, mais críticas: a busca por princípios judiciais no consenso popular é incompleta, pois não existe consenso, e se caso apareça algum, é referência a dominação de alguns grupos por outro; também afirma que esse método é antidemocrático. Cita os exemplos comuns da pena capital e da segregação racial. Nesse sentido volta a mesma celeuma já comentada por nós: “[...] com base na teoria de que o Legislativo não fala realmente em nome dos valores do povo, enquanto a Corte o faz, é ridículo[70]”.

Sobre o direito natural (obviamente um dos maiores trunfos do ativismo judicial) o autor tem um discurso mais básico. Primeiro, ele destrói a ideia de que a Constituição é direito natural puro[71], pois: “Como é óbvio, os peticionários de uma revolução não costumam ter o direito positivo ao seu lado, e por isso devem basear-se no direito natural[72]”. Assim, a declaração de direitos, presente na Constituição, apresenta uma prova de que o compromisso com a filosofia jusnaturalista não era absoluto. O que se infere é que Ely é contra esse tipo de teorização, pelo simples motivo de que é muito fácil argumentar com o jusnaturalismo para qualquer tipo de tese, devido à falta de clareza[73].

Enfim, o que genuinamente Ely critica é a postura dos juízes da Suprema Corte. Ele simplesmente não aceita a ideia de esses juízes imporem seus próprios valores para toda a sociedade. Identifica várias maneiras pelas quais isso ocorre. A lógica do autor é que o mundo é assim, e então, percebeu-se certo dia que os juízes têm conceitos pré-determinados, e que ao julgarem, utilizam-se desses conceitos. No momento em que se notou que as coisas realmente eram assim, começou a se aceitar que deveriam ser assim[74]. O grande receio de Ely é que a Corte, dessa maneira, vem exercendo uma importante influência no funcionamento do país, e esse poder cresce com o tempo[75]. Sendo assim, apesar de nem sempre a Corte conseguir contrariar permanentemente a maioria, ela atrasa consideravelmente a implementação de certas vontades[76], o que é prejudicial ao ideal democrático estadunidense, fechando-se assim o cerne de sua teoria[77].


CONCLUSÃO

Basicamente, a teoria procedimental de controle de constitucionalidade baseia-se em dar azo a uma jurisdição constitucional que atua na defesa de direitos que garantem a democracia.

Talvez a grande crítica do autor seja de que é inaceitável que juízes com cargos vitalícios e nomeados reflitam melhor os valores convencionais do que os representantes eleitos. Os juízes devem policiar os mecanismos pelos quais os representantes irão de fato representar.

Ely aceita a possibilidade de atuação da jurisdição constitucional no controle das leis, no entanto, meramente como garantidora do processo democrático, sendo-lhe vedada qualquer manifestação sobre valores substantivos, sob pena de ofender o princípio democrático. Defende que a jurisdição constitucional deve estar limitada a assegurar a efetividade dos processos deliberativos nos quais se forma a opinião e a vontade dos cidadãos.

O problema é que o autor nega que a jurisdição constitucional possa atuar de forma substantiva. Ocorre que as normas que regulam a participação também são substantivas. Assim, mesmo defendendo um papel mínimo do tribunal constitucional, ela ainda assim vai se deparar com questões substantivas, e não só procedimentais. Mas, por outro lado, a teoria de Ely é aberta a essa questão, mas de outra forma, ao afirmar que é possível em caso de mau funcionamento do sistema, a Corte atuar de forma mais “ativa”, ou substantiva, como foi exposto anteriormente.

O que se colhe dos ensinamentos de Ely é que existem outras formas de jurisdição constitucional que são razoáveis. E sua teoria é bem inteligente em manter a típica “separação dos poderes” e ainda assim garantir que o judiciário tenha uma participação efetiva na defesa da sociedade e do ideal democrático. Das mais fortes críticas aos mais louváveis elogios, o que se viu é que a teoria de Ely pode não ser perfeita, mas pela sua construção viu-se que as outras abordagens também não são completas, e esse talvez seja um dos legados mais importantes do autor.

Obviamente que essa teoria não poderia ser aplicada no Brasil de hoje (até porque nossa atual Constituição é amplamente ideológica, tal qual a Constituição portuguesa, sendo que uma teoria procedimentalista não poderia ser aplicada). Mas certos pontos podem servir de reflexão, e quem sabe, um caminho de mudança. Uma coisa é clara, a teoria elyana pode oferecer um importante contributo ao universo jurídico brasileiro. Cito, por exemplo, uma crítica que o autor faz aos legisladores estadunidenses que se enquadra perfeitamente na situação atual do Brasil. Diz Ely que o legislativo, para escapar das responsabilidades, não formula suas leis com objetivos claros (usa os termos “recusa-se a formular distinções legalmente operativas”), delegando tal tarefa ao judiciário. Conclui que a maneira correta de tornar os representantes mais transparentes é fazer com que eles legislem de fato. E deste modo, tentamos demonstrar o ceticismo do autor, uma clara marca de sua escrita.

Em suas conclusões, o autor diz que o direito constitucional existe para aquelas situações onde não podemos confiar no governo representativo, e não para aquelas que sabemos que podemos confiar. São palavras que devem ser refletidas.

Por fim, cabe alertar que a teoria exposta aqui não atinge o todo idealizado por Ely, pois, no decorrer de suas explanações, o autor tenta dar conteúdo, e por consequência, habilitar sua teoria com situações concretas. Se tivéssemos adentrado nessa seara, o texto seria uma mera recapitulação das palavras de Ely, ou talvez uma sinopse. O que se buscou foi uma exposição das principais ideias do autor e também o seu modo peculiar de escrita jurídica.


REFERÊNCIAS

BLANCO DE MORAIS, Carlos. Justiça constitucional: o direito do contencioso constitucional. Tomo II. 2 ed. Coimbra: Coimbra ed., 2011. 

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WOOD, Gordon S. A revolução americana. Rio de Mouro: Círculo de leitores, 2004.


Notas

[1] Vejam que pela Constituição ser antiga, foi a ação dos tribunais que a modificou durante o tempo, tornando-a sempre atual e viva. Sendo esta a principal característica sua “elasticidade”.

[2] Sobre esse, três características importantes: (i) a singularidade da relação democráticas entre os juízes e os cidadãos e a elevada autoridade social de que gozam; (ii) a complexidade da estrutura federal, com dualismo de tribunais, ou seja, os estaduais e os federais; (iii) predominância da Suprema Corte e unidade de julgados que com ela se obtém. Vide MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo I. 6 ed. Coimbra: Coimbra ed, 1997, p. 147.

[3] Para saber mais da vida acadêmica e pessoal de Ely, recomendamos: KOH, Harold H. The right stuff. 58 U. Miami L. Rev. 969 2003-2004. Disponível em <http://heinonline.org>. Acesso em 03.07.2012.

[4] Sobre o livro, e já adentrando na parte jurídica-histórica, podemos dizer que a parte substancial do porquê de a Democracia e Desconfiança ter se destacado é o raro dom do autor de ser capaz de capturar as questões do momento de uma maneira que convida o questionamento para o futuro. E não há dúvida de que a Democracia e Desconfiança era um livro de seu momento. O subtítulo, A Teoria da Revisão Judicial, deixa claro que o objetivo era fornecer uma amarração teórica para a Corte de Warren, em meio às preocupações Alexander Bickel para o "dilema contramajoritário" e desconforto próprio Ely com o julgamento aparentemente ilimitado em Roe versus Wade. Esta preocupação com o "dilema contramajoritário" é evidente a partir da primeira das duas questões que ocupam o livro. Como colocado no subtítulo do título, a primeira pergunta é o que justifica a revisão judicial em uma sociedade democrática. A questão mais específica, e que deu o livro a sua vitalidade conceitual, é sobre que bases de legitimação um tribunal pode ter para derrubar a preferência do poder legislativo. Mais em ISSACHAROFF, Samuel. The elusive search for constitucional integrity: a memorial for John Hart Ely.  57 Stan. L. Rev. 727 2004-2005. Disponível em <http://heinonline.org>. Acesso em 03.07.2012, p. 728.

 A abordagem desse assunto não termina por aqui.

[5] Conferir University of Miami School of Law. News, set. 2000. Disponível em: <www.law.miami.edu/news/92.htm>. Acessado em 20 de jan. de 2012.

[6] Isso fica bem claro em algumas linhas escritas pelo autor. Por exemplo, em crítica aos legisladores: “Hoje em dia é difícil fazer o povo acreditar que em algum momento os legisladores votam levando em consideração o interesse público”. ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Tradução Juliana Lemos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p. 174. E assim, por diversas vezes, o autor explana sobre a política estadunidense, seus cidadãos, suas instituições, etc.

[7] Quando utilizarmos só a palavra constituição, obviamente, agora e no decorrer do texto, nos referiremos a Constituição dos Estados Unidos da América. Do mesmo modo, quando falarmos em tribunal ou Corte, será a Suprema Corte desse país.

[8] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 132.

[9] Ibidem, p. 132.

[10] Ibidem, p. 133.

[11] Essa distinção tem muitas outras denominações (modernamente vimos originalistas e não-originalistas), ficaremos com as utilizadas no texto de Ely.

[12] No decorrer do texto serão apresentadas mais diferenciações. ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 1.

[13] Uma coisa bem clara para o leitor, sobretudo brasileiro, é que nosso conceito de “ativismo” é, de certa maneira, diferente do se vê nos EUA, são próximos, mas não similares, talvez por erro nosso.

[14] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 6-7.

[15] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 7.

[16] Ibidem, p. 8.

[17] Ibidem, p. 12-13.

[18] Tavares facilita a compreensão: “De acordo com esta teoria, a Constituição se encontra desprovida de derivações valorativas. A Constituição, nestes termos, não possui qualquer conteúdo ideológico, predisposição ao humano, ao social ou ao econômico. Sua preocupação central seria apenas estabelecer procedimentos formais de composição de interesses, quaisquer que sejam estes. Em outras palavras, quaisquer valores alcançados ao final de tal procedimento estariam necessariamente justificados/legitimados, desde que observados os passos previamente previstos. Trata-se de conceber a Constituição como uma espécie de instrumento asséptico em relação aos valores vigentes”. Vide

TAVARES, André Ramos. A Constituição é um documento valorativo? In Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/26752/constituicao_documento_valorativo.pdf?sequence=1>. Acessado em 11.07.2012, p. 338-339.

[19] HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a factidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. Vol. I, p. 326.

[20] Assim o papel da Suprema Corte, na compreensão procedimentalista, é o de vigiar a manutenção da Constituição e prestar atenção aos procedimentos e normas organizacionais das quais depende a eficácia legislativa do processo democrático, tal compreensão fixa-se no caráter democrático do problema de legitimidade do controle jurisdicional da constituição.

[21] “O paradigma procedimentalista do direito procura proteger, antes de tudo, as condições do procedimento democrático. Elas adquirem um estatuto que permite analisar, numa outra luz, os diferentes tipos de conflitos. Os lugares abandonados pelo participante autônomo e privado do mercado e pelo cliente de burocracias do Estado social passam a ser ocupados por cidadãos que participam dos discursos políticos, articulando e fazendo valer interesses feridos, e colaboram na formação de critérios para o tratamento igualitário de casos iguais e para tratamento diferenciado de casos diferentes”. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a factidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. Vol. II, p. 183.

[22] HABERMAS, Jürgen apud HOMMERDING, Adalberto Narciso. Constituição, Poder Judiciário e Estado Democrático de Direito: A Necessidade do Debate “Procedimentalismo Versus Substancialismo”. Disponível em: <http://srvapp2s.urisan.tche.br/seer/index.php/direitosculturais/article/view/41/31>. Acessado em 04.07.2012, p. 3.

[23] Basicamente, as posturas substancialistas têm valorizado a Constituição como instrumento vinculante e programático, diretriz e argumento de conservação do Estado Democrático de Direito, que ainda resguarda, na medida do possível, a ordem e a liberdade nos Estados de periferia, não desconhecendo a politicização do Direito. Nesse sentido, a Constituição é a explicitação do contrato social, assumindo um caráter discursivo, enquanto produto de um processo constituinte. Ibidem, p. 6. Complementando, nas palavras de Tavares, que mais uma vez simplifica a conceituação: “A teoria substancialista, conforme brevemente mencionado no intróito deste artigo, defende, enquanto função da Constituição, a adoção de determinados valores/princípios reputados relevantes para sociedade e, por conseguinte, a sua retirada do âmbito decisório popular. Objetivamente falando, o que tal teoria está a significar é que determinadas matérias encontrar-se-iam fora do alcance democrático; não seriam afeitas à deliberação popular”. Conferir TAVARES, André Ramos. Op. cit.,.2007, p. 342.

[24] Ocorrendo assim a politização do direito, e em consequência o ativismo e a descrença na política.

[25] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 133.

[26] HOMMERDING, Adalberto Narciso. Op. cit., 2012, p. 4.

[27] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, prefácio.

[28] Sobre isso, o autor enumera pelo menos quadro noções de democracia em sua obra. Sendo que dessas, três sua teoria encontra abrigo. A primeira é a concepção rousseaniana, pela qual a democracia aumenta a série de decisões significativas pelas quais o cidadão tem responsabilidade e assim aumenta suas oportunidades de se comportar de maneira moral. A segunda é de que a democracia é uma forma não usualmente estável de governo, assim, se uma mudança é realizada pacificamente pelo sistema, não há risco de revolução violenta. A terceira concepção é traduzida na atitude, e vem de E. E. Schattschneider, que resume: a democracia “é um sistema político para pessoas que não têm certeza de que estão certas”. Por fim, a quarta noção, que não abriga sua teoria, é a de que “a democracia é um sistema de governo que é apto a gerar leis do tipo x, e leis do tipo x são boas”, e tal ideia não é conveniente porque tende a ser apropriada para o exercício de uma ditadura oligárquica. Por fim, sua concepção é a de que a democracia é uma espécie de governo não apropriada para a eficiente geração de leis de certo tipo, pois as pessoas diferem e assim os produtos da democracia diferem igualmente. Conferir ELY, John Hart. On constitucional ground. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1996, p. 9-11.

[29] Schacter faz uma boa crítica à abordagem de Ely nesse sentido, explora três diretrizes, resumidamente: (i) há ambiguidades significativas no conceito de democracia empregado por Ely, e essas imprecisões são realçadas por explorar duas linhas contrastantes de casos da Suprema Corte que podem ser vistos como inspirados por ideias do autor; (ii) a teoria de Ely não conseguiu tratar a democracia como o conceito essencialmente contestado que é e, ao contrário, abraçou a equação normativa da majoritarismo com a democracia. Ao escolher este caminho, Ely não conseguiu prosseguir plenamente as implicações de suas próprias ideias sobre as ligações entre desigualdade social e da democracia; (iii) a equação da democracia e majoritarismo é lamentável, por muitas razões, especialmente porque ela repousa em fortes hipóteses sobre a responsabilidade política que não se encaixam em uma análise empírica. Vide: SCHACTER, Jane S. Ely and the idea of democracy. 57 Stan. L. Rev. 737 2004-2005. Disponível em <http://heinonline.org>. Acesso em 03.07.2012, p. 738.

[30] ELY, John Hart. Op. cit., 1996, p. 5.

[31] Diz o autor: “Numa democracia representativa, as determinações de valor devem ser feitas pelos representantes eleitores; e, se a maioria realmente desaprová-los, poderá destituí-los através do voto”. Vide ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 137. Ainda, nesse viés, ressalta que os representantes eleitos, por terem lógica preocupação em se manter no poder, são as últimas pessoas em quem podemos confiar para a questão posta é a identificação de mau funcionamento do processo; ao contrário dos juízes, que tem mínimas preocupações em manter-se no cargo.

[32] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 137.

[33] Geralmente apresentadas nas emendas, e não na Constituição original.

[34] FERRO, Ana Luiza Almeida. Interpretação constitucional: a teoria procedimentalista de John Hart Ely. Belo Horizonte: decálogo, 2008, p. 30-31.

[35] Ely ressuscita essa ideia, com base no conceito antigo de representação virtual historicamente ditado pela Inglaterra contra os Estados Unidos (colonial). Basicamente os Estados Unidos não necessitavam de representação no parlamento inglês haja vista terem uma “representação virtual”. Daí saiu o brocardo jurídico famosíssimo “No tax without representation” (sem representação, nada de tributação), e também tal episódio foi um dos marcos fundantes da revolução estadunidense. Wood resume bem o que era essa “representação virtual” na época colonial: “Um panfletista governamental escrevia que, muito embora os colonos, como <<nove décimos do povo britânico>>, não escolhessem de fato qualquer representante para a Câmara dos Comuns, eram sem qualquer dúvida <<parte, e parte importante, dos Comuns da Grã-Bretanha: estão representados no parlamento da mesma maneira que os habitantes da Grã-Bretanha que não tem voz nas eleições>>”. Conferir WOOD, Gordon S. A revolução americana. Rio de Mouro: Círculo de leitores, 2004, p. 40. 

Sobre o desenvolvimento elyano e críticas, ver, especialmente: ESTBEICHER, Samuel. Platonic guardians of democracy: John Hart Ely's role for the Supreme Court in the constitution's open texture. 56 N.Y.U. L. Rev. 547 1981. Disponível em <http://heinonline.org>. Acesso em 03.07.2012, p. 568 e ss. No mesmo artigo, críticas a interpretação elyana da nota de rodapé número quatro do processo da Carolene Products Co. (p. 579 e ss.).

[36] HABERMAS, Jürgen. Op. cit., 1997. Vol. I, p. 328.

[37] FERRO, Ana Luiza Almeida. Op. cit., 2008, p. 32.

[38] ELY, John Hart. Op. cit., 1996, p. 14.

[39] FERRO, Ana Luiza Almeida. Op. cit., 2008, p. 37.

[40] Nas palavras do próprio Ely: “Assim eu digo às cortes: façam cumprir aqueles direitos que inspiraram suficiente consenso popular para obter um lugar no documento [constitucional]. Façam cumprir aqueles direitos que são necessários para nos deixar todos livres e igualmente registrar nossas preferências. Façam respeitar para as minorias aqueles direitos direitos que a maioria considerou próprios para lhe ser assegurados. Façam cumpri todos os direitos com todo o vigor que vocês possam reunir. Mas, além disso, vocês simplesmente não tem direito algum em uma democracia – não mais que filósofos ou professores de direito ou qualquer outro – de dizer para o resto de nós que nós nos enganamos e que vocês sabem mais” (tradução Ana Luiza Almeida Ferro). ELY, John Hart. Op. cit., 1996, p. 16.

[41] Na versão brasileira é o “devido processo legal”.

[42] ELY, John Hart. Op. cit., 1996, p. 18-24.

[43] FERRO, Ana Luiza Almeida. Op. cit., 2008, p. 39-40.

[44] Ely: “Após muita reflexão, convenci-me de que exatamente o contrário é verdadeiro: as liberdades ficam mais seguras na medida em que encontram apoio na teoria que embasa todo o nosso governo do que se ganham mais proteção quando o juiz as considera importantes quando da decisão de um caso”. Vide ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 135-136.

[45] HABERMAS, Jürgen. Op. cit., 1997. Vol. I, p. 326-327.

[46] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 226.

[47] FERRO, Ana Luiza Almeida. Op. cit., 2008, p. 42-43.

[48] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 214.

[49] FERRO, Ana Luiza Almeida. Op. cit., 2008, p. 43-44.

[50] Conceitualmente, ombudsman é um profissional/instituição contratado por um órgão, instituição ou empresa que tem a função de receber críticas, sugestões, reclamações e deve agir em defesa imparcial da comunidade. Sobre a origem da expressão, observamos que a palavra passou às línguas modernas através do sueco (ombudsman significa representante). De fato, em [1809], surgiram na Suécia normas legais que criaram o cargo de agente parlamentar de justiça para limitar os poderes do rei. Atualmente, o termo é usado tanto no âmbito privado como público para designar um elo imparcial entre uma instituição e sua comunidade de usuários. Nos países de língua portuguesa as palavras portuguesas "ouvidor" e "provedor" (bem como "ouvidoria" e "provedoria") são mais utilizadas como substitutas ao nome estrangeiro. Conferir MORAES, A. de. Direitos humanos fundamentais : teoria geral, comentários aos arts. 1 º a 5 º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 53.

[51] POLLACK, Sheldon D. Constitucional interpretation from two perspectives: Canada and United States in liberal constitucionalism in Canada and the Unided States. Disponível na internet: <http://www.buec.udel.edu/pollacks/Downloaded%20SDP%20articles,%20etc/chapters/Constitutional%20Interpretation%20U.S.-Canada%20in%20Newman%202004.pdf>. Acessado em 8/03/2012.

[52] É importante ressaltar que não só esses autores citados que criticam a teorização elyana, pelo contrário, existem diversos autores consagrados que se opõem igualmente, por outras razões. Por exemplo, a crítica de Laurence Tribe, está bem exposta em: MICHELMAN, Frank I. The not so puzzling persistence of the futile search: Tribe on proceduralism in constitutional theory. 42 Tulsa L. Rev. 891 2006-2007. Disponível em <http://heinonline.org>. Acesso em 03.07.2012.

[53] A crítica também é endereçada a Ely pelo próprio Dworkin (na mesma vertente de Habermas) é que em alguns conceitos a Suprema Corte tem que realizar uma interpretação substantiva, e dá o exemplo do conceito da democracia, que não é um conceito político preciso. Em algum momento a Corte tem que decidir qual é a melhor concepção de democracia que pretende utilizar. Dworkin entende que a teoria de Ely está distorcida. Vide DUTRA, Yuri Frederico. O controle de constitucionalidade abstrato segundo a teoria procedimentalista de John Hart Ely: um breve diálogo entre Jürgen Habermas e Ronald Dworkin. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/manaus/teoria_do_direito_yuri_fedrerico_dutra.pdf>. Acessado em 05.07.2012, p. 13.

[54] HABERMAS, Jürgen. Op. cit., 1997. Vol. I, p. 328-329.

[55] Ibidem, p. 329.

[56] Tribe aqui também critica Ely, ironicamente: “Liberdade religiosa, vedação à escravidão, propriedade privada — muito de nossa história constitucional pode ser escrita com referência nestas instituições sociais e valores substantivos. Que a Constituição há muito se refere a estas questões não causará espanto a ninguém. O que é embaraçoso é que alguém possa dizer, em razão desta realidade, que a Constituição se preocupa ou deveria se preocupar, predominantemente, com processo e não substância” (Tradução de André Ramos Tavares). Vide TRIBE, Laurence. Apud TAVARES, André Ramos. Op. cit., 2007, p. 343.

[57] Com mais veemência ao judiciário, mas também critica fortemente o legislativo, pela sua posição passiva na elaboração de leis.

[58] Por exemplo: “Sei que os juristas são cheios de si: o fato de nossa profissão nos pôr em contato com muitas disciplinas costuma gerar a ilusão de que nós as compreendemos por completo”. ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 75.

[59] Quinn, sobre o Democracia e desconfiança: “Poucas vezes li um tratado sobre leis tão claro. O que o torna anômalo é o fato de que é atraente e espirituoso. Nunca encontrei um livro de leis tão divertido” (tradução livre). Ver QUINN, Michael Sean. Of Democracy and Distrust: A Theory of Judicial Review. By John Hart Ely. 49 UMKC L. Rev. 377 1980-1981. Disponível em <http://heinonline.org>. Acesso em 03.07.2012, p. 377.

[60] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 74 e ss.

[61] Magistralmente Blanco de Morais capta bem o espírito de Ely: “É que, pese a refracção natural das próprias pré-compreensões dos juízes nas suas decisões, importa sublinhar que ao Estado de direito democrático não interessa um juiz filósofo ou legista que corrija positivamente as omissões e lacunas do ordenamento através de comunicações metapsíquicas com o “espírito da lei”, mas sim um juiz que, ao abrigo da função jurisdicional, garanta a Constituição e aplique bem o Direito devido”. BLANCO DE MORAIS, Carlos. Justiça constitucional: o direito do contencioso constitucional. Tomo II. 2 ed. Coimbra: Coimbra ed., 2011, p. 458-459.

[62] Ely argumenta que nem sempre os juízes não são influenciados por fatores externos, tais como a pressão dos eleitores (num assassinato brutal, por exemplo) – usando o exemplo de Alexandre Bickel. ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 75.

[63] No que diz respeito a esse tema, nossa opinião é na mesma linha do autor, fonte de discussões travadas na disciplina de Justiça Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Mestrado ano 2011/2012). Onde o professor Pereira Coutinho pergunta-se (não nessas exatas palavras): “Porque um grupo de juízes tem legitimidade moral para representar e disciplinar valores morais em uma sociedade?”.

[64] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 280.

[65] Exemplifica com a dicotômica teorização moral de, um lado John Rawls e sua Teoria da Justiça e de outro Robert Nozick com seu Anarquia, Estado e utopia. Pois tais filosofias são bem diferentes. Deste modo, entende que Dworkin ao praticamente aderir ao conceito filosófico de Rawls comete um erro.  Termina magistralmente a discussão, criando a suposta hipótese: “Nós gostamos de Rawls, vocês gostam de Nozick. Nós ganhamos por 6 a 3. Anule-se a lei”. Ibidem, p. 78. Essa frase tem uma forte crítica em MICHELMAN, Frank I. The not so puzzling persistence of the futile search: Tribe on proceduralism in constitutional theory. 42 Tulsa L. Rev. 891 2006-2007. Disponível em <http://heinonline.org>. Acesso em 03.07.2012, p. 901. Inclusive nesse texto, além de expor a crítica de Tribe à Ely, Michelman coloca Ely contra John Rawls, citando o exemplo do caso Roe v. Wade onde para esse aconteceu o seguinte: “Nós gostamos de Rawls, vocês gostam de Ely. Nós ganhamos 7 a 2” (p. 902) (tradução livre) – obviamente satirizando a frase original de Ely. 

[66] Ainda há quem aproxime Ely de Hans Kelsen nesse sentido. Pois o positivismo relativista de Kelsen, particularmente a respeito dos “valores fundamentais da sociedade” em muito se assemelha ao formalismo preconizado em Ely. Ainda, o tipo de controle de constitucionalidade orientado para a participação não é incompatível com a concepção kelseniana sobre democracia. Conferir FERRO, Ana Luiza Almeida. Op. cit., 2008, p. 37.

[67] Lembre-se que o livro foi escrito em 1980, portanto, as mudanças na questão do direito das mulheres ainda estavam em desenvolvimento, quase completo, é claro, mas não como hoje em dia.

[68] Expressão irônica advinda de Henry Hart.

[69] Mas essas posições de Ely também foram alvo de críticas da doutrina, pois: “Afinal, se os filósofos políticos podem concordar com nenhuma formulação singular de democracia, como podemos esperar que os juízes a fazê-lo? Este enquadramento, no entanto, parece-me mal a questão. Pois mesmo que Ely estivesse implícito nisso, ele adotou seus próprios princípios da democracia, e eles também são contestáveis” (tradução livre). Vide SCHACTER, Jane S. Op. cit., 2004-2005, p. 753.

[70] Complementa: “A noção de que os valores genuínos do povo podem ser claramente decifrados por uma elite não democrática às vezes é chamada na literatura de “princípio do Führer”. ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 90.

[71] Deste modo, contrariando a teorização iluminista.

[72] ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 65.

[73] É claro que o autor apresenta alguns argumentos favoráveis, afinal, certas coisas são óbvias. Mas cita exemplos de como o jusnaturalismo fracassa: o mais característico é na questão da escravidão, onde ambos os lados invocavam o direito natural, portanto, é por essa contrariedade que Ely recusa a tese – também afirma é que pelo mesmo motivo que o jusnaturalismo desapareceu do discurso estadunidense. Termina afirmando categoricamente: “Todas as inúmeras tentativas de construir uma teoria moral e política sobre o conceito de uma natureza humana universal falharam”. ELY, John Hart. Op. cit., 2010, p. 68.

[74] Por Ely: “[...] essa dedução não é sequer remotamente lógica: o fato de que as pessoas sempre se sentiram tentadas a roubar, não significa que elas devem roubar”. Ibidem, p. 59.

[75] É a questão, até mesmo já discutida em Portugal, com base em Ely, de que é inaceitável que uma Corte constitucional funcione como oráculo de previsão de valores para o futuro de uma nação. Vide BLANCO DE MORAIS, Carlos. Op. cit., 2011, p. 459.

[76] Por exemplo, o processo de emenda à Constituição dos Estados Unidos da América é lento e complexo. Durante toda a história desse país, somente quatro decisões da Suprema Corte foram anuladas por emendas constitucionais.

[77] Existe um ótimo texto que, além de resumir a teoria geral de Ely, como aqui, aborda a influência desta na Suprema Corte nos anos posteriores ao lançamento de Democracia e Desconfiança (particularmente dos anos 1990-2000 – inclusive citando acórdãos que reproduzem o texto de Ely), não tocaremos em tal assunto, pois foge da alçada planejada. Resumidamente Boynton conclui que existe, em algumas especialidades (principalmente no que tange a primeira ementa), a teorização elyana, mas no geral a Suprema Corte ainda está longe da construção procedimental de Ely. Para quem tiver interesse, principalmente na parte III (p. 420 e ss.) do artigo, ver BOYNTON, Brian. Democracy and Distrust after Twenty Years: Ely's Process Theory and Constitutional Law from 1990 to 2000. 53 Stan. L. Rev. 397 2000-2001. Disponível em <http://heinonline.org>. Acesso em 03.07.2012.


Autor

  • Lucas Bolzan

    Advogado. Mestre em Ciências jurídico-políticas com ênfase em direito constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – FDUL. Pós-graduado em direito público pela Faculdade Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul – FMP/RS.

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Informações sobre o texto

Relatório para a disciplina de Justiça Constitucional do Mestrado em Ciências jurídico-políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – FDUL, apresentado em dezembro de 2012. Regência: Dr. Luís Pedro Pereira Coutinho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOLZAN, Lucas. A justiça constitucional em John Hart Ely. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4271, 12 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31812. Acesso em: 25 abr. 2024.