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Eu, advogado: o declínio dos ‘Doutores Osmanos’

Eu, advogado: o declínio dos ‘Doutores Osmanos’

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Breve crônica sobre a profissão da advocacia nos dias de hoje, sob a perspectiva de um típico advogado classicista na figura estereotipada e nostálgica do Doutor Osmano, personagem fictício da nossa história.

Resumo: Breve crônica sobre a profissão da advocacia nos dias de hoje, sob a perspectiva de um típico advogado classicista na figura estereotipada e nostálgica do Doutor Osmano, personagem fictício da nossa história.


Apesar de não fazer muito tempo, me lembro com certa nostalgia dos tempos em que o advogado era visto com um honroso brio social, e por muitos, ainda era tido como uma espécie de ‘super herói’ das minorias e dos injustiçados. Um membro da ‘Liga da Justiça’ que, ao lado de Juízes, Promotores e Defensores Públicos, lutava pelo equilíbrio da balança do direito. Não era muito incomum ver uma cena que rotineiramente me furtava o fascínio, assim como aos demais colegas aspirantes ao nobre ofício da advocacia: o 'Doutor Osmano', trajando seu terno escuro, bem passado, blusa cinza e gravata bordô, senhor alto, pomposo e cordial, passava com sua elegância, e as pessoas logo se levantavam para cumprimentá-lo. Era o reconhecimento e respeito, face tamanha bravura e ousadia que despendia no dia a dia da profissão enquanto não media esforços para defender os simples cidadãos daquela pequena cidade de Salto de Dentro/MG. Ele, por sua vez, muito educado, devolvia a honraria aos presentes, sempre com um sorriso simpático. E lá se ia o povo dizendo: ‘esse doutor é mesmo porreta, dá o sangue pelos direitos dos seus clientes e não tem medo de patrão rico não!“ As moças, por sua vez, se derretiam ante os passos leves e a cordialidade de sempre. Os patrícios, viam-no como um mentor, uma espécie de inspiração para o futuro. E os moços mais humildes, encontravam esperança para sonhar, enquanto diziam baixinho aos pais: ‘um dia ainda vou ser advogado igual ‘seu Osmano’, pai, pra ajudar os ‘ôtro'’’.

Pouco tempo se passou, o doutor Osmano continuou o mesmo, mas muita coisa aconteceu. Não sei exatamente quando começou e quando se consumou de fato, mas uma coisa é certa: “algo aconteceu com a advocacia”. Sim, não se pode negar, o que era ‘cristalino’ foi recebendo manchas ao longo das últimas décadas, os ‘doutores Osmanos’ foram saindo de cena, desaparecendo – como uma espécie nativa e em extinção – na antiética e capitalista selva de pedras do nosso país, dando assim, lugar a outros personagens um tanto ‘exóticos’. O mercado se abriu, é verdade, o ingresso nas faculdades de direito se tornou mais acessível, e isso também é muito bom, mas ao invés de ‘Osmanos’, surgiram profissionais de outra estirpe: ‘substituímos os nossos ‘Osmanos’, por outros ‘Os manos’. A linguagem culta foi sendo desprezada aos poucos, sendo deixada de lado, enquanto dava lugar a expressões ‘epitéticas’ e ‘molequiais’, consequências inarredáveis e indispensáveis da inovação cibernética e do avassalador crescimento da rede mundial de computadores. Os sapatos lustrados foram sendo substituídos por tênis do tipo ‘all star’, as bolsas clássicas por mochilas ‘colegiais’ ou do tipo ‘volta ao mundo’, e a elegância e segurança profissional, pela soberba, grosseria e despreparo técnico, porquanto que, ao invés de profissionais investigadores e estudiosos como saiam das faculdades antigamente, o que temos agora é a chamada ‘geração coca-cola’ de profissionais do direito, do imediatismo, das peças ‘clonadas’ e pré-prontas, oriundas de qualquer sitio sem credibilidade.

As Faculdades já não reprovam mais, e ainda há os que defendem o fim do Exame de Ordem. Com todo o respeito aos que levantam essa bandeira, e se justificam no ‘livre exercício do trabalho’, lembrem-se que, nem os direitos fundamentais devem ser absolutos, e se eventual e tragicamente, algo do tipo acontecesse um dia, seria o início de um ‘apocalipse zumbi’ dentro da advocacia. Não é de se admirar que, os ‘profissionais’ de hoje, tenham mais horas de vídeo game, que de pesquisa bibliográfica; já assistiram a mais seriados do que audiências; e tem mais gel no cabelo que suor no teclado do seu velho instrumento de trabalho.

A escritora Ruth Costas, Da BBC Brasil em São Paulo, escreveu um artigo recentemente onde expõe que: “Nunca tantos brasileiros chegaram às salas de aula das universidades, fizeram pós-graduação ou MBAs. Mas, ao mesmo tempo, não só as empresas reclamam da oferta e qualidade da mão-de-obra no país como os índices de produtividade do trabalhador custam a aumentar”.

Os empresários não querem canudo. Querem capacidade de dar respostas e de apreender coisas novas. E quando testam isso nos candidatos, rejeitam a maioria", diz o sociólogo e especialista em relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração da USP, José Pastore, referindo-se ao campo de trabalho desses novos profissionais quando buscam oportunidades em grandes empresas. José Pastore ainda acrescenta que:

"a explosão de escolas superiores não foi acompanhada pela melhoria da qualidade. A grande maioria das novas faculdades é ruim".

Na mesma linha, o professor Tristan MacCowan, professor de Educação e Desenvolvimento da Universidade de Londres, que há pelo menos uma década estuda a evolução do sistema educacional brasileiro explica esses fatos, dizendo o seguinte:

" Não há como negar que o Brasil fez avanços significativos na expansão do acesso ao ensino superior - e isso é positivo - mas essa expansão precisava ser acompanhada de um controle sobre a qualidade das novas instituições e um desenvolvimento significativo dos mecanismos de regulação e supervisão do setor, o que parece não ter ocorrido ".

Infelizmente, temos que concordar, o nosso Dr. Osmano, do começo do artigo, ainda não saiu de cena, afinal, advogado que se preze leva o ofício até o fim da jornada, dizem até que, advogado é filosoficamente inaposentável, seria quase que uma espécie de cláusula pétrea implícita da ideologia judicante. Não sei se é verdade, ainda vou descobrir, pois só estou no início dessa caminhada.

Apesar da simpatia e competência do nosso querido profissional ter se mantido intocável e inalienável durante todos esses anos, o escritório anda bem mais tranqüilo do que de costume, ali na sua pequena cidade de ‘Salto de Dentro’. É que os novos “profissionais” foram chegando, e com eles se foi propagando também a desleal concorrência ali naquele local. Hoje, é possível se encontrar propagandas do tipo: ‘fazendo um divórcio, ganhe desconto na partilha’. Ou: “não ‘perda’ a última semana de Refis! Fazemos cálculos e damos entrada em parcelamentos na Receita Federal”’.

A respeito da OAB, registro o meu respeito, mas confesso que não sei o que ocorre, às vezes parece apenas assistir de longe, como quem assiste a uma pelada no campo do bairro e sorri vendo os caneleiros e suas galfinhadas. Não é raro ouvirmos relatos de advogados que receberam todo o valor pecuniário concernente ao objeto da lide e nada repassaram aos clientes. Não é raro também ouvirmos que isso não dera em nada, e quando muito: uma mera suspensão de alguns meses, na verdade, férias forçadas, nada mais.

O Dr. Osmano, já um tanto desacreditado, não com a profissão, é claro, mas com o legado que a advocacia deixará para a sociedade – já quase alcançando a sua nona década de vida – às vezes, bem baixinho, intercalando pensamentos de direito e futebol, costuma ainda nos presentear com ao menos alguma das suas célebres parafraseações: ‘É, meu filho, agora entendo porque o Romário, mesmo aos quarenta e dois anos de idade, corria e fazia gol igual a um menino’.

Referências

COSTAS, Ruth. Geração do diploma lota Faculdades, mas decepciona empresários. BBC Brasil em São Paulo. 9 de Outubro de 2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/10/131004_mercado_trabalho_diplomas_ru. Acesso em 20.12.2015.

COSTAS, Ruth. Cursos superiores podem ser 'desperdício' no Brasil, diz estudioso. BBC Brasil em São Paulo. 9 de Outubro de 2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/10/131004_universidades_novas_ru. Acesso em 20.12.2015.


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Autor

  • Maykell Felipe Moreira

    Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce - FADIVALE. Advogado. Servidor Público Federal no Instituto Nacional do Seguro Social. Ocupou Funções como de Chefe de Seção Especializada de Benefícios e Sub Gerente em Unidade da Previdência Social. Autor de artigos Jurídicos e eterno estudante da ciência do Direito.

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