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Os honorários advocatícios no novo CPC e as demandas de saúde

Os honorários advocatícios no novo CPC e as demandas de saúde

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Neste estudo, busca-se analisar especificamente o tema da fixação da sucumbência nas demandas de saúde, demonstrando-se que, a despeito das alterações do NCPC, mantém-se o mesmo regime de arbitramento por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).

1. Introdução

Nos últimos anos, tem-se visto um grande incremento de demandas envolvendo a chamada “judicialização da saúde”, em especial no que diz respeito à saúde pública. São pleitos de medicamentos, tratamentos, insumos e outras prestações, grande parte delas sem previsão nas políticas públicas do Sistema Único de Saúde. Considerando apenas os dados da Justiça Federal, verifica-se um incremento de mais de 2.000% em quase uma década, dado que, de 450 novas demandas propostas em todo o Brasil em 2005, houve um salto para 9.402 novos processos em 2014.

Portanto, as demandas de saúde já não se podem considerar como excepcionais ou esporádicas no Judiciário, impondo-se analisar efetivamente qual o impacto da vigência do novo Código de Processo Civil (NCPC) sobre elas. Neste breve estudo, busca-se analisar especificamente o tema da fixação da sucumbência nessas demandas, a fim de perquirir se, de fato, houve alguma alteração normativa relevante, ou se a nova redação da lei processual mantém o entendimento anterior sobre a matéria.


2. Cotejo entre o regime normativo antigo da fixação de honorários advocatícios e o novo CPC

O Código de Processo Civil de 1973 determinava as regras de arbitramento de honorários no seu artigo 20, estabelecendo o seguinte quanto à fixação de seu montante:

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.

(...)

§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:

a) o grau de zelo do profissional;

b) o lugar de prestação do serviço;

c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.

Como se verifica da redação antiga, houve a expressa menção, no § 4º, de que as causas de valor inestimável, ou aquelas em que fosse vencida a Fazenda Pública, tivessem a fixação da verba honorária em valores absolutos, arbitrados por apreciação equitativa do juiz. Ocorre que, ainda que a demandada fosse a Fazenda Pública, naquelas demandas em que se cominava condenação pecuniária stricto sensu (em valor líquido ou liquidável), os honorários vinham sendo fixados pela Jurisprudência brasileira em percentuais determinados sobre o montante final, em aplicação à norma do § 3º. Para as demais espécies de demandas, envolvendo obrigações diversas daquelas pecuniárias, cujo valor fosse inestimável, a fixação do montante era realizada por arbitramento, com fundamento no referido § 4º do art. 20.

Nas demandas envolvendo o direito à saúde, dado que comumente não há uma condenação pecuniária específica, mas uma determinação de fornecimento de medicamentos, tratamentos ou outros insumos, consolidou-se na Jurisprudência a fixação da verba honorária em valores inteiros, arbitrados equitativamente, independentemente do montante ou do valor dos tratamentos postulados. Essa fixação tinha lastro, na vigência da lei anterior, no fato de que se tratava de causas não apenas movidas em face da Fazenda Pública, mas em especial de valor inestimável, o que ensejava a aplicação do referido art. 20, § 4º.

Analisando o texto do novel Código de Processo Civil, verifica-se que houve substanciais alterações na redação do texto, assim redigido:

Art. 85.  A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.

§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:

I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;

II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;

III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;

IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;

V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

(...)

A primeira alteração que salta aos olhos é que, no novo código, foi elidida a possibilidade de arbitramento por apreciação equitativa do juiz tão somente pelo fato de ser demandada a Fazenda Pública, tendo-se fixado percentuais específicos para seu cálculo. Além disso, a nova lei não mais se refere apenas a “condenação”, mas também a “proveito econômico”, conceito mais aberto e compreensivo, que abrange muitas situações em que não há, necessariamente, uma condenação pecuniária estrita.

No entanto, apesar dessa alteração, foi mantida no parágrafo 8º do art. 85 a previsão da possibilidade de fixação do valor dos honorários por apreciação equitativa para as causas de valor inestimável, acrescentando-se as hipóteses de proveito econômico irrisório ou valor da causa muito baixo:

§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

Dada a recente entrada em vigor do novo CPC, não há ainda um número considerável de julgados tratando da questão, em especial de tribunais. Entretanto, já se encontram decisões de 1º Grau em que é aplicada a norma do § 8º do art. 85, como se vê no seguinte trecho de sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Cascavel/PR[1]:

Ante o exposto, tendo em vista a superveniente ausência de interesse processual e a consequente perda do objeto da ação em razão da morte da parte autora, extingo o processo, sem resolução de mérito, com fundamento no artigo 485, incisos VI e IX, do Código de Processo Civil de 2015.

(...)

Em atendimento ao princípio da causalidade, com fundamento no parágrafo 10 do artigo 85 do Código de Processo Civil condeno a parte ré, pro rata, ao pagamento de honorários advocatícios. Em que pese tenha sido atribuído valor à causa com base no custo do medicamento pleiteado, entendo que, por tratar-se de direito à saúde o cerne da demanda, o presente feito possui proveito econômico inestimável, razão pela qual, por apreciação equitativa, ante a baixa complexidade da demanda e observando o disposto nos incisos do parágrafo 2º, conforme parágrafo 8º, ambos do dispositivo já citado, arbitro os honorários advocatícios no importe de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), valor que deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA-E desde a data desta sentença, sem a inclusão de juros de mora.

Diante desse quadro, resta analisar a natureza jurídica das demandas de saúde, a fim de que se possa aferir se nelas o fundamento normativo da fixação do quantum de honorários advocatícios permaneceria o mesmo do regime anterior (por arbitramento) ou se haveria alguma alteração substancial promovida pelo NCPC.


3. A natureza jurídica das prestações de saúde demandadas em juízo

3.1 Natureza constitucional do direito à saúde

O primeiro ponto que merece destaque é que o direito à saúde tem previsão expressa no art. 6º da Constituição de 1988, o qual elenca uma espécie de rol de direitos sociais por ela assegurados:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

A respeito de tais direitos sociais, há uma antiga mas ainda vigente discussão na doutrina em relação à eficácia da norma em tela, se seria ela programática ou se teria ela a mesma aplicabilidade dos direitos fundamentais ditos de primeira geração. Sobre essa dicotomia, assim escreve Eduardo da Silva Villas-Bôas (2014):

O melhor entendimento é o ponto médio entre os anteriores: o direito à saúde é norma programática – pois é o que deflui naturalmente da redação do preceito –, porém com máxima efetividade e possibilidade de concretização pelo Judiciário em caso de inércia do Administrador, nos termos do artigo 5º, parágrafo 1º, da Carta Maior.

Sem adentrar nessa intrincada seara, que não é o objeto do presente estudo, é possível dizer que o direito à saúde tem um grau de detalhamento tal que é impossível entende-lo como norma meramente programática. Veja-se que a própria Constituição, no art. 196, discrimina o conteúdo desse direito e seus desdobramentos, nos seguintes termos:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Mais do que isso, ao disciplinar o Sistema Único de Saúde, a Carta de 1988 determina de modo cogente os caminhos de implementação desse direito social, que passa dessa forma a ser vindicável e exigível por todos os cidadãos, dada a sua universalidade de acesso e integralidade de atendimento (art. 198, II).

Diante disso, é crucial deter o olhar sobre a natureza jurídica da causa de pedir e dos pedidos que os veiculam na seara processual em demandas de saúde.

3.2 Causa de pedir e pedido nas demandas de saúde

Deduzida a ação de direito material através do processo, é indispensável que o postulante informe quais são as partes contra quem deseja litigar, apresentando a causa de pedir e pedido específico de tutela jurisdicional, os chamados elementos da demanda (art. 337, § 2º, do NCPC). É de se salientar que é obrigatória a apresentação, na petição inicial, do “fato e os fundamentos jurídicos do pedido” e do “pedido, com as suas especificações” (art. 319 do NCPC). Tais elementos servem não só para identificar a demanda, mas também para fixar os limites da lide que conduzirão a instrução processual e delimitarão a abrangência da futura sentença a ser prolatada (art. 503 do NCPC).

Nesse particular, a causa de pedir (causa petendi) pode ser conceituada como a descrição qualificada do suporte fático que dá guarida ao pedido do litigante. Em outras palavras, pode-se dizer que a causa petendi é a demonstração in concreto dos fatos que atraem a incidência da norma jurídica. Em realidade, ela contém a demonstração da efetiva existência da pretensão deduzida em juízo, a qual, caso confirmada, ensejará a procedência da demanda ajuizada.

Destarte, verifica-se que o sistema processual brasileiro adotou a chamada teoria da substanciação, que tem no elemento fático o núcleo da causa de pedir (SANTOS, 1999, p. 164). Esse núcleo fático é comumente classificado pela doutrina como causa petendi remota (CRUZ E TUCCI, 1993, p. 42), ao passo que a qualificação jurídica é denominada causa petendi próxima.

Em relação às demandas de saúde, a causa de pedir é centrada na descrição dos fatos que ensejam o fornecimento de alguma prestação de saúde, tais como doenças, anomalias, danos à saúde causados por acidentes, síndromes congênitas e tantas outras situações que envolvem o corpo e a mente humanas. Em realidade, o elemento mais importante da demanda de saúde é justamente a correta descrição da causa de pedir, visto que é ela o principal balizador daquilo que vai se discutir na instrução processual.

Se a causa de pedir, por hipótese, encerra a descrição de um quadro de hepatite do tipo “C”, não se poderão aduzir outros fatos que não guardem relação com tal patologia, tais como problemas articulares decorrentes de desgaste ósseo, ou problemas psiquiátricos decorrentes de outras causas. Na realidade, a instrução processual terá necessariamente como foco as prestações de saúde que sejam destinadas à correção, remissão ou cura daquilo que se alega na causa de pedir.

No tocante ao pedido, este pode ser definido como o requerimento específico da tutela jurisdicional, sempre referenciado a uma ou mais causas de pedir. É o pedido que faz nascer a pretensão à tutela jurisdicional (Pontes de Miranda, 1970, p. 289). Quanto ao conteúdo do pedido, é corrente dividi-lo em imediato e mediato (SANTOS, 1999, p. 163). O pedido imediato, nesse sentido, é aquele pelo qual se requer ao órgão judicial que se declare, se constitua, se condene, se mande ou se execute, traduzindo a pretensão de cunho processual. O pedido mediato, por sua vez, relaciona-se diretamente com o bem da vida postulado, identificando-se com a realização da pretensão de direito material ou com o direito potestativo exercido em juízo.

Assim, nas demandas de saúde, o pedido imediato no mais das vezes será no sentido de que o Juízo profira julgamento de “condenação” lato sensu em face do ente público ou privado obrigado à prestação, sendo o pedido mediato aquele de fornecimento da prestação específica (aqui englobados, por exemplo, o custeio de determinado tratamento, fornecimento de medicamento ou, ainda, realização de determinado procedimento cirúrgico)

Em suma, o pedido em tais ações tem como síntese temática o fornecimento de prestação de saúde que possa atender à necessidade da parte, não se podendo limitá-lo estritamente àquilo que detalhadamente se pleiteia. Isso porque os tratamentos podem se encerrar prematuramente, não se chegando ao número de ciclos inicialmente pleiteado, por exemplo, ou pode ainda ser necessário um ajuste de dose no curso do processo, a fim de que se forneça determinado medicamento em quantidade diversa da pleiteada (para mais ou menos).

Não se quer aqui, contudo, referir que o pedido nas demandas que tratam de saúde seja em essência genérico, visto que ele não se enquadra nas hipóteses do art. 324, § 1º. Em realidade, é imperioso que o pedido seja certo (indicando o gênero e espécie da pretensão vindicada) e determinado (a sua extensão), uma vez que ele igualmente terá o papel de orientador de toda a instrução processual. O que se constata é que as variabilidades que a natureza física e psíquica do ser humano apresentam fazem com que toda a certeza e determinação do pedido em demandas de saúde tenha que ser analisada cum grano salis, assente a possibilidade de que haja pequenas variações que não desnaturem a identidade e os limites da causa.

Sobre o tema, interessante referir o seguinte julgado, o qual considera que o pedido, em demanda na qual se pleiteia procedimento médico, é abrangente, não por isso podendo ser considerado genérico:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DISFUNÇÃO ERÉTIL. INFERTILIDADE MASCULINA.

(...)

Do recurso da parte autora.

  1. O fato de o pedido ter sido formulado de maneira abrangente não o torna genérico ou inespecífico, na medida em que descreve os protocolos médicos especializados na área de urologia aos quais o autor precisa ser submetido.
  2. Com base no art. 461, § 5º, do CPC, pode o Juiz tomar as providências cabíveis e necessárias para ver assegurado o resultado prático ou a efetivação da tutela específica concedida.

(...) (TJRS, AC 70058370883, Primeira Câmara Cível, Rel. Des. Sérgio Luiz Grassi Beck, Julgado em 05/05/2014)

Essa abrangência, contudo, deve ser entendida com certa prudência. O pedido não pode ser inespecífico e é limitado pela causa de pedir (moléstia alegada), pelas provas apresentadas (incluídos os laudos e receituários médicos) e pelo princípio do contraditório (que propicia uma defesa eficiente quanto aos fatos alegados). Por conta disso, não se pode pleitear em qualquer momento – e em qualquer grau de jurisdição – uma alteração total daquilo que se requereu inicialmente, sob pena de instaurar uma verdadeira “nova demanda”, sem permitir uma adequada instrução processual e o devido contraditório. Se todo o processo se pautou pela análise de determinado medicamento, e a perícia indicou a sua eventual necessidade e adequação ao quadro de saúde da parte autora, não se pode simplesmente pleitear a substituição do tratamento após o encerramento da instrução – muitas vezes em grau recursal extraordinário –, simplesmente por se entender uma nova droga mais eficaz, por exemplo.

Assim, vista a natureza jurídica da causa de pedir e do pedido nas demandas de saúde, importa analisar suas relações com um eventual “proveito econômico” da demanda, a fim de que se possa efetivamente aferir a possibilidade de aplicação do art. 85, § 8º, no que diz respeito à fixação da sucumbência.


4. Inexistência de “proveito econômico” stricto sensu nas demandas de saúde

A questão crucial a ser analisada, para que se possa saber qual o regime cabível para fixação da condenação em honorários advocatícios, é ver se, nas demandas de saúde, há proveito econômico que possa servir de lastro à aplicação dos percentuais descritos no NCPC. Tal se faz importante para qualquer demanda envolvendo a saúde, seja em relação a entes privados ou à Fazenda Pública.

Isso porque, como já se referiu supra, o NCPC reitera a disposição do código anterior, no sentido de que a condenação em honorários nas demandas cujo proveito econômico seja inestimável seja feita por arbitramento (art. 85, § 8º). Para tanto, importa elencar os pontos mais relevantes que demonstram a inviabilidade de identificar as prestações que se demandam nas ações de saúde com aquelas atinentes a algum “proveito econômico” stricto sensu.

O primeiro aspecto que importa salientar é que o conceito de proveito econômico está intrinsecamente relacionado àquilo que se acresce ao patrimônio de determinado sujeito. Quando se pleiteia uma indenização, por exemplo, ou uma determinada prestação obrigacional, ou um vencimento de natureza salarial, ou mesmo um direito qualquer que possa ser economicamente avaliado, esse “direito” a ser judicialmente concretizado é suscetível de apropriação pela parte, integrando seu patrimônio jurídico, e podendo, por conta disso, ser mesmo suscetível de transmissão por sucessão.

Digamos que a parte venha a falecer no curso do processo, antes do trânsito em julgado de demanda em que tenha pleiteado indenização por dano moral. Por certo que uma futura execução poderá ser movida pelos seus sucessores, uma vez que na demanda restou incorporado o direito vindicado ao patrimônio econômico da parte. Nas demandas de saúde, por outro lado, caso a parte venha a óbito no curso da demanda, ela será inevitavelmente extinta por perda superveniente de interesse. Ainda que se julgue devida determinada prestação de saúde (a concessão de um medicamento, por exemplo), seu espólio jamais poderá pleiteá-la, pois ela nunca integrou o patrimônio econômico da parte falecida.

Isso porque, no que diz respeito a prestações de saúde, seu conteúdo está relacionado à proteção, promoção e sua recuperação, dentro do contexto de acesso universal e igualitário, aqui compreendido em sentido geral, conforme previsão do artigo 196 da CRFB em relação saúde pública. Os pedidos, como visto, envolvem não apenas a mera concessão de medicamentos ou a realização de tratamentos, mas ao fim e ao cabo a obtenção de prestação que possa atender à remissão da doença ou agravo à saúde que é descrita na causa de pedir.

Em última análise, o que se pleiteia em face do Estado não são determinadas obrigações pecuniárias stricto sensu, mas prestações suficientes à manutenção da saúde, na exata medida da necessidade que a hipótese fática levada a Juízo demanda, sendo típicas obrigações de fazer, sem conteúdo econômico. Por conta disso, os valores despendidos nos tratamentos ou nos medicamentos em si pleiteados não se incorporam ao patrimônio do seu requerente. São vinculados a determinado fim e indisponíveis.

Prova disso é que a parte, ao mesmo tempo em que tem o direito a buscar prestações de saúde em face do Estado, tem a obrigação de restituir aquilo que não foi estritamente utilizado para o seu tratamento. Nesse sentido, veja-se seguinte julgado do STJ:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PORTADORA DE CÂNCER DE MAMA. PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO DA SAÚDE. DEVER DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DIREITO PERSONALÍSSIMO. INTRANSMISSIBILIDADE.

(...)

6. O objeto do presente feito é o fornecimento de medicamento, tendo em conta a situação pessoal e específica da impetrante. Trata-se, portanto, de ação de cunho personalíssimo, a ser exercida pelo seu próprio titular, e intransmissível. De modo que devem ser devolvidos eventuais medicamentos não utilizados pela parte autora.

7. Remessa oficial e apelação da União parcialmente providas. Apelação do Município de Assu/RN improvida. (REsp 1436198/RN – 2ª T. – Relator Min. Herman Benjamin – DJe 19/03/2014).

Em outro julgado, assim decidiu o TRF da 4ª Região:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. FALECIMENTO DO PACIENTE. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DE MEDICAMENTOS NÃO UTILIZADOS. 1) O óbito do paciente acarreta a perda superveniente do objeto da ação que postula o fornecimento de medicamento, não havendo mais interesse processual, de modo que desnecessário se torna o provimento jurisdicional. 2) Havendo cumprimento da antecipação da tutela pelo autor, sendo posteriormente ressarcido da compra dos medicamentos, descabe a alegação de demora na prestação jurisdicional pela União. 3) A condenação pecuniária não pode se configurar em enriquecimento sem causa aos apelantes, considerando que o valor da multa tido por devida é próximo ao que foi despendido para a aquisição dos medicamentos. 4) Permanece a obrigação do autor em devolver os medicamentos que eventualmente restaram do tratamento, eis que foram custeados pelo erário. Caso verificada a existência de medicação excedente no Hospital, ou em posse do autor, esta deve ser devolvida a União, salvo comprovada inexistência de excedentes. (TRF4, AC 5007431-50.2012.404.7204, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 21/05/2015)

Dito de outra forma, as prestações relacionadas ao direito à saúde não têm caráter remuneratório (devidas em razão de algum serviço ou uso de bem), compensatório ou indenizatório (reparação ou indenização por prejuízos). A saúde, em verdade, é um direito humano fundamental e sua prestação uma obrigação de fazer de direito público, assim, de inestimável valor econômico. O Estado é obrigado ao seu atendimento na medida estrita da necessidade, não se incorporando ao patrimônio da parte aquilo que pleiteia em juízo.


5. Conclusão

Analisando o que foi exposto supra, é possível concluir que nas demandas de saúde não há falar em proveito econômico stricto sensu, podendo-se sintetizar os seguintes argumentos:

  1. A saúde é um direito social com alto grau de concretude constitucional, de caráter público, universal e integral;
  2. Nas demandas de saúde, conquanto a causa de pedir seja limitada pela descrição fática da situação de saúde da parte, o pedido, ainda que não seja genérico, tem caráter abrangente;
  3. Em última análise, o pedido final nas demandas de saúde é a prestação pública necessária à cura, tratamento ou remissão da situação de saúde da parte, sendo inestimável o seu proveito econômico;
  4. A prestação de saúde vindicada judicialmente não se integra ao patrimônio econômico da parte (nada a ele se acresce), uma vez que ela se destina precipuamente à manutenção de sua saúde, nos limites da sua necessidade. Descabe, por exemplo, eventual apropriação pela parte ou pelo espólio de medicamentos não utilizados, seja por óbito, cura, ou rejeição ao tratamento;

Portanto, descabe a fixação da verba honorária em eventuais percentuais sobre o valor da causa ou da prestação vindicada, não sendo aplicável o art. 85, § 3º, do NCPC. Em realidade, não obstante as alterações que o NCPC promoveu sobre o regime de fixação de sucumbência em face da Fazenda Pública, não houve alteração substancial no que diz respeito às demandas de saúde, dada a sua natureza peculiar. Assim, sendo inestimável o proveito econômico da parte, ante as características precípuas do direito à saúde, devem-se arbitrar os honorários advocatícios por apreciação equitativa, na forma do art. 85, § 8º, do NCPC.

Tal entendimento, ademais, privilegia a isonomia, uma vez que, se o sistema de saúde pública não pode fazer distinções entre pacientes (não há doentes mais ou menos importantes), não se podem distinguir processos em relação à fixação da sucumbência, uma vez que em todos eles, invariavelmente, discute-se o mesmo bem jurídico: a saúde e a vida. Por certo, a distinção que se pode fazer é em relação ao trabalho jurídico do advogado em si, considerando os ditames do art. 85, § 2º, o que pode propiciar sucumbências fixadas em valores diversos em cada processo, de acordo com os critérios postos na norma.

Em outras palavras, em se tratando de pleitos de saúde pública, não é cabível considerar que o advogado que patrocina demanda em que o paciente pleiteie tratamentos mais caros seja melhor remunerado do que outro que pleiteie aqueles menos onerosos, já que, em tese, a “natureza e importância da causa” (art. 85, § 2º, III) são necessariamente as mesmas. Mais do que isso, a lógica ora proposta evita que sejam pleiteados tratamentos mais caros em face do Erário, em detrimento de outros análogos de igual eficácia e menor valor, como meio de majorar valores de sucumbência.


6. Referências:

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A regra da eventualidade como pressuposto da denominada teoria da substanciação. Revista do Advogado, São Paulo, nº. 40, julho, 1993.

FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento, São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ª Ed., 2008.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Saraiva: São Paulo, v. I, 1999.

VILLAS-BÔAS, Eduardo da Silva. Perfil constitucional do direito à saúde: natureza jurídica, eficácia e efetividade, 2014, disponível em http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,perfil-constitucional-do-direito-a-saude-natureza-juridica-eficacia-e-efetividade,47837.html, acesso em 21/030/2016.


Notas

[1] Ação ordinária nº 5000533-31.2015.4.04.7005, juíza Lília Côrtes de Carvalho de Martino, sentença proferida em 29/03/2016.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÓPEZ, Eder Mauricio Pezzi; ESPIRITO SANTO, Silvia Lopes de Figueiredo do Espírito Santo. Os honorários advocatícios no novo CPC e as demandas de saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4690, 4 maio 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48516. Acesso em: 24 abr. 2024.