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Teoria do Ordenamento Jurídico, de Norberto Bobbio.

Resumo do livro

Teoria do Ordenamento Jurídico, de Norberto Bobbio. Resumo do livro

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Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito; Tradução Denise Agostinetti. 3ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2010.


Capítulo I – Novidade do problema do ordenamento

A tese central deste capítulo sustenta que a especificidade do direito reside não na norma jurídica considerada isoladamente, mas no ordenamento jurídico como um todo.

Isto significa dizer que não é possível encontrar o DNA do direito em alguma característica endógena da norma jurídica, como exaustivamente demonstrado no livro Teoria da Norma Jurídica. Quanto à norma, a sua característica primordial reside apenas no plano da lógica e da linguística, ao se afirmar que sua estrutura básica é a de uma proposição prescritiva.

Ao se operar o deslocamento do estudo da norma jurídica para a esfera do ordenamento, suscitar-se-ão 1) novos problemas e também 2) novos ângulos sobre um mesmo problema jurídico. Partindo do ponto “2)”, temos, por exemplo:

[...] desse modo o problema deixa de ser aquele [...]: “Qual é o caráter distintivo de uma norma jurídica consuetudinária em relação a uma regra do costume?” e passa a ser outro: “Quais são os procedimentos por meio dos quais uma norma consuetudinária passa a integrar um ordenamento jurídico?” (BOBBIO, 2010, p. 195)

Outro exemplo sobre o ponto “2)”: se, diante do problema “o que define o Direito?” buscávamos encontrar a resposta na estrutura da norma jurídica singular, a partir do fracasso – segundo Bobbio – dessa investida teórica, é possível tentar respondê-lo dentro de uma perspectiva sistêmica, qual seja das normas jurídicas consideradas como um todo, como um ordenamento.

Quanto ao ponto “1)”, i. e. quanto aos novos problemas surgidos com a mudança no objeto do estudo, Bobbio dedica a seção 5 deste capítulo para citar esses problemas, que serão devidamente estudados nos capítulos subsequentes:

Os problemas do ordenamento jurídico

“Se um ordenamento jurídico é composto de várias normas, isso significa que os principais problemas vinculados à existência de um ordenamento são os problemas que nascem das relações das diversas normas entre si.

Em primeiro lugar, trata-se de saber se essas normas constituem uma unidade, e em que modo a constituem. O problema fundamental que deve ser discutido a esse respeito é o da hierarquia das normas. À teoria da unidade do ordenamento jurídico é dedicado o segundo capítulo.

Em segundo lugar, trata-se de saber se o ordenamento jurídico constitui, além de uma unidade, também um sistema. O problema fundamental que se discute a esse respeito é o das antinomias jurídicas. À teoria do sistema jurídico será dedicado o terceiro capítulo.

Todo ordenamento jurídico, unitário e tendencialmente (se não efetivamente) sistemático também pretende ser completo. O problema fundamental que aqui se discute é o das chamadas lacunas do direito. À teoria da completude do ordenamento jurídico será dedicado o quarto capítulo.

Por fim, não existe entre os homens um único ordenamento, mas existem muitos e diversos tipos. Os vários ordenamentos têm relação entre si e de que tipo são essas relações? O problema fundamental que aqui deverá ser examinado é o do reenvio de um ordenamento ao outro. À teoria das relações entre ordenamentos será dedicado o quinto e último capítulo.” (BOBBIO, 2010, p. 199)


Capítulo II – A unidade do ordenamento jurídico

Fontes reconhecidas e fontes delegadas

Sabe-se que um ordenamento jurídico é formado por normas oriundas de inúmeras fontes distintas. Sendo assim, “a imagem de um ordenamento composto apenas de dois personagens, o legislador [...] e os súditos [...] é puramente didática” (p. 201).

Usando as estruturas familiares como uma metáfora simplificada sobre o direito, o que se tem é uma figura central (o pai) como legislador principal, e que, mesmo assim, não é capaz de definir sozinho as regras do seu núcleo familiar. Assim, eventualmente ele recebe regras criadas por seus antepassados – a tradição familiar-, eventualmente delega à mulher ou ao primogênito o pátrio poder.

Com essa metáfora, o importante é perceber que, mesmo num grupo pequeno e pouco institucionalizado como uma família, observa-se uma pluralidade de fontes normativas. Repare que o mesmo se observa nas organizadas religiões monoteístas, em que Deus delega aos homens a produção de certos conteúdos normativos.

Quanto aos ordenamentos jurídicos, temos, além das suas fontes diretas, suas fontes indiretas. Quando às fontes indiretas, o legislador recorre a dois expedientes principais:

  1. Recepção de normas preexistentes ao ordenamento = a fonte dessas normas posteriormente recepcionadas é chamada de fonte reconhecida, já que a recepção nada mais é do que o reconhecimento do valor jurídico de determinada lei.

  2. Delegação do poder normativo = Exemplo: o poder normativo conferido aos poderes Executivo e Judiciário, através de regulamentos, decretos, portarias etc. São as fontes delegadas, que vão produzir normas após o legislador delegar essa tarefa.

Obs: Discute-se se o poder negocial conferido aos particulares também seria uma fonte reconhecida – isto é, um direito anterior ao ordenamento, sendo por este recepcionado-, ou uma fonte delegada – se se encara o poder negocial como uma atribuição que o estado deu, em algum momento, ao particular.

Tipos de fontes e formação histórica do ordenamento

Sabe-se que a ideia de poder originário é uma construção teórica, que tem a serventia de conferir unidade ao ordenamento jurídico, e não um poder cronologicamente ou historicamente originário.

Na verdade, qualquer poder originário vale-se destes dois movimentos para constituir-se e constituir o seu corpo normativo:

  1. Recepção: “[...] a sociedade civil em que se vai formando um ordenamento jurídico, como o do Estado, não é uma sociedade natural, [...] mas uma sociedade em que vigem normas de vários tipos, morais, sociais, religiosas, comportamentais, costumeiras, convencionais e assim por diante. O novo ordenamento que surge nunca elimina completamente [...] as (normas) que o precederam: parte daquelas regras passa a integrar, através de uma recepção expressa ou tácita, o novo ordenamento, que, desse modo, surge limitado pelos ordenamentos anteriores. (p. 205)

  2. Delegação: “O poder originário [...] cria [...] novas centrais de produção jurídica, atribuindo a órgãos executivos o poder de emanar normas integradoras subordinadas àquelas legislativas, [...] a cidadãos privados (dão) o poder de regular os próprios negócios através de negócios jurídicos [...]. Nesse caso, [...] autolimitação do poder soberano, que subtrai a si mesmo uma parte do poder normativo para atribuí-lo a outros órgãos ou organismos. = limite interno do poder normativo originário.

Esses dois fenômenos – recepção e delegação – têm também uma implicação filosófica no que diz respeito à passagem da sociedade natural para a sociedade civil e, no que diz respeito à Modernidade, ao processo de formação dos Estados nacionais.

Esse binômio tem lugar numa discussão no interior da teoria contratualista da sociedade. Para a corrente hobbesiana, o poder originário estatal não tem limites, é ele quem funda todo o ordenamento, ou seja, “o ordenamento positivo é concebido como se fizesse tábula rasa de todo direito preexistente”. Para a corrente lockiana, o poder originário estatal tem por objetivo garantir à sociedade o gozo dos direitos naturais (vida, propriedade, liberdade etc), de tal forma que ele já nasce limitado por esses predicados.

Obs: Embora Hobbes seja visto como um juspositivista radical, de uma certa forma ele parte do jusnaturalismo para depois abandoná-lo, senão vejamos: segundo Bobbio, a própria ideia de contrato social é uma tentativa de fazer uma ligação entre o estado de natureza (no qual se encontram os direitos naturais já mencionados) e a civilização. O que Hobbes faz é dizer que o homem abre mão desses direitos naturais com a instituição de um poder originário, que irá revogar tacitamente essas leis naturais para pôr as suas próprias leis (direito posto = direito positivo).

Novamente ao final da seção, Bobbio menciona o poder negocial no âmbito deste dilema entre delegação e recepção: “Quanto ao poder negocial, ele pode ser explicado com ambas as hipóteses, ora como uma espécie de direito do estado de natureza (Kant), [...] ora como uma delegação do Estado aos cidadãos” (p. 207).

As fontes do direito

O que nos interessa notar em uma teoria geral do ordenamento jurídico não é quantas e quais são as fontes do direito de um ordenamento jurídico moderno, mas o fato de que, no mesmo momento em que se reconhece a existência de atos ou fatos de que depende a produção de normas jurídicas, se reconhece também que o ordenamento jurídico, além de regular o comportamento das pessoas, regula também o modo como dever ser produzidas as regras. Costuma-se dizer que o ordenamento jurídico regula a própria produção normativa. [...] regulam o modo de regular [...]. (p. 208)

Nesta esteira, se chamamos as normas que prescrevem uma conduta - comissiva ou omissiva - de imperativos de primeira instância, podemos chamar as normas que comandam outras normas/comandos de imperativos de segunda instância.

A classificação dos imperativos de segunda instância é um pouco maior e mais complexo que os de primeira. Enquanto os de primeira instância se dividem em 3 (permissivas, proibitivas e imperativas) – que para mim poderiam ser divididas em duas sem prejuízo-, os imperativos de segunda instância dividem-se em:

1. Normas que comandam comandar;

2. Normas que proíbem comandar;

3. Normas que permitem comandar;

4. Normas que comandam proibir;

5. Normas que proíbem proibir;

6. Normas que permitem proibir;

7. Normas que comandam permitir;

8. Normas que proíbem permitir;

9. Normas que permitem permitir;

Construção gradual do ordenamento

Embora o ordenamento surja a partir de múltiplas fontes, isso não significa que ele não possui uma unidade.

Partindo da teoria de Kelsen, essa unidade se dá em boa parte considerando-se a hierarquia das normas jurídicas dentro deste ou daquele ordenamento.

Em última instância, sabe-se que há uma norma que não se justifica com base em outra, sendo que todas as normas remetem a ela, direta ou indiretamente: trata-se da norma fundamental, ou Grundnorm.

Visto que as normas de um ordenamento estão dispostas hierarquicamente, o que lhes confere uma certa unidade, podemos afirmar que, se a Grundnorm é a norma superior do ordenamento, as normas da base da pirâmide são os contratos (leis entre as partes) e, ainda mais baixo, os atos executivos (que nada mais é que o cumprimento de alguma norma – como a execução de um contrato). Vide p. 212.

Neste momento pode haver a dúvida: qual a relação entre a norma em si mesma e a execução desta norma?

Segundo Bobbio, “se observarmos melhor a estrutura hierárquica do ordenamento, perceberemos que os termos execução e produção são relativos” (p.213). Isto é, toda norma ao mesmo tempo produz (normas inferiores) e executa normas hierarquicamente superiores.

Deste modo, assim como os conceitos de poder e de dever estão ontologicamente interligados – ou seja, a existência de um implica na existência do outro-, os conceitos de produção e de execução também são correlatos e se referem conjuntamente a todas as normas jurídicas, com apenas 2 exceções: A Grundnorm (só produz), e os chamados atos executivos (só executam).

Nas palavras do autor,

Em uma estrutura hierárquica, [...] os termos “execução” e “produção” são relativos, pois a mesma norma pode ser considerada, ao mesmo tempo, executiva e produtiva: Executiva em relação à norma superior; produtiva em relação à norma inferior. As leis ordinárias executam a Constituição e produzem os regulamentos. Os regulamentos executam as leis ordinárias e produzem os comportamentos conformes a elas. (BOBBIO, 2010, p. 213).

Por fim,

Esse duplo processo ascendente e descendente (produção e exeução) pode ser esclarecido também com duas outras noções características da linguagem jurídica: poder e dever. Enquanto a produção jurídica é a expressão de um poder (originário ou derivado), a execução revela o cumprimento de um dever. [...] Chama-se poder, numa das suas mais importantes acepções, a capacidade que o ordenamento jurídico atribui a esta ou àquela pessoa de gerar obrigações em relação a outras pessoas; chama-se obrigação o comportamento que deve ter aquele que está sujeito ao poder. Não existe obrigação em um sujeito sem que exista um poder em outro sujeito. (p. 214)

Limites materiais e formais

“Os limites com que o poder superior restringe e regula o poder inferior são de dois tipos diferentes” (p. 216):

  1. Relativos ao conteúdo = limites materiais;

  2. Relativos à forma = limites formais (são aquelas normas que estabelecem os procedimentos mediante os quais as normas inferiores serão produzidas [a exemplo dos artigos do código civil que estipulam regras para a celebração de contratos – ou seja, uma lei ordinária prescrevendo a forma como se deve dar o poder negocial, que é uma norma inferior]).

Exemplo dado pelo autor: os Juízos de Equidade do juiz.

Chamam-se “juízos de equidade” aqueles em que o juiz é autorizado a resolver uma controvérsia sem recorrer a uma norma de lei preestabelecida. O juízo de equidade pode ser definido como a autorização (i. e. uma norma permissiva) ao juiz para produzir direito (produzir norma) fora de todo limite material imposto pelas normas superiores. (2010, p. 218)

A norma fundamental – Grundnorm

A primeira coisa a se falar da norma fundamental, ou Grundnorm, é que ela não é expressa: é sempre uma norma tácita. Embora nunca seja expressa, a grundnorm é “a norma jurídica que produz o Poder Constituinte” (p. 221).

Em outras palavras, a norma fundamental é uma construção teórica que inaugura e fundamenta o Poder Constituinte, que é o poder que irá estabelecer uma Constituição (e, consequentemente, dará início a todo ordenamento jurídico).

Ora, se o atributo da validade de uma norma jurídica vem da sua existência e adequação dentro de um ordenamento jurídico, de onde vem a validade dessa norma fundamental? Em outras palavras: “E a norma fundamental, em que se funda?” (p. 223).

Podemos responder a estas questões sob dois ângulos distintos, porém complementares.

Primeiro, o fundamento da grundnorm não tem como ser buscado no interior do ordenamento que lhe sucedeu. No âmbito da teoria do ordenamento jurídico, deve-se conceber a grundnorm como ponto de partida, um postulado lógico, sendo ela um expediente necessário para se desenvolver a noção de unidade do ordenamento (e dentro disso a noção de hierarquia das normas jurídicas).

Por outro ângulo, aceitar a grundnorm como postulado não afasta a dúvida sobre a sua origem. Para Bobbio, “a única resposta que se pode dar aos que queiram saber qual é o fundamento do fundamento é que, para sabê-lo, é preciso sair do sistema” (p. 223).

Ou seja, a origem da grundnorm pode ser investigada em outros campos do saber que não o da dogmática jurídica, como, por exemplo, um marxista poderia associar a grundnorm à vontade/arbítrio da classe detentora dos meios de produção, de maneira a relacionar a grundnorm à institucionalização das relações sociais e econômicas da burguesia. Ou seja, este marxista fictício estaria buscando explicar a grundnorm dentro do esquema de estrutura/superestrutura próprio do materialismo histórico que, embora plausível, em nada se confunde com o estudo da dogmática jurídica (são campos com objetos e implicações totalmente distintas).

Em suma, a polêmica em torno da grundnorm é muito mais uma confusão epistemológica do que um embate ideológico sobre o Direito.

Obs: Pode-se fazer a objeção de que, se a teoria do ordenamento jurídico não é capaz de explicar o fundamento da grundnorm, i. e. o fundamento do fundamento, então ela não seria satisfatória como teoria e deveria ser descartada. Entretanto, todo sistema lógico possui paradoxos que não podem ser resolvidos nos seus próprios termos. Segundo o matemático Kurt Gödel, qualquer sistema formal é incompleto e contém verdades que não podem ser provadas autorreferencialmente, i. e. recorrendo-se a si mesmo. Isso ocorre inclusive na linguagem matemática, que contém verdades impossíveis de serem comprovadas matematicamente; ou mesmo em problemas autorreferenciais de linguagem verbal, como, p. ex., ao se afirmar “Esta frase é uma mentira”. Tal frase, se considerada apenas de maneira autorreferencial (em sua lógica interna), será necessariamente um paradoxo. Porém, o paradoxo desaparece se procurarmos interpretá-la por meio de referenciais externos.

Isto talvez explique como o sistema de hierarquia de normas mantém uma certa consistência apesar desse paradoxo da grundnorm.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=UI1xR_AECrU (a partir dos 4’10”).

Ver também: https://www.youtube.com/watch?v=8Tt8aB-KMq4.

Por fim, Bobbio elenca 3 explicações exógenas sobre o fundamento da grundnorm:

  1. Teológica = omnis potestas nisi a Deo (todo poder vem de Deus);

  2. Jusnaturalista = aqui, o dever de obedecer o poder constituído vem de uma lei natural predecessora, lei esta que é descoberta pela razão humana, e não colocada à força por este ou aquele indivíduo;

  3. Contratualista = o dever de obedecer ao poder constituído deriva de uma convenção originária, a partir da qual o poder constituinte se legitima e se justifica.

Obs: acredito que o autor poderia ter elencado uma 4ª explicação, a da grundnorm enquanto produto da vontade/arbítrio de um poder soberano, que englobaria tanto Hobbes [a legitimar o arbítrio], quanto Marx/Foucault [a criticar esse].

Direito e força

Nesta seção Bobbio procura estabelecer uma sutil distinção entre poder e força, no afã de demonstrar a relação entre a norma fundamental e o poder originário, ou poder soberano.

Além da objeção sobre o fundamento da norma fundamental, a teoria da norma fundamental é objeto de uma outra crítica muito frequente (relativa ao poder originário). [...] Mas o que é o poder originário? É o conjunto das forças políticas que, num determinado momento histórico, tomaram a dianteira e instauraram um novo ordenamento jurídico. Objeta-se, então, que fazer com que todo o sistema normativo decorra do poder originário significa reduzir o direito à força. (2010, p. 226).

Ao que o próprio autor responde:

Quando falamos de poder originário, falamos de forças políticas que instauraram um determinado ordenamento jurídico. [...] O *exercício da força não está implícito de modo algum no conceito de poder. Pode-se muito bem imaginar um poder que repouse exclusivamente no consenso. Como observamos no curso anterior, qualquer poder originário repousa um pouco na força e um pouco no consenso. Quando a norma fundamental diz que se deve obedecer ao poder originário, não deve absolutamente ser interpretada no sentido de que é preciso submeter-se à violência, mas no sentido de que é preciso submeter-se àqueles que detêm o poder coercitivo. Mas esse poder coercitivo pode perfeitamente ser possuído por consenso geral. Os detentores do poder são aqueles que têm a força necessária para fazer respeitar as normas que eles emanam. Nesse sentido, a força é um instrumento necessário do poder. Isso não significa que também é o seu fundamento. A força é necessária para exercer o poder, não para justificá-lo. (p. 226-7) (grifo meu)

Ou seja, o poder não implica necessariamente no efetivo uso da força/violência, mas essa violência está pressuposta no poder, no mínimo como seu instrumento. Logo, ao contrário do que afirmou Bobbio no final do excerto, considero que a força é um fundamento do poder sim, ainda que não o único. A violência é fundamento do poder na medida em que ela existe, ao menos, em última instância, como se observa, por exemplo, no monopólio da violência por parte do estado.

Ora, partindo do monopólio estatal da violência para se analisar o direito, sabe-se que “um ordenamento jurídico é inconcebível sem o exercício da força” (p. 227). É essa violência em potencial que cria – ou ao menos reforça – a eficácia da norma jurídica. Lembrar aqui do conceito de Direito como um conjunto de regras com eficácia reforçada (diz-se reforçada porque a própria tradição/costume já cria normas dotadas de alguma eficácia, num momento anterior ao direito positivo).

Logo, temos uma relação direta entre FORÇA x EFICÁCIA.

Até este ponto da seção, vimos o argumento da força como instrumento do poder e do direito (e minha crítica que considera a força um fundamento do poder).

Outro modo de entender a relação entre direito e força é aquela defendida por Kelsen e por Ross, que entendem que a força não é um instrumento do direito, mas seu objeto. A partir desta perspectiva, entende-se o direito como um conjunto de normas que regulam o exercício da força numa determinada sociedade.

Conforme as lições do Teoria da Norma Jurídica (seção 31), vimos que podemos classificar as normas, em relação a seus destinatários, como normas primárias (destinadas aos indivíduos) e normas secundárias (destinadas aos órgãos judiciários e correlatos). O importante aqui é lembrar que Kelsen inverte esta classificação, considerando ‘primárias’ as normas destinadas ao Judiciário, e que é a partir deste juízo de valor que ele enxerga a força como objeto da normatização jurídica e do Direito como esse conjunto de normas que se referem ao exercício da força física, parafraseando Ross (p. 229).


Capítulo III – A coerência do ordenamento jurídico

“Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, perguntamo-nos se as normas que o compõem estão em relação de compatibilidade entre si e em que condições é possível essa relação” (p. 231).

A primeira classificação apresentada no capítulo é a de Kelsen, que divide os sistemas em:

  1. Estáticos: São aqueles sistemas erigidos em torno de um conteúdo material. Exemplo disso seria um sistema moral, que se justifica com base em valores (conteúdo material).

  2. Dinâmicos: São aqueles sistemas justificados por expedientes formais. Segundo Kelsen, os ordenamentos jurídicos são deste tipo, já que suas normas remetem sempre a uma autoridade superior (até chegar ao poder soberano com sua norma fundamental). Nas palavras do autor, “o ordenamento jurídico é um ordenamento em que a pertinência das normas é julgada com base num critério meramente formal, ou seja, independentemente do conteúdo” (p. 233). Um ordenamento de inspiração teocrática também seria dinâmico, na medida em que remeteria a essa autoridade superior chamada Deus.

Para exemplificar a diferença entre esse binômio criado por Kelsen, Norberto Bobbio vale-se da seguinte ilustração:

Por exemplo, um pai ordena ao filho que faça a lição, e o filho pergunta por quê. Se o pai responde: “porque você deve aprender”, a justificação tende à construção de um sistema estático; se responde: “Porque você deve obedecer ao seu pai”, a justificação tende à construção de um sistema dinâmico. Suponhamos que o filho, não satisfeito, peça uma ulterior justificação. No primeiro caso perguntará: “Por que devo aprender?”. A construção do sistema estático levará a uma resposta desse tipo: “Porque você precisa passar de ano”. No segundo caso perguntará: “Por que devo obedecer a meu pai?”. A construção do sistema dinâmico levará a uma resposta desse tipo: “Porque seu pai foi autorizado a comandar pela lei do Estado”. (BOBBIO, 2010, p. 233)

Três significados de sistema

Embora o termo “sistema” seja amplamente empregado na seara jurídica, ele possui certas nuances semânticas que merecem ser investigadas.

O 1º significado de sistema consiste na ideia de um sistema dedutivo. Isto é, o ordenamento jurídico seria um sistema, na medida em que ele decorre/deriva de alguns princípios gerais. Num sistema dedutivo, uma contradição é capaz de fazer desmoronar todo aquele conjunto. Obs: Os jusnaturalistas geralmente se valem desta acepção do termo. Inclusive, “uma das mais constantes pretensões dos jusnaturalistas modernos, pertencentes à escola racionalista, foi a de construir o direito natural como um sistema dedutivo” (p. 236), a exemplo do que pensava o filósofo Leibniz, que negava a dimensão empírica do direito, enxergando-o como uma mera decorrência da Lógica, ou seja, como um sistema deduzível das regras gerais da Lógica. Segundo Leibniz,

A partir de qualquer definição se podem extrair consequências seguras, empregando as incontestáveis regras da lógica. É exatamente isso que se faz quando se constroem as ciências necessárias e demonstrativas, que não dependem dos fatos, mas unicamente da razão, tais como a lógica, a metafísica, a aritmética, a geometria, a ciência do movimento, e também a ciência do direito, que não são absolutamente fundadas na experiência e nos fatos, mas servem para justificar os fatos e para regulá-los antecipadamente: o que valeria, para o direito, ainda que no mundo não existisse nem sequer uma lei. [...] A teoria do direito faz parte daquelas teorias que não dependem de experimentos, mas de definições; não do que mostram os sentidos, mas do que demonstra a razão. (apud BOBBIO, 2010, p. 237)

O 2º significado de sistema remonta a Savigny, e consiste num movimento diametralmente oposto àquele primeiro significado empregado por Leibniz e pelos demais jusnaturalistas.

Aqui a ideia de sistema ganha uma conotação empírica, indutiva, e não dedutiva. Além disso, neste caso o sistema parte do particular para se chegar ao geral, tal qual a classificação sistemática da zoologia (na qual os biólogos criam as classificações dos seres vivos a partir da experiência empírica de descoberta e catalogação de espécimes individuais, para só então ensaiarem alguma forma de classificação geral).

A ideia de jurisprudência sistemática tem esse caráter empírico e indutivo, que parte do particular para se chegar ao geral. Foi com este movimento que a jurisprudência desenvolveu as noções de negócio jurídico e de relação jurídica, segundo aponta o autor (p. 238).

O 3º significado de sistema traz uma definição negativa, a de sistema como uma ordem que exclui a incompatibilidade de suas normas consideradas individualmente. Diz-se “individualmente” porque a incompatibilidade se dá aqui entre 2 normas. Essa incompatibilidade não é capaz de por em xeque o ordenamento, mas apenas aquela norma considerada extravagante ou, no máximo, as duas normas em conflito.

Neste caso não se trata de incompatibilidade com o ordenamento, mas entre duas ou mais normas singulares: “Duas proposições como ‘a lousa é negra’ e ‘o café é amargo’ são compatíveis, mas não têm implicação uma com a outra. Portanto, não é correto falar [...] de coerência do ordenamento jurídico no seu todo” (p. 239). Nesta 3ª definição de sistema, entende-se que compatibilidade ≠ coerência (como demonstrado no exemplo), bastando que as normas não se contradigam uma a outra, ainda que versem sobre conteúdos totalmente distintos.

As antinomias

Quando nos deparamos com duas normas de um mesmo ordenamento que incompatíveis entre si, temos a chamada antinomia.

As antinomias ocorrem especificamente no plano formal, isto é, no âmbito da estrutura lógica de cada norma (lembrando que a norma, para a lógica, é uma proposição prescritiva).

Partindo da tábua de oposições oriunda da Lógica aristotélica, observamos 6 relações distintas entre as proposições prescritivas, quais sejam:

a. O - O não = relação entre Obrigatório e Proibido (CONTRÁRIOS)

b. O - não O = Obrigatório x Permissão negativa (CONTRADITÓRIOS)

c. O não - não O não = Proibição x permissão positiva (CONTRADITÓRIOS);

d. O - não O não = Obrigatório x permissão positiva (SUBALTERNOS);

e. O não - não O = Proibição x Permissão negativa (SUBALTERNOS);

f. não O não - não O = Permissão positiva x Permissão negativa (SUBCONTRÁRIOS).

Verifica-se por meio deste expediente lógico que só há incompatibilidade nos 3 primeiros casos, ou seja, só são incompatíveis entre si as proposições contrárias ou contraditórias. No caso de proposições contrárias, se há uma proposição V, a outra será necessariamente F, de modo que não podem ser ambas V (mas podem ambas ser F). Já as proposições contraditórias não podem ser ambas V nem ambas F, ou seja, a verdade de uma implica na falsidade de outra, e vice-versa.

As proposições subalternas e subcontrárias podem ser compatíveis.

Voltando para as proposições incompatíveis, temos 3 casos:

  1. Uma uma norma O (obrigação) em conflito com uma norma O não (proibição) = contrariedade.

  2. Uma norma O (obrigação) e uma não O (permissão negativa) = contraditoriedade;

  3. Uma norma O não (proibição) e uma não O (permissão negativa) = contraditoriedade.

O autor fornece três exemplos para ilustrar essas três relações de incompatibilidade entre normas jurídicas:

Primeiro caso: o art. 27 da Constituição italiana, no qual se lê: “a responsabilidade penal é pessoal”, está em contraste com o art. 57, alínea 2, do Código Penal italiano, que atribui ao diretor do jornal uma responsabilidade pelos crimes cometidos por meio da imprensa por seus colaboradores. [...] Trata-se de dois artigos destinados aos órgãos judiciários, sendo que o primeiro pode ser formulado do seguinte modo: “Os juízes devem não condenar quem não seja pessoalmente responsável”; o segundo de modo oposto: “Os juízes devem condenar qualquer pessoa (no caso específico, o diretor do jornal), ainda que não seja pessoalmente responsável”. Tendo em vista que uma norma obriga e a outra proíbe o mesmo comportamento, trata-se de duas normas incompatíveis por contrariedade.

Segundo caso: o art. 18 [...] das Leis sobre a Segurança Pública, diz: “Aqueles que promoverem uma reunião em local público ou aberto ao público devem comunicar a respeito, com no mínimo três dias de antecedência, ao comandante da polícia”; o art. 17, alínea 2, da Constituição, diz: “Para as reuniões, mesmo que em lugar aberto ao público, não se requer aviso antecipado”. Nesse caso, o contraste é claro: o art. 18 [...] obriga a fazer o que o art. 17 da Constituição permite não fazer (permissão negativa). Trata-se de duas normas incompatíveis, pois são contraditórias.

Terceiro caso: o art. 502 do Código Penal italiano considera a greve um crime; o art. 40 da Constituição diz que: “O direito de greve é exercido no âmbito das leis que o regulam”. O que a primeira norma proíbe, a segunda norma considera lícito, ou seja permite fazer (embora dentro de certos limites). Essas duas normas também são incompatíveis por contrariedade. (BOBBIO, 2010, p. 244 – 245)

Vários tipos de antinomias

Aqui o autor explica o termo “antinomia” em sua acepção mais estrita (que fora utilizada até agora) e uma noção mais aberta do termo, que compreende não apenas incompatibilidades de ordem lógica, mas também no que tange o seu conteúdo material e até axiológico.

Trata-se nesta seção de questões de classificação de antinomias. O mais importante, no entanto, é entender o seu significado mais estrito, que foi o único apresentado até agora e que constitui o cerne do problema das antinomias.

Além disso, frise-se que as antinomias propriamente ditas produzem incertezas, e não injustiças (“antinomia” de valoração – só é antinomia em sentido lato) ou lacunas (“antinomias” teleológicas - idem). Outro tipo de “antinomia em sentido lato ou impróprio” é o da “antinomia” de princípio, que é uma incompatibilidade principiológica, anterior à norma positiva.

Ressalte-se, mais uma vez, que a antinomia “de verdade” é a antinomia em sentido estrito, ou “antinomia própria”, que é aquela que ocorre no terreno da estrutura lógica das normas.

Por fim, registre-se mais dois termos utilizados pelo autor:

  • Antinomias solúveis: Conflitos para os quais só é possível resolver utilizando-se 1 único critério.

  • Antinomias insolúveis: Antinomias para as quais A) não há critérios para resolvê-las ou B) há mais de 1 critério para resolvê-las.

Obs: Os dois próximos tópicos (“Critérios [...]” e “Insuficiência [...]) tratam mais especificamente das primeiras. Por seu turno, as insolúveis serão analisadas na seção subsequente, “conflito dos critérios”.

Critérios para a solução das antinomias

Exposto o conceito de antinomia, passamos à questão: como resolver uma antinomia? Quais são os critérios para a solução desse conflito entre normas jurídicas?

As regras fundamentais para a solução das antinomias são 3:

  1. Critério cronológico = lex posterior derogat priori; (obs: este é o + fraco dos três critérios, vide a seção “conflitos dos critérios”, p. 262 e ss.)

  2. Critério hierárquico = lex superior derogat inferiori;

  3. Critério da especialidade = lex specialis derogat generali.

Embora a justificativa para as duas primeiras seja mais simples, é necessário fazer uma breve consideração sobre a justificativa para o critério da lex specialis: Observe-se que a ideia de tornar a lei mais minuciosa obedece a um princípio do direito romano, o suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), já que uma lei mais geral é menos sensível à complexidade das relações sociais concretas, problema este que se procura resolver tornando a lei cada vez mais específica. Nesta esteira, “compreende-se [...] por que a lei especial deve prevalecer sobre a lei geral: ela representa um momento ineliminável do desenvolvimento de um ordenamento. Criar obstáculo à lei especial ante a lei geral significaria refrear esse desenvolvimento” (p. 254).

Por fim, há mais 2 observações sobre esses três critérios de resolução de antinomias:

  • Enquanto o “1” e o “2” ensejam uma eliminação total de uma das normas, o “3” redunda numa eliminação apenas parcial da lei problemática (neste caso a lei geral).

  • Esses três critérios não são suficientes para dar conta de todos os problemas de antinomia, como se verá na seção seguinte.

Insuficiência dos critérios

Há casos em que se verifica antinomia entre 2 normas que são, ao mesmo tempo,

  • 1) contemporâneas,

  • 2) do mesmo nível hierárquico e

  • 3) ambas gerais.

Em termos de jurisprudência, diante da insuficiência dos três principais critérios de resolução de antinomias, o método mais utilizado é:

  • 4) Critério da Lex Favorabilis = a partir deste preceito, “se de duas normas incompatíveis uma é IMPERATIVA ou PROIBITIVA e a outra é PERMISSIVA, PREVALECE A PERMISSIVA” (p. 255, grifo nosso). A lex favorabilis, que nada mais é que a norma permissiva (positiva ou negativa), está em oposição à lex odiosa, que são as normas imperativas, positivas ou negativas.

    O problema da Lex Favorabilis: A diferença entre a l. favorabilis e a l. odiosa pode ser meramente um problema de perspectiva subjetiva, senão vejamos: “é claro que se interpreto uma norma da maneira mais favorável ao devedor, [...] essa minha interpretação é odiosa em relação ao credor” (p. 256). Assim, temos um 4º critério de solução de antinomias que não também não dá conta de solucionar todas elas.

Ora, no caso de conflito entre duas normas, para o qual não é possível aplicar nenhum desses 4 critérios, o intérprete, seja ele um magistrado ou um jurista, tem diante de si três caminhos para seguir:

a. Eliminar uma das normas;

b. Eliminar ambas as normas;

c. Conservar ambas as normas;

Segundo Bobbio, o caminho ao qual o jurista e o magistrado mais recorrem, por ser uma solução menos drástica para o conflito, é o de conservar ambas as normas. “O jurista e o juiz tendem, o máximo possível, à conservação das normas dadas. É sem dúvida uma regra tradicional da interpretação jurídica que o sistema deve ser mantido com a mínima perturbação” (p. 261).

Conflito dos critérios

Como mencionado no final da seção “Vários tipos de antinomias”, o conflito entre distintos critérios diz respeito às antinomias insolúveis, que são aquelas para as quais OU não há critérios adequados para resolvê-las OU há mais de um critério (havendo neste último caso, portanto, um conflito entre esses critérios).

Eventualmente esse conflito ocorre sem que haja um problema de ordem prática, quando p. ex. todos os critérios convergem para a mesma solução. É o caso, p. ex., de uma emenda constitucional de 2010 entrar em conflito com uma lei ordinária de 1990 (nesta ilustração, tanto o critério hierárquico quanto o cronológico apontam para a prevalência da emenda de 2010).

Em outros casos, porém, cada critério aponta para uma solução diferente. Por exemplo, podemos estar diante de uma antinomia entre uma norma constitucional anterior e uma lei ordinária posterior.

Sendo três os critérios principais (Cronológico, Hierárquico e de Especialidade), podemos ter 3 conflitos entre eles:

  1. Critério hierárquico x cronológico: Ocorre quando uma lei superior-anterior é incompatível com uma inferior-posterior. Prevalece o critério hierárquico;

  2. Critério de especialidade x cronológico: Ocorre quando uma norma anterior e especial é incompatível com uma norma posterior e geral. Neste caso, prevalece o critério de especialidade.

  3. Hierárquico x de especialidade: Ocorre quando o conflito se dá entre uma norma superior-geral e uma inferior-especial. Aqui a prevalência depende do caso concreto e da exegese do intérprete, pois os 2 critérios em conflito aqui são os mais “fortes” (logo, o critério cronológico é o mais fraco dos três).


Capítulo IV – A completude do ordenamento jurídico

A ideia de que o ordenamento jurídico é completo surgiu num momento histórico muito específico, que foi aquele no qual os jovens Estados modernos buscavam legitimar seu monopólio da produção jurídica, o que já fora mencionado no Teoria da Norma Jurídica (BOBBIO, 2010, p. 23).

Assim, a ideia de completude tornou-se efetivamente um dogma para a corrente juspositivista, isto é, tornou-se um ponto de partida para o estudo do direito, posto que

Admitir que o ordenamento jurídico estatal não era completo significava introduzir um direito concorrente, romper com o monopólio da produção jurídica estatal. E é por isso que a afirmação do dogma da completude caminha pari passu com a monopolização do direito por parte do Estado. Para manter o próprio monopólio, o Estado deve servir a todos os usos. (p. 276)

Em resumo,

Nos tempos modernos o dogma da completude tornou-se parte integrante da concepção estatista do direito, ou seja, daquela concepção que faz da produção jurídica um monopólio do Estado. À medida que o Estado moderno crescia em potência, esgotavam-se todas as fontes do direito que não fossem a lei, ou seja, o comando do soberano. A onipotência do Estado canalizou-se para o direito de origem estatal, e não foi reconhecido outro direito a não ser aquele que era emanação direta ou indireta do soberano. [...] Uma expressão macroscópica desse desejo de completude foram as grandes codificações; e, observe-se, é justamente no interior de uma dessas grandes codificações que foi pronunciado o veredicto de que o juiz deve julgar permanecendo sempre dentro do sistema já dado. A miragem da codificação é a completude: uma regra para cada caso. (p. 276)

Uma das expressões desse positivismo jurídico pró-codificação foi aquela da Escola da Exegese, que surgiu na França e foi também para a Itália e Alemanha. Bobbio ressalta mais uma vez que “a escola da exegese e a codificação são fenômenos estreitamente vinculados e inseparáveis um do outro” (p. 277).

Crítica à completude

Em direção oposta à da Escola da Exegese, o jurista alemão Eugen Erlich vai criticar o monopólio estatista da produção jurídica e essa falsa crença da completude dos ordenamentos, o que é eventualmente é chamado pejorativamente de fetichismo legislativo. A corrente de Erlich e correlatos é chamada de escola do direito livre.

A escola do direito livre possuía algumas características:

  • Eram mais adeptos às correntes sociológicas do direito (razão pela qual eram considerados como uma nova roupagem do jusnaturalismo);

  • Acreditavam no poder criativo do juiz para resolver as lacunas do direito posto, ainda que o juiz decidisse de maneira alheia ao ordenamento.

Com a reação da escola do direito livre a esse juspositivismo hermético “o dogma da completude caía, como inútil e perigosa resistência à adequação do direito às exigências sociais” (p. 282). Assim, “passou a ocupar o seu lugar a convicção de que o direito legislativo era lacunoso, e que as lacunas podiam ser preenchidas não mediante o próprio direito estabelecido” (p. 282).

O espaço jurídico vazio (final do séc XIX)

O conceito de espaços jurídicos vazios foi uma espécie de “contrarreforma” do positivismo jurídico após o “golpe” que sofreu o dogma da completude do sistema, o qual, como visto acima, foi abalado irreversivelmente pelas críticas da escola do direito livre.

Considero este conceito uma “contrarreforma” na medida em que ele tenta reformular a tese da completude sob bases ligeiramente diferentes, uma vez que a tese original fora superada.

O primeiro esforço nesse sentido se deu com o jurista alemão Karl Bergbohn em 1892. Nos termos propostos por Bobbio, resumidamente, o que Bergbohm afirma é o seguinte:

Um caso ou é regulado pelo direito, e então é um caso jurídico ou juridicamente relevante, ou não é regulado pelo direito, e então pertence àquela esfera de livre manifestação da atividade humana, que é a esfera do juridicamente irrelevante. Não existe espaço para as lacunas do direito. [...] Um espaço intermediário entre aquele juridicamente cheio e aquele juridicamente vazio [...] não existe. Ou existe o ordenamento jurídico, e então não se pode falar de lacuna; ou existe a chamada lacuna, e então não existe mais o ordenamento jurídico, e a lacuna deixa de ser lacuna, pois não representa uma deficiência do ordenamento, mas seu limite natural. (p. 284)

Obs:

  1. Espaço jurídico cheio = é, para Bergbohm, o âmbito da atividade humana que é regulado por normas jurídicas (também chamada de esfera do juridicamente relevante).

  2. Espaço jurídico vazio = a parte da vida humana não regulada pelo direito, sendo indiferente a ele e, portanto, PERMITIDA. Ou seja, é a esfera do que é juridicamente irrelevante.

Crítica à teoria de Bergbohm: Esses conceitos de espaço jurídico cheio e vazio são bem problemáticos quando se pense na estrutura lógica das normas e do ordenamento jurídico. “Note bem que a esfera do permitido (em uma pessoa) está sempre ligada a uma esfera do obrigatório (em outra pessoa ou em todas as outras pessoas): isso significa que a esfera do permitido jurídico pode ser considerada do ponto de vista da obrigação (ou seja, da obrigação alheia de não impedir o exercício da ação lícita); e que o direito nunca permite sem, ao mesmo tempo, comandar ou proibir” (BOBBIO, 2010, p. 285). Ou seja, trata-se de um par de conceitos muito mal formulado, que parece tentar escapar da crítica ao dogma da completude de maneira apressada e pouco embasada.

A norma geral exclusiva (início do séc XX)

Trata-se de mais uma teoria juspositivista que se desenvolveu em resposta à escola do direito livre, no afã de dar uma resposta mais satisfatória ao problema da completude/incompletude dos sistema jurídicos. Esta teoria foi inicialmente sustentada pelo alemão Ernst Zitelman em 1903, sendo seguido na Itália por Donato Donati em 1910.

Ao contrário da primeira teoria juspositivista, que dividia a atividade humana em dois campos distintos – um espaço regulado por normas (espaço jurídico cheio) e outro não regulado (espaço vazio) -, a teoria da norma geral exclusiva irá afirmar exatamente o inverso: não há espaço juridicamente vazio, o direito nunca está ausente da atividade humana, razão pela qual não há como se falar em lacunas.

Antes de apresentar o arcabouço teórico da norma geral exclusiva, é melhor partir do exemplo fornecido por Bobbio: “Uma norma que proíbe fumar exclui a proibição, ou seja, permite todos os outros comportamentos, exceto fumar” (2010, p. 287).

Destarte, as normas não existem sozinhas, mas aos pares: toda norma particular é acompanhada da norma geral exclusiva. Neste sentido, “nunca pode existir, para além das normas particulares, um espaço jurídico vazio, mas, para além dessas normas, pode existir toda uma esfera de ações reguladas por normas gerais exclusivas” (p. 287).

Segundo Zitelman:

Na base de toda norma particular, que sanciona uma ação com uma pena ou com a obrigação ao ressarcimento dos danos, ou atribuindo qualquer outra consequência jurídica, está sempre como que subentendida e não expressa uma norma fundamental geral e negativa, segunda a qual, prescindindo desses casos particulares, todas as outras ações permanecem isentas de pena ou de ressarcimento: toda norma positiva, com que se atribua uma pena ou um ressarcimento, é nesse sentido uma exceção daquela norma geral e negativa. Disso resulta que: caso falte uma semelhante exceção positiva não existe lacuna, porque o juiz pode a qualquer tempo, aplicando aquela norma geral e negativa, reconhecer que o efeito jurídico em questão não sobreveio, ou que não surgiu o direito à pena ou à obrigação ao ressarcimento. (apud BOBBIO, 2010, p. 288)

Segundo Donati:

Dado o conjunto dos dispositivos, que, ao prever determinados casos, estabelecem para eles a existência de determinadas obrigações, do conjunto dos mesmos dispositivos deriva, simultaneamente, uma série de normas particulares destinadas a estabelecer, para os casos por elas particularmente considerados, determinadas limitações, e uma norma geral destinada a excluir qualquer limitação para todos os outros casos, não particularmente considerados. Por força dessa norma, todo caso possível encontra no ordenamento jurídico o seu regulamento. Dado um determinado caso, ou existe na legislação um dispositivo que se aplique particularmente a ele, e desse dispositivo derivará para o mesmo caso uma norma particular; ou não existe, e então irá incidir na norma geral mencionada. (apud BOBBIO, 2010, p. 288).

Crítica de Bobbio à teoria da norma geral exclusiva: Para a teoria de Zitelman e Donati manter a aparência de completude, eles se valem de dois expedientes problemáticos: 1) ignoram a existência da norma geral inclusiva, que constitui uma alternativa à aplicação da norma geral exclusiva para resolver controvérsias desse tipo; 2) partem de um conceito estreito de lacuna, segundo o qual ela é apenas a ausência de uma norma;

Para explicar melhor esses dois expedientes problemáticos, e também para organizar melhor a crítica feita por Bobbio, é melhor partir do ponto 2.

  • 2) Segundo Bobbio, lacuna não é exatamente a ausência de uma norma expressa, mas “a ausência de um critério (único) para a escolha de qual das duas regras [...] deva ser aplicada” (p. 291). Ou seja, a ideia de lacuna engloba também a hipótese de uma pluralidade de critérios para solucionar a controvérsia, já que a presença de mais de um critério traz dúvida sobre qual aplicar num determinado caso.

  • 1) Assim, se a lacuna pode se dar pela presença de mais de um critério para decidir sobre a aplicação de uma norma, então a simples existência da norma geral inclusiva – que aponta para uma solução contrária à norma geral exclusiva- já é indicativo de que um sistema jurídico é, sim, incompleto e lacunoso.

As lacunas ideológicas

Esta teoria foi proposta por Brunetti. Segundo este jurista, existem algumas situações em que se discute sobre a completude:

  1. Considerando o ordenamento em si mesmo, sem compará-lo a nada: neste caso a pergunta sobre completude não faz sentido. Perguntar se um ordenamento jurídico é ontologicamente completo tem a mesma estrutura lógica de perguntar se o céu é completo, se o ouro é completo, se o azul é completo.

  2. Considerando o ordenamento a) em relação a um tipo ideal de ordenamento ou b) em relação ao conteúdo que ele pretende representar (p. ex. a vontade do Estado ou do povo): Aí temos como falar em completude ou incompletude. Note-se, portanto, que, para Brunetti, as lacunas só podem ser ideológicas, ou seja, só podem referir-se a um certo ideal ainda não alcançado, e não a uma completude ontológica que não tem sentido lógico algum, como demonstrado no “1”.

Vários tipos de lacunas

Nesta seção Bobbio apresenta mais 3 classificações de lacunas. São elas:

  • Próprias x impróprias:

    • Lacunas próprias são aquelas que ocorrem no interior do sistema normativo.

    • Impróprias são as ideológicas, que são aquelas que surgem a partir da comparação do sistema real com um sistema ideal;

  • Subjetivas x objetivas:

    • Lacunas subjetivas são aquelas que surgem por ‘culpa’ do legislador.

    • Lacunas objetivas são aquelas que não são ‘culpa’ do legislador, e sim decorrência da passagem do tempo (e das novas relações sociais que surgem daí), o que provoca o “envelhecimento” da lei.

      Ex. de lacuna objetiva: um ordenamento que não verse sobre o uso de células tronco, porque à época da promulgação da lei isso ainda não existia.

  • Praeter legem x Intra legem:

    • Lacunas praeter legem = leis muito específicas não dão conta de prever todos os casos possíveis;

    • Lacunas intra legem = o oposto, i. e. normas muito gerais que possuem vários pontos cegos.

Heterointegração e autointegração

HETEROINTEGRAÇÃO = método de solução de lacunas que consiste basicamente em:

  • a) recorrer a outros ordenamentos ou

  • b) recorrer a fontes de direito diferentes da fonte dominante, que em um sistema legal é a lei.

Assim, a heterointegração nos oferece 3 métodos distintos:

  • Recorrer a um OUTRO ORDENAMENTO POSITIVO, como p. ex. recorrer à lei italiana para resolver uma lacuna no direito brasileiro.

  • Recorrer ao DIREITO NATURAL, entendido aqui como um ordenamento não positivo.

  • Recorrer à fonte COSTUME;

  • Recorrer à fonte EQUIDADE, que consiste no poder criativo do juiz, eventualmente chamado de DIREITO JUDICIÁRIO. +++

  • Recorrer à fonte DOUTRINA, a qual Savigny tomava por DIREITO CIENTÍFICO.

AUTOINTEGRAÇÃO = solução de lacunas buscada no interior daquele mesmo ordenamento lacunoso, mediante

  • a) ANALOGIA ou

  • b) PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO.

ANALOGIA:

Conceito: Procedimento pelo qual se atribui a um caso não regulado por lei a mesma disciplina de um caso regulado de maneira semelhante.

A partir daí, é necessário entender a sua estrutura lógica e como se dá o problema da semelhança.

O raciocínio por analogia remonta a Aristóteles, sob o nome de paradigma. A fórmula do raciocínio por analogia pode ser expressa esquematicamente.

Esquema:

S é P

Z é semelhante a S

Z é P

Exemplos:

1)

Os homens são mortais;

Os cavalos são semelhantes aos homens;

Os cavalos são mortais;

2)

A guerra dos focenses contra os tebanos é ruim;

A guerra dos atenienses contra os tebanos é semelhante à dos f contra os t;

A guerra dos atenienses contra os tebanos é ruim.

Note-se que esta estrutura discursiva apresenta-se aparentemente como um silogismo simples, com apenas 3 termos, como o célebre “os homens são mortais; Sócrates é homem; logo Sócrates é mortal”.

No entanto, em ambos os casos há 4 termos em jogo, sendo que na 2ª premissa (ou premissa menor) há uma relação de semelhança ao invés de uma relação de identidade.

Sobre o exemplo 1, pode-se dizer que a conclusão extraída das suas premissas só é Verdadeira se os cavalos são semelhantes aos homens numa qualidade/predicado que seja a razão suficiente pela qual os homens são mortais. Portanto, a semelhança não deve ser uma semelhança qualquer, e sim uma SEMELHANÇA RELEVANTE (2010, p. 304).

Classificação das analogias:

  • Analogia legis = é a analogia propriamente dita. Pela analogia ‘clássica’, entende-se que se cria uma nova norma para um caso não regulado, norma esta que é extraída de uma outra norma que se refere a um caso singular.

  • Analogia iuris = semelhante à analogia legis, mas se busca essa nova norma deduzindo-a do sistema como um todo, ou de parte dele (e não de uma norma particular como ocorre na analogia ‘clássica’).

  • Interpretação extensiva = a diferença entre a interpretação extensiva e a analogia ‘clássica’ é que esta última cria uma nova regra, enquanto a interpretação extensiva apenas amplia o alcance de uma norma, i. e. sua extensão.

Obs: Para diferenciar o ‘x’ do ‘z’, é necessário recorrer aos exemplos do livro (p. 307). Ex1: o art. 1577 do CC italiano trata das obrigações do locador em relação às reparações da coisa locada. A partir daí, pergunta-se se este artigo pode ser aplicado ao comodatário. Se a resposta for afirmativa, trata-se do ‘x’, porque com essa analogia cria-se uma regra que não existia para o comodatário (só para o locador).

Ex2: o art. 1754 do CC italiano define como mediador “aquele que põe em contato duas ou mais partes para a conclusão de um negócio”. Aí, pode-se perguntar se esse conceito estende-se a quem “induza à conclusão do negócio depois que as partes tenham iniciado os contatos sozinhas ou por meio de outro mediador”. Se a resposta for afirmativa, estaremos diante de ‘z’, já que o conceito de “mediador” foi apenas estendido/ampliado (e não aplicado para algo distinto, ao contrário do exemplo 1, no qual não é possível dizer que o conceito de locação foi estendido ao comodato, mas apenas que as disposições sobre locação foram usadas para criar uma nova norma específica para aquele determinado caso).

PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO:

Curioso que, para Del Vecchio, este termo “princípios gerais do direito” deveria ser interpretado como “princípios gerais de direito natural”, o que o colocaria junto com os métodos de heterointegração (BOBBIO, 2010. p. 300). No entanto, trata-se deles aqui como princípios do direito positivo, razão pela qual estão aqui categorizados como autointegração.

Sobre esses princípios gerais, ressalte-se primeiro que o termo princípios não é utilizado em sua acepção estrita (de viés axiológico). Não há divisão aqui entre norma positiva e princípios: na verdade, esses princípios gerais nada mais são do que normas generalíssimas do sistema. Alguns doutrinadores consideram que só podem ser consideradas como princípios gerais as normas gerais que estão expressas, como Bobbio; outros, como Crisafulli, acreditam haver princípios gerais expressos e outros não expressos – estes últimos deduzíveis de normas específicas (ou menos gerais).


Capítulo V – Os ordenamentos jurídicos em relação entre si

Aceita a teoria pluralista institucional, segundo a qual existem não apenas inúmeros ordenamentos estatais, mas também ordenamentos não estatais – posto que onde há instituição humana, i. e. onde há um grupo social organizado, há direito-, podemos tratar de algumas classificações pertinentes e também de alguns problemas relativos à dinâmica entre esses ordenamentos.

1ª classificação:

Relações de subordinação x relações de coordenação (entre ordenamentos)

Como os termos sugerem, esta classificação tem uma dimensão hierárquica, e pressupõe um ordenamento superior (como uma CF) em relação a ordenamentos parciais (associações, partidos etc, que possuem estatuto próprio, mas cuja validade deriva do Estado).

2ª classificação:

a. Relações de exclusão total;

b. Relações de inclusão total;

c. Exclusão/inclusão parcial;

3ª classificação:

a. Indiferença: (ex: o estado não obriga a pagar dívidas de jogo)

b. Recusa: Aqui o estado não apenas é indiferente a outro ordenamento, como se porta de maneira diametralmente contrária. Assim, o que o ordenamento ‘a’ proíbe, o ord. ‘b’ obriga.

c. Absorção:

c.1. Recepção: um ordenamento (geralmente o estatal) absorve normas de outro ordenamento (geralmente o costume), transformando-o em direito positivo (exemplo: os códigos comerciais surgiram do costume dos comerciantes e navegadores, conforme Bobbio explica na p. 322);

c.2. Reenvio: um ordenamento (estatal) concede validade a outro ordenamento (costume) naquele âmbito particular dele, isto é, o estado renuncia a regular uma dada matéria e acolhe, naquele âmbito, a regulamentação estabelecida por outro ordenamento (ex: o estado brasileiro reconhecer o costume de alguns povos indígenas no âmbito próprio deles)

Ainda podemos classificas as relações entre os ordenamentos sob três ângulos distintos e complementares entre si:

1. Temporal – p. 325. Ex: A CF/88, a CF/67 e a CF/69 se deram no mesmo âmbito espacial e material, mas em tempos distintos.

2. Espacial = territorial (p. 329). Ex: O ordenamento brasileiro fica circunscrito no território brasileiro, embora coincida temporalmente e materialmente com outras constituições vigentes.

3. Material: (p. ex o ordenamento estatal é materialmente distinto do ordenamento da Igreja Católica, embora ambos possam existir num mesmo tempo histórico e num mesmo território).

Essa última classificação pode ser combinada com as anteriores no afã de se compreender a relação entre os ordenamentos. Por exemplo, sabendo que o ordenamento estatal e o religioso podem se sobrepor num mesmo território e no mesmo tempo histórico, é possível imaginarmos que entre eles deve haver alguma forma de subordinação/coordenação entre eles (ou então de indiferença/recusa/absorção etc).


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