Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/67712
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Audiência de custódia à luz do valor dignidade da pessoa humana

Audiência de custódia à luz do valor dignidade da pessoa humana

Publicado em . Elaborado em .

Analisa-se a audiência de custódia sobre uma óptica constitucional e sua relevância para efetivação do princípio-valor da dignidade da pessoa humana, visto que foi gerada por norma de direito fundamental presente em tratados internacionais.

RESUMO: A audiência de custódia é a apresentação do autuado em flagrante sem demora a pessoa do juiz competente. No Brasil, apesar do país ser signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, não há nenhuma regulamentação vigente sobre este procedimento advinda do Poder Legislativo, já que na nação a audiência de apresentação do preso é resultado de atuação administrativa do poder Judiciário. Assim, analisa-se a audiência de custódia sobre uma óptica constitucional e sua relevância para efetivação do princípio-valor da dignidade da pessoa humana, visto que foi gerada por norma de direito fundamental presente em tratados internacionais com hierarquia constitucional.

PALAVRAS-CHAVE: Dignidade da pessoa humana. Audiência de custódia. Constituição. Tratados internacionais. 


1 INTRODUÇÃO

O Projeto “Audiência de Custódia” é medida que visa assegurar que o autuado em prisão em flagrante seja apresentado à pessoa do juiz competente no prazo máximo de vinte e quatro horas, e foi implantado no Brasil por meio da Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, como forma de personificar o artigo 7º.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o artigo 9º.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, tratados internacionais aos quais o Brasil se tornou signatário desde 1992, entretanto há uma dubiedade se a audiência de apresentação do preso cautelar ao magistrado seria irregular, tendo em vista que foi efetivada através de medida administrativa advinda do CNJ e não por lei reguladora interna criada pelo Legislativo.

No primeiro tópico, se faz substancial entender a dignidade da pessoa humana, definição que é muito utilizada por todo o globo, contudo, pouco delimitada, seu conceito jurídico e decorrentes dimensões, e como influência o Estado visando impedir sua violação e garantir a sua proteção, com medidas de caráter positivo e negativo, o porquê deste instituto figurar logo no artigo 1º, inciso III, da Constituição Brasileira e sua autoridade na formação dos direitos fundamentais, independentemente de sua forma, seja expressos, implícitos ou decorrentes de tratados internacionais. Isto posto, sua relevância na aplicação da audiência de custódia.

No item subsequente, se faz necessário esmiuçar a Audiência de Custódia, seu surgimento que se deu por meio de um projeto do Conselho Nacional de Justiça em parceria com o Ministério Público e o Tribunal de Justiça em São Paulo, em frente à omissão e morosidade do Poder Legislativo, sustentado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que foram incorporados ao país há mais de 25 anos e previam a apresentação do preso ao juiz sem demora, analisando sua conceituação, necessidade de implementação levando em consideração aspectos sociológicos e orçamentários e dificuldades de efetivação.

Por último, reflete-se sobre a posição hierárquica no ordenamento interno dos artigos 7º.5 Convenção Americana sobre Direitos Humanos e  do artigo 9.3º Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que serviram de base para a aplicação da audiência de custódia, levando em consideração o princípio-valor da dignidade da pessoa humana e suas dimensões ao influenciar a ação do Estado e dos seus três poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo) para a sua asseguração e sua não ofensa, com respaldo no que prescreve o artigo 5º, § 2º da Carta Magna sobre direitos fundamentais presentes em tratados internacionais.

Para tanto, a forma de abordagem utilizada é o método dedutivo, por meio da análise bibliográfica fundando se de lei, exame de projeto de lei, estudo de resolução, revisão de artigos científicos, consulta de decisões jurisprudenciais, interpretação de tratados internacionais, leitura de doutrina, apreciação de dados estatísticos e observação de notícias e informações divulgadas por sítios eletrônicos.


2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

 

É essencial advertir que a dignidade da pessoa humana é base fundante da audiência de custódia, deste modo se faz substancial o seu estudo e de suas acepções. A dignidade da pessoa humana, em consonância com Barroso (2016), é utilizada hoje em decisões por todo o mundo, como na proferida pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão na proibição da negativa que efetivamente houve o Holocausto, e igualmente serviu de embasamento para criação da súmula vinculante de nº 11 do Supremo Tribunal Federal que normatiza o uso de algemas, este último como esclarece o sítio eletrônico de notícias do STF. Está presente em várias obras de doutrinadores pelo globo, havendo alguns que concordam com seu uso, como o jurista Sarlet e o ministro da Suprema Corte Brasileira Barroso, sendo que este segundo chega a adjetivar a dignidade humana, em sua obra A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo (2016, p. 25), como “pedra filosofal de todos os direitos fundamentais”, e outros, como o advogado e professor Raoul Berger, que vai contra o uso deste princípio, criticando-o, chegando a escrever que “o respeito pela dignidade humana claramente saiu de lugar nenhum” (BERGER, 2010, p. 423, apud BARROSO, 2016, p. 57).

Não se sabe ao certo quando surgiu este conceito, mas se entende que ele existe há séculos, Barroso (2016, p. 15) vai mais longe ao estabelecer que:

As ideias centrais que estão no âmago da dignidade da pessoa humana podem ser encontradas no Velho Testamento, a Bíblia Judaica: Deus criou o ser humano à sua própria imagem e semelhança (Imago Dei) e impôs sobre cada pessoa o dever de amar o próximo como a si mesmo. Essas máximas são repetidas no Novo Testamento cristão. Devido à sua influência decisiva sobre a civilização ocidental, muitos autores enfatizaram o papel do cristianismo na formação daquilo que veio a ser conhecido como a dignidade da pessoa humana, encontrando nos velhos Evangelhos elementos de individualismo, igualdade e solidariedade que foram fundamentais no desenvolvimento contemporâneo da sua abrangência.

Ou seja, o supracitado doutrinador não está afirmando que a dignidade humana é legado cristão, apenas informando que esta vem sendo utilizado desde os povos antigos, não com a clara definição como dignidade da pessoa humana, mas no ideal de vida digna, boa, e no respeito à vida. Insta mencionar, que este ainda arresta, que na época da Roma Antiga esse conceito era referente a um dever geral que se repartia em respeito e honra, relacionado ao destaque social de algumas pessoas e de determinadas instituições, fato que é confirmado pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada em 1789, que tratava de ocupações e posições de cunho público.

Outra grande contribuição para a dignidade da pessoa humana, em conformidade com Barroso (2016), foi a filosofia e seus pensadores, principalmente com a contribuição de Hobbes, Locke e Rousseau, grandes contribuintes do mundo do Direito, com suas ideias ligadas ao direito natural, ao direito fundamental a liberdade e à democracia (que é intimamente ligada à dignidade humana), com Immanuel Kant, como afirma Sarlet (2006), que determina que a autonomia da vontade (que para o filósofo é entendida como a capacidade de determinar-se e atuar de forma com a norma legal) é uma característica apenas encontrada em seres que tem capacidade racional, tendo por base a dignidade humana, e também com Dworkin, que reitera que o indivíduo não pode ser objetificado e não pode ser utilizado apenas como meio para concessão de propósitos alheios de terceiros. Contudo, o que fez crescer o interesse pela dignidade, em conformidade com Sarlet (2012) foi o fim da Segunda Guerra Mundial, dando um estouro em sua instrução, com o seu reconhecimento expresso em constituições, e segundo Barroso (2016), como forma de auxílio para recuperação de um planeta completamente devastado pela guerra e seus horrores.

Ainda consoante Barroso (2016), a positivação da dignidade da pessoa humana se tornou importante instrumento dentro de textos internacionais de relevância, como a Carta das Nações Unidas, de 1945, a Carta Europeia de Direitos Fundamentais, de 2000, o Esboço da Constituição Europeia, 2004, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cuja cópia está disponível no sítio eletrônico da Assembleia Geral das Nações Unidas e informa que esta declaração é de 10 de dezembro 1948, sendo proclamada pelo referido órgão da Organização das Nações Unidas por meio da resolução 217 A III,  sendo um dos documentos internacionais mais conhecidos sobre este tema, entre outros, e em normatizações nacionais como a Constituição do México, de 1917 e a própria Constituição Brasileira, de 1988, além de estar presente em vários âmbitos além do direito, como o da ética, da filosofia e da moralidade.

Adentrando no contexto do direito doméstico, o conceito jurídico de dignidade da pessoa humana é explorado pela Constituição Brasileira de 1988, logo em seu artigo 1º, inciso III, correspondendo, segundo o próprio texto da Carta Magna, como fundamento do Estado Democrático de Direito, e como consequência natural, a base dos direitos fundamentais decorrentes deste conceito, que podem ser explícitos, implícitos e frutos de tratados internacionais, conforme o art. 5º, §2º da Constituição vigente.

2.1    Conceito e Natureza Jurídica da Dignidade Humana

Há dificuldades relevantes para a conceituação da dignidade da pessoa humana, mas vale ressaltar que apesar de figurar no artigo 1º da Constituição, Barroso (2016) defende que a dignidade humana não consiste em um direito fundamental e sim, em princípio basilar desses direitos, pois se trata de um princípio jurídico, e como tal é por essência abstrata e vaga em sua forma, assim obtempera Barroso (2016, p. 64) “Como um valor fundamental que é também um princípio jurídico com status constitucional, a dignidade funciona tanto como justificação moral quanto como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais”. E como princípio, serve de base para outros direitos declarados como fundamentais, ou seja, que estão positivados na nossa Constituição, sendo por excelência, segundo Silva (2006), por si só invioláveis, universais e intemporais, e também servindo, de acordo com Barroso (2016), de fundação para a implementação de regras mais específicas ao caso concreto, já que é aberto por primazia, para se aplicar a maioria das situações, abarcando diferentes contextos.

Ensina Sarlet (2012), que além de figurar no art. 1º, inciso III da Constituição da República de 1988 de forma expressa como fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana está dividida pelo texto constitucional:

[...]. Mesmo fora do âmbito dos princípios fundamentais, o valor da dignidade da pessoa humana foi objeto de previsão por parte do Constituinte, seja quando estabeleceu que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna (art. 170, caput), seja quando, no âmbito da ordem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, §6º), além de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade (art. 227, caput). Assim, ao menos neste final de século, o princípio da dignidade da pessoa humana mereceu a devida atenção na esfera do nosso direito constitucional. (SARLET, 2012, p. 96)

Então, o que se retira da lição do autor é que o valor dignidade foi explorado em diversas partes da Constituição Brasileira, servindo mais uma vez de alicerce dos direitos fundamentais e não somente aqueles que foram elencados no Título II da Carta Magna, dos Direitos e Garantias Fundamentais, mas em vários trechos constitucionais.

Neste contexto, apesar da árdua tarefa, Sarlet (2013a, p. 37), fornece uma definição una para a dignidade da pessoa humana:

[...] tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

O que o doutrinador acaba por fazer com essa definição foi reunir todas as dimensões da dignidade humana dentro de um só conceito, que serve de garantia para a concepção de uma vida digna, com direito ao conteúdo mínimo para não apenas mera sobrevivência, mas para a obtenção do bem-estar, uma boa vida.

Sarlet (2013a) divide a dignidade da pessoa humana em quatro dimensões: a ontológica-biológica; a comunicativa; a dignidade como construção; e a negativa e prestacional. E não olvidando que essas dimensões são complementares entre elas e não excludentes ente si; a primeira é a ontológica-biológica, em que se trata este princípio como qualidade inerente e intrínseca do ser humano, que nasce com ele, e que não pode ser renunciada ou alienada,  constituindo característica compartilhada por todos os indivíduos, como uma dádiva, que todos são contemplados, do bebê recém-nascido ao criminoso mais cruel, e que independentemente dos atos que este venha a cometer a sua dignidade nunca lhe será retirada, se tornando uma característica quase que biológica, como a cor da pele e dos olhos.

 A segunda dimensão, continua o autor, é a comunicativa, pois por óbvio o ser humano vive em comunidade, em que dentro das relações interpessoais precisam haver zelo, assim, sendo estas, necessariamente definidas por respeito e consideração de forma mútua, logo que neste âmbito a dignidade deve ser considerada como fonte de obrigação geral de respeito pelo outro indivíduo, tendo em vista que esta é inerente a mim também é ao próximo.

Sarlet (2013a) define a terceira dimensão como sendo a dignidade como construção, ou seja, enfoca o aspecto histórico e cultural da dignidade, o que fez esta ter sua posição atual, a dizer que a dignidade é um conceito de delimitação aberta, mas que vive em constante utilização em casos concretos, portanto, levando em conta seu desenvolvimento social e moral ao passar dos anos, tendo por conclusão que esta além de ser condição intrínseca do ser humano é uma conquista social do indivíduo.

 Por último, na quarta, o autor arremata com a dimensão negativa e prestacional da dignidade, aqui esta se encontra como uma via de mão dupla para o Estado, no caráter positivo, como prestação em que o Estado tem em garantir e promover a dignidade e o caráter negativo, em que ele deve limitar suas ações no sentido de garantir a dignidade de cada indivíduo.

Já Barroso (2016, p. 72), divide a dignidade humana em três dimensões: valor intrínseco; autonomia; e valor comunitário, que adota como conteúdo mínimo da ideia de dignidade da pessoa humana, veja-se:

[...] Grosso modo, esta é minha concepção minimalista: a dignidade humana identifica 1. O valor intrínseco de todos os seres humanos; assim como 2. A autonomia de cada indivíduo; e 3. Limitada por restrições legítimas impostas a ela em nome de valores sociais ou interesses estatais (valor comunitário).

Prescreve esse autor que o valor intrínseco (que se aproxima da definição da dimensão ontológica-biológica de Sarlet) está ligado à natureza do ser, constituindo uma análise teórica do próprio indivíduo, mas desta vez está ligado a singularidade do ser humano, de suas características inerentes, como a racionalidade e a sensibilidade.

A autonomia é o componente ético da dignidade da pessoa humana, tendo por requisitos a democracia, a independência e a escolha. Correlaciona a dignidade humana com a ideia do livre arbítrio e de uma vida digna, pois sem o mínimo social ela não vem a existir, já que a autonomia se torna mero fingimento, esta dimensão é baseada no poder de autodeterminação e autonomia pessoal do indivíduo, onde a pessoa escolhe quais serão os termos que irão reger sua própria vida, baseada em suas exclusivas concepções.

Ao final, há o valor comunitário (que se relaciona com duas dimensões apresentadas por Sarlet (2013a), a comunicativa e a negativa e prestacional), como sendo ingrediente social da dignidade, correlacionando os valores coletivos de um grupo social e as normas impositivas aplicadas pelo Estado, colocando na balança a autonomia pessoal e o dever que a sociedade e o Estado têm de proteger valores compartilhados, pondo um pouco de lado a liberdade individual em prol da comunidade.

2.2    A Aplicação e Violação da Dignidade Humana

Por ser um valor jurídico a dignidade é de difícil especificação de incidência, como cita Barroso (2016), podendo atuar em causas menos controversas, como o direito de um homem escolher deixar que sua barba cresça ou não, e em questões altamente polêmicas e complexas, como o aborto, o suicídio assistido, a proibição à tortura, o casamento entre pessoas de mesmo sexo. O importante é entender que a dignidade humana, como esclarece Sarlet (2006, p. 67) é um “princípio (e valor) fundamental”, e pode se inserir em diversas discussões fundamentando desde o direito à vida, como o direito a não viver, como se constata dentro do caso do suicídio assistido, atuando em polos diferentes, mesmo que controversos. Também como pode provocar inovações como a implementação das audiências de custódia no Brasil, tendo por fundamento a execução da dignidade humana ao acusado.

Faz-se ressaltar por oportuno que apesar de ter, em consonância com Sarlet (2006), status jurídico-normativo no ordenamento constitucional brasileiro, dentre diversos países, a dignidade humana não é valor absoluto, que vai ter proeminência em qualquer situação, e consoante Barroso (2016), a regra é que não existe princípio absoluto, pois este deve ser sopesado com os demais existentes para garantir a equidade diante de diversas circunstâncias. Assim, obtempera o ministro Barroso (2016, p. 64):

[...] A dignidade humana, portanto é um valor fundamental, mas não deve ser tomada como absoluta. Valores, sejam políticos ou morais, adentram o mundo do direito usualmente assumindo a forma de princípios. E embora direitos constitucionais e princípios constitucionais frequentemente se justaponham, esse não é exatamente o caso aqui [...].

Portanto, segundo o ensinamento acima exposto, a dignidade ao ser aplicada deve ter maior ou menor peso de acordo com a situação, sendo que estes graus, de execução, variam com o que é juridicamente exequível, pois esta funciona como alicerce de direitos e deveres a todos, o fato de não tomar a dignidade como absoluta não a ofende, somente ressalta que esta deve ser utilizada com sabedoria, variando em diferentes níveis de acordo com o caso concreto.

Já sua efetiva violação consiste na objetificação do ser humano, na inversão de sua valoração, conforme pontua Sarlet (2013a, p. 36):

[...] o desempenho das funções sócias em geral encontra-se vinculado a uma recíproca sujeição, de tal sorte que a dignidade da pessoa humana, em princípio proíbe a completa e egoística disponibilização do outro, no sentido de que está a utilizar outra pessoa apenas como meio para alcançar determinada finalidade, de tal sorte que o critério decisivo para uma violação da dignidade passa a ser (pelo menos em muitas situações, convém acrescer) o do objetivo da conduta, isto é, a intenção de instrumentalizar e (coisificar) o outro.

À vista desta doutrina a violação à dignidade consiste na conduta que visa na desumanização do indivíduo, quando se pretende retirar a condição de ser humano a ele inerente e apenas o transforma em mero fantoche para a obtenção de objetivos alheios, com atos de índole aviltante, retirando-lhe os requisitos essenciais para uma boa vida, imbuídas do bem-estar e de qualidade de vivência, condições estas que segundo esse valor jurídico devem ser assegurados a todos, sem distinção.

Assim, como forma de executar a dignidade da pessoa humana e suas dimensões decorrentes de maneira efetiva, bem como modo de garantir sua proteção e impedir seu aviltamento, analisa se o projeto “Audiência de Custódia” à luz do princípio-valor normativo da dignidade humana.


3         AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Visto que a dignidade da pessoa humana é valor fundamental, cumpre verificar se a audiência de custódia é medida imperiosa para concretizar esse valor, assim, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em sua página de Internet própria, em 2015, o presidente (até então) do Supremo Tribunal Federal e consequentemente presidente do CNJ, Ricardo Lewandowski, com o objetivo de diminuir o contingente prisional e combater o costume do encarceramento, a fim de proporcionar que as garantias fundamentais internalizadas nas normas no país fossem cumpridas, implantou em sua direção o projeto “Audiência de Custódia”, em frente aos dados aviltantes de pessoas presas no país, tendo por fonte o Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP), diagnóstico este contido no sítio eletrônico do CNJ, hodiernamente o Brasil conta com: 297.944 presos em regime fechado; 103.830 presos em regime semiaberto; 9.901 presos em regime aberto; 251.362 presos provisórios; 6.021 presos em prisão domiciliar; totalizando o número de 669.058 presos no país, ou seja, ainda segundo a página de Internet do CNJ, o Brasil ocupa o quarto lugar mundial em número de pessoas que estão em situação de cárcere.

Conforme informações apresentadas no parágrafo acima, percebe-se que as estatísticas são alarmantes, demonstrando a cultura do encarceramento em massa na nação tupiniquim, do costume em “prender”, o que em consonância com Correia (2015, p. 04) “coloca em cheque a eficiência punitiva estatal e, ao mesmo tempo, o princípio da subsidiariedade do Direito Penal, que visa(va) limitar o poder punitivo do Estado.” Deste modo, a supressão ao direito à liberdade, que deveria ser a ultima ratio se torna uma medida consuetudinária e em muitas situações sem necessidade.

E como forma de diminuir esses números tão exorbitantes surgiu a audiência de custódia ou audiência de apresentação do preso, que conforme, Lopes Júnior e Paiva (2014), se apresenta como importante arma para a diminuição do encarceramento em massa no Brasil, e assim, Oliveira et al. (2017, p. 140-141) preceitua que “a audiência de custódia tem potencial para reduzir a cultura do encarceramento e propiciar que os recursos orçamentários hoje consumidos pelo sistema carcerário sejam reduzidos [...]” lembrando que o preso representa custos ao erário público e que a diminuição da população carcerária (daqueles que não deveriam estar restringidos de sua liberdade por vários motivos) também é uma vantagem econômica, além de ser primeiramente humanitária.

Em conformidade com matéria vinculada na página de perguntas frequentes do Conselho Nacional de Justiça, este define a audiência de custódia de maneira que “Trata-se da apresentação do autuado preso em flagrante delito perante um juiz, permitindo-lhes o contato pessoal, de modo a assegurar o respeito aos direitos fundamentais da pessoa submetida à prisão. ” Outro conceito da audiência de apresentação do preso pré-cautelar é fornecido por Lopes Júnior e Paiva (2014, p. 15):

A denominada audiência de custódia consiste, basicamente, no direito de (todo) cidadão preso ser conduzido, sem demora, à presença de um juiz para que, nesta ocasião, (i) se faça cessar eventuais atos de maus tratos ou de tortura e, também, (ii) para que se promova um espaço democrático de discussão acerca da legalidade e da necessidade da prisão.

Já Oliveira et al. (2017, p. 118) a define a audiência de apresentação do autuado em flagrante ao juiz competente do seguinte modo:

A denominada audiência de apresentação ou de custódia é um instrumento de natureza pré-processual, embora sujeito ao contraditório, que pode ser definido como um ato destinado a concretizar o direito reconhecido a todo indivíduo preso, a ser conduzido, sem demora, à presença de uma autoridade judiciária (juiz, desembargador ou ministro, a depender da incidência, ou não, de foro de prerrogativa) com o objetivo que sua prisão em flagrante seja analisada, quanto a sua legalidade e necessidade e seja cessada a constrição, se ilegal, concedida a liberdade provisória ou mesmo ratificada e fortalecida a prisão administrativa e pré-cautelar através da decretação da prisão preventiva, ou, ainda, substituída por outra medida cautelar alternativa, se cabível, suficiente e adequada para o caso.

De forma resumida, em consonância com o texto publicado pelo CNJ em seu sítio eletrônico e os ensinamentos de Lopes Júnior e Paiva (2014) e de Oliveira et al. (2017), a audiência de custódia tem por objetivo a apresentação do preso em flagrante à presença do juiz, sem demora, para que haja a análise da legalidade e necessidade da prisão, assegurado o contraditório, como forma de contemplar os direitos fundamentais do autuado pré-cautelar.

Esta audiência pode ter por resultado, de acordo com matéria vinculada pelo CNJ em seu sítio da Internet, a transformação da prisão em flagrante no seu relaxamento, em caso de prisão ilegal; na concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança dependendo do delito cometido; na substituição por medidas cautelares diversas; na conversão em prisão preventiva; na análise do cabimento ou não de mediação penal; e em outros encaminhamentos de natureza assistencial.

Ainda de acordo com o CNJ, em sua página da Internet respectiva, e de Lopes Júnior e Paiva (2014) entende-se que a audiência de apresentação do preso tem por fim coibir a prática de possíveis casos de maus tratos e tortura ao autuado pré-cautelar, ou irregularidades procedimentais, e que se alguma dessas condutas venha a acontecer esta objetiva a tomada de providências o mais rápido possível, garantindo de forma plena os direitos fundamentais e a dignidade humana do encarcerado.

3.1 (Insuficiência de) Previsão Legal da Audiência de Custódia

Conforme Oliveira et al. (2017) a audiência de custódia é fruto de dois tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), conhecida também como Pacto de São José da Costa Rica, celebrada em 22 de novembro de 1969, mas que apenas foi promulgada no país por meio do Decreto 678, em 06 de novembro de 1992, que em seu artigo 7º.5 dita que “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais [...]”; e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), que entrou em vigência em 23 de Março de 1976, entretanto, só foi promulgada aqui em 06 de julho de 1992, pelo Decreto 592, e estabelece em seu artigo 9º.3 que “Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais”.

Na esfera interna, conforme o sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça, a audiência de custódia é resultado da atuação administrativa do Poder Judiciário, o CNJ em parceria com o Ministério Público e o Tribunal de Justiça de São Paulo, promoveram o projeto “audiência de custódia”, no dia 24 de fevereiro de 2017, que, segundo Leitão e Fischer (2016), foi implantado nos 27 Tribunais de Justiça de todo o país, frente ao comodismo do Poder Legislativo na falta regulamentação da audiência de apresentação do preso que tem embasamento legal (CADH e o PIDCP) há mais de duas décadas e nunca foi efetivamente regularizado de forma legislativa.

Em consonância com Oliveira et al. (2017), o projeto “audiência de custódia” se encontra atualmente regulamentado apenas de forma administrativa pelo CNJ e pelo Tribunais através da Resolução 213 de 15 de dezembro de 2015 que tem por fulcro seu art. 1º:

 Art. 1º. Determinar que toda pessoa presa em flagrante de delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.

Assim, esta Resolução, conforme Oliveira et al. (2017), estabelece o procedimento que deve ser aplicado na realização das audiências de apresentação do preso em flagrante, que tem padrões e critérios semelhantes ao projeto de lei nº 554 do ano de 2011, hodiernamente tramitando no Congresso Nacional.

Outro importante instrumento para a aplicação da audiência de custódia, de acordo com Oliveira et al. (2017), foi a decisão proferida na medida cautelar na ADPF 347 MC / DF, de 09 de setembro de 2015, que prega o prazo de 90 dias para a inserção de audiências de custódia em todo o Judiciário, compreendendo juízes e tribunais, conforme informa a decisão (p. 209-210):

O Tribunal, apreciando os pedidos de medida cautelar formulados na inicial, por maioria e nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), deferiu a cautelar em relação à alínea “b”, para determinar aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão [...].

Entretanto, segundo Oliveira et al. (2017), esta decisão vem sendo descumprida, já que não houve a efetiva implementação das referidas audiências, e se passaram mais de dois anos do julgado, o que até caracterizaria, de forma tácita, a aceitação do modelo vigente de  autuação de prisão em flagrante, que é regulamentada pelos art. 306 a 310 do CPP, ao qual não é necessário a apresentação do preso à presença do juiz competente, sem demora, o que traz não só ao autuado pré-cautelar, mas à sociedade como um todo, resultados devastadores pela falta de garantia e respeito aos tratados internacionais, princípios e direitos fundamentais.

Vale ressaltar que, malgrado não haver uma regulamentação interna da audiência de apresentação do preso, de acordo com Leitão e Fischer (2016), em 2011, foi proposto um Projeto de Lei (PL) 554/2011, que em conformidade com a página de Internet do Senado Federal, é de autoria do senador Antônio Carlos Valadares, e se encontra aprovado pelo plenário no Senado Federal e está, desde o dia 06/12/2016, remetido à Câmara dos Deputados, e lá continua até o presente momento.

 Este PL tem por objetivo, mais uma vez tendo por fonte o sítio eletrônico do Senado Federal, alterar o §1º do artigo 306 do Decreto-Lei 3.689/1941, o Código de Processo Penal, que correntemente prega que “Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. ”, ou seja, o atual texto do artigo estabelece apenas a remessa obrigatória dos autos de prisão em flagrante ao magistrado no período máximo de vinte de quatro horas, entretanto, com a mudança inserida pelo PL 554/2011, nesse prazo (24 horas) após a realização da prisão em flagrante, o autuado deverá ser conduzido à presença do juiz competente, simultaneamente com seu auto de prisão e seguido das devidas oitivas colhidas, e caso o preso não indique advogado para acompanha-lo, deverá ser remetida cópia integral dos autos à Defensoria Pública.

3.2 (Dificuldades de) Implementação da Audiência de Custódia

Ressalta-se que, primeiramente, além de ter vários resultados benéficos associados a realização da audiência de custódia, como a prevenção aos maus tratos, tortura e desnecessidade da prisão do autuado, a audiência de apresentação do preso em flagrante ao juiz competente tem previsão normativa, nos tratados internacionais da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), denominada também como Pacto de São José da Costa Rica, e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ao qual o Brasil é parte desde 1992 e tem dever não só interno de cumprimento da aplicação da audiência, como também dever internacional, já que assumiu a obrigação de cumpri-los. Assim, estabelece a Convenção de Viena, incorporada no Brasil em 2009, por meio do decreto n° 7.030, em seu art. 26, o pacta sunt servanda, que “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé. ” Isto é, como demonstra a Convenção de Viena, os tratados internacionais CADH e PIDCP, são normas, e devem funcionar como fundamento para promoção de suas garantias inseridas, visto que o país tem o dever de cumprimento quando o subscreveu e o incorporou ao seu ordenamento jurídico interno, além disso, a audiência de custódia é direito do autuado em flagrante, o que por si só retira a possibilidade de sua não implantação.

A (suposta) falta de regulamentação procedimental não é a única justificativa que poderia ser levantada para a não aplicação da audiência de apresentação do preso à presença do juiz competente, pode figurar aqui a dúvida em relação aos danos ao erário público, o que de fato é apontado por Oliveira et al. (2017, p. 135):

[...] certa rejeição à implantação da “Audiência de Custódia”, principalmente por motivos vinculados à defesa corporativa, receio da falta de recursos materiais e humanos para o desempenho de funções inerentes a mais de um ato jurisdicional, suficiência do modelo atual, ausência de previsão legal, apontados pelos que resistem à implantação, para sustentar sua inviabilidade ou, pelo menos, desnecessidade.

Deste modo, há certo desprezo à utilidade desta audiência, já que acarretaria prejuízo aos cofres públicos e toda uma movimentação de pessoal, como magistrado competente, escrivão, agente carcerário, pessoas que seriam deslocadas ou novos cargos que causariam uma incumbência a mais ao Estado, além do gasto financeiro, com os recursos que deveriam ser movimentados para a realização da audiência de apresentação do preso ao juiz, contudo, o objetivo aqui é bem mais amplo e deve ser observado em grande espectro, visto que, como antes levantado, a audiência de custódia objetiva diminuir o hábito de prender de forma exacerbada, reduzindo assim os gastos com a população em cárcere, como pontua Lopes Júnior e Paiva (2014, p. 13):

[...] Confia-se, também, à audiência de custódia a importante missão de reduzir o encarceramento em massa no país, porquanto através dela se promove um encontro do juiz com o preso, superando-se, desta forma, a “fronteira do papel” estabelecida no art. 306, § 1º, do CPP, que se satisfaz com o mero envio do auto de prisão em flagrante para o magistrado.

 A título de exemplo, cita se os dados fornecidos pela Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos de Mato Grosso (SEJUDH – MT), em seu respectivo sítio eletrônico, por meio da notícia publicada em 05 de dezembro de 2016, que informa que, no período de dezesseis meses, realizaram se em Mato Grosso 4.054 audiências de apresentação do preso ao juiz, onde aproximadamente 2.000 autuados não entraram no sistema penitenciário após a realização da audiência, e levando em consideração que um preso custa cerca de R$ 3.000,00 (três mil de reais), ao mês, ao Estado, este economizou, em média, R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), assim, trazendo uma alternativa não só benéfica para o erário público, mas lucrativa, em razão da pecúnia que pode ser economizada e utilizada em outras áreas, como educação e saúde, com esse procedimento.

Outra vantagem da implementação desta audiência se dá em seus resultados, que não se limita na prisão ou liberdade do autuado em flagrante, a guisa de exemplo, pode se mencionar o que está acontecendo no Piauí, segundo o a página de Internet do próprio CNJ, tendo por fonte o Tribunal de Justiça do Piauí, em notícia publicada em 25 de julho de 2017, em que a audiência de custódia está sendo utilizada como meio para efetivar o projeto “Ressocializar para não prender”, que tem por objetivo recuperar dependentes químicos em situação de crime, visto que estes tem a faculdade de ser encaminhados a uma casa de tratamento, desde que atenda aos requisitos que são estabelecidos pelo magistrado competente e uma equipe multidisciplinar.

Deste modo, levando em consideração as informações aqui elencadas, avalia se a base normativa da audiência de apresentação ao preso ao juiz, em razão de sua relevância normativa e sua posição hierárquica constitucional, com pilar no valor da dignidade da pessoa humana.


4 DISCIPLINAMENTO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA PELO CNJ:  IMPERATIVO DECORRENTE DO DEVER DO ESTADO EM CONCRETIZAR UM DIREITO FUNDAMENTAL DERIVADO DE TRATADOS INTERNACIONAIS

O alicerce normativo da audiência de custódia é o direito que o preso tem de ser levado a pessoa do juiz, sem demora, com o objetivo de analisar a necessidade e a legalidade da prisão, garantia que está assegurada em tratados internacionais (Pacto de São José da Costa Rica e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos), e é um direito fundamental do autuado em flagrante, afirmação esta pautada no art. 5º, §2° da Constituição Federal de 1988,  ligada diretamente ao caráter prestacional da dignidade da pessoa humana, que obriga o Estado de uma forma ativa à proteger uma vida digna e assegurar o direito do indivíduo preso de forma pré-cautelar ser apresentado a presença do juiz, com essencial rapidez. Deste modo, se tornando a personificação do valor-princípio da dignidade da pessoa humana que, como já identificado, é garantia de todos, independentemente da conduta que esta pessoa venha a ter, ou da forma de vida que o homem (ou mulher) deseje levar, então, é irrelevante o crime a que o autuado em prisão pré-cautelar venha a ser acusado, e a vida pregressa que este venha a possuir, o direito de ser ouvido em audiência de custódia lhe deve ser assegurado, pois é prerrogativa de todo e qualquer ser humano (dimensão ontológica-biológica) somente em razão de sua natureza humana.

Importante se faz não olvidar que a dignidade humana, segundo a obra de Sarlet (2013a), também estabelece uma dimensão prestacional (e também negativa) ao Estado, que deve cumprir os deveres organizacionais que este princípio impõe, sem subordinação a uma função entre os poderes específica, seja legislativa, executiva ou judiciária, ou melhor, cabe ao Estado efetivar a dignidade humana e as consequentes garantias de seu povo, conforme prega seu ordenamento jurídico adotado.

Cada uma das funções dos poderes tem um papel típico ou precípuo, o que não impede que exerçam atribuições atípicas. Branco (2013) estabelece que incumbe ao Legislativo a função típica de legislar e de fiscalizar, ao Executivo, em conformidade com Mendes (2013), que na mesma obra de Branco (2013), Curso de Direito Constitucional, afirma que a este cabe a competência de administrar e de governar, e ao Judiciário a atividade jurisdicional. Portanto, quem tinha por encargo primeiro positivar a audiência de custódia deveria ser o poder legislativo, pois cabe a este poder positivar e regular as exigências da dignidade humana, em razão da dimensão prestacional da dignidade, como especifica Sarlet (2012, p. 106) “[...] a concretização do programa normativo do princípio da dignidade da pessoa humana incumbe aos órgãos estatais, especialmente, contudo, ao legislador, carregado de edificar uma ordem jurídica que corresponda às exigências do princípio”.

O Poder Legislativo quando não cumpre sua delegação típica, que é legislar para concretizar os direitos e garantias fundamentais decorrentes da dignidade humana, não exime as outras funções estatais de efetivá-lo, conforme informa Sarlet (2012, p. 108) “[...] constata-se que na ausência de norma expressa dispondo sobre a intangibilidade do princípio da dignidade da pessoa humana não significa por si só, que esta se encontre sem proteção em nossa ordem constitucional [...]” Ou seja, não existe ilegalidade quando o Poder Judiciário supre essa falta deixada pelo legislador, como foi feito com a resolução 213/2015, que atualmente regulamenta o procedimento, e vai se mais longe, existe sim uma legislação sobre a audiência de apresentação ao preso, dois tratados internacionais ao quais o Brasil é parte, logo o que o Judiciário fez foi somente pôr em prática uma regulamentação normativa já existente. Não se nega que a omissão do Legislativo foi peça chave para a demora na implantação desta audiência e sua lacuna deve ser preenchida, pois infelizmente o código de processo penal vigente está desatualizado e por si só obriga a função legislativa que acorde e não feche os olhos por mais tempo.

Desta feita, em decorrência direta do princípio da dignidade da pessoa humana, e também de outros consagrados pelo âmbito jurídico brasileiro, como por exemplo, o do devido processo legal, cai por terra o argumento que poderia surgir em relação à efetivação da audiência de custódia, que se deu por meio administrativo e não pelo meio legislativo, restando assim por ilegal, o que não tem significância visto que a norma existe no ordenamento interno desde 1992, apenas dependia de um impulso para sua aplicação, que se deu pelo Judiciário, que tem por dever concretizar em sua atividade jurisdicional o processo justo, assim, como todos os poderes tem a obrigação de positivar as diretrizes impostas pela Constituição de 1988, já que a omissão por parte de um poder não desobriga o outro, destarte pontua Sarlet (2013b, p. 701):

O direito ao processo justo é um direito de natureza processual. Ele impõe deveres organizacionais ao Estado na sua função legislativa, judiciária e executiva. É por essa razão que se enquadra dentro da categoria dos direitos à organização e ao procedimento. A legislação infraconstitucional constitui um meio de densificação do direito ao processo justo pelo legislador. É a forma pela qual esse cumpre com seu dever de organizar um processo idôneo à tutela dos direitos. As leis processuais não são nada mais, nada menos do que concretizações do processo justo. O mesmo se passa com a atuação do Executivo e do Judiciário. A atuação administração judiciária tem de ser compreendida como forma de concretização do direito ao processo justo. [...] No Estado Constitucional, o processo só pode ser compreendido como o meio pelo qual se tutelam os direitos na dimensão da Constituição.

Então, a audiência de apresentação do preso em flagrante ao juiz é dever do Estado como um todo, decorrente de tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário, e tem, de modo imperativo, que ser cumprido, em decorrência do processo justo e da dignidade humana. Frente a omissão do legislativo, o judiciário não teve alternativa senão efetivar a audiência de custódia, pois também tem o dever de assegurar os direitos e deveres fundamentais, positivados ou não na Constituição, imperatividade esta que é consubstanciada pela dignidade humana, e que segundo Sarlet (2012), gera ao Estado uma prestação de proteger e respeitar a qualidade de vida digna individual e a salvaguardar da atuação violenta por parte terceiros, visto que a dignidade humana guia as ações do Estado para tutelar à ordem da comunidade, em razão do indivíduo viver em sociedade (dimensão comunicativa da dignidade).

4.1 Direitos Fundamentais Explícitos, Implícitos e Decorrentes de Tratados Internacionais

Como já explanado, a dignidade da pessoa humana é valor-princípio e, portanto, geradora de direitos fundamentais, contudo, se faz pertinente elucidar que estes podem ser explícitos, que estão no Título II da Constituição, implícitos e decorrentes de tratados internacionais, de acordo com o art. 5º, § 2º da CF/88, que se encontra no referido Título (II). Os primeiros são aqueles positivados dentro do texto Constitucional, e assim são identificados por Moraes (2014, p. 28-29) “A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu Título II os direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos. ” E os dois últimos são retirados do art. 5º, §2º da CF/88: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa seja parte”. Assim, obtempera Piovesan (2000, p. 73):

Ora, ao prescrever que “os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais”, a contrario sensu, a Carta de 1988 inova, assim, ao incluir, dentre os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário.

Ou melhor, o §2º do art. 5º da CF/88 determina que além dos direitos fundamentais implícitos, que não decorrem diretamente do texto da Carta Magna, e sim de princípios constitucionais, existem os advindos de tratados internacionais, que tem por fundamento de legitimidade, também, a dignidade da pessoa humana (assim como todos os explícitos e implícitos), consoante Sarlet (2012, p. 95):

[...] Posição semelhante foi, recentemente, adotada na doutrina pátria, sugerindo que o princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente enunciado pelo art. 1º, inc. III, da nossa CF, além de constituir o valor unificador de todos os direitos fundamentais, que, na verdade, são a concretização daquele princípio, também cumpre função legitimatória do reconhecimento de direitos fundamentais implícitos, decorrentes ou previstos em tratados internacionais, revelando, de tal sorte, sua íntima relação com o art. 5º, §2º, de nossa Lei Fundamental [...].

Diante disso, os direitos fundamentais reconhecidos em tratados internacionais têm por base a dignidade humana, como ocorre no caso do artigo 7º.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do artigo 9º.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que exigem a apresentação do autuado em flagrante sem demora à presença do magistrado competente, logo é prerrogativa do preso e de todo ser humano ter seus direitos fundamentais efetivados, pois isto favorece não só na vida do autuado, mas de toda sociedade, contribuindo para que pessoas que não deveriam estar em situação de cárcere sobrecarreguem o sistema prisional, assim preceitua Oliveira et al. (2017, p. 138):

[...] a audiência de custódia permitirá ao juiz avaliar os elementos que hoje lhe apresentados e que se colhem da presença física do preso pré-cautelar: suas expressões; seu tom de voz; sua forma de agir e de se portar quando confrontado a uma alegação; suas mãos sujas de graxa ou de tinta, rachadas ou repletas de calos, a evidenciar a sua condição de trabalhador; a presença de sua família na audiência, a evidenciar o seu vínculo familiar, dentre outras impressões só coletadas no contato pessoal.

Assim, constitui-se direito fundamental do autuado em flagrante a audiência de custódia, dado que sua efetivação é a consagração do direito fundamental que o preso tem de ser apresentado a pessoa do juiz, sem demora, para que este veja de perto e analise de forma mais clara a execução da prisão, apreciando se foi legal ou necessária e se não causou ao autuado frutos de maus tratos e tortura por parte dos condutores da prisão, mandamento positivado em tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário, estabelecendo liame com o art. 5º, § 2º da Constituição atual, que permite expressamente a concessão de direitos fundamentais por meio de tratados internacionais, tudo isso, com base no valor-princípio da dignidade da pessoa humana.

4.2 Posição Constitucional do Artigo 7º.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Artigo 9º.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

Os dois tratados supracitados foram promulgados em 1992, e por consequência, a audiência de apresentação do preso a presença do magistrado tem previsão normativa há mais de 25 anos, e por óbvio não seguiram o rito estabelecido pela emenda constitucional nº 45/2004 que modificou o artigo 5º, §3º da CFRB/88 que rege agora que “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” Ou seja, infelizmente, a CADH e o PIDCP apesar de versarem sobre direitos humanos, segundo a CF/88 e corroborado por Oliveira et al. (2017) tem valor de norma supralegal e não tem, em tese, valor de lei constitucional.

 A sustentação de que os tratados internacionais integrados pelo país antes da vigência da EC 45/2004 vem a ser incoerente, pois qual seria o fundamento para que direitos fundamentais incorporados antes da vigência da emenda constitucional tivessem maior ou menor significância apenas dependendo o rito que o tratado fosse aprovado no parlamento, e como submeter um tratado internacional já internalizado do ordenamento a esse julgamento, visto que não havia tal exigência no tempo em que foi incorporado, é quase dizer que existem certos direitos mais importantes que outros dependendo da sua época de inserção no ordenamento, com alicerce procedimental, já que apenas teria posição constitucional o tratado internacional que fosse aprovado pelo rito de emenda, mesmo antes da vigência desse requisito.

 Conforme Motta (2009) pelo RE 466343 SP e posteriormente pelo HC 90.172-SP, o Supremo Tribunal Federal, referendou que os tratados que versam sobre direitos humanos e que não seguem o rito da emenda nº 45/2004 não tem nível de norma constitucional, por não terem sido aprovados na forma de emenda constitucional, tendo posição somente supralegal, assim sendo. Assim pontua Oliveira et al. (2017, p. 120), ao falar do art. 5º, §3º da CF/88:

[...] segundo a interpretação do Supremo Tribunal Federal esses Tratados foram incorporados com hierarquia infraconstitucional superior às leis ordinárias, e os magistrados e Tribunais, no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revela mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica.

Entretanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não resolve, muito menos a conclusão de que esses tratados internacionais têm posição somente de norma supralegal, apenas complica-se, logo que tal resposta se apresenta totalmente ineficaz, dado que conforme o art. 5º, § 2º da CF/88, há direitos fundamentais decorrentes de tratados internacionais, assim, é latente a necessidade de imediato reconhecimento de que o artigo 7º.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do artigo 9º.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos como normas de status constitucional, e de sua consequente aplicação, pois são prerrogativas que o autuado em flagrante tem de se apresentar a pessoa do juiz sem demora, constituindo-se, deste modo, é direito fundamental do preso pré-cautelar ter a garantia estatal por meio de prestação, que seus direitos humanos assegurados pela Constituição, por seus princípios e por tratados internacionais sejam não só protegidos, mais também colocados em prática, visando a persecução do art. 5º, § 2º da Carta Magna e consequentemente no valor da  dignidade da pessoa humana.

Vale ressaltar para maior elucidação sobre os direitos fundamentais constantes em tratados internacionais e sua incorporação ao ordenamento jurídico interno a visão de Piovesan (2000, p. 73-74):

Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a hierarquia de norma constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Esta conclusão advém ainda de interpretação sistemática e teleológica do texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional.

Assim, a doutrinadora supracitada, demonstra a corrente de que quando um tratado internacional versa sobre direitos humanos estes adentram para o âmbito dos direitos consagrados pela Constituição. Essencial se faz citar a posição defendida pelo ministro Celso de Mello durante o HC 87.585 – TO, que foi a votação no plenário da Suprema Corte Brasileira em 02 de dezembro de 2008, deste modo votou Mello (2008, p. 37-38):

Reconheço, no entanto, Senhora Presidente, que há expressivas lições doutrinárias - como aquelas ministradas por ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE ("Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos", vol. I/513, item n. 13, 2ª ed., 2003, Fabris), FLÁVIA PIOVESAN ("Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional", p. 51/77, 7a ed., 2006, Saraiva), CELSO LAFER ("A Internacionalização dos Direitos Humanos: Constituição, Racismo e Relações Internacionais", p. 16/18, 2005, Manole) e VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI ("Curso de Direito Internacional Publico", p. 682/702, item n. 8, 2a ed., 2007, RT), dentre outros eminentes autores - que sustentam, com sólida fundamentação teórica, que os tratados internacionais de direitos humanos assumem, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, acentuando, ainda, que as convenções internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da EC nº 45/2004, como ocorre com o Pacto de São José da Costa Rica, revestem-se de caráter materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceituai de bloco de constitucionalidade.

A orientação do ministro Celso de Mello se faz imprescindível, pois segundo este e outros doutrinadores por ele citado no trecho acima, os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos que foram incorporados ao sistema jurídico do país antes da vigência do procedimento trazido pela emenda constitucional 45/2004 deveriam ter posição constitucional, citando expressamente o Pacto de São José da Costa Rica como exemplo. E Mello, ainda no mesmo julgado do HC 87.585 – TO pontua que:

Não foi por outra razão que o eminente Ministro ILMAR GALVÃO, no presente caso, reconsiderando o seu anterior entendimento, tal como eu próprio ora faço neste julgamento, destacou, em momento que precedeu a promulgação da EC nº 45/2004, que o § 2º do art. 5º da Constituição - verdadeira cláusula geral de recepção - autoriza o reconhecimento de que os tratados internacionais de direitos humanos possuem hierarquia constitucional, em face da relevantíssima circunstância de que viabilizam a incorporação, ao catálogo constitucional de direitos e garantias individuais, de outras prerrogativas e liberdades fundamentais, que passam a integrar, subsumindo-se ao seu conceito, o conjunto normativo configurador do bloco de constitucionalidade [...] (MELLO, 2008, p. 50).

Como se pode extrair do fragmento de julgado acima, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis possuem hierarquia constitucional, pois o art. 5º, § 2º da Constituição é “uma cláusula geral de recepção” e que por primazia autorizaria a posição de lei maior em razão da matéria que é abordada por estes tratados, os direitos e garantias do indivíduo.

Desta feita, o país ao incorporar o art. 7.5 da CADH e o art. 9.3 do PIDCP os trouxe a sua órbita constitucional, e não supralegal, pois se defende que os direitos fundamentais são iguais hierarquicamente por impulso do §2º, do art. 5º da CF/88, já que não há sentido em dotar os direitos fundamentais com posições no ordenamento distintas, em razão de representar o direito fundamental do preso em flagrante ser apresentado sem demora à presença do juiz competente, que é efetivado por meio da audiência de custódia, com base fundante na dignidade da pessoa humana, sedimentada em tratados internacionais, em conformidade com o art. 5º, §2º, da Constituição Federal Brasileira de 1988. RESSOCIALIZAÇÃO: Consultor do ‘Prêmio Innovare’ conhece projeto de destaque no Piauí (Fernando Castelo Branco/TJPI)


CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Em um primeiro momento analisou-se a dignidade da pessoa humana, com origem incerta, mas com hodierna aplicação no mundo e que teve seu impulso normativo com a Segunda Guerra Mundial. Assim, determinou-se que a dignidade humana é um princípio-valor fundamental, não absoluto, gerador do Estado Democrático de Direito e consequentemente de direitos e garantias fundamentais, sejam elas quais forem, advindas do texto constitucional, de locais esparsos, todavia influenciados por princípios fundamentais e aqueles providos em tratados internacionais. E que se desenvolve em dimensões, decorrente de um processo histórico-social, informando que esta é uma característica congênita, portanto comum a todo indivíduo, fruto de uma autonomia sem vício de vontade, que gera ao Estado um dever de caráter de prestação e de abstenção culminando em sua asseguração, tendo por intenção garantir uma boa qualidade de vida em comunidade, pois sua violação consiste na objetificação do homem, na utilização deste para obtenção de propósitos alheios.

Observou se o procedimento da Audiência de Custódia, resultado da aplicação do princípio fundamental da dignidade humana, que foi implantada por meio da Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, em face da morosidade do Poder Legislativo, sendo medida necessária para efetivar regramento interno contido no artigo 7º.5 Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no artigo 9.3º Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que estão em vigência no Brasil desde 1992, portanto, a partir da sua incorporação tem força normativa. Desta feita, na apresentação do preso sem demora a presença do magistrado, a expressão “sem demora” foi traduzida no período máximo de vinte e quatro horas, para o magistrado competente verificar as condições em que a prisão foi realizada, se foi feita de acordo com os critérios de necessidade e legalidade para culminar na melhor consequência da prisão, se o preso cautelar deve ficar em cárcere, em liberdade ou submetido a uma medida cautelar, assegurado o contraditório.

Desta feita, estabeleceu se um paralelo entre a dignidade da pessoa humana e a audiência de custódia, que é fruto direito das dimensões da dignidade humana, pois a audiência de apresentação do preso é prole do caráter inerente da dignidade, e deve ser prerrogativa de todo ser humano, independentemente do delito que supostamente gerou a prisão em flagrante e da vida pregressa do autuado pré-cautelar, que gera uma obrigação prestacional do Estado, para que possa cumpri-la, sendo irrelevante a função dos poderes que venha a efetivar a audiência, em prol da dimensão comunitária da dignidade humana. Sem olvidar que a dignidade é base dos direitos fundamentais, constituindo alicerce para os artigos 7º.5 Convenção Americana sobre Direitos Humanos e 9.3º Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que são direitos fundamentais, pois é garantia individual do preso em flagrante ser apresentado a pessoa do juiz, conforme o artigo 5º, §2º da Carta Magna Brasileira de 1988, e já que foram incorporados antes da EC 45/2004 tem posição hierárquica constitucional.

Assim, o preceito contido nos tratados internacionais que geraram a audiência de custódia, que consiste na apresentação do preso sem demora a presença do magistrado competente é primeiramente um direito fundamental, em razão do art. 5º, § 2º, da Carta Magna, inserido antes do rito de emenda para inserção de tratado internacional que versa sobre direitos humanos, estabelecido pela EC 45/2004, constituindo ordenamento constitucional que deve ser realizado pelo Estado em face da efetivação da dignidade da pessoa humana e de suas dimensões.


REFERÊNCIAS

ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, França 10 de Dezembro de 1948. Disponível em <https://www.unicef.org/br azil/pt/resources10133.htm> Acesso em 20 de Setembro de 2017.

BARROSO, Luis Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial; tradução Humberto Laport de Mello – 4. reimpressão – Belo Horizonte: Fórum, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, out de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.ht m> Acesso em 10 de setembro de 2017.

______. Constituição (1988). Emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em < http://www.pla nalto.gov.br /ccivil 03/constituicao/e mendas/emc/emc45.htm> acesso em 11 setembro de  2017.

______. Decreto nº 592 de 6 de Julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação, Brasília, DF, jul de 1992. Disponível em <http://ww w.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm> Acesso em 10 de setembro de 2017.

______. Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília, DF, nov de 1992. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm> Acesso em 12 de Setembro de 2017.

______. Decreto nº 56.435 de 8 de Junho de 1965.Promulga a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Brasília, DF, jun de 1965. Disponível em <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/decreto/antigos/d56435.htm> Acesso em 16 de Setembro de 2017.

______. Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, RJ, Out de 1941. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm> Acesso em 16 de novembro de 2017.

______. SENADO. Projeto de Lei do Senado n° 554 de 2011. Altera o § 1º do art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante. Disponível em <https://www25.senado.leg.br/web/atividad e/materias/-/materia/102115> Acesso em 06 de Novembro de 2017.

______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus 87.585-8 Tocantins. Brasília,DF, 03 set de 2008. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.js p?docTP=AC&docID=597891> Acesso em 16 de Novembro de 2017.

______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Medida Cautelar na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 Distrito Federal. Brasília, DF, 09 set de 2015. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665> Acesso em 6 de Novembro de 2017.

CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS (Pacto de San José da Costa Rica). Disponível em <https://www.cidh.oas.Org/basicos/portugues/c.convencao_ameri cana.htm> Acesso em 15 de setembro de 2017.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Audiência de Custódia. Disponível em <http://ww w.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia> Acesso em 06 de Novembro de 2017.

______. Audiência de custódia: projeto no PI ressocializa dependentes químicos. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/85124-audiencia-de-custodia-projeto-no-pi-ress ocializa-dependentes-quimicos> Acesso em 15 de Setembro de 2017.

______. Dados das inspeções nos estabelecimentos penais. Disponível em <http://www.cnj. jus.br/inspecao_penal/mapa.php> Acesso em 16 de Outubro de 2017.

______. Lewandowski conclama tribunais a combaterem cultura do encarceramento. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79277-lewandowski-conclama-tribunais-a-combaterem-cultura-do-encarceramento> Acesso em 06 de novembro de 2017.

______. Perguntas Frequentes. Disponível em <http://ww w.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/perguntasfrequentes>  Acesso em 16 de Outubro de 2017.

CORREA, Gasparino Siqueira. Encarceramento em massa e a necessária implementação da audiência de custódia no processo penal brasileiro moderno. Disponível em <http://site s.fadisma.com.br/entrementes/anais/wpcontent/uploads/2015/08/encarceramento-em-massa-e-a-necessaria-implementacao-da-audiencia-de-custodia-no-processo-penal-brasileiro-moderno. pdf>  Acesso em 04 de Novembro de 2017.

DA SILVA, Flavia Martins André. Direitos Fundamentais: Os direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos. Esses direitos advêm da própria natureza humana, daí seu caráter inviolável, intemporal e universal (dimensão jusnaturalista-universalista). 16/05/2016. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2627/ Direitos-Fundamentais> Acesso em 12 de Outubro de 2017.

LEITÃO, Darlan Lima; FISCHER, Milena. Audiência de custódia: da boa intenção à boa técnica [recurso eletrônico] / Mauro Fonseca Andrade, Pablo Rodrigo Alflen, organizadores. – Dados eletrônicos – Porto Alegre: FMP, 2016.  

LOPES JR, Aury; PAIVA, Caio. Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal. Revista Liberdades [on-line].  Edição nº17. São Paulo:  Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Dezembro de 2014. Disponível em <http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.p hp?rcon _ id=209> Acesso em 16 de Outubro de 2017. ISSN 2175-5280.

MELLONI, Rodrigo. Audiências de custódia evitam gastos na ordem de R$ 6 milhões. Disponível em <http://www.sejudh.mt.gov.br/-/5395514-audiencias-de-custodia-evitam-gastos-na-ordem-de-r-6-milhoes> Acesso em 07 de Novembro de 2017.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30. ed. – São Paulo: Atlas, 2014.

MOTTA, Sylvio.  A  Hierarquia Legal dos Tratados Internacionais. Disponível em <https:/ /www.conjur.com.br/2009-set-18/convencao-direitos-pessoas-deficiencia-status-ec> Acesso em 04 de Novembro de 2017.

OLIVEIRA, Gizele Souza de, et al. Audiência de Custódia: Dignidade Humana, controle de convencionalidade, prisão cautelar e outras alternativas (Lei 12.403/2011). 3. ed. rev. atual. ampliada – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2000.

SARLET, Ingo Wofgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

______. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. 4. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006.

______. Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. 2. ed. rev. e ampl. 2. Tiragem – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013a.

______; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDEIRO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013b.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Uso de algemas, dignidade da pessoa humana e o pacto de São José da Costa Rica. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNo ticiaDetalhe.asp?idConteudo=116381> Acesso em 04 de Novembro de 2017.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.