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Audiência de custódia

Audiência de custódia

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Em atenção à realidade do Espírito Santo, verificou-se que metade dos autuados ganharam liberdade no simples contato com o juiz, sendo que um número muito reduzido destes voltaram ao crime.

Resumo: Trata do Instituto da Audiência de Custódia como garantia do preso em flagrante delito contra a prisão arbitrária e os abusos policiais, bem como a tortura que possa ser, eventualmente, praticada. Pretende também, o esvaziamento dos presídios, a celeridade processual e a ressocialização dos presos. Afigura-se como mecanismo de controle da autuação e da real necessidade da prisão. Este artigo tem por escopo dar eficácia aos dispositivos previstos em Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, tais como: Pacto de San José da Costa Rica e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de Nova York de 1966. Mostra a experiência capixaba que, desde abril de 2015, por ato do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, implantou em parceria com a Defensoria Pública e a Secretaria Estadual de Justiça, o Plantão das Audiências de Custódia. Revela o que o Meritíssimo Juiz de Direito já aposentado, Dr. João Batista Herkenhoff, fazia à época em que ainda judicava, antes mesmo da criação do novel instituto, quando não se contentava apenas com as peças do flagrante; exigia que o preso em flagrante lhe fosse apresentado no prazo legal de 24 horas. Além de tudo, mostra os resultados do recém-inserido instituto na prática jurídica capixaba em que aproximadamente metade dos autuados em flagrante são postos em liberdade após o contato com o juiz e destes apenas um baixo índice entre 2 e 3% voltam a reincidir. 

Palavras-chave: Audiência de custódia. Prisão em flagrante. Aplicação. Legalidade.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. FUNÇÕES DA PENA. 3. CENÁRIOS CAPIXABAS - RECENTE E ATUAL. 4. PREVISÃO LEGAL. 5. REGULAMENTAÇÃO. 6. CONCEITO E NOMENCLATURA. 7. PROCEDIMENTO PARA A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (SEGUNDO O PROJETO DO CNJ). 8. RESULTADOS. 9. REFERÊNCIAS.


1. INTRODUÇÃO

A audiência de custódia é um procedimento já usado com sucesso há muito tempo em alguns países, dentre eles os Estados Unidos da América e alguns países da América Latina, onde a estrutura responsável pelas referidas audiências recebe o nome de Juizados de Garantias. Este tema, de natureza processual, vai de encontro aos discursos que pedem mais repressão, penas mais duras, Teoria de Lei e Ordem[1], tal como, argumentos que visam ao recrudescimento das punições estatais.

No estado do Espírito Santo, o Juiz de Direito Dr. João Baptista Herkenhoff, há mais ou menos 40 anos, já aplicava o referido instituto, ainda que à época não tivesse esse nome. Entendeu então este magistrado, na época em que exercia com louvor sua judicatura, que todo indivíduo preso no território de sua comarca lhe fosse apresentado, fazendo isso por meio de um ato administrativo.

Baixou uma Portaria para que o preso em flagrante fosse levado à sua presença pelos agentes policiais no mesmo prazo estipulado em lei, à luz do artigo 306 do Código de Processo Penal - CPP, in verbis:

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).[2]

Não se contentava apenas com a comunicação do flagrante por meio de ofício da Autoridade Policial acompanhado de todas as peças do Auto de Prisão em Flagrante Delito - APFD. Entendeu ele, que isso era o aperfeiçoamento da regra, do legislado; na verdade com tal entendimento o Dr. Herkenhoff fez surgir uma norma da melhor interpretação daquela. Chegou até mesmo propor que isso fosse expressamente disposto na Carta de 88 quando da Assembléia Nacional Constituinte, todavia não obteve êxito para que sua sugestão se transformasse em norma constitucional.[3]

Hodiernamente, o assunto Audiência de Custódia passou a ser tema recorrente e prioridade nas Políticas de Segurança Pública e de Justiça dos Estados que visa, entre outras coisas, ao esvaziamento dos presídios - por demais lotados - à celeridade do processo penal e à ressocialização dos presos.


2. FUNÇÕES DA PENA

Como se sabe a pena tem dupla função: punir e ressocializar, ex vi artigo 59 do Código Penal, ex positis:

Art. 59 CP - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:[4]

A punição é o caráter retributivo da pena, impondo-se ao infrator a represália estatal, um preço por sua transgressão, assim como, uma reprovação por sua atitude, que desestabiliza a sociedade e, por conseguinte, o Estado, dado que este é a sociedade politicamente organizada e o que o faz sempre ser vítima, ainda que secundária, do fenômeno sociológico crime.

A ressocialização tem caráter preventivo, inibindo o infrator de outras práticas futuras, prevenindo-o e desestimulando de práticas semelhantes posteriores, incorporando-lhe efeito corretivo, decorrente este do efeito pedagógico da sanção

Como sabido pelos operadores do Direito, em especial por aqueles que militam na seara penal, como este que subscreve, a pena não tem cumprido sua função primordial de ressocializar. Tem se punido mal, desproporcionalmente, e não se tem ressocializado em quase nada aqueles que pelas prisões passam, que dentre outros fatores, se deve às condições desumanas dos presídios, em sua maioria verdadeiras masmorras.

Todavia, em tempos de violência e beligerância, discursos voltados para a repressão, aumento das penas, introdução da pena de morte, encarceração imediata e permanente; ganham cada vez mais espaço na mídia e no inconsciente das pessoas, em detrimento de outros institutos, como liberdade vigiada e prestação de serviços à comunidade.

Sob a ótica dos que não militam na área tais medidas parecem eficazes, contudo não há qualquer comprovação científica que atestem que há, de fato, redução nos índices de criminalidade, quando na maioria das vezes contribuem para aumentar a violência ou não alteram em nada o quadro desastroso.[5]


3. CENÁRIOS CAPIXABAS - RECENTE E ATUAL

Recentemente o estado do Espírito Santo ganhou notoriedade mundial pela péssima qualidade de seus presídios. Contudo, o empenho do Governo do Estado em colaboração com a União e também com os municípios, esforços foram feitos para minimizar tais efeitos funestos, tais como: a construção de novos presídios seguindo os mais modernos padrões internacionais de segurança.

Novos protocolos de procedimentos, contratação de agentes penitenciários e extinção dos presídios das delegacias de polícia melhoraram a qualidade da encarcerização e das prisões. Porém, o simples encarceramento não atende ao que se pretende de uma sociedade justa, igualitária e honesta.

A Resolução nº 13, de 09 de abril de 2015, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, introduziu de vez a Audiência de Custódia na prática processual capixaba. Com tal atitude, o Espírito Santo inseriu-se na vanguarda do cenário jurídico brasileiro como o segundo estado a adotar a Audiência de Custódia no Poder Judiciário, prática que São Paulo já adotava desde fevereiro de 2015.

Seguindo um projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Audiência de Custódia tem por objetivo garantir a rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisão em flagrante para que seja feita uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade da prisão preventiva ou a adoção de medidas alternativas ao cárcere, como a monitoração eletrônica.[6]

Outrossim, visa dar eficácia a dispostos constitucionais expressos na Magna Carta de 88 - CRFB, na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), conhecida como Pacto de San José da Costa Rica – Decreto Presidencial nº. 678, de 06 de novembro de 1992, assim como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de Nova York/1966 – Decreto Presidencial nº. 592, de 06 de julho de 1992. Estes importantes mecanismos de controle da legalidade da autuação e verificação da real necessidade da prisão, além de servir como meio fiscalizador de reais maus tratos impostos à pessoa presa.

Assim, tão logo o juiz verifique as condições apresentadas, poderá com mais segurança, e na forma preconizada no artigo 310 CPP, relaxar a prisão, caso ilegal, ou conceder ao autuado liberdade provisória, com ou sem fiança. Além disso, ele poderá também, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, caso presentes os requisitos do artigo 312 CPP.[7]

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria

Parágrafo único.  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). [8]

Reduzir a superlotação dos presídios, dar celeridade ao processo e ao julgamento, aproximar o juiz e a sociedade do detento, humanizar o Sistema de Justiça e formar uma rede de apoio para reintegrar o presidiário à sociedade são os objetivos do projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que ora se aplica aos autuados em flagrante.

Cabe enaltecer não somente a iniciativa do Poder Judiciário capixaba, mas também à Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo e à Secretaria Estadual de Justiça, que juntos, magistrados, defensores públicos, agentes penitenciários e agentes de escolta, contribuem para o enorme sucesso do novel instituto, já definitivamente, consolidado na cultura jurídica capixaba.

Infelizmente, o Ministério Público do Espírito Santo preferiu ausentar-se dos trabalhos desenvolvidos, justamente ele, bastião da democracia e fiscal da lei.


4. PREVISÃO LEGAL

A audiência de custódia é prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) - Pacto de San Jose da Costa Rica, promulgada no Brasil pelo Decreto 678/92, e também no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de Nova York, promulgada no Brasil pelo Decreto 592/92.[9]

Prescreve o artigo 7º, item 5, da CADH:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal

(...)

5 - Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)

Prevê o artigo 9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos:

(...)

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais (...)[10]

Os significados praticamente se repetem em ambos os tratados.

Segundo entende o STF, os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário incorporam-se em nosso ordenamento jurídico com status de norma jurídica supralegal (RE 349.703/RS, DJe de 5/6/2009). Desse modo, na visão do STF, a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos são normas jurídicas no Brasil hierarquicamente acima de qualquer lei ordinária ou complementar, só estando abaixo, portanto, das normas constitucionais[11], desta maneira, constituem-se em normas infraconstitucionais supralegais.

Igualmente, prevê o parágrafo 2º do artigo 5º da CRFB, que os Direitos e Garantias magnos erigidos não se esgotam no texto da Carta Constitucional, in verbis:

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.[12]


5. REGULAMENTAÇÃO

A audiência de custódia ainda não foi regulamentada por lei no Brasil apesar de existir o PLS nº 554/201, tramitando no Congresso Nacional, que visa modificar a redação do parágrafo 1º do artigo 306 do CPP e instituir as audiências de custódia no ordenamento jurídico nacional: 

Ementa:

Altera o § 1º do art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante.

Explicação da Ementa:

Altera o §1º do artigo 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) para dispor que no prazo máximo de vinte e quatro horas após a realização da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, juntamente com o auto de prisão em flagrante, acompanhado das oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.[13]

Isso significa que não existe uma lei estabelecendo o procedimento a ser adotado para a realização dessa audiência.

Diante desse cenário, e a fim de dar concretude à previsão da CADH, recentemente, alguns Tribunais de Justiça, dentre eles o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, incentivados pelo CNJ, passaram a regulamentar a audiência de custódia por meio de atos internos exarados pelos próprios Tribunais (provimentos e resoluções).

Todavia, não há que se falar em inconstitucionalidade sob a alegação de que tais audiências só poderiam ser criadas por lei federal e nunca por meio de ato administrativo, seja monocrático ou colegiado, já que a competência para legislar sobre a matéria é da União (art. 22, I, da CF/88), por meio do Congresso Nacional.

A respeito do tema o STF julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5240/SP - proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) contra o Provimento Conjunto nº 03/2015, do TJSP, que criou a Audiência de Custódia no Estado de São Paulo.

A Corte afirmou que o artigo 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos, por ter caráter supralegal, sustou os efeitos de toda a legislação ordinária conflitante com esse preceito convencional.[14] Em outras palavras, a CADH inovou o ordenamento jurídico brasileiro, e passou a prever expressamente a audiência de custódia. De Igual forma o Pacto de Nova York de 1966, do qual o Brasil também é signatário.

Ademais, a apresentação do preso ao juiz está intimamente ligada à ideia da garantia fundamental de liberdade, qual seja, o habeas corpus. A essência desse remédio constitucional, portanto, está justamente no contato direto do juiz com o preso, para que o julgador possa saber do próprio detido a razão pela qual fora preso e em que condições se encontra encarcerado.

Justamente por isso, o CPP estabelece que “recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário, e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar” (art. 656). Desta forma, o STF entendeu que o Provimento Conjunto do TJSP não inovou na ordem jurídica, mas apenas explicitou conteúdo normativo já existente em diversas normas da CADH e do CPP.[15]

Por fim, o STF afirmou que não há que se falar em violação ao princípio da separação dos poderes porque não foi o Provimento Conjunto que criou obrigações para os delegados de polícia, mas sim a citada convenção e o CPP. (STF. Plenário. ADI 5240/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/8/2015 (Info 795).


6. CONCEITO E NOMENCLATURA

Audiência de custódia consiste no direito que a pessoa presa em flagrante possui de ser conduzida, sem demora, à presença de uma autoridade judicial que irá analisar se os direitos fundamentais dessa foram respeitados, por exemplo, se não houve tortura. Assim como, se a prisão em flagrante foi legal ou se deve ser relaxada na forma do art. 310, I, do CPP; se a prisão cautelar deve ser decretada (vide art. 310, II) ou ainda se o preso poderá receber a liberdade provisória (vide art. 310, III) ou medida cautelar diversa da prisão (vide art. 319).

O termo audiência de custódia apesar de consagrado no Brasil, não é utilizado expressamente pela CADH e nem pelo Pacto de Nova York de 1966, sendo essa nomenclatura uma criação doutrinária.

Durante os debates no STF a respeito da ADI 5240/SP, o Ministro Luiz Fux defendeu que essa audiência passasse a se chamar "audiência de apresentação".

Quanto ao significado e amplitude da expressão "sem demora" prevista nos referidos tratados, ou seja, em até quanto tempo a pessoa presa deverá ser levada para a audiência de custódia, não existe uma previsão específica de tempo expressa naquela Convenção.

A doutrina majoritária defende, contudo, que esse prazo deve ser de 24 horas, aplicando-se, subsidiariamente, a regra do art. 306 do CPP, para comunicação da prisão em flagrante ao juiz, ao representante do Ministério Público, à Defensoria Pública (caso o autuado esteja desassistido de advogado), à família do preso ou pessoa por ele indicada e a efetiva entrega ao preso da Nota de Culpa pela Autoridade Policial.[16]

Esse foi o prazo adotado pelo Projeto de Lei do Senado - PLS nº 554/2011, em tramitação no Congresso Nacional.

Consultado o sítio do Senado Federal na internet o referido PLS encontra-se pronto para deliberação em plenário desde 16/03/2016.


7. PROCEDIMENTO PARA A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (SEGUNDO O PROJETO DO CNJ)

Importante classificação sobre as prisões que normalmente não se encontra nos livros de Processo Penal faremos agora.

A Doutrina Processualística costuma classificar as prisões em prisão pena - ou prisão penal - e prisão processual, esta também chamada de prisão cautelar.

Não é escopo deste artigo, detalhar aquela classificação que corriqueiramente se vê nos livros, e sim aquela que se fala nas delegacias de polícia, já inteiramente arraigada à prática policiesca.

Assim, costuma-se classificar a prisão oriunda do flagrante quanto ao momento e ao responsável por ela da seguinte forma:

Prisão captura: do momento em que o agente é surpreendido infringindo, ou acabando de infringir, ou perseguido e/ou encontrado após a infração, até o momento em que é apresentado à Autoridade Policial.

Prisão custódia: do momento da ratificação da voz de prisão em flagrante pela Autoridade Policial responsável até o momento em que se comunica o juiz da prisão efetuada.

Prisão processual: a partir do momento em que o juiz toma conhecimento da prisão em flagrante efetuada pela Autoridade Policial e efetivo encaminhamento do infrator ao cárcere e à disposição da Justiça.

Não confundir esta classificação com os momentos da prisão em flagrante:

1 - captura;

2 - condução coercitiva;

3 - lavratura do procedimento;

4 - encaminhamento ao cárcere ou concessão de liberdade provisória, com ou seu fiança.

Com efeito, conforme o Projeto do CNJ para a implantação das audiências de custódia, temos:

1) Prisão em flagrante;

2) Apresentação do flagranteado à autoridade policial (Delegado de Polícia);

3) Lavratura do auto de prisão em flagrante;

4) Agendamento da audiência de custódia (se o flagranteado declinou nome de advogado, este deverá ser intimado da data marcada; se não informou advogado, a Defensoria Pública será intimada);

5) Protocolização do auto de prisão em flagrante e apresentação do autuado preso ao juiz;

6) Entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado ou Defensor Público; 7) Início da audiência de custódia, que deverá ter a participação do preso, do juiz, do membro do MP e da defesa (advogado constituído ou Defensor Público);

8) O membro do Ministério Público manifesta-se sobre o caso – o MPES ainda não faz parte da Audiência de Custódia;

9) Entrevista do autuado (são feitas perguntas a ele);

10) A defesa manifesta-se sobre o caso;

11) O magistrado profere uma decisão que poderá ser, dentre outras, uma das seguintes:

a) Relaxamento de eventual prisão ilegal (art. 310, I, do CPP);

b) Concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, III);

c) Substituição da prisão em flagrante por medidas cautelares diversas (art. 319);

d) Conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva (art. 310, II);

e) Análise da consideração do cabimento da mediação penal, evitando a judicialização do conflito, corroborando para a instituição de práticas restaurativas.

Portanto, caberá à Autoridade Policial efetuar a prisão custódia, comunicar a prisão e encaminhar o preso dentro de 24 horas, prazo previsto, ao juiz competente.

Tal inovação na sistemática da prisão em flagrante mudou por completo as logísticas das delegacias de polícia, que teve que providenciar a escolta do preso tão logo termine a lavratura do Auto, e também do Judiciário, que teve que se adequar à nova realidade, criando uma Central de Flagrantes específica para as Audiências de Custódia.


8. RESULTADOS

Ocorrendo desde o dia 22 de maio de 2015 no Complexo Penitenciário de Viana as Audiências de Custódia na Grande Vitória permitiram que aproximadamente 50% dos autuados ganhassem liberdade provisória, com ou sem fiança, e destes apenas uma pequena parcela entre 2 e 3% voltaram a delinquir, o que por si só,  já justifica o trabalho inovador, tendo em vista que a média da reincidência no nosso país oscila entre 70 e 80%, conforme informações colhidas na literatura técnica.

Todavia, ainda são escassos no Brasil trabalhos sobre reincidência criminal, o que colabora para que na ausência de dados precisos surjam números veiculados pela imprensa e pelos gestores públicos que repercutem com certa frequência informações como esta em que se coloca a taxa de reincidência nos patamares ora listados, ora em números muitos menores.

Mas, mesmo assim nada se aproxima aos números apresentados pela Central de Audiências de Custódia da Grande Vitória, em que mais ou menos metade dos autuados ganharam liberdade no simples contato com o juiz, sendo que um número muito reduzido destes voltaram ao crime.

Acredita-se que o contato pessoal com o juiz seja o responsável pelos baixos números de reincidência. Diferente de se entregar ao preso um papel com as condições a ele impostas enquanto em liberdade provisória, o contato direto com o juiz impõe ao infrator a obrigação de respeitar aquelas condições.

Igualmente, o efeito educativo da sanção é tanto maior quanto menor for o tempo entre a infração e a reprimenda estatal. Delinquindo, o infrator é autuado pela Autoridade Policial e no prazo de até 24 horas é apresentado ao Juiz, conclui-se assim, ser este um tempo razoavelmente pequeno e efetivo para os objetivos almejados.

Ademais, quanto menor o número de processos envolvendo pessoas presas, maior será a celeridade nos cartórios judiciais, haja vista que o processo do réu preso demanda mais trabalho para a Justiça.

Se o objetivo das audiências de custódia é diminuir a população carcerária, este já está sendo alcançado em menos de um ano em que se opera no Espírito Santo.

O Sistema Penitenciário Capixaba comporta aproximadamente 19.000 pessoas. Isso gera custos e inviabiliza a Justiça com processos cada vez mais lentos. Com as audiências de custódia e com o Projeto Cidadania nos Presídios, este uma espécie de segunda fase daquelas, estima-se que algo em torno de 30% da população carcerária ganhará liberdade, algo em torno de 6 mil presos.

O Ministro do STF Ricardo Lewandowski concorda que a redução do número de presidiários é uma medida impopular e que não será compreendida por boa parte da população, mas que é necessária, haja vista que hoje somos o 4º país no mundo que mais encarcera, com uma população carcerária superior a 600 mil presos, sendo a grande maioria deles oriunda das camadas mais pobres e marginalizadas.[17] O Brasil está atrás apenas da Rússia (673.800), China (1,6 milhão) e Estados Unidos da América (2,2 milhões). 

A medida deve enfrentar preconceitos da população, mas o Estado precisa antecipar a reintegração de presos que não ofereçam riscos à sociedade e continuar nas ações das audiências de custódia, que agilizem a apreciação de juízes em casos de prisões em flagrante.

Por derradeiro, insta afirmar que audiência de custódia não é sinônimo de liberdade.


9. REFERÊNCIAS

Audiência de custódia. Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br/2015/09/audiencia-de-custodia.html. Acesso: 25 mar. 2016.

Audiência de Custódia e o Sistema de Dupla Cautelaridade como Direito Humano Fundamental – Disponível em <http://ruchesterbarbosa.jusbrasil.com.br/artigos/173154765/audiencia-de-custodia-e-o-sistema-da-dupla-cautelaridade-como-direito-humano-fundamental> - acesso em 22/02/2016

Audiência de Custódia: Espírito Santo é o primeiro estado a interiorizar atendimento. Disponível em: <http://www.sejus.es.gov.br/index.php/2878-audiencia-de-custodia-espirito-santo-e-o-primeiro-estado-a-interiorizar-atendimento>. Acesso em 26 mar. 2016.

Audiência de presos até em ônibus. Metro Jornal - Grande Vitória, Vitória, p. 2, 23 fev. 2016.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesos em 25 mar. 2016.

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesos em 25 mar. 2016.

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm >. Acesos em 25 mar. 2016.

BRASIL. Senado Federal. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/102115>. Acesso em: 21 set. 2016

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA. 1969. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em 21 set.2016

Escritório social e audiência de custódia para reduzir população carcerária. ES Hoje, Vitória, 22 fev. 2016. Segurança. Disponível em: < http://www.eshoje.jor.br/_conteudo/2016/02/noticias/seguranca/38224-escritorio-social-e-audiencia-de-custodia-para-reduzir-populacao-carceraria.html>. Acesso em: 31 mar. 2016.

HERKENHOFF, João Baptista. Audiência de custódia. Disponível em: <https://jus.com.br/955571-joao-batista-herkenhoff/publicacoes>. Acesso em: 22 mar. 2016.

HERKENHOFF, João Baptista. Audiência de custódia. Disponível em: <http://www.portonoticias.com.br/artigo/16806/Audiencia-de-custodia.-Por-Joao-Baptista-Herkenhoff/3>. Acesso em: 22 fev. 2016.

Quase 6 mil presos devem ganhar a liberdade no Espírito Santo. Disponível em: <http://www.gazetaonline.com.br/_conteudo/2016/02/noticias/cidades/3930164-quase-6-mil-presos-devem-ganhar-a-liberdade-no-espirito-santo.html>. Acesso em: 26 mar. 2016.


Notas

[1]Lei e Ordem (ou Law & Order) foi a política criminal vigente nos Estados Unidos, em especial a partir dos anos 1980. Seus teóricos, em linhas gerais, endossam uma maior atuação policial de modo a restaurar a ordem nos grandes centros urbanos e diminuir a criminalidade. O Law and Order serviu como contraponto ao abrandamento da repressão policial que se deu no período após a Segunda Guerra Mundial e se justificava pela necessidade de combater os pequenos delitos ou atos de delinquência que se multiplicavam nas metrópoles, os quais causavam uma sensação generalizada de insegurança. Fonte Wikipedia. Acesso em: 01/07/2016

[2]BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm >. Acesos em 25 mar. 2016.

[3]HERKENHOFF, João Baptista. Audiência de custódia. Disponível em: <https://jus.com.br/955571-joao-batista-herkenhoff/publicacoes>. Acesso em: 22 mar. 2016.

[4]BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesos em 25 mar. 2016.

[5]HERKENHOFF, João Baptista. Audiência de custódia. Disponível em: <http://www.portonoticias.com.br/artigo/16806/Audiencia-de-custodia.-Por-Joao-Baptista-Herkenhoff/3>. Acesso em: 22 fev. 2016.

[6]Quase 6 mil presos devem ganhar a liberdade no Espírito Santo. Disponível em: <http://www.gazetaonline.com.br/_conteudo/2016/02/noticias/cidades/3930164-quase-6-mil-presos-devem-ganhar-a-liberdade-no-espirito-santo.html>. Acesso em: 26 mar. 2016.

[7]Audiência de custódia. Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2015/09/audiência-de-custódia.html>. Acesso em: 25 mar. 2016.

[8]BRASIL, 1941

[9]Audiência de custódia. Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2015/09/audiencia-de-custodia.html>. Acesso: 25 mar. 2016.

[10]CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA. 1969. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em 21 set.2016

[11] Ibid.

[12] BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesos em 25 mar. 2016.

[13] BRASIL. Senado Federal. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/102115>. Acesso em: 21 set. 2016

[14] Audiência de custódia. Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2015/09/audiência-de-custódia.html>. Acesso em: 25 mar. 2016

[15] Ibid

[16] Audiência de custódia. Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2015/09/audiencia-de-custodia.html>. Acesso: 25 mar. 2016.

[17] Quase 6 mil presos devem ganhar a liberdade no Espírito Santo. Disponível em: <http://www.gazetaonline.com.br/_conteudo/2016/02/noticias/cidades/3930164-quase-6-mil-presos-devem-ganhar-a-liberdade-no-espirito-santo.html>. Acesso em: 26 mar. 2016.


Autor

  • Weder Grassi

    Formação: Bacharel em Direito formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Tecnólogo em Mecânica formado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Técnico em Metalurgia formado pela Escola Técnica Federal do Espírito Santo - ETFES, atual Instituto Federal do Espírito Santo - IFES.

    Pós Graduado "lato sensu" (especialista): 1 - Segurança Pública - ACADEPOL PCES; 2 - Direito Processual Civil com Habilitação em Docência no Ensino Superior - RADIANTE CENTRO EDUCACIONAL; 3 - Direito Penal e Processual Penal - Faculdade Nacional - FINAC; 4 - Inteligência de Segurança Pública - Universidade Vila Velha - UVV/SENASP; 5 - Direito Público - Faculdade de Vila Velha - UNIVILA; 6 - Trânsito - Faculdade Cândido Mendes de Vitória - FCMV.

    Pós Graduado em nível de Aperfeiçoamento em Metalografia e Tratamentos Térmicos - Recobrimento de Ferro Fundido Cinzento com cromo e molibdênio via técnica do plasma transferido - Universidade de Pádova, Itália.

    Pós Graduado em nível de Atualização em Gestão de Segurança - Universidade Vila Velha - UVV. Pós Graduado em nível de Atualização em Direito Constitucional - EDUHOT Cursos Livres. Proficiente em língua italiana reconhecido pelo Governo Italiano. Diplomado em Política e Estratégia pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra no Estado do Espírito Santo - ADESG/ES.

    Experiências na área jurídica: Presidente da 1ª Comissão Processante Permanente do Depto. de Controle Interno (Corregedoria) da Guarda Civil Municipal de Vitória em 2004, onde também participou das elaborações dos Decretos Municipais PMV 11.877/04, 11.878/04 e 11.946/04. Integrante como Vogal da 1ª Câmara Processante da Corregedoria da Procuradoria Geral do Município de Vitória em 2005. Aprovado no Exame de Ordem/OAB.

    Outras Experiências: Trabalhador Portuário Avulso do OGMO/ES - Órgão de Gestão de Mão-de-Obra do Trabalho Portuário Avulso - de 2006 a 2010. Professor do CEDTEC em 2007. Analista de Trânsito da Prefeitura Municipal de Vitória entre 2000 e 2006. Fiscal do CREA-ES em 2000. Professor do CEFETES - Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo, atual IFES, entre 1998 e 1999. Chefe da Seção de Transporte Escolar do DETRAN/ES entre 1996 e 1997. Assessor Parlamentar e Chefe de Gabinete na Câmara dos Deputados, Brasília, DF, de 1993 a 1995. Representante técnico-comercial da Falk Moto-redutores de Velocidade em 1992. Técnico de Desenvolvimento Técnico Refratário da Cia. Siderúrgica de Tubarão - CST de 1986 a 1992. Supervisor de Manutenção Refratária da Cia. Siderúrgica Paulista - COSIPA em 1986. Técnico em Metalurgia da Cia. Vale do Rio Doce - CVRD de 1985 a 1986.

    Escrivão de Polícia Civil, PC/ES, desde março de 2007.

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Informações sobre o texto

Artigo científico apresentado ao Programa de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Penal e Direito Processual Penal da Faculdade Nacional - FINAC como requisito necessário para a obtenção do Grau de Especialista. Orientador: Prof. David Metzker

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRASSI, Weder. Audiência de custódia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5617, 17 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70357. Acesso em: 26 abr. 2024.