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Multiparentalidade: Adoção por casais homoafetivos no Brasil

Adoção por casais homoafetivos no Brasil

Multiparentalidade: Adoção por casais homoafetivos no Brasil. Adoção por casais homoafetivos no Brasil

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Reflexões sobre a evolução da família, no aspecto contemporâneo, jurídico, jurisprudencial, social, afetivo e biológico.

Resumo: Ao longo do tempo houve uma evolução com relação ao conceito de família dentro da sociedade, inclusive da brasileira, quanto à forma e aceitação dos vários modelos que vêm se formando. O presente artigo tem como finalidade mostrar como ocorreu essa evolução, bem como aspectos contemporâneos e pertinentes a esse desenvolvimento, utilizando-se de embasamentos jurídicos, inclusive jurisprudências; e aspectos sociais, analisando-se também a relação entre famílias socioafetivas e biológicas. Como resultado da pesquisa, apresentam-se uma evolução e reconhecimento de direitos quanto aos novos modelos de famílias existentes na sociedade atual, bem como demonstram-se os efeitos jurídicos dentro da relação entre filho e família biológica e socioafetiva, no que se trata do reconhecimento e direitos perante a lei em caso de sucessão.

Palavras-chave: Multiparentalidade.Adoçãohomoafetiva.Socioafetividade.

Abstract:Over time there hás been na evolution concerning the concept of family within society, including the Brazilian one, regarding the form and acceptance of the various models that have been forming. The purpose of this article is to show how this evolution occurred, as well as contemporary and pertinent aspects to this development, using legal bases, including jurisprudence; and social aspects, also analyzing the relationship between socio-affective and biological families. As a result of the research, there is na evolution and recognition of rights regarding the new models of families existing in the current society, as well as the legal effects within the relationship between child and biological and socio-affective family, as far as recognition is concerned and rights before the law in case of succession.

Key words: Multiparenting. Homo-affectiveadoption. Social-affective.           


1      INTRODUÇÃO

O conceito padrão de família, sendo um ente constituído apenas por características biológicas e genéticas vem, há algum tempo, sendo substituído, tornando obsoletas as ideias nesse sentido. Como será exposto, a família, assim, era considerada para salvaguardar patrimônios, sendo relevantes apenas os aspectos econômicos.

Hodiernamente, a estrutura familiar busca, em primeiro plano, resguardar os direitos dos envolvidos, abarcando-se os aspectos afetivos e morais. Daí se extrai a possibilidade de haver a constituição de família não apenas pelo aspecto gênico, mas considerando-se, também, ou somente, em alguns casos, o aspecto sentimental.

Reconhecida há pouco tempo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a multiparentalidade ou pluriparentalidade caracteriza-se pela possibilidade de possuir mais de um vínculo materno ou paterno, podendo ser conceituada como a possibilidade de genitores biológicos ou afetivos estabelecerem ou manterem os vínculos parentais.

Desta forma, reconhece-se,, também, que o vínculo afetivo tem grande importância, podendo ser equiparado ao biológico. Impende ressaltar que, diante do reconhecimento dessa instituição familiar, devem ser abordados também os seus efeitos, inclusive no aspecto sucessório, a fim de que os direitos do(s) filho(s) ou ascendentes sejam resguardados de todas as formas.

1.1  EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

Família tem a sua criação e sua evolução desde a época do sistema patriarcal romano, quando se tinha uma concepção estipulada pelo homem, formando uma sociedade.  Na época primitiva não existia uma concepção de família: basicamente, os homens e as mulheres lidavam através dos seus instintos, para que pudessem acasalar.

Nota-se que, na fase pré-histórica, começa a aparecer com mais nitidez, a fragilidade e a soberania do homem com relação à mulher, demonstrando seu poder de superioridade e poder-comando no seio familiar. Nas tarefas a serem desenvolvidas, o homem, como provedor, realizava as tarefas e trabalhos mais fortes, pesados, difíceis no desenvolvimento. Já a mulher, submetia-se apenas às colheitas e aos afazeres domésticos. Tinha méritos, reconhecimento quando gerava um filho, possuindo um status de deusa por dar à luz.

A figura feminina servia apenas para procriar, zelar, cuidar dos filhos e maridos. Há vários relatos de que na antiguidade, as mulheres poderiam escolher seus maridos, porém, caso uma fosse estéril, o homem poderia casar-se com outra e possuí-la, na constituição de família, para que tivesse um herdeiro.

A partir de Roma, o homem e a mulher passaram a possuir e ter outra posição dentro da sociedade. Foi concedida outra concepção em relação à família, tendo status sui generis, começando a serem reconhecidos os aspectos jurídicos, econômicos e religiosos.

Família é o conjunto mais antigo de agrupamento de pessoas unidas por laço de sangue ou de afinidade; é através dela que se forma seu caráter e se adquire a personalidade. É extremamente essencial para a formação de uma pessoa. O modelo de família brasileiro encontra sua origem no modelo romano, que se estruturou e sofreu influência no modelo grego.  A família romana era organizada através do poder do pai, chefe da família. O pátrio poder tinha caráter único e era exercido pelo pai. Mandava em todos da família, que vivia sob seu comando. Se o pater família falecesse, a mãe ou as filhas não podiam assumir o comando, sendo papel apenas do filho primogênito ou de algum homem do convívio familiar.

Para Silvio de Salvo Venosa:

O poder do pater exercido sobre a mulher, os filhos e os escravos eram quase absolutos. A família como grupo era essência para a perpetuação do culto familiar. O afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo entre os membros da família. Nem o nascimento nem a afeição foram fundamento da família romana. O pater podia nutrir o mais profundo sentimento por sua filha, mas bem algum de seu patrimônio lhe poderia legar. A instituição funda-se no poder paterno ou poder marital. (VENOSA, S.S., 2005, p.20).

De acordo com o conceito e modelo de família patriarcal, existia, naquela época, um poder muito forte do homem sobre a família. Nem mesmo os filhos havidos de um casamento natural eram considerados um elo familiar. A existência apenas se baseava em afeição pelo poder e objetivos de conquistar status, para que se pudesse construir patrimônio.

Vejamos o que diz Alexandre Cortez Fernandes:

No século XX o papel das mulheres sofre profundas modificações, aos poucos, na maioria das legislações, a mulher passa a alcançar os mesmos direitos que os maridos. Fazendo com que se transfigurasse a convivência paterno-filial. (FERNANDES, A. C., 2015, p.50).

A partir dessa época começou a se criar uma nova concepção de família. Mas, ainda se tinha como base fundamental o casamento sendo realizado por interesses patrimoniais. Inclusive, era exaltado o Código Civil de 1916 que, basicamente, tratava e tinha a família como o principal aspecto patrimonial.

Contudo, a mulher começou a ganhar espaço dentro da sociedade, a família cada vez mais preenchia um espaço importante dentro do meio social. As mulheres, que antes não tinham reconhecidos seus direitos, passaram a obter direitos iguais aos dos homens, tendo uma expectativa de vida melhor com a evolução do conceito “família”.

Portanto, com as mudanças do conceito dentro da sociedade, o ordenamento jurídico começou a se adequar e restabelecer direitos e deveres quanto à posição da mulher, mas, principalmente, da família dentro do meio social. Foi deixando de ser considerada apenas a relação biológica, passando a ser normatizada no sistema jurídico a concepção de família construída por afeto. Com isso, o ordenamento jurídico brasileiro, através das mudanças de pensamento, atitudes, comportamentos e costumes da sociedade, passou a reconhecer a família não só como instituição patrimonial, como na antiguidade, valorizando a entidade matrimonial.

1.2  FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

O tempo foi passando, a sociedade evoluindo em relação à concepção, pensamento, modos, cultura e atitudes quanto ao sentido de família. Anteriormente, havia um Código Civil publicado em 1916, o qual restringia o conceito de família a um sistema biológico, patriarcal e hierárquico, apresentando certa subordinação da mulher ao homem em decorrência da cultura, dos hábitos e dos costumes daquela época. Gerando, assim, normas restritas quanto aos direitos e à posição da mulher dentro da sociedade.

Com o passar dos anos, foi ocorrendo a mudança de hábitos da sociedade, reformulando todos os costumes e pensamentos quanto ao modelo de família. A liberdade das pessoas fez com que o ordenamento jurídico começasse a ter uma visão de evolução, mudança quanto às normas, leis tanto do papel da mulher dentro do meio social, quanto do conceito de família.

Como diz Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:

Os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família. A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora”. (CHAVES, C.; ROSENVALD, N., 2015, p.5).

Portanto, através da nova concepção de família criada a partir da evolução da sociedade, percebe-se que o modelo contemporâneo não somente analisa o laço biológico, mas, principalmente o afeto. A união, relação de carinho, atenção, amor, afeto e companheirismo, passaram a ganhar força e serem reconhecidos não somente pela sociedade, mas também, pelo ordenamento jurídico que começou a resguardar os efeitos jurídicos da criança quanto ao reconhecimento da multiparentalidade e seus direitos sucessórios.

Desta feita, o ambiente familiar produz e diz o que será a personalidade de cada ente que conviva em um lar de harmonia, afeto, companheirismo e, sobretudo, a existência de igualdade, afetividade e solidariedade entre os entes que compõem a família.

Com o passar do tempo, o conceito, bem como as características de família, foram se modificando, se adequando conforme estabelecido e proposto pela sociedade. Daí, em se dizer que uma das características fundamentais da família é a função social.

Dispõe Cleyson De Morais Mello:

O afeto e o amor são responsáveis pelo amálgama familiar. No mundo atual, são estes os elementos constituidores dos modelos familiares. Ainda que não tipificado, quer na Constituição da República, quer no código civil, é forçoso reconhecer o princípio do afeto e do amor nos relacionamentos familiares. É o ponto nodal nas relações intersubjetivas familiares. É, pois, um pressuposto aplicado ao âmbito familiar. Carinho, amor e afeto dão o tom nos relacionamentos na pós-modernidade. O afeto é, pois, um princípio implícito constitucional atrelado ao direito de família e desvelado da própria essência da dignidade da pessoa humana. (MELLO, C.M., 2017, p.94). 

Portanto, percebe-se que, conforme dito pelo doutrinador acima mencionado, um dos pilares da nova modalidade de família na sociedade atual é o afeto. Quando em um seio familiar existe amor, carinho, afinidade, afetividade e atenção, se transforma em um ambiente familiar completo. A inovação e o pensamento moderno social fazem com que os hábitos e costumes passem a valorizar o sentimento na relação familiar, colocando assim a relação matrimonial em primeiro lugar e deixando para segundo plano a relação patrimonial.


2    A FAMÍLIA NO SISTEMA BRASILEIRO

2.1 A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO

Conforme previsto na nova Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e com a reforma no Código civil de 2002, a família deixou de ser apenas constituída por laços biológicos, passando a ser analisada também pelo seu aspecto afetivo, social e humano nas escolhas entre as relações entre filhos e pais.

A família, a partir dessa nova concepção, tornou-se democrática, plural, biológica, socioafetiva, igualitária, dentre outras formas.

Vejamos o que Dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (BRASIL, 1988)

Como podemos observar, o diploma legal apresenta uma visão de família evoluída. As pessoas possuem expectativas de direitos, deveres e escolhas quanto à formação de família. Sendo todas elas resguardadas pela lei suprema do ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme exposto por Alexandre Cortez Fernandes (2015, p.17), “O direito de família não é somente norma. Seu substrato é vida humana objetiva: São as relações existenciais desenrolando-se no seio do ambiente familiar; são os projetos de vida se estruturando num local onde deve haver afeto e respeito”.

Sendo assim, como mencionado pelo doutrinador, não somente se baseia a construção de uma família ou até mesmo laços entre as pessoas através das normas legais. O conceito e forma de família vão muito além do que mera legalidade expressa, pois o que faz haver família é o laço afetivo, o ambiente familiar que é construído com afeto, amor, respeito entre pais e filhos.

Cabe, então, salientar que o nosso ordenamento jurídico brasileiro, através do novo Código Civil de 2002, não deixou de separar uma parte do referido diploma para tratar das relações da família.

Atualmente, o direito de família encontra-se elencado dentro do Código Civil, no Livro IV – arts. 1.511 a 1.783, nos Títulos I, II, III e IV, que tratam, respectivamente, das seguintes garantias legislativas: do direito pessoal – casamento, separação, e divórcio, proteção aos filhos, relações de parentesco, filiação e reconhecimento dos filhos, adoção e poder familiar; do direito patrimonial – regime de bens, bens dos filhos, alimentos e bens de família; da união estável, e, por fim, da tutela e curatela.

Vejamos o que preleciona Flavio Tartuce:

É cediço que as normas de Direito de Família são essencialmente normas de ordem pública ou cogentes, pois estão relacionadas com o direito existencial, com a própria concepção da pessoa humana. No tocante aos seus efeitos jurídicos, diante da natureza dessas normas, pode-se dizer que é nula qualquer previsão que traga renuncia aos direitos existenciais de origem familiar, ou que afaste normas que protegem a pessoa. (TARTUCE, F.2017, p.15).

Ademais, como expresso pelo doutrinador Flávio Tartuce, por mais que se tenha uma análise e concepção de família criada pelo afeto, estrutura do seio familiar sendo conquistado pelo amor, o direito não pode deixar de resguardar e prever cada passo e consequência jurídica que se pode trazer para ambas as partes envolvidas na relação familiar.

Os referidos diplomas legais buscam preservar e regulamentar os direitos e deveres que filhos e pais terão quanto à criação de um ambiente familiar constituído tanto pelo laço biológico, bem como socioafetivo. Tentando estabelecer normas, condições e formas de como serão aplicadas às novas relações de modelos familiares criados na sociedade contemporânea.

Mas o nosso código civil de 2002 também elenca a parte do direito privado, onde se trata do patrimônio, dispondo Flávio Tartuce:

Pois bem, por outro lado, há também normas de direito de família que são normas de ordem privada, como aquelas relacionadas com o regime de bens, de cunho eminentemente patrimonial (art. 1639 a 1688 do CC). Assim, eventualmente, é possível que a autonomia privada traga previsões contrariando essas normas dispositivas. (TARTUCE, F., 2017, p.16).

Sendo assim, o novo código tratou de separar e elencar cada ramo do direito de família. Com a nova relação de família contemporânea, deixaram de serem tratadas as relações de bens, patrimônio, para que fossem analisadas as questões matrimoniais.

2.2  ESPÉCIES DE FAMÍLIA

A família contemporânea sofreu inúmeras modificações em se tratando de conceito. Depende muito de cada sociedade, cultura, hábitos, costumes, para que se possam estabelecer formas e diretrizes quanto aos modelos familiares existentes.

Cleyson De Morais Mello aduz que:

A família é o lugar de realização da afetividade humana. Desta forma, na contemporaneidade, é possível perceber novos arranjos familiares permeados pelo afeto, dignidade, solidariedade e eticidade. (MELLO, C.M., 2017, p.107).

Sendo assim, o ambiente familiar é onde se adquire a própria formação da personalidade, pois, com a nova concepção de família, existem vários fatores que permeiam a criação de uma pessoa. Podemos dizer que questões socioculturais, econômicas, religiosas, parentescos, tratamento, amor e afeto, são circunstâncias que direta ou indiretamente influenciam no crescimento e desenvolvimento de uma criança dentro do seio familiar.

Como se pode perceber, através das mudanças do mundo atual, a sociedade foi evoluindo até chegar a adotar esses modelos de famílias contemporâneas. A diversidade de famílias faz com que se tenha garantido o livre arbítrio de escolhas por parte das pessoas, querendo de uma forma ou de outra, construir suas famílias através de laços biológicos, afetivos, por inseminação artificial, sendo realizados por métodos científicos.

Salienta Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:

Com efeito, o conceito trazido no caput do art.226, plural e indeterminado, firmando uma verdadeira clausula geral de inclusão. Dessa forma, são o cotidiano, as necessidades e os avanços sociais que se encarregam da concretização dos tipos. E, uma vez formados os núcleos familiares, merecem, igualmente, proteção legal. (CHAVES, C.; ROSENVALD,N., 2015, p.58).

Percebe-se, como dito pela doutrina, a existência de um conceito abrangente em relação às formas de famílias na atualidade tem como referência a nova forma de pensar e agir dos avanços sociais. Juntamente com esse avanço, o diploma legal, em específico a Constituição da República de 1988 em seu art.226, deixa bem claro que essas formas de núcleos familiares estão plenamente resguardadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Em uma das suas análises, vejamos o que menciona Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald a respeito do tema:

Em última análise, é possível afirmar: Todo e qualquer núcleo familiar merece especial proteção do Estado, a partir da clausula geral de inclusão constitucional. Equivale a dizer: todas as entidades formadas por pessoas humanas que estão vinculadas pelo laço afetivo, tendendo à permanência, estão tuteladas juridicamente pelo Direito das famílias, independentemente da celebração de casamento. (CHAVES, C.; ROSENVALD,N., 2015, p.58).

Sendo assim, todo núcleo familiar constituído merece especial proteção do Estado. Tendo salvaguardados seus direitos diante a constituição da família por laços afetivos e independente do modelo de família.

Destaca-se o posicionamento jurisprudencial:

Ementa

RECONHECIMENTO JUDICIAL DE PATERNIDADE. MULTIPARENTALIDADE. Ação ajuizada pelo pai biológico para reconhecimento da paternidade da ré. Sentença recorrida que reconheceu a paternidade fundada em resultado de exame de DNA positivo. Recurso de apelação interposto tão-só pelo pai biológico, impugnando o valor relativo à verba alimentar e requerendo a exclusão do nome do pai registral do assento de nascimento da menor. Pensão alimentícia para o caso de desemprego ou emprego informal fixada em sentença em 1\2 do salário mínimo. Necessidades da menor presumidas. Inexistência nos autos de elementos relativos ao atual cargo ocupado pelo alimentante. Remuneração percebida quando empregado (até junho de 2017), contudo, que permitem concluir pela necessidade de redução do montante fixado em sentença para 1\3 do salário mínimo em caso de desemprego ou emprego informal, para adequar às possibilidades do alimentante. Descabida pretensão de exclusão do pai registral do registro da menor. Situação típica de multiparentalidade, confirmada por laudo da equipe multidisciplinar. Existência de paternidade socioafetiva com o pai registral não exclui a paternidade biológica do recorrente. Precedente normativo proferido em sede de Recurso Extraordinário com repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Pedido que atendi aos interesses e é formulado por todos os envolvidos (filha, pai registral\social, mãe e pai biológico). Recurso provido em parte.

(TJSP – AC:10011179520188260125 SP 1001117-95.2018.8.26.0125, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 28\02\2020, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28\02\2020).

Portanto, resta saber que, conforme jurisprudência acima, há um entendimento pelo nosso Tribunal e Corte Superior que o vínculo existente em uma filiação independe de sexo, tipo sanguíneo, raça. Desta forma, independe de ser família homoafetiva, heterossexual ou qualquer outro tipo. O que prevalece é o afeto e os laços construídos entre as partes, prezando sempre pelo bem estar e vontade da criança ou adolescente. Assim, tem-se resguardado o direito quanto às escolhas dos indivíduos, principalmente obtendo a construção de uma família multiparental constada no Registro Civil de Nascimento da Criança.

2.3 RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS NA FAMÍLIA BIÓLOGICA E SOCIOAFETIVA

Com o advento da nova filosofia de família dentro da sociedade atual, busca-se um consenso entre as relações e direitos quanto aos filhos no envolvimento da família biológica e socioafetiva.

Neste tópico, iremos tratar um pouco sobre a filiação dentro do âmbito biológico e socioafetivo. Tentando mostrar as relações que podem proporcionar na convivência e nos direitos salvaguardados.

Maria Goreth Macedo Valadares aduz que:

“Naquele diploma legal, o prazo para o marido contestar a paternidade de um filho nascido na constância do casamento era exíguo, de apenas dois ou três meses, o que tornava a paternidade uma presunção quase absoluta” (VALADARES, M.G.M., 2016, p.40).

Era praticamente incontestável o reconhecimento da paternidade, pois o tempo e a forma para averiguação tornavam certa a filiação da criança concebida na constância do casamento.

O Código Civil de 1916 prescreve:

Art. 178 do Código Civil de 1916:

§3º: Em dois meses, contados do nascimento, se era presente o marido, a ação para esse contestar a legitimidade do filho de sua mulher (art.338 e 344).

§4º: Em três meses:

I-              A mesma ação do parágrafo anterior, se o marido se achava ausente, ou lhe ocultaram o nascimento; contado prazo de dia de sua volta à casa conjugal, no primeiro caso, e da data do conhecimento do fato, no segundo;

(BRASIL, 1916)

Conforme o diploma legal supracitado, é exígua a contestação da parte paterna quanto à filiação, o que tornava quase absoluta a paternidade em decorrência do prazo estipulado pelo código civil à época.

Durante um longo período, apenas eram reconhecidos os filhos na constância do casamento, tratando o Estado, bem como o Código Civil de 1916, aqueles filhos obtidos de uma relação extramatrimonial, como filhos sem pai e sendo ignorados pelo Estado. Tudo para que fosse preservado o matrimônio, que sobrepunha sobre os direitos das crianças.

Mesmo após diversas mudanças legislativas e sociais, a distinção da filiação acabou somente com a criação da Constituição Federal de 1988:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1988)

Como expresso no referido diploma legal, toda criança deverá ser tratada com igualdade, resguardando sempre seus direitos como cidadão.

Descreve o artigo 1596 do código civil 2002 que: “Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 2002).

Sendo assim, com o advento da nova constituição e, logo em seguida, com a reformulação do Código Civil, em 2002, passou-se a respeitar os direitos daqueles filhos de relações extramatrimoniais, deixando de ser tratados como objetos e, principalmente, salvaguardando-se seus direitos enquanto herdeiros de seu genitor.

2.3.1. FILIAÇÃO BIOLÓGICA

A partir da evolução social e das mudanças quanto à forma de pensar da sociedade, a família biológica começou a ter um respaldo maior na comprovação da filiação em relação à paternidade.

Com a inovação pelas buscas de como ter a certeza e convicção da paternidade, os métodos científicos criados a partir da evolução científica tornaram confiáveis os testes de DNA, confirmando-se os laços biológicos pelo sangue.

A filiação biológica se concretiza através de um laço de reprodução natural e por formas científicas de reprodução humana assistida, onde se passa a ter um vínculo sanguíneo de primeiro grau com seu ascendente.

Maria Goreth Macedo Valadares dispõe que:

Pensando racionalmente, a biologia é uma fonte inquestionável para se definir o elo biológico, já que é uma única forma para a existência da raça humana. A questão que se apresenta é se a biologia é hoje critério uno para se definir a paternidade. (VALADARES, M.G.M., 2016, p.43).

Através da evolução científica, a ciência, ao realizar técnicas novas de exames sanguíneos, conseguiu, com os testes de DNA, proporcionar uma veracidade e certeza acerca do elo biológico entre pais e filhos. Trazendo, cientificamente, uma segurança quanto ao mundo jurídico das crianças e adolescentes, ao descobrirem suas paternidades biológicas, gerando assim efeitos quanto à sucessão.

Maria Goreth Macedo Valadares expõe, claramente, a respeito do teste de DNA, vejamos:

Um exame de DNA não garante o exercício de uma paternidade responsável, mas acarreta efeitos jurídicos, como os direitos sucessórios e o dever de sustento ou a obrigação alimentar. Isso partindo da premissa de que não há um pai registral, já que até então a obrigação pelo filho é daquele que tem o nome no registro de nascimento. (VALADARES, M.G.M., 2016, p.43).

Contudo, como bem mencionado acima, por mais que o exame de DNA seja eficaz e traga uma certeza quanto à paternidade biológica, não garante uma responsabilidade quanto à criação da criança, mas, por outro lado, gera efeitos jurídicos quanto àquele que tenha nome no registro de nascimento.

O Código Civil de 2002 em seu artigo 1601 corrobora: “Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.” (BRASIL, 2002).

Portanto, o referido diploma demonstra que os testes realizados pela medicina para confirmar a paternidade firmam uma valorização da biologia dentro do direito. Aspecto este que torna forte a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva, pois, a partir da constatação através do exame de DNA do elo sanguíneo entre pai e filho, torna-se a ação imprescritível. 

2.3.2. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

A filiação socioafetiva vem mudando o paradigma da antiguidade de somente serem considerados os laços sanguíneos, não sendo mais suficiente, em uma relação familiar, a constituição apenas biológica.

Atualmente, com a nova concepção de família, analisa-se, em primeiro lugar o matrimônio, principalmente na constituição de um seio familiar onde a relação materna ou paterno-filial é construída através de afeto, carinho, amor, atenção, dentre outros sentimentos.

De acordo com VALDEMAR P. DA LUZ, vejamos:

Os defensores da teoria propugnam que a família sociológica é constituída à imagem e semelhança da família genética, porquanto o que importa é a manutenção continua dos vínculos de amor, carinho, desvelo, ternura e solidariedade, que sustentam, efetivamente, o grupo familiar. Segundo essa mesma corrente, a filiação socioafetiva manifesta-se nas seguintes modalidades: adoção judicial, posse de estado de filho (filho de criação e adoção a brasileira) e filiação resultante de inseminação artificial heteróloga. (DA LUZ, V. P.,2009, p.250).

Contudo, conforme explicitado pelo doutrinador, o que importa é a manutenção do vínculo e elo de carinho, amor, afeto, cuidado, em um ambiente entre filhos e pais, onde fortalecerá o sentimento e fará com que a filiação socioafetiva seja reconhecida como fundamental na relação de parentesco.

Vejamos o que aduz Rolf Madaleno:

Um vínculo de filiação construído pelo livre-desejo de atuar em interação entre pai, mãe e filho do coração, formando verdadeiros laços de afeto, nem sempre presentes na filiação biológica, até porque a filiação real não é a biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento cultivados durante a convivência com a criança e ao adolescente”. (MADALENO, R.,2018, p.659).

De acordo com os dizeres do doutrinador acima mencionado, a filiação verdadeira não é aquela criada e baseada em laços biológicos, sanguíneos, mas, sim, aquela em que se tenha um sentimento de afeto recíproco entre mãe, pai e filho. Devendo ser analisados os aspectos da criação, convívio, onde possam ter criado laços afetivos superior a qualquer laço biológico.

Salienta através de um dos seus julgados o Tribunal De Justiça De Minas Gerais:

APELA CIVIL- AÇÃO NEGÁTORIA DE PATERNIDADE – ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO – VÍCIOS – AUSÊNCIA DE COMRPOVAÇÃO – PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA RECONHECIDA – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1.O reconhecimento da paternidade é ato irretratável, pode ser anulado apenas quando comprovado que o ato se acha inquinado de vício, além da ausência de qualquer relação afetiva desenvolvida entre o genitor e o infante, o que não se observa na hipótese em comento. 2. Recurso desprovido.

(TJ-MG – AC: 10153120063273001 MG, Relator: Tereza Cristina Da Cunha Peixoto, Data de Julgamento:  22\05\2014, Câmaras Cíveis \ 8º CÂMARA CÍVEL, Data De Publicação: 02\06\2014).

Sendo assim, como consta no julgado, não basta apenas o laço biológico para que se tenha o direito de ter a guarda da criança ou adolescente consigo. Mais do que um laço sanguíneo, o afeto, carinho, amor e convivência, são fatores fundamentais para a criação de um ambiente familiar saudável.

Portanto, o laço afetivo vem sendo muito analisado e reconhecido não somente pela sociedade, mas, também, pelos operadores do Direito. Onde há um reconhecimento e valorização do cuidado e sentimento constituído pelos pais e filhos socioafetivos, sendo de grande valia no crescimento e desenvolvimento da criança.


3      ASPECTOS DO DIREITO NA ADOÇÃO -FAMÍLIA MULTIPARENTAL

3.1  CONCEITO DE ADOÇÃO

Aduz Alexandre Cortez Fernandes:

Assim, sob o ponto de vista jurídico, a adoção é o ato jurídico voluntário, em que um sujeito estabelece com outro um vínculo de filiação socioafetiva, de caráter irrevogável. Se tomado em consideração como nascimento, é fato jurídico natural que estabelece um vínculo de filiação biológico. (FERNANDES, A.C., 2017, p.295).

Salienta o doutrinador acima que a adoção nada mais é do que a relação de afinidade entre sujeitos, onde o vínculo socioafetivo faz com que se torne um ato jurídico voluntário entre as partes, tornando-se irrevogável.

De acordo com Fernando Frederico Almeida Junior e Juliana Zacarias FabreTebaldi: “Adoção é o ato jurídico solene por meio do qual se constitui um vínculo de filiação. Em termos simples, por meio da adoção alguém aceita como filho uma pessoa que geralmente lhe é estranha”. (ALMEIDA JUNIOR, F. F.; FABRE, J. Z. T, 2012, p.78).

Conforme os doutrinadores, em seus entendimentos, a adoção, como se pode perceber, é um ato jurídico no qual a partir da aceitação de uma pessoa ser adotada por outra pessoa estranha, torna-se um vínculo de filiação.

Para Pablo Stolze, o conceito de adoção é conforme dispõem o ECA e o doutrinador Paulo Lobo:

Finalmente, podemos conceituar a adoção como um ato jurídico em sentido estrito, de natureza complexa, excepcional, irrevogável389 e personalíssimo390, que firma a relação paterna ou materna- filial com o adotando, em perspectiva constitucional isonômica em face da filiação biológica391. (GAGLIANO, P. S., 2019, p.706).

Contudo, podemos notar que, no conceito de Pablo Stolze, a adoção é um ato jurídico em sentido estrito, irrevogável, complexo, excepcional e personalíssimo. O que gera uma relação quase que biológica entre pais e filhos.

Já Cleyson De Morais Mello tem o seguinte entendimento quanto à adoção:

“É, portanto, um ato jurídico através do qual uma pessoa recebe e acolhe a outra estabelecendo parentesco civil entre elas”. (MELLO, C. M.,2017, p.472).

No entendimento de Cleyson De Morais Mello, percebe-se que a adoção parte de um consentimento mútuo entre ambas as partes na relação adotiva, ocorrendo uma aceitação de ser adotado e de adotar, tornando o ato jurídico.

3.2  A RELAÇÃO NA ADOÇÃO POR FAMÍLIA HOMOAFETIVA

Alexandre Cortez Fernandes dispõe:

Para além do destaque no âmbito doutrinário e jurisprudencial, passou a ser tutelada essa espécie de família pelo direito civil. Se não houvesse essa tutela, seria uma afronta à dignidade da pessoa humana e do princípio da igualdade que lhe é decorrente. É assim é, pois o direito à sexualidade compreende tanto a liberdade sexual como a sua livre orientação. (FERNANDES, A. C., 2017, p.150).

Para tanto, se nota que na colocação do doutrinador acima mencionado, as diferentes espécies de famílias na atualidade possuem não somente a aceitação na sociedade, bem como, têm respaldo no ordenamento jurídico.

Em específico a família formada por união homoafetiva, tanto no seio social, como na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no Código Civil, possui embasamentos principiológicos que salvaguardam seus direitos quanto às legalidades na adoção, como também na constituição de uma família, tendo todos os seus direitos compreendidos pela legislação vigente e jurisprudências.

Sendo assim, todo são iguais perante a lei, e têm seus direitos resguardados quanto aos seus interesses na formação de uma família, sendo amparados pela norma superior. Alexandre Cortez Fernandes discorre sobre a adoção por família homossexual:

Em suma, o que se espera na adoção em um ambiente familiar sustentados pela família- sejam homossexuais, sejam heterossexuais-, que propiciem um adequado desenvolvimento material e psicossocial da criança ou do adolescente. (FERNANDES, A. C., 2017,p.2017, p.313).

Portanto, diante de vários cenários e pensamentos ainda preconceituosos quanto à adoção por famílias ou até mesmo pessoas homossexuais, existe uma importância maior dentro dos preconceitos, seja, o interesse, o bem a se fazer no desenvolvimento da criança e adolescente, proporcionando a estes um lar, uma família, onde se possa ter amor, afeto, carinho e atenção.

Salienta Cleyson De Morais Mello sobre o tema:

Nas uniões homoafetivas o casal não possui capacidade procriativa (no sentido biológico), mas isto não significa que não possam criar seus filhos. A parentalidade por casais homoafetivos pode ocorrer por várias formas: (a)  existência de filhos havidos por um dos parceiros em relação heterossexual anterior; (b) uso de novas tecnologias reprodutivas, possibilitando o nascimento de filhos biológicos ( por exemplo, o uso de banco de espermas ou barriga de aluguel); (c) adoção pelos meios legais ou de maneira informal (as vezes a adoção legal pelo parceiro homoafetivo é buscada individualmente); e (d) com a co-parentalidade socioafetiva. (MELLO, C.M.,2017, p.270).

O Estatuto da Criança e Adolescente Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990 dispõe que: “Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. (BRASIL, 1990).

Contudo, sendo assim expresso, vejamos que para ser realizada a adoção, será analisado o melhor interesse para criança ou adolescente.

Como bem colocado pelo Estatuto e pelo doutrinador ora acima descrito, o fato de o casal homossexual não ter capacidade procriativa não quer dizer que não tenham capacidade para criar seus filhos, ou, até mesmo, condições físicas e psicológicas em uma eventual adoção ou outros meios elencados.

Pois, o que se pretende e verifica, é, justamente, a capacidade e condições de um ambiente familiar saudável, onde a criança se sinta bem acolhida, amada e respeitada.

Esta decisão ensejou o acórdão presente no Informativo nº 432 do Superior Tribunal de Justiça, que foi importantíssimo para a consolidação da jurisprudência pátria favorável à adoção homoafetiva, qual seja:

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL.

SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE.

IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES.

RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA.

1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento.

2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal.

3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a "garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes". Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos".

4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo.

5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si.

6. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema,fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), "não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores".

7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral.

8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores? Sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento.

9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe.

10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da realidade? São ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade.

11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações.

12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a  alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária.

13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor,desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça,que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção,86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança.

14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida.

15. Recurso especial improvido.

 REsp 889.852-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/4/2010. 

Observa-se que, anteriormente, já se admitia a adoção unilateral por pessoa homossexual, porém, os tribunais hesitavam em conceder a adoção a um casal de pessoas do mesmo sexo.

Assim, o julgado citado foi essencial para uma nova orientação jurisprudencial que prioriza o melhor interesse do menor em ter um lar afetivo para se desenvolver plenamente e equilibrado. Insta salientar que após o julgamento da ADPF 132-RJ e da ADI 4277-DF, pelo Superior Tribunal Federal, que admitiu a união homoafetiva como entidade familiar, não houve mais dúvidas quanto à admissão da deste tipo de adoção. Tal precedente resultou na igualdade de direitos e na quebra de preconceitos sociais.

3.3  EFEITOS JURIDICOS NA ADOÇÃO POR HOMOAFETIVOS NO INTERESSE DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

Neste tópico, veremos um pouco da contextualização dentro do ordenamento jurídico brasileiro a respeito da adoção por homoafetivos, buscando analisar o melhor interesse da criança e adolescente dentro dos seus direitos e deveres.

Com base neste aspecto, vejamos o que dispõe a Constituição da República Federativa Do Brasil 1988 a respeito do tema, no capítulo VII:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.         (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

§ 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. (BRASIL, 1988)

Como expresso no diploma legal acima citado, é dever da família, sociedade e do Estado, proporcionar uma vida de qualidade para crianças e adolescentes. Dentro desta esfera, respeitando sempre os princípios da igualdade, princípio da dignidade humana, princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, princípio do poder familiar e o princípio da afetividade.

Ademais, resta saber que a família é a base da sociedade, e está regulada e resguardada pela CRFB\88, colocando expressamente como fundamental uma vida digna e de qualidade para crianças e adolescentes.

Dentro desta seara, o Código Civil de 2002 no capítulo IV expressa:

Art. 1.618.  A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei n o 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Art. 1.619.  A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei n o 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. (BRASIL, 2002) 

Portanto, apesar de o Código Civil de 2002 apresentar um capítulo sobre a adoção, sabe-se que todas as questões envolvendo a adoção de uma criança ou adolescente estará estabelecida e expressa em lei específica principalmente no Estatuto Da Criança e Adolescente, na lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990.

Sendo assim, todo ato a ser realizado em relação à adoção de uma criança e adolescente deverá ser legalmente analisado conforme normas e regras estabelecidas pelo ECA, Lei 8.069\90.

Aduz Rolf Madaleno:

Não obstante as dificuldades impostas, reiterados pronunciamentos da doutrina e da jurisprudência vinham se manifestando em prol da adoção por casais homoafetivos, observando ser foco da adoção o princípio dos melhores interesses da criança e do adolescente, ao qual se associa o da igualdade das pessoas, devendo ser afastado qualquer viés de discriminação sobre a orientação sexual do adotante, porque as relações entre marido e mulher ou entre conviventes de sexos opostos não são as únicas formas de organização familiar, como terminou consagrando o STF. (MADALENO, R., 2018, p.878).

Dentro desse viés, verifica-se que a doutrina e a jurisprudência começaram a ter uma concepção diferente e favorável ao direito da existência não somente do reconhecimento da união entre os casais homoafetivos, mas, também, como expectadores de diretos quanto à adoção.

De acordo com o entendimento jurisprudencial, o STF se posicionou através da ADPF 132\RJ e ADI 4.277 do STF, quanto ao reconhecimento e direito de serem reconhecidos o casamento e a união estável entre casais homoafetivos. Bem como expresso no regulamento da Resolução nº175, de 14 de maio de 2013 do Conselho Nacional De Justiça.

Portanto, através destas normas estabelecidas, passam os casais homoafetivos a serem e terem requisitos legais quanto a alguns direitos expressos no Código Civil em detrimento de direitos a alimentos, adoção, sucessões, partilha de bens, dente outros direitos.

Justamente dentro desse posicionamento, o STF e Conselho Nacional De Justiça vieram suprir a lacuna deixada tanto na Lei 9278\96 que fala da união estável e no artigo 1723 do código civil de 2002.

Dispõe a Lei 9278 de 10 de maio de 1996: Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família. (BRASIL, 1996).

Já o artigo 1723 do Código Civil de 2002 expressa: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (BRASIL, 2002).

Sendo assim, quebrou o consentimento e análise desses referidos diplomas citados acima quanto ao não reconhecimento da união homoafetiva.

Passou desta forma, a ser reconhecida a união entre casais do mesmo sexo, bem como a aquisição de direitos quanto à adoção e formação de família, sendo regulamentado pelo disposto ao STF e a Resolução 175 do CNJ.

De acordo com Resolução 175 do CNJ: Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Portanto, ressalta-se que a união homoafetiva possui os mesmos direitos e objetivos na constituição de uma família heteroafetiva, com uma família natural. Pois observa-se o mesmo objetivo, qual seja, constituir família e igualdade.

De acordo com Alexandre Cortez Fernandes:

“Assim, por coerência, já que está diante de uma família, e de que na adoção se busca o melhor interesse do menor, por evidente, então, não devem ser criados óbices para tal tipo de adoção, conforme a compreensão da própria Constituição da República”. (FERNANDES, A. C., 2017, p.312).

Desta feita, coaduna-se com esse pensamento o que está exposto no artigo 43 do ECA: Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.(BRASIL, 1990).

Portanto, deverá sempre prevalecer o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, devendo ser respeitados todos os aspectos estipulados no Estatuto da Criança e Do Adolescente, Lei 8096 de 13 de julho de 1990.

Vejamos o que aduz a Suprema Corte em Recurso Especial:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO HOMOAFETIVA. REPRODUÇÃO ASSISTIDA. DUPLA PATERNIDADE OU ADOÇÃO UNILATERAL. DESLIGAMENTO DOS VÍNCULOS COM DOADOR DO MATERIAL FACUNDANTE. CONCEITO LEGAL DE PARENTESCO E FILIAÇÃO. PRECEDENTE DA SUPREMA CORTE ADMITINDO A MULTIPARENTALIDADE. EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DO DIREITO DECLARADO PELO PRECEDENTE VINCULANTE DO STF ATENDIDO PELO CNJ. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. POSSIBILIDADE DE REGISTRO SIMULTÂNEO DO PAI BIOLÓGICO E DO PAI SOCIOAFETIVO NO ASSENTO DE NASCIMENTO. CONCREÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.

1. Pretensão de inclusão de dupla paternidade em assento de nascimento de criança concebida mediante as técnicas de reprodução assistida sem a destituição de poder familiar reconhecido em favor do pai biológico.

2. “A adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao adotado e a criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consanguíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante”. (Enunciado n.111 da Primeira Jornada de Direito Civil).

3. A doadora do material genético, no caso, não estabeleceu qualquer vínculo com a criança, tendo expressamente renunciado ao poder familiar.

4. Inocorrência de hipótese de adoção, pois não se pretende o desligamento do vinculo com o pai biológico, que reconheceu a paternidade no registro civil de nascimento da criança.

5.A reprodução assistida e a paternidade socioafetiva constituem nova base fática para incidência do preceito “ou outra origem” do art. 1593 do Código Civil.

6. Os conceitos legais de parentesco e filiação exigem uma nova interpretação, atualizada à nova dinâmica social, para atendimento do princípio fundamental de preservação do melhor interesse da criança.

7. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento RE898.060\SC, enfrentou, em sede de repercussão geral, os efeitos da paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, permitindo implicitamente o reconhecimento do vinculo de filiação concomitante baseada na origem biológica.

8. O Conselho Nacional de Justiça, mediante o Provimento n.63, de novembro de 2017, alinhado ao precedente vinculante, da Suprema Corte, estabeleceu previsões normativas que tornariam desnecessário o presente litígio.

9. Reconhecimento expresso pelo acórdão recorrido de que o melhor interesse da criança foi assegurado.

10.              RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

(STJ - REsp: 1608005 SC 2016\0160766-4, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 14\05\2019, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21\05\2019).

Contudo, verifica-se que, de acordo com o parecer da Suprema Corte, poderá sim ser reconhecida a multiparentalidade. Conforme expresso no julgado, sempre será observado o melhor interesse da criança, com o objetivo de buscar o melhor para criança ou adolescente no seio familiar.

Sendo assim, com o desenvolvimento social e jurídico quanto ao tema reconhecimento da multiparentalidade, existirá a possibilidade de serem reconhecidas tanto a paternidade biológica, como também a socioafetiva no registro de nascimento da criança.

3.4  CONCEITO DE FAMÍLIA MULTIPARENTAL

Maria Goreth Macedo Valadares conceitua:

“A multiparentalidade pode ser conceituada como a existência de mais de um vínculo na linha ascendente de primeiro grau, do lado materno ou paterno, desde que acompanhado de um terceiro elo. Assim, para que ocorra tal fenômeno, necessário pelo menos três pessoas no registro de nascimento de um filho. Exemplificando, duas mães e um pai ou dois pais e uma mãe”. (VALADARES, M.G.M, 2016, p.55).

Para a doutrinadora, necessita-se que haja um elo de um terceiro no vínculo paterno ou materno, na linha ascendente de primeiro grau, sendo todos no registro de nascimento do filho, para que possa configurar a multiparentalidade.

A existência pode ser configurada através de um pai e duas mães, ou até mesmo de duas mães e um pai. Porém, necessita que seja feita o reconhecimento no registro de nascimento da criança, para que, assim, possa ter constituída a família multiparental.

Aduz Maria Goreth Macedo Valadares:

“Insta salientar que o mero parentesco por afinidade não é capaz de gerar a multiparentalidade. Para tanto, necessário que seja cumulado com a socioafetividade, essa, sim, fruto da autonomia privada do padrasto ou da madrasta, que passa a ser o pai\mãe socioafetivo. Ou seja, só há que se falar em multiparentalidade se houver um pai\mãe socioafetivo ao lado do pai biológico de da genitora ou vice-versa. Repita-se: o simples parentesco por afinidade não gera efeitos jurídicos decorrentes da filiação”. (VALADARES, M.G.M, 2016, p.56).

Para tanto, resta saber que é necessário, para que seja confirmada a multiparentalidade, a existência de um pai ou mãe socioafetivo, juntamente com um pai ou mãe biológico do filho. Apenas o laço afetivo entre pais e filhos não enseja efeitos jurídicos da filiação, não sendo reconhecida a multiparentalidade.

Salienta Pablo StolzeGagliano e Rodolfo Pamplona Filho: “Uma situação em que um indivíduo tem mais de um pai e\ou mais de uma mãe, simultaneamente, produzindo-se efeitos jurídicos em relação a todos eles”. (GAGLIANO, P.S, 2019, p.683).

Sendo assim, nota-se que, a partir do momento em que acontece, ou melhor, forma o vínculo entre a família multiparental, produzirá efeitos jurídicos em todos desta relação.

Portanto, a formação do elo entre um indivíduo que possui mais de um pai ou mais de uma mãe, gera estes direitos, que deverão ser resguardados juridicamente em todos os atos da vida civil.

Destaca-se a jurisprudência proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJ-RS:

APELAÇÃO CÍVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃOSOCIOAFETIVA CUMULADA COM ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E, VIA DE CONSEQUÊNCIA, DA MULTIPARENTALIDADE. CABIMENTO. DETERMINAÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL, NOS TERMOS DO REQUERIDO. Embora a existência de entendimento no sentido da possibilidade de conversão do parentesco por afinidade em parentesco socioafetivo somente quando, em virtude de abandono de pai ou mãe biológicos registrais, ficar caracterizada a posse de estado de filiação consolidada no tempo, a vivência dos vínculos familiares nessa seara pode construir a socioafetividade apta a converter a relação de afinidade em paternidade propriamente dita. Sob essa ótica, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no artigo 227,§6, da Constituição Federal, realiza a própria dignidade da pessoa humana, constitucionalmente prevista, porquanto possibilita que um indivíduo, tenha reconhecido em seu histórico de vida e a condição social vivenciada, enaltecendo a verdade real dos fatos. Multiparentalidade que consiste no reconhecimento simultâneo, para uma mesma pessoa, de mais de um pai e de mais de uma mãe, estando fundada no conceito pluralista da família contemporânea. Caso dos autos em que a prova documental... acostada aos autos e o termo de audiência de ratificação evidenciam que ambas as partes, maiores e capazes, desejam o reconhecimento da filiação socioafetiva e da multiparentalidade, o que, ao que tudo indica, não traria qualquer prejuízo a elas e a terceiros. Genitor biológico da apelante que está de acordo com o pleito, sendo que o simples ajuizamento de ação de alimentos contra ele em 2008, com a respectiva condenação, não descaracteriza, por si só, a existência de parentalidade socioafetiva entre os apelantes. (Apelação Cívil Nº 70077198737, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em 22\11\2018).

(TJ – RS – AC: 70077198737 RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Data de Julgamento: 22\11\2018, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28\11\2018).

De acordo com a jurisprudência acima expressa, nota-se claramente que a partir do vínculo criado de afinidade entre um indivíduo a outra pessoa, onde se caracteriza uma relação de pai, mãe e filho por afinidade, poderá ser transformada e reconhecida em paternidade socioafetiva.

A partir desta concepção, começam a ser analisadas as novas características de família contemporânea, onde os laços construídos através do afeto, carinho e amor, começam a ser reconhecidos pela sociedade, bem como o ordenamento jurídico.

Nesta seara, portanto, com o consentimento e vontade de ambas as partes, filho, pai e mãe socioafetivo e pai e mãe biológico, configura-se a multiparentalidade, gerando assim efeitos jurídicos e tendo o reconhecimento através no registro de nascimento da criança ou adolescente.

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald dispuseram que:

“No entanto, com esteio no princípio constitucional da igualdade entre os filhos, algumas vozes passaram a defender a possibilidade de multiparentalidade ou pluriparentalidade, propagando a possibilidade de concomitância, de simultaneidade, na determinação da filiação de uma mesma pessoa. Isto é, advogam a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai e\ou mais de uma mãe simultaneamente, produzindo efeitos jurídicos em relação a todos eles a um só tempo”. (CHAVES, C.; ROSENVALD,N., 2015, p.598).

Contudo, de acordo com os dizeres dos doutrinadores, a possibilidade de uma pessoa ter o direito de ter mais de um pai ou mais de uma mãe ao mesmo tempo tem amparo legal no princípio constitucional da igualdade entre filhos.

Ademais, se trata de um direito constitucional com embasamento na constituição familiar, protegendo o direito de escolha e afinidade criada no laço socioafetivo entre indivíduo e pais, simultaneamente.


4      CONCLUSÃO

A família tem um significado e contorno muito marcantes dentro da sociedade. Várias foram as formas, conceitos e significados quanto à instituição família no meio social.

Durante bom tempo, foi evoluindo o sentido de família para a sociedade. Antigamente, os seres humanos que habitavam a Terra não tinham um sentimento de família, amor, carinho e afeto um para com o outro. Havia um instinto irracional quanto às suas atitudes e comportamentos.

Ao passar do tempo, no sistema patriarcal romano, o homem foi evoluindo em relação à concepção de homem e mulher. Porém, naquela época, o homem tinha o poder da família muito centralizado nas suas forças e atitudes. Era considerado o centro de tudo no seio familiar.

Neste período patriarcal, durante anos, o casamento, a família, eram basicamente controlados pela Igreja. Aquelas pessoas deveriam acatar e seguir toda filosofia religiosa e centralizada na concepção do papel de homem e mulher dentro da sociedade.

Porém, com o passar dos anos e a evolução humana, veio o advento da revolução industrial e a luta das mulheres por uma isonomia na sociedade, buscando seu reconhecimento e valor.

A partir dessa mudança de atitude das mulheres dentro da sociedade, começou a quebrar o poder centralizado do homem, onde as mulheres eram totalmente submissas às suas vontades e obrigações, ocasionando, assim, mudanças quanto ao espaço da mulher no meio social, como também, o sentido e o significado de família para sociedade.

Através desta mudança, começaram a ser entendidas e reconhecidas as formas de famílias que foram surgindo ao longo do tempo na sociedade. Novas instituições familiares foram ganhando contornos, começando a se respeitar os direitos e escolhas das pessoas na formação familiar.

Com a nova concepção de família, a mulher tendo a liberdade e reconhecimento no âmbito da sociedade, as pessoas passaram a mudar seus pensamentos, hábitos, costumes, atitudes e comportamentos um para com o outro.

Esta mudança busca não somente surtir efeitos no meio social, mas, sim, passando a ser analisada com mais atenção pelos operadores da lei. As mudanças começaram a ser realizadas também dentro do ordenamento jurídico, para que fossem preservados os direitos e deveres de cada pessoa em suas escolhas.

Conforme as mudanças familiares, foram surgindo vários modelos específicos de famílias em uma concepção social e no mundo jurídico. Através destas mudanças, podemos destacar dentre os modelos de famílias atuais, a família multiparental e os aspectos quanto à família homoafetiva em se tratando do âmbito de adoção.

Desta forma, o presente artigo tem como finalidade buscar entender e analisar os aspectos na relação de um filho com seus pais biológicos e pais socioafetivos, bem como influências no mundo social e jurídico na relação destes indivíduos e seus efeitos na adoção por famílias homoafetivas.

Dentro do primeiro capítulo, buscou-se conhecer um pouco sobre a evolução da família durante todos esses anos, mostrando e fazendo um paralelo das mudanças e evolução quanto ao pensamento, modelos de famílias, concepções, atitudes do homem, até chegar aos modelos familiares contemporâneos.

O segundo capitulo teve como foco mostrar como funciona o sistema das famílias brasileiras. Neste tópico, podemos desenvolver como são amparados os vários modelos de famílias atuais no ordenamento jurídico brasileiro, como também, tratar um pouco das espécies, modelos de famílias adotadas pela sociedade e sistema jurídico. A relação de convivência e o vínculo, criados entre os filhos e pais biológicos e pais socioafetivos, podem ser tratados também nesta temática, pois busca conhecer a relação entre essas famílias e a criança.

Já no terceiro capitulo, fala-se em respeito dos aspectos do direito na adoção da família multiparental. Aqui, tinha como intuito mostrar como funciona o sistema de adoção no sistema brasileiro, na sua literalidade social, pessoal e jurídica, para aquelas pessoas que desejam realizar a adoção.

Nesta concepção, buscou trazer o conceito de adoção, a relação na adoção de famílias homoafetivas e também os efeitos e aspectos jurídicos da adoção por família homoafetiva, sob o melhor interesse da criança e adolescente.

Dentro do capitulo quatro, foi tomada como parâmetro a multiparentalidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro. O conceito e requisitos na formação de uma família multiparental, desenvolvendo um entendimento dessa família pelo lado sentimental, através dos laços afetivos, como também o biológico. Este, sendo analisado pelo laço sanguíneo, já aquele, analisado pelo laço de afeto, amor, carinho, atenção e cuidados.

A multiparentalidade sendo demonstrada como um modelo de família contemporâneo, quebrando todos os preconceitos e a todo instante tendo como um dos fatos preponderantes o princípio do melhor interesse da criança e adolescente, quanto às suas escolhas e melhor qualidade de vida.

Requisitos e hipóteses sendo trabalhadas dentro do ordenamento jurídico, para que se possa reconhecer o vínculo existente através do afeto no registro de nascimento da criança, resguardando os direitos dos filhos quanto à sucessão nas duas famílias, em obter o direito de ter reconhecido o nome do pai biológico e afetivo no registro de nascimento.

Contudo, aos poucos a mutiparentalidade vai buscando e mudando cada vez mais os aspectos sociais e jurídicos quanto à sua aceitação, tendo não somente leis que condicionam a sua vigência, como também, jurisprudências favoráveis à nova concepção familiar. Apesar de ainda não existirem leis diretas e concretas quanto à sua normatização, ela é resguardada e entendida por interpretação e analogias dentro do ordenamento jurídico, através do principio da isonomia, direito ao poder familiar, melhor interesse da criança e adolescente, dignidade humana, dentre outros princípios constitucionais.

Sendo assim, com toda evolução e o reconhecimento da sociedade e tribunais quanto aos novos modelos de famílias contemporâneo, em específico a família multiparental, conclui-se que, apesar do alcance quanto ao reconhecimento e regulamentação em entendimentos jurisprudenciais da multiparentalidade, necessita-se, ainda, buscar novos objetivos e pesquisas quanto às garantias deste instituto no ordenamento jurídico brasileiro e seus efeitos.


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