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Contrato de locação não residencial e suas nuances

Contrato de locação não residencial e suas nuances

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O contrato de locação não residencial envolve uma complexidade derivada da necessidade de garantir proteção à atividade empresarial, ao fundo de comércio e à indústria.

Resumo: O presente trabalho tem por escopo abordar os aspectos mais relevantes do contrato de locação não residencial e suas peculiaridades. Iniciaremos com alguns conceitos comuns a todas as espécies de locação, abarcados pela Lei 8.245/91. Conceituaremos especificamente a locação não residencial. Trataremos da proteção do fundo de comércio, abordando a ação renovatória e a importância da cláusula de vigência. Cuidaremos da rescisão do contrato nas locações privilegiadas. Falaremos, en passant, dos contratos atípicos de locação (Shopping Center e Built to suit). Abordaremos a questão da locação para sócios e funcionários (considerada não residencial). Cuidaremos da extinção do contrato por prazo determinado. Discorreremos sobre a sucessão na locação não residencial. Comentaremos sobre a ação revisional. Encerraremos tratando da não incidência do Código de Defesa do Consumidor nas locações urbanas.


Introdução

A locação não residencial é uma espécie de contrato, regulada pela Lei 8.245/91, popularmente conhecida como Lei do Inquilinato, a qual classifica a locação dos imóveis urbanos em três categorias:

  1. Locação de imóveis residenciais;
  2. Locação para temporada;
  3. Locação de imóveis não residenciais.

Poder-se-ia dizer que os contratos atípicos de locação são uma subcategoria das locações não residenciais. Mais adiante trataremos, ainda que em breves pinceladas, dos contratos atípicos, sem a pretensão de nos aprofundamos no tema.

O presente trabalho se circunscreverá a abordar o contrato de locação não residencial voltado aos imóveis comerciais e industriais.

Antes de ingressarmos nas especificidades do tema, é de fundamental importância tangenciarmos alguns conceitos e princípios comuns a todas as categorias de locação, anteriormente referidas.


Conceito e características do contrato de locação de imóvel urbano

O saudoso e inolvidável Professor Sylvio Capanema conceituava a locação do imóvel urbano como o contrato pelo qual alguém, a quem chamamos de locador, se obriga a ceder a outrem, a quem denominamos locatário ou inquilino, o uso ou gozo de imóvel urbano, por certo tempo determinado, ou não, mediante remuneração.[1]

Já, para a eminente civilista Maria Helena Diniz, é o contrato pelo qual uma das partes (locador), mediante remuneração paga pela outra (locatária), se compromete a fornecer-lhe, durante certo lapso de tempo, determinado ou não, o uso e gozo de imóvel destinado à habitação, à temporada ou a atividade empresarial.[2]

Para o Professor Luis Antônio Sacavone Jr., a locação predial urbana é um contrato sinalagmático pelo qual o locador se obriga, no decurso de lapso temporal determinado ou indeterminado, mediante remuneração previamente acordada, paga pelo locatário, a fornecer-lhe o uso de imóvel residencial, não residencial ou comercial.[3]

É importante notar que o conceito de imóvel urbano não leva em conta a sua localização, embora a nomenclatura possa levar a uma dedução equivocada. Para a Lei do Inquilinato o que importa é a destinação que será dada ao imóvel pelo locatário e não sua localização geográfica. Assim, se a locação do imóvel se destinar à moradia ou à utilização comercial ou industrial, ainda que não se localize em zona urbana, incidirá a Lei 8.245/91.[4]

Desta forma, por exemplo, se um galpão localizado na zona rural for locado para fins industriais ou comerciais, estará sob a égide da Lei de Locação de Imóveis Urbanos, prevalecendo sua destinação, pouco importando se não está inserido na zona urbana. Por outro lado, se uma gleba de terras, situada no perímetro urbano, for arrendada para a exploração agrícola (como uma grande horta), a relação contratual albergada pelo Estatuto da Terra.

Infere-se dos conceitos doutrinários colacionados, que o contrato de locação é bilateral, pois pressupõe a existência de pelo menos um locador e um locatário e sinalagmático, uma vez que gera obrigações recíprocas aos contratantes.

Abre-se um breve parêntese para registramos que, eventuais fiadores que firmem o contrato de locação, dele não são partes. Neste caso, trata-se de contrato assessório, de caráter pessoal, entabulado entre o inquilino e os garantidores (fiadores).

É o art. 22 da Lei 8.245/91 que elenca as obrigações do locador, dentre elas a de entregar o imóvel em condições ao uso a que se destina. Já o locatário deverá observar o disposto no artigo subsequente, onde a lei descreve suas obrigações durante a relação locatícia, como a de restituir o imóvel ao término da locação no estado em que o recebeu, ressalvados os danos decorrentes do tempo e do uso normal.

Outra característica essencial da relação locatícia é onerosidade. Não se pode falar em locação de imóvel sem a devida contraprestação pecuniária, denominada aluguel. Não sendo convencionado o pagamento pelo inquilino para a ocupação do imóvel, o contrato será de comodato e não de locação, escapando assim do alcance da lei inquilinária.

Também é da essência do contrato de locação a comutatividade, devendo prevalecer, durante sua vigência, certa paridade econômica entre as partes, a fim de não se torne demasiadamente oneroso para uma delas.

O contrato de locação aperfeiçoa-se mediante o consenso entre as partes, independentemente do locatário ingressar na posse do imóvel. É perfeitamente possível, portanto, que a relação locatícia se inicie sem que o inquilino ingresse no imóvel, uma vez que o exercício da posse não é essencial para o seu termo inicial, embora na prática isso ocorra.

O contrato locatício é de execução continuada, pois as obrigações persistem até o seu termo final.

A lei não exige forma solene para o contrato de locação, não havendo óbice que seja contrato verbalmente, embora não seja recomendável, pois dificulta a produção das provas em caso de judicialização. Prevalece o brocardo scripta manent,verba volant.

Por se tratar de um contrato bilateral, oneroso e comutativo, aplica-se a ele a exceção do contrato não cumprido, a cláusula resolutória tácita, além das teorias dos vícios redibitórios e da evicção.

O contrato de locação objetiva a transferência temporária da posse, ao contrário do contrato de compra e venda, onde se transfere a propriedade. Podemos dizer que o locador, que geralmente é o proprietário do imóvel (porém, nem sempre) abre mão de um dos direitos inerentes à propriedade: a posse. Ao locar o imóvel o locador passa a ter a posse indireta do imóvel, enquanto o locatário a exerce de forma direta.

Na condição de possuidor direto, o locatário se reveste de todos os poderes inerentes à posse, inclusive podendo valer-se dos interditos para a sua defesa contra eventuais turbadores ou esbulhadores.

Dissemos que nem sempre o proprietário será o locador, pois a lei assim não exige. Basta que o locador tenha a posse lícita do imóvel para que possa locá-lo. Como exemplo, podemos mencionar o usufrutuário, que, embora não seja o proprietário do bem, dele tem a posse, podendo assim cedê-la, o que não seria possível ao nu-proprietário, uma vez que está despido de um dos direitos inerentes à propriedade (a posse).

Finalmente, para encerrar este introito conceitual, é importante registrar que a definição de bem imóvel nos é dada pela doutrina. No escólio de Maria Helena Diniz os bens imóveis são aqueles que não se podem transportar, sem destruição, de um lugar para outro, ou seja, são os que não podem ser removidos sem alteração de sua substância.[5]

Depreende-se do art. 79 do Código Civil que imóvel é o solo com sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, bem como tudo o que o homem incorporar permanentemente a ele, como os edifícios e as construções.

Desta forma, o imóvel urbano, edificado ou não, poderá ser objeto do contrato de locação. Importa para a Lei 8.245/91 sua destinação, seja para habitação do locatário e de sua família, seja para exploração de sua atividade comercial, industrial, ou de prestação de serviço, independentemente de sua localização, em relação ao perímetro da cidade, como já dissemos em linhas pretéritas.

Passaremos a discorrer especificamente sobre o contrato de locação de imóveis não residenciais.


Contrato de locação não Residencial - Conceito

A locação não residencial é uma das categorias de contrato previstas na atual lei inquilinária, como dito preambularmente. Como a própria nomenclatura revela, estão açambarcados nesta espécie contratual as locações que não se destinam à moradia, e sim a outras atividades do locatário, que podem ter finalidades econômicas ou não.

Para Sylvio Capanema, incluem-se nesta categoria as locações feitas a associações, sociedades civis, profissionais liberais, sindicatos, prestadores de serviços, sociedades comerciais e industriais, assim como, por expressa disposição, aquelas feitas a pessoas jurídicas, ainda que para residência de seus diretores, gerentes, empregados ou prepostos.[6]


Ação Renovatória Proteção ao fundo de comércio

A locação não residencial é tratada na Lei 8.245/91, a partir do artigo 51.

Depreende-se do texto legal que o legislador deu especial proteção ao fundo de comércio, ao garantir a renovação do contrato, por igual período, se preenchidos alguns requisitos. Vejamos.

As condições para que o locatário faça jus à ação renovatória estão elencadas nos incisos I a III do art. 51 e são cumulativas.

A primeira condição diz respeito à forma do contrato, que deverá ser escrita e com prazo determinado. Não será possível, portanto, pleitear a renovatória na relação locatícia ajustada verbalmente.

A segunda condição é inerente ao aspecto temporal. O prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos, deve ser de cinco anos.

A exigência legal de que os prazos sejam ininterruptos tem sido mitigada pela jurisprudência, a fim de que os locadores não burlem a lei, criando hiatos entre os contratos. Neste sentido:

PROCESSO CIVIL. LOCAÇÃO. AÇÃO RENOVATÓRIA. EXISTÊNCIA DE PEQUENO LAPSO DE TEMPO ENTRE DOIS CONTRATOS ESCRITOS. ACCESSIO TEMPORIS - POSSIBILIDADE.

1. Pacificou-se no e. STJ entendimento no sentido de que embora inadmitida na letra mesma da lei atualmente em vigor, a existência de hiato entre os contratos escritos, por ininterruptos os prazos contratuais a serem somados, esta Corte Superior de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de afirmar a possibilidade do accessio temporis, mesmo após a edição da Lei nº 8245/91, nas hipóteses em que for curto o período existente entre os contratos escritos. 2. Seja concebendo o terceiro instrumento contratual como mero aditamento do primeiro, seja como novo pacto locatício, o certo é que, para fins de renovação, encontra-se preenchido o requisito do art. 51, incisos I e II, da Lei de Locações. 3. Recurso improvido. (TJSP - Agravo de Instrumento nº 0299074-63.2011.8.26.0000- 35ª Câmara de Direito Privado Relator Des. Artur Marques Data do julgamento 13 de fevereiro de 2012)

A terceira e última condição é que o locatário esteja explorando a sua atividade empresarial no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.

A questão do prazo ininterrupto justifica-se para que efetivamente haja a proteção ao fundo de comércio, não podendo se valer da renovatória o inquilino mantém fechado o estabelecimento, pois assim não estará preocupado em resguardar o fundo empresarial.

Interessante questão foi lançada pelo Professor Sylvio Capanema, em sua obra dedicada à lei do inquilinato[7]:

Também sempre se questionou se o locatário que mantém fechadas as portas do imóvel, transformando-o apenas em depósito, sem acesso dos fregueses, poderia valer-se da ação renovatória.

Entendemos que sim, desde que a prova produzida revele, extreme de dúvidas, que o depósito é indispensável ao desenvolvimento da atividade empresarial do locatário, exercida em outro local, próximo ou distante.

Neste caso, o depósito seria um prolongamento natural e necessário do estabelecimento empresarial, a ele se estendendo a proteção especial, em obediência ao princípio de que o acessório segue o principal.

Portanto, somente os contratos não residenciais que atendam a todas as condições legais, insculpidas nos incisos do artigo 51, poderão pleitear a renovação do contrato. É condição essencial para a renovação a existência de um fundo de comércio que mereça ser preservado e não um mero contrato, pelo qual o inquilino, embora adimplente não tenha constituído um fundo empresarial.

É importante notar que o direito à renovação revela-se verdadeira restrição ao direito de propriedade, uma vez que o locador será obrigado a concedê-la, se preenchidos os requisitos legais, ainda que não seja esta a sua vontade.

No tocante ao prazo da renovação, a jurisprudência já firmou entendimento de que a expressão por igual prazo se prende ao mínimo de cinco anos, que se exige para legitimar a pretensão renovatória, seja o quinquênio resultante da soma de prazos inferiores ou não.[8]

O direito à renovatória transmite-se aos cessionários ou sucessores da locação e ao sublocatário, no caso de sublocação total do imóvel, conforme permite o § 1º do art. 51.[9]

Tal permissão se justifica pois nas locações de comércios é usual a cessão do fundo empresarial.

Assim, o empresário pode livremente alienar seu estabelecimento, o qual inclui o contrato de locação e independe de autorização do locador, já que o fundo empresarial é patrimônio exclusivo do comerciante/locatário, que dele pode dispor.

É o artigo 1.142 do Código Civil que nos fornece o conceito de estabelecimento:

Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

O artigo subsequente permite seja o estabelecimento objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza, o que inclui, como é obvio, a sua cessão onerosa ou gratuita.[10]

No lição de Maria Helena Diniz, tal ocorre por integrar o patrimônio do empresário e da sociedade empresária, visto ser uma universalidade, ou seja, um complexo de bens organizados para o exercício da atividade empresarial, constituído pela base física onde funciona a empresa e por elementos corpóreos ou incorpóreos, com o escopo de atrair clientela e gerar lucro, sendo, portanto, uma garantia aos seus credores. Consequentemente, pode constituir objeto de negócios jurídicos efetivados pelo empresário ou pela sociedade empresária, que podem dele livremente dispor, atendendo a certos requisitos.[11]

Porém, o dispositivo que que mais impacta a locação não residencial é o art. 1.148, o qual determina que: a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, incluindo-se aí o contrato de locação.

É importante sublinhar que o proprietário do imóvel (locador) não pode se opor ao negócio jurídico entabulado entre o locatário e o terceiro adquirente. No entanto, poderá exigir nova garantia, caso a inicial não permaneça, em consequência de exoneração (fiança) ou simplesmente extinção.

Já, a cessão pura e simples do contrato de locação, não incluindo o estabelecimento, dependerá, sempre, da prévia e expressa autorização do locador, segundo se depreende do artigo 13 da lei locatícia.

Elucida Sylvio Capanema: É claro que o cessionário a que se refere o § 1º do artigo 51 é o do fundo empresarial, já que o do contrato de locação só terá direito à ação renovatória se com a cessão anuiu o locador, e se preencher ele as condições previstas nos incisos I a III do artigo 51.[12]

Destarte, o direito à renovação é assegurado aos cessionários ou sucessores da locação, assim entendidos os que tenham legitimidade para a sub-rogação subjetiva.

Seria economicamente inócua a cessão ou a sucessão se não houvesse garantia legal de renovação compulsória do contrato.

No tocante à sublocação total do imóvel, o direito à renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário.

Ao que parece, a intenção do legislador foi de impedir que o locatário, de comum acordo com o locador, não ajuizasse a ação renovatória, possibilitando, assim, a retomada do imóvel, para, depois, firmarem novo contrato, a fim de expurgar o sublocatário.

O parágrafo § 2º do art. 51 encontra-se assim redigido:

Quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o direito a renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade.

Não é incomum que pessoas físicas firmem contratos não residenciais para, em seguida, constituir uma empresa, a qual passa explorar as atividades mercantis no imóvel locado.

Havendo previsão contratual, nada obsta que a pessoa natural permaneça na figura do locatário ou, após a constituição da empresa, essa se sub-rogue nos direitos e obrigações do inquilino.

A lei também se preocupou em regrar o direito à renovação na hipótese de dissolução societária, decorrente de morte de um dos sócios (Art. 51; § 3º) .

Neste caso, o sócio remanescente sub-roga-se no direito à renovação com a condição de que permaneça explorando o mesmo ramo de atividade comercial. Tal hipótese, na prática, aplica-se se a sociedade for constituída de apenas dois sócios.

O § 4º do art. 51 dilatou o alcance de ação renovatória, permitindo-a às indústrias e sociedades civis com fins lucrativos, regularmente constituídas, desde que preenchidos os pressupostos previstos nos incisos I a III do mesmo artigo.

As indústrias foram abrangidas pela lei, pois embora não exerçam a atividade mercantil, não se configurando, por consectário, o fundo de comércio, pretendeu a lei proteger a atividade industrial, que quase sempre tem uma logística complexa.

Também mereceram o direito à renovatória as sociedades civis com fins lucrativos, regularmente constituídas, excluídas, por óbvio, aquelas sem fins econômicos.

Desta forma, as associações regularmente constituídas, que perseguem o lucro, podem se valer da ação renovatória. Exemplificativamente podemos mencionar: escolas, hospitais, clínicas, escritórios de contabilidade e de administração de imóveis, bancos, entre outros.

É importante consignar que o direito à ação renovatória não beneficia os escritórios de profissionais liberais, a não ser que se organizem sob a forma de sociedades civis. Neste sentido:

Afigura-se inaplicável ao dentista, que exerce profissão liberal, o disposto no artigo 51, §4º da Lei nº 8.245/91 que assegura o exercício da ação renovatória às indústrias e sociedades civis com fins lucrativos uma vez que sua transferência de um local para outro, em regra, não afeta ser procurado por seus clientes". (TSP Apelação nº 0002065-03.2011.8.26.0577 - 26ª Câmara de Direito Privado Relator Des. RENATO SARTORELLI Data do julgamento 9 de junho de 2014)

Em sentido contrário, o Professor Sylvio Capanema anota: No que concerne aos profissionais liberais, que nessa condição exercem sua atividade, entendemos que em obediência ao princípio da autonomia privada, nada impede que a eles se estenda a ação renovatória, se o contrato de locação expressamente o autorizar e desde que satisfeitas as condições do artigo 51, inclusive quanto aos prazos.

(...)

Vale ressaltar que se os profissionais liberais, como advogados e médicos, se organizam em sociedades, regularmente constituídas e registradas nos respectivos órgãos de controle e fiscalização, dúvida não pode haver quanto ao direito destas sociedades profissionais de pleitear a renovação compulsória de seus contratos de locação, desde que satisfeitas às condições do artigo 51.[13]

O prazo para o ajuizamento da ação renovatória é decadencial, não se prorrogando, interrompendo ou suspendendo e está estabelecido no § 5º do art. 51, assim redigido:

§ 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.

Portanto, se o locatário pretender exercer seu direito à renovação do contrato deverá ajuizar a ação renovatória no intervalo de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.

Jurisprudência emblemática sobre o tema emana do Superior Tribunal de Justiça:

AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO. PRAZO DE DECADÊNCIA. CONTAGEM. MOMENTO EM QUE SE CONSIDERA INTENTADA A AÇÃO. ART. 51, § 5°, DA LEI 8.245/91. Quando o prazo é estabelecido em mês, conta-se do dia do início até o dia correspondente do mês seguinte, dando-se o mesmo quando a contagem é regressiva. Considera-se proposta a ação renovatória, nos termos do art. 51, § 5°, da Lei do Inquilinato combinado com o art. 263, do CPC, com o ingresso, em juízo, do pedido, bastando, portanto, protocolar no foro competente, para afastar a decadência. Recurso não conhecido. (STJ - 5ª Turma - REsp 299.683/SP - Relator Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 03-09-2001).

O artigo 52 da Lei 8.245/91 prevê os casos em que o locador não estará obrigado a renovar o contrato. Haverá hipóteses, portanto, que o locatário não terá o direito à renovação. Analisemos uma a uma.

Retomada do imóvel para realização de obras determinadas pelo Poder Público - (Art. 52, I)

O locador não estará obrigado a renovar o contrato se, por determinação do Poder Público, for obrigado a realizar obras no imóvel que impliquem sua radical transformação. Não é uma hipótese que ocorre com frequência, não merecendo maiores comentários.

A segunda circunstância impeditiva da renovação é no caso do locador realizar modificações no imóvel que aumentem o valor do negócio ou da propriedade.

Ao nosso ver a norma em comento é demasiadamente subjetiva, ensejando discussões infindáveis. Afinal, como se mensura o aumento do valor do negócio ou da propriedade? E mais, se é o locatário que está no imóvel, o valor do negócio é por ele explorado!

Note-se que a prova necessária para se demonstrar a valorização do negócio ou da propriedade necessariamente será a pericial.

Retomada para uso próprio - (Art. 52, II)

A lei prevê a possibilidade do locador se opor à renovatória, com o objetivo de se instalar no imóvel com seu próprio negócio.

Neste caso, é condição para a retomada a prova da existência de fundo de comércio, há mais de um ano, do qual o locador, seu cônjuge ou descendentes sejam detentores da maioria do capital social.

Com o reconhecimento da união estável, entendemos que o companheiro, embora não mencionado expressamente no dispositivo legal, também nele se enquadra.

Igual direito terá o compromissário comprador, desde que o compromisso de venda e compra esteja registrado no fólio imobiliário (RT 453/142).

Referindo-se ao § 1º do artigo em comento, Maria Helena Diniz enfatiza que o locador que negar a renovação não poderá explorar no imóvel o mesmo ramo do locatário, a não ser que a locação envolva também o fundo de comércio.[14]

Tal proibição se justifica para que o locador não se locuplete com a clientela formada pelo locatário, auferindo vantagem do fundo empresarial por ele construído, o que fere a moral.

Muito se discute sobre o locador que recusa a renovação e implanta atividade semelhante, porém não idêntica ao locatário, como por exemplo um bistrô no local onde funcionava um restaurante.

Cabe à jurisprudência coibir tais burlas à lei, pois o Judiciário não pode se apegar ao sentido literal da norma em detrimento a uma das partes.

Observe-se que no § 2º do art. 51 veda ao locador a recusa à renovação com base no inciso II (utilização para uso próprio). As locações de shopping center são atípicas. Neste caso, o empreendedor aluga a fim de desenvolver um empreendimento imobiliário específico, com o intuito de criar um centro de compras e lazer.

Desta forma, seria desleal que o próprio empreendedor concorresse com os lojistas que compõe o empreendimento.

A lei inquilinária estabelece que o locatário deverá ser ressarcido dos prejuízos e lucros cessantes que tiver em decorrência da mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio em duas situações[15]:

a) Se a renovação não ocorrer em decorrência de proposta de terceiro em melhores condições;

b) Se o locador, no prazo contados de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinas no inciso I do art. 52.

Há duas súmulas provenientes do Supremo Tribunal Federal que vão ao encontro da norma em comento.[16]

A lei protege o fundo empresarial, patrimônio maior do comerciante, construído ao longo de anos, através de seu trabalho.

A aferição do valor econômico do fundo de comércio, para fins indenizatórios requer percuciente prova pericial.

De menor complexidade é o cálculo dos danos emergentes, os quais podem ser facilmente comprovados e são inerentes às despesas com a mudança ou transferência do estabelecimento.

Os lucros cessantes, por sua vez, devem ser calculados sobre o que o locatário deixou de ganhar, levando-se em consideração seu histórico de faturamento.

Embora o texto legal fale em desvalorização do fundo de comércio, poderão ocorrer casos em que a sua saída do imóvel gere a perda total do fundo de comércio. Neste caso, a indenização deverá ter maior abrangência.

A primeira hipótese que justifica a indenização é aquela em que há resistência à renovatória por superveniência de melhor oferta apresentada por terceiro.

Outra circunstância decorre da inércia do locador ao não realizar as obras pretendidas ou necessárias.

Desta forma, prevalece o princípio da boa-fé objetiva, para que se coíba a retomada insincera.

Aliás, cabe ao Juiz, ao analisar o caso concreto, verificar se as razões evocadas para retomada do imóvel pelo locador gozam de sinceridade.

O entendimento predominante em nossas Cortes é de que milita a favor do retomante presunção de sinceridade, que deve ser debelada locatário através de provas incontroversas. Neste sentido:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO RENOVATÓRIA - LOCAÇÃO COMERCIAL - RETOMADA PARA USO PRÓPRIO - ART. 52, II, LEI 8.245/91 - PRESUNÇÃO DE SINCERIDADE - ÔNUS DA PROVA. - O pedido de retomada de imóvel comercial para uso próprio goza de presunção relativa de sinceridade, ficando a cargo do locatário a comprovação da insinceridade da pretensão. (TJ-MG - AC: 10015120016405002 MG, Relator: Alexandre Santiago, Data de Julgamento: 07/06/2017, Câmaras Cíveis)


Proteção ao Fundo de Comércio Cláusula de Vigência e registro do contrato

É extremamente recomendável para proteção do fundo de comércio a inserção contratual de uma cláusula que obrigue o adquirente a respeitar o contrato em caso de alienação do imóvel. Porém, não basta a existência da chamada cláusula de vigência. É necessário que também se averbe o contrato junto à matrícula do imóvel no registro imobiliário competente.

Tais medidas se fazem necessárias, em decorrência do disposto no artigo 8º da lei das locações, abaixo transcrito:

Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

§ 1º Idêntico direito terá o promissário comprador e o promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo.

Sendo assim, caso o imóvel locado venha a ser alienado no decorrer da relação locatícia, o adquirente ou o promissário comprador (cujo título tenha sido registrado), poderá denunciá-lo.

Note-se que a alienação do imóvel, por si só, não resolve o contrato. O adquirente, caso não seja de seu interesse a continuidade da locação, deverá notificar o inquilino para que desocupe o imóvel, concedendo-lhe prazo de 90 dias.

A norma em comento se justifica pois o adquirente não é obrigado a respeitar uma avença da qual não fez parte. Trata-se do princípio da relatividade dos contratos.

Para o inesquecível Sylvio Capanema, como a lei não faz qualquer discriminação, é irrelevante que a alienação seja a título oneroso ou gratuito. Tanto poderá denunciar a locação o comprador do imóvel locado ou o permutante, quanto o donatário.[17]

A cláusula de vigência, juntamente com o registro do contrato, impedem que o adquirente denuncie a locação.

O registro se faz necessário para que se dê a presunção de publicidade ao contrato de locação, que passa a ter eficácia erga omnes, não podendo ser evocado, nesta hipótese, a relatividade dos contratos.

E aqui uma ressalva: o registro deve ser feito na matrícula do imóvel e não no Cartório de Títulos e Documentos. A razão é simples: quem deseja adquirir um imóvel deverá proceder às diligências necessárias para avaliar sua situação documental. Uma das mais importantes é a análise da matrícula atualizada.

É fácil perceber a importância da cláusula de vigência e o registro do contrato no fólio imobiliário nas locações não residenciais.

Nesta espécie de locação os locatários costumam fazer altos investimentos nos imóveis a fim de adaptá-los aos seus negócios. Ademais, os prazos contratuais costumam ser mais alargados.

O comerciante pode demorar anos para constituir seu fundo de comércio, que inclui a clientela. A ruptura prematura da avença, em decorrência da alienação do imóvel, pode causar grande prejuízo ao inquilino, cujo contrato estava desprovido da cláusula de vigência e não foi levado ao registro imobiliário.


Rescisão dos Contratos Nas Locações Privilegiadas

O art. 53 da Lei 8.245/91 protege as locações em que os inquilinos exerçam atividades que, por sua relevância e pelo interesse público (chamadas de privilegiadas por Maria Helena Diniz), devem ter maior proteção, restringindo as hipóteses de rescisão dos contratos. Dispõe o art. 53:

Art. 53. Nas locações de imóveis utilizados por hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas, o contrato somente poderá ser rescindido. (Redação dada pela Lei nº 9.256, de 9.1.1996)

I nas hipóteses do art. 9º;

II se o proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter irrevogável e imitido na posse, com título registrado, que haja quitado o preço da promessa ou que, não o tendo feito, seja autorizado pelo proprietário, pedir o imóvel para demolição, edificação, licenciada ou reforma que venha a resultar em aumento mínimo de cinquenta por cento da área útil.

É preciso relembrar as formas pelas quais o art. 9º autoriza o desfazimento da locação:

Art. 9º A locação também poderá ser desfeita:

I - por mútuo acordo;

II - em decorrência da prática de infração legal ou contratual;

III - em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos;

IV - para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.

Depreende-se do texto legal que, nas locações privilegiadas está vedada a retomada para uso próprio, ou de ascendente ou descendente, e tampouco a denúncia condicionada.

É importante frisar que inciso II, do art. 53, estende ao promissário-comprador e ao promissário-cessionário o direito à rescisão, desde que os títulos aquisitivos sejam irrevogáveis, com imissão na posse e quitação do preço, além do seu registro no cartório imobiliário competente.


Contratos Atípicos de Locação Shopping Centers

Passaremos a tratar dos denominados contratos atípicos de locação, que a lei das locações aborda a partir do art. 54.

Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping centers, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

Tratam-se de contratos atípicos pois, permitem diferenças significativas, que exigem tratamento legal específico.

Dentre as cláusulas atípicas destacam-se as seguintes:

a) a que prevê um sistema dúplice de cobrança do aluguel, sendo um fixo mínimo, e outro percentual, sobre o total da receita mensal, sendo devido o maior deles, a cada mês;

b) a que possibilita a cobrança de pagamento de aluguel em dobro, no mês de dezembro;

c) a que obriga o locatário se inscrever na Associação dos Lojistas e participar do fundo comum de promoções, propaganda e marketing;

d) a que obriga o locatário a abrir e fechar a loja nos horários determinados pelo empreendedor e a não fazer promoções ou liquidações, senão na mesma época, sendo-lhe ainda vedado mudar o ramo de negócio.

Por se tratar de um centro comercial, onde existe um planejamento para que as lojas trabalhem de forma integrada, através de um mix de negócios e entretenimento, com ações de publicidade que atraem clientela, justifica-se que as locações em shopping centers tenham um tratamento legal diferenciado, com maior liberdade de contratar.

Entretanto, são assegurados aos lojistas os direitos provenientes da lei inquilinária, especialmente no tocante à a ação renovatória.

Não se pode confundir cláusulas atípicas com cláusula abusivas, que visam tolher os direitos dos inquilinos previstos em lei.

O § 1º do art. 54 elenca as despesas as quais o empreendedor não pode cobrar do locatário.

§ 1º O empreendedor não poderá cobrar do locatário em shopping center:

a) as despesas referidas nas alíneas a, b, e d do parágrafo único do artigo 22; e

b) as despesas com obras ou substituição de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite-se e obras de paisagismo nas partes de uso comum.

A alínea a do art. 22 a refere-se às obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel, o que é do interesse do empreendedor e se incorpora ao seu patrimônio.

Já a alínea b diz respeito, à pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas, considerando-se que os locatários não contribuem diretamente para o desgaste destas áreas, o que só se pode atribuir ao passar do tempo.

Por último, a alínea d, menciona as indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação.

Igualmente, são vedadas que se cobrem dos locatários as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite-se e obras de paisagismo nas partes de uso comum.

O parágrafo segundo do art. 54 determina que as despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe, exigir a comprovação das mesmas.


Da Locação Sob Encomenda -Built to Suit

O artigo 54-A da Lei 8.245/91, cuja redação foi dada pela Lei nº 12.744, de 2012, regula a locação conhecida como built to suit ou locação sob medida, ou ainda sob encomenda. O dispositivo está assim redigido:

Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.

Quando o locatário, pelas características do seu empreendimento, necessitar de um imóvel que seja construído ou mesmo adaptado às suas necessidades, poderá contratar a locação pelo sistema de encomenda, conhecido como built to suit.

Esta modalidade de contratação pressupõe investimentos de grande monta por parte do locador e, em contrapartida, o locatário se vincula a um contrato de longa duração.

A vantagem para o locatário é que o imóvel será construído ou adaptado atendendo às necessidades específicas de seu negócio, sem que tenha investir recursos na aquisição do terreno e construção do prédio. Assim, o locatário não terá que imobilizar seus recursos financeiros na aquisição do imóvel, podendo direcionar seus investimentos no seu próprio negócio.

Já para o locador, que muitas vezes é um investidor imobiliário, é possível obter uma rentabilidade acima do mercado, em relação ao montante investido, com a garantia de que o contrato perdurará por um longo período.

Cada vez mais nos deparamos com os contratos de locação sob medida, geralmente utilizados por grandes empresas ou até mesmos indústrias.

É de suma importância nos contratos built to suit que se realize uma prévia viabilidade econômica, a fim de equalizar o investimento realizado, com o valor da locação e a duração do contrato, assegurando que o locador recupere o capital investido e o inquilino consiga pagar o aluguel pactuado.

Justamente por demandar altos investimentos o prazo de tal modalidade contratual é muito longo, não sendo, na prática, inferior a 15 anos.

Trata-se de uma subespécie da locação não residencial.

Releva assinalar que a locação sob medida não se limita à construção nova, podendo ser aplicada nos casos em que haja necessidade de substancial reforma de imóveis já existentes.

Como exemplo, podemos mencionar as intervenções de retrofit, pelas quais os prédios mais antigos passam por um processo de revitalização, adaptando e modernizando suas estruturas, tornando-os mais seguros e confortáveis e atrativos ao mercado.

Como bem lembra Luiz Scavone, é comum, neste tipo de contrato, que, além do contratante (o locatário, que recebe o imóvel encomendado) e do contratado (o locador, que providencia a2038/2874 construção e cede o seu imóvel), esteja presente um terceiro, ou seja, uma companhia securitizadora de recebíveis.[18]

Muito fundos imobiliários são provenientes de grandes empreendimentos construídos nos moldes do contrato built to suit, pois conseguem auferir uma rentabilidade diferenciada aos investidores, através de contratos longevos.

Exatamente por se tratar de uma operação que envolve vultosos investimentos, a lei deu tratamento diferenciado às locações por encomenda.

Desta forma, há uma prevalência maior do princípio da autonomia da vontade nas locações built to suit, assim como ocorre nos nas locações de shopping centers. As partes têm mais autonomia para contratar, não podendo o contrato, no entanto, se desviar dos princípios da função social e da boa-fé objetiva.

O parágrafo primeiro do art. 54-A estabelece que:

§ 1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.

Como dissemos em linhas pretéritas, o investimento realizado pelo proprietário do imóvel/locador nos contratos por encomenda é altíssimo, o que justifica a renúncia ao direito revisional do valor locatício, preservando assim a equação econômica do contrato, a fim de que o investidor possa reaver o montante investido.

O retorno do investimento está atrelado ao binômio tempo e preço. Dizendo de outra forma: não basta que o contrato seja de longa duração, é preciso que o valor do aluguel seja condizente com o investimento realizado.

Evidentemente, a renúncia deverá derivar de uma cláusula consensual e não unilateral.

Tão importante é o respeito ao prazo contratual pelo locatário, que a lei impõe severa sanção em caso de denúncia antecipada da relação locatícia. Assim o parágrafo segundo o artigo ora comentado prevê que:

§ 2º Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.

Como se infere, a multa permitida em caso de denúncia antecipada pelo locatário é pesadíssima. E não poderia ser diferente, uma vez que o locador suportaria ingente prejuízo se o prazo do contrato não fosse respeitado, gerando inegável desequilíbrio contratual.

Imaginemos que uma determinada empresa contrate uma locação sob medida de um prédio para abrigar um centro de compras. O investidor adquire o imóvel e realiza a obra, conforme a necessidade do inquilino. O valor total do investimento alcança a cifra de R$ 20 milhões de reais. Ajusta-se o prazo do contrato em 20 (vinte) anos, com aluguel mensal de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais) mensais.

Ao final do 36º (trigésimo sexto) mês o locatário, de forma unilateral, resolve rescindir o contrato. Se a multa pela rescisão antecipada se circunscrevesse àquela prevista no art. 4º da lei inquilinária, haveria abissal prejuízo ao locador, que alocou milhões de reais, com a justa expectativa de reaver seu investimento ao longo do tempo.

Daí o acerto da lei em impor uma multa compensatória pela denúncia antecipada do contrato, englobando o valor equivalente à totalidade dos aluguéis vincendos, até o término do prazo ajustado.


Da Locação Para Utilização dos Sócios ou Funcionários

Quando a locação se destinar à utilização de sócios, gerentes, executivos ou empregado de uma pessoa jurídica será considerada para fins não residencial. É o que dispõe o artigo 55 da lei do inquilinato.

Desta forma, ao final do prazo contratual, ainda que inferior a 30 (trinta) meses, poderá o locador denunciar imotivadamente a locação.

Em tais locações, a utilização do imóvel está atrelada ao vínculo de seu ocupante com a empresa que figurará como locatária.

Neste sentido, entendemos que é perfeitamente possível à empresa locatária, no curso da relação locatícia, substituir o(s) ocupante(s) do imóvel, desde que com ela tenha o vínculo exigido pela lei.

Porém, o locador que queira evitar a rotatividade na ocupação do seu imóvel, deverá fazer constar do contrato o nome das pessoas que nele habitarão e condicionar sua continuidade à permanência de seus ocupantes indicados no contrato.


Da Extinção do Contrato Por Prazo Determinado.

O contrato de locação para fins não residenciais, celebrado por prazo determinado, cessa de pleno direito, uma vez verificado o seu termo final, independentemente de notificação ou aviso. É que está exarado no art. 56 da lei sub examine.[19]

Assim, ao término do prazo avençado poderá o locador denunciar o contrato, sem a necessidade de prévia notificação.

O parágrafo único do art. 56 diz que findo o prazo estipulado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação nas condições ajustadas, mas sem prazo determinado.

Portanto, o contrato se prorroga por prazo indeterminado, desde que o locador não se oponha à sua continuidade. Se assim ocorrer, o locador poderá, a qualquer tempo, denunciar a locação, sem que precise motivar a denúncia, devendo, obrigatoriamente, conceder 30 dias ao locatário para a desocupação voluntária.

Estando o contrato vigendo por prazo indeterminado, caso o locador deseja retomar o imóvel deverá conceder ao locatário o prazo de 30 dias para sua desocupação, consoante determina o art. 57.

Neste caso, expirado o prazo de 30 dias o locador poderá encetar ação de despejo em face do locatário.

A denúncia pode ser feita judicial ou extrajudicialmente, desde que por escrito, e de maneira inequívoca.


Sucessão na locação não residencial

Para tratarmos da sucessão nas locações não residenciais é necessário nos socorrermos do disposto no inciso II, do art. 11 da Lei 8.245/91, assim escrito:

Art. 11. Morrendo o locatário, ficarão sub - rogados nos seus direitos e obrigações:

(...)

II - nas locações com finalidade não residencial, o espólio e, se for o caso, seu sucessor no negócio.

Infere-se daí que a sub-rogação se opera em favor do espólio do locatário, e, se for o caso, do seu sucessor no negócio.

Falecendo a pessoa natura, que ocupava na relação contratual a posição de locatário, o espólio ocupará o seu lugar na relação locatícia, sendo representado pelo inventariante (em juízo ou fora dele).

Realizada a partilha, ao herdeiro que coube o negócio será o sucessor da locação.

No caso das empresas individuais de responsabilidade limitada ou nas unipessoais, encerra-se o contrato com a morte do único sócio/locatário.

Na maioria das locações não residenciais os locatários são sociedades por ações, ou por cotas de responsabilidade limitada, não havendo maior dificuldade na eventualidade da morte de um dos sócios.


A revisão dos aluguéis na locação não residencial

O artigo 19 da lei inquilinária permite às partes, nas locações não residenciais, ingressar com a ação revisional após os primeiros três anos do contrato.

Objetivo da lei é manter o equilíbrio econômico do contrato, a fim de que uma das partes não seja demasiadamente prejudicada em razão da defasagem ou majoração exageradas no valor locatício.

É bem verdade que, com a estabilização da inflação, desde os idos do Plano Real, ocorreu uma mitigação de tais disparidades e, por consequência uma diminuição na interposição de tais ações.

Interessante notar que a jurisprudência firmou posição no sentido vedar a ação revisional, deflagrada no triênio seguinte à realização de anterior acordo para majoração do aluguel. Neste sentido:

Hipótese em que o locador ajuizou ação revisional dentro de três anos do acordo de majoração de aluguel realizado com o locatário. A orientação predominante nesta Corte é no sentido da impossibilidade de se propor lide revisional nos três anos posteriores a acordo de majoração de aluguel firmado entre locador e locatário, nos termos do art. 19 da Lei 8.245/91, independentemente se o novo valor alcançou ou não o patamar de Mercado. (STJ - REsp 264.556/RJ, da 6ª Turma, do qual foi Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, publicado no DJ de 19-05-2008)

Entendia o Prof. Sylvio Capanema que: No sentido inverso, se o acordo tiver como objetivo a redução do aluguel, o que atualmente não é raro, pensamos que, por analogia, a partir daí se contará o triênio para a ação revisional.[20]


Não incidência da Código de Defesa do Consumidor nos Contratos de Locação

Há quem defenda a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas locações intermediadas por empresas imobiliárias, sob o argumento de que os contratos por elas redigidos são de adesão[21], não sendo possível aos locatários discutir suas cláusulas.

Com todo o respeito a quem defende tal argumento, discordamos veementemente.

Primeiro porque a prática demonstra que são corriqueiras as alterações solicitadas perante as imobiliárias em suas minutas, sejam provenientes dos locatários, sejam dos locadores.

Segundo porque a empresa imobiliária não é a locadora e sim mera intermediadora ou, quando muito, mandatária do locador. Portanto, o imóvel não lhe pertence, não podendo ser considerado como produto.

E terceiro por que as locações de imóveis urbanos são reguladas por lei própria (Lei 8.245/91).

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já sedimentou entendimento neste sentido:

CIVIL. LOCAÇÃO. EXONERAÇÃO DA FIANÇA. RENÚNCIA EXPRESSA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 1500 DO CÓDIGO CIVIL. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE.- Consoante iterativos julgados desse Tribunal, as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor não são aplicáveis ao contrato de locação predial urbana, que se regula por legislação própria - Lei 8.245/91.- A Jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que é válida a renúncia expressa ao direito de exoneração da fiança, mesmo que o contrato de locação tenha sido prorrogado por tempo indefinido, vez que a faculdade prevista no artigo 1500 do Código Civil trata-se de direito puramente privado. - Recurso especial não conhecido. (STJ 6ª Turma Resp 280577/ SP RECURSO ESPECIAL 2000/0099891-5 Relator Ministro VICENTE LEAL Data do Julgamento 26/03/2001


Conclusões

O contrato de locação não residencial envolve uma complexidade maior, se comparado às demais espécies de locações tuteladas pela Lei 8.245/91. E tal ocorre pela necessidade de se garantir proteção à atividade empresarial, ao fundo de comércio e à indústria.

Como corolário de tais peculiaridades, a lei se tutela a questão da renovação contratual no âmbito das locações não residenciais, a possibilidade de revisão dos valores inicialmente ajustados, a utilização dos imóveis pelos sócios, executivos e funcionários das empresas, além da a questão sucessória.

Como sub espécie das locações não residenciais e de grande importância econômica, nos deparamos com os contratos atípicos de locação, como os espaços em shopping centers e as denominadas locações por encomenda (built to suit).

Tratam-se de temas de grande relevância prática, pois permeiam o dia a dia de nosso cotidiano, fazendo parte importante de nossa economia.

Cabem aos operadores do direito se debruçarem com mais profundidade nesta importante seara contratual.


Bibliografia:

Souza, Sylvio Capanema de. Lei do Inquilinato Comentada. Forense. Edição do Kindle.

Sacavone Jr., Luis Antônio Direito Imobiliário Teoria e Prática Ed. Forense 9ª edição

Diniz, Maria Helena Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada, Ed. Saraiva, 8ª edição

Diniz, Maria Helena Código Civil Anotado, (p.166), Ed. Saraiva, 17ª edição

Diniz, Maria Helena Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Ed. Saraiva, 2ª edição

Medeiros Garcia Leonardo de., Código de Defesa do Consumidor Comentado Juspodivm 13ª Edição


  1. Souza, Sylvio Capanema de Lei do Inquilinato Comentada, (p. 10), Ed. Forense. Edição do Kindle.
  2. Diniz, Maria Helena Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada, (p.3), Ed. Saraiva, 8ª edição
  3. Sacavone Jr., Luis Antônio Direito Imobiliário Teoria e Prática (p. 1.941), Ed. Forense 9ª edição
  4. Locação. Imóvel urbano. Locação para fins agrícolas. A classificação dos imóveis em rústicos e urbanos leva em conta a destinação e não a localização, mas pode o município, na zona urbana, limitar o seu uso. Finalidade vedada. Contrato nulo. Pedidos prejudicados. Recurso não conhecido. TJSP. Apelação com Revisão 921177008 Relator: Nestor Duarte Comarca: Boituva 34ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento:26.09.2007.
  5. Diniz, Maria Helena Código Civil Anotado, (p.166), Ed. Saraiva, 17ª edição
  6. Sylvio Capanema de. Lei do Inquilinato Comentada (p. 240). Forense. Edição do Kindle.
  7. Sylvio Capanema de. Lei do Inquilinato Comentada (p. 242). Forense. Edição do Kindle.
  8. STJ - no REsp 1323410/MG; REsp 962.945/MG
  9. - Art. 51 § 1º: O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel o direito à renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário.
  10. Código Civil Art. 1.143
  11. Diniz, Maria Helena Código Civil Anotado, (p.862), Ed. Saraiva, 17ª edição
  12. Sylvio Capanema de. Lei do Inquilinato Comentada (p. 245). Forense. Edição do Kindle
  13. Sylvio Capanema de. Lei do Inquilinato Comentada (p. 248). Forense. Edição do Kindle
  14. Diniz, Maria Helena Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada, (p.234), Ed. Saraiva, 8ª edição
  15. - Art. 52, II § 3º - O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar.
  16. Súmula 181 - Na retomada, para construção mais útil de imóvel sujeito ao Decreto 24.150, de 20-4-1934, é sempre devida indenização para despesas de mudança do locatário. Súmula 444 - Na retomada para construção mais útil, de imóvel sujeito ao D. 24.150, de 20.4.34, a indenização se limita às despesas de mudança. 
  17. Souza, Sylvio Capanema de. Lei do Inquilinato Comentada (p. 66). Forense. Edição do Kindle.
  18. Sacavone Jr., Luis Antônio Direito Imobiliário Teoria e Prática (p. 2.038), Ed. Forense 9ª edição
  19. Art. 56. Nos demais casos de locação não residencial, o contrato por prazo determinado, cessa, de pleno direito, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso.
  20. Souza, Sylvio Capanema de. Lei do Inquilinato Comentada (p. 119). Forense. Edição do Kindle.
  21. Medeiros Garcia Leonardo de., in Código de Defesa do Consumidor Comentado Juspodivm 13ª Edição (p. 43)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Rodrigo Otávio Coelho de. Contrato de locação não residencial e suas nuances. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6890, 13 maio 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97303. Acesso em: 2 maio 2024.