Processo nº 1015017-54.2013.8.26.0309
Analisando caso de atraso na entrega de imóvel na planta por culpa exclusiva da incorporadora MRV, a 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, de relatoria do Desembargador Edson Luiz de Queiroz, em 11 de fevereiro de 2015, ponderou que foi a incorporadora quem atrasou a entrega do empreendimento, motivo pelo qual deve arcar com todos os danos gerados ao comprador.
Uma observação para este caso: a íntegra do acórdão possui nada menos do que 13 páginas, chamando a atenção do leitor para o número relevante de citações jurisprudenciais no tocante à responsabilidade da incorporadora para a restituição de valores indevidamente pagos pelo comprador a título de suposta comissão de corretagem e taxa SATI. Vale a leitura.
Sobre a legitimidade da incorporadora para a restituição das comissões de corretagem e taxa SATI no valor de R$ 3.372,00, o Tribunal ponderou que era de se: “reconhecer a legitimidade ad causam da MRV para responder pelo reembolso das verbas de assessoria. A ré é a vendedora do imóvel e, nessa condição, é responsável pela cobrança dos serviços de corretagem e SATI, bem como daqueles relacionados à taxa de obra. O fato dos pagamentos haverem sido efetuados especificamente a uma ou outra pessoa jurídica não é hábil a retirar da ré sua legitimidade passiva para a lide.”.
Sobre a suposta ocorrência de prescrição de 3 anos para o comprador solicitar judicialmente o reembolso das comissões de corretagem e taxa SATI, o Desembargador Relator rejeitou o argumento da incorporadora e afirmou que o prazo para esse pedido somente prescreve em 10 anos, nos seguintes termos:
“Em nenhum momento a r. sentença aplicou a prescrição, porém, mesmo que assim não fosse, de fato, não se ajusta à hipótese a aplicação do artigo 206, § 3º, inciso IV, do Código Civil. Isto porque, o pedido de restituição das verbas relativas à comissão de corretagem e SATI cobradas pela ré não se confunde com o enriquecimento sem causa. O que ocorre, na verdade, é a abusividade da cobrança dessas taxas do consumidor, tornando-as, por consequência, indevidas. O pedido inicial se funda no artigo 51, inciso IV, CDC, dispositivo específico para regular a relação jurídica em debate, prevendo a nulidade das cláusulas consideradas abusivas. Ademais, as disposições referentes à prescrição são normas restritivas de direito e, como tal, não podem ser interpretadas por analogia ou ampliativamente. Por isso, não há que se aplicar o disposto no artigo 206, § 3º, inciso IV, do Código Civil, mas, a regra geral do artigo 205, do mesmo Código, cujo prazo prescricional é de 10 anos.”.
No tocante ao cabimento da incorporadora, originariamente, ser a responsável pelo pagamento das comissões de corretagem e taxa SATI, o Desembargador Relator afirmou:
“É plenamente cabível a restituição das taxas de corretagem e SATI. Primeiramente, temos que é questionável a existência de corretagem no presente caso. A principal função do corretor é a aproximação das partes. É a busca por interessados na concretização do negócio. Não foi o que ocorreu no presente caso. É fato incontroverso que o comprador se dirigiu espontaneamente ao ponto de venda do imóvel. Nesse passo, a aproximação das partes não foi intermediada, não havendo que se falar em taxa de corretagem. De qualquer forma, ainda que se entenda pela efetiva prestação de serviço de corretagem, os vendedores-corretores foram contratados pela empresa ré, cabendo a ela arcar com os respectivos custos Portanto, mesmo que houvesse corretor no stand de vendas, estaria ele ligado à ré, agindo no interesse da fornecedora. A remuneração de eventual corretor deve ser paga por quem o contratou.
Vale ressaltar que, no presente caso, trata-se de relação de consumo, estabelecida por contrato de adesão, em que não houve possibilidade de alteração de suas cláusulas pelo consumidor. Impor ao consumidor os custos de corretagem, no momento da contratação de compra e venda de imóvel, é prática que fere o direito de escolha e cerceia a liberdade. Assim, as verbas cobradas a título de corretagem violam o Código de Defesa do Consumidor, por abusividade.
A conduta adotada pela ré também fere o princípio da boa-fé objetiva na forma do art. 4º, inciso III, da Lei 8.078/90. A mera declaração-padrão constante no contrato, no sentido de que os serviços de corretagem e SATI foram prestados, não constitui prova suficiente da contratação espontânea do serviço. O contrato é de adesão, não houve possibilidade de alteração de suas cláusulas pelo consumidor. Feitas tais considerações, impõe-se a manutenção da r. sentença para que sejam restituídos ao autor, os valores de fls. 134/135, indevidamente pagos, de forma simples.”.
Sobre o atraso na entrega do imóvel e a responsabilização da incorporadora no pagamento de indenização por lucros cessantes ATÉ A EFETIVA ENTREGA DO IMÓVEL AO COMPRADOR, ponderou o Relator através da seguinte fundamentação:
“Não é cabível a fixação de prazos distintos para entrega da obra. A regra geral é que o prazo para entrega de imóvel seja o mesmo para todos, não importando se o pagamento é à vista, ou por financiamento imobiliário. No presente caso, a mora do vendedor é incontroversa, uma vez que como data para entrega das chaves deve ser considerado maio de 2013, já contado o prazo de tolerância de 180 dias.
Assim, são devidos os danos materiais, em razão do atraso na entrega do imóvel, pois corresponde ao que o autor deixou de auferir, caso o imóvel lhe tivesse sido entregue no prazo. A indenização deve ser fixada no valor equivalente a 0,5% por mês de atraso, do valor total do imóvel lançado no contrato. A fixação de um valor locatício, não implica em enriquecimento indevido, mas tão somente na mera adoção de uma forma de reparar as perdas econômicas do autor. A indenização é devida a partir de junho de 2013 até a efetiva entrega do imóvel ao autor. Saliente-se que não basta a mera concessão do "habite-se" para considerar cumprida a obrigação do vendedor, sendo imprescindível que a unidade tenha sido colocada à disposição do comprador.”.
Sobre a exigibilidade de multa contratual, o Desembargador afirmou que:
“Também deve ser aplicada a multa moratória à ré, devido ao atraso no cumprimento das suas obrigações, em obediência aos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual, pois há previsão expressa na cláusula 4.2 do contrato. Ante os princípios da equivalência e da paridade, referida estipulação também abrange as obrigações descumpridas pelo vendedor.”.
E sobre a taxa de evolução de obra, também chamada JUROS DE MEDIÇÃO, o Desembargador Relator determinou objetivamente o seguinte:
“A culpa da ré pela demora na entrega da obra é incontroversa. Nessas condições, o autor não deve responder pela mora da construtora, sendo correta a devolução da taxa de evolução da obra, vez que se trata de taxa composta na verdade pelos juros cobrados pelos Bancos das Construtoras, cujo valor é repassado indevidamente ao comprador.”.
Quanto à clara ocorrência de DANOS MORAIS ao comprador pelo período de atraso na entrega do imóvel, o Relator foi categórico ao afirmar sua presença:
“No que diz respeito aos danos morais, inegável sua ocorrência. Houve ofensa a um bem juridicamente tutelado, de caráter extrapatrimonial. A moderna definição de dano é a de ofensa a um bem juridicamente tutelado, que pode ter, ou não, caráter patrimonial. No caso do autor, o atraso extrapolou o mero dissabor decorrente do inadimplemento contratual.
A situação de incerteza porque passou o autor supera em muito os meros dissabores do dia a dia, pequenos aborrecimentos do cotidiano, mormente porque afeta o direito fundamental à moradia, coloca em risco investimentos de toda uma vida e a segurança patrimonial da família.
Cabe ao juízo, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano na vida do autor e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia consentânea aos fatos ocorridos.
Dito isto, os danos morais devem ser fixados em R$10.000,00 (dez mil reais), corrigidos a partir desse arbitramento e juros de mora de 1% a contar da citação.”.
Ao final, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a incorporadora por atraso na entrega de imóvel na planta nos seguintes pontos:
a) indenização por lucros cessantes no equivalente a 0,5% sobre o valor do imóvel por cada mês de atraso até a efetiva entrega das chaves ao comprador;
b) multa contratual de 2% sobre o valor do imóvel até a efetiva entrega das chaves ao comprador;
c) indenização por danos morais arbitrada em R$ 10.000,00;
d) restituição das comissões de corretagem e taxa SATI no valor de R$ 3.772,00; e
e) restituição dos juros de medição de obra desde o primeiro mês de atraso até o mês da efetiva entrega do imóvel ao comprador.
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (Especialista em Direito Imobiliário)