De: Sergio Ricardo do Amaral Gurgel
Para: XXXXXXXXX
CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA EM CONTINUIDADE DELITIVA, FRAUDE À LICITAÇÃO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. HABEAS CORPUS IMPETRADO PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PEDIDO DE LIMINAR DENEGADO.
I- Relatório.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, figura como réu no processo criminal n.º XXXXXXXXXXXXXXXX, que tramita perante a XXXXXXXXXXXXXX, incurso nos crimes de Corrupção Passiva (art. 317, na forma do art. 71 do Código Penal), Fraude À Licitação (Art. 90 da Lei 8.666/93) e Organização Criminosa (art. 2º,§ 4º, II, da Lei 12.850/13).
Segundo o Ministério Público, o acusado liderou uma organização criminosa composta por diversos servidores públicos a ele subordinados, entre os quais XXXXXXXXXXXXXXXX, no período em que ocupou o cargo de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX. A atividade da organização consistia na solicitação de vantagem indevida a fim de favorecer determinadas empreiteiras mediante fraude aos procedimentos licitatórios.
A tese da acusação é baseada em indícios revelados por meio de depoimento de testemunhas, documentos e interceptação das comunicações telefônicas, resultados de uma megaoperação deflagrada pela polícia civil no dia XXXXXX do corrente ano, que ficou conhecida como XXXXXXXXXXXXXX. Apesar do vasto conjunto probatório, o que se apresenta como de grande relevância para o Ministério Público é o depoimento da testemunha XXXXXXXXXXXX, que relata em detalhes o modus operandi da suposta organização criminosa.
Nesse contexto, o Parquet representou pela prisão preventiva, que foi decretada pelo juiz da causa e mantida pelo Tribunal, sob o fundamento de que a custódia cautelar impediria a reiteração criminosa - considerando que o réu continuava a exercer grande influência política, não obstante a sua exoneração do cargo - a destruição de provas e uma possível evasão. Em defesa, foi impetrado habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, no qual o pedido de liminar para a soltura imediata do paciente foi negado pelo Ministro XXXXXXXXXXX. Quanto ao mérito, que se encontra pendente de julgamento, está sendo pleiteada a concessão da ordem com o reconhecimento do vício que contamina toda a instrução criminal, em razão da violação às regras de competência referentes ao foro por prerrogativa de função, bem como a ausência de fundamentação legal para a decretação da constrição cautelar.
Na mesma linha da ação autônoma de impugnação, o processo principal segue seu trâmite normal com audiências designadas para os dias XXXXXXXXXXX. Enquanto isso, o réu continua preso preventivamente.
II- Conclusão.
A situação processual do acusado é grave. As penas dos crimes que lhe são imputados, quando somadas, podem se aproximar dos 30 anos de reclusão, limite de cumprimento de pena estabelecido pela legislação pátria. Entretanto, é possível vislumbrar uma série de medidas que podem ser tomadas com o fim de lhe garantir o direito de responder ao processo em liberdade para, ao final, alcançar a absolvição, frustrando assim a pretensão punitiva estatal.
Embora o envolvimento em organização criminosa, principalmente na condição de líder, crie um ambiente bastante propício para a prisão preventiva, o fato é que os argumentos que serviram de justificativa para a segregação não se coadunam com os princípios fundamentais para a sua decretação. Por diversas vezes os tribunais invocaram o risco da liberdade em razão da mera possibilidade do réu se dedicar a prática de mais crimes, criar entraves à instrução criminal e até mesmo evadir-se do distrito da culpa. É pacífico o entendimento de que a constrição cautelar deve se basear em elementos fáticos capazes de gerar um fundado receio de que o réu venha se valer da liberdade para cometer crimes, obstruir a colheita da prova ou empreender fuga. Logo, é imprescindível que o magistrado demonstre a necessidade da medida cautelar extrema com base em evidências e não vidência. Sem elementos concretos que possam esclarecer os motivos que a ensejaram, a prisão é tão injusta quanto arbitrária. E como se não bastasse a ausência dos requisitos legais para a sua decretação, na decisão proferida em segunda instância, o Tribunal vislumbra não apenas um caráter preventivo da prisão preventiva, mas também repressivo, o que não se mostra compatível aos preceitos da Convenção Americana dos Direitos Humanos, no qual o Brasil é signatário.
No mérito, a defesa deve negar o envolvimento de XXXXXXXXXXXXXXXX em qualquer das atividades criminosas descritas na inicial. Nesse sentido é fundamental insurgir contra o depoimento da testemunhaXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, principal prova colhida pelo Ministério Público e que vem servindo de pilar para toda a tese acusatória. A busca por contradições nos depoimentos prestados pela testemunha acima referida e pelo corréu XXXXXXXXXXXXXXXXX mostra-se, igualmente, de suma importância para colocar em dúvida a veracidade dos relatos, principalmente em relação a uma suposta hierarquia e estabilidade da discutida organização criminosa.
Com o mesmo afinco, é preciso analisar com profundidade os autos da interceptação das comunicações telefônicas para se avaliar as circunstâncias que ensejaram a sua decretação, e verificar a presença de algum vício que possa comprometer sua validade como meio de prova, o que não é raro de ocorrer na execução desse tipo de diligência.
A imputação quanto ao crime de corrupção passiva, se baseada apenas em depoimentos, sem comprovação do enriquecimento ilícito, fica bastante fragilizada. Além do mais, no próprio habeas corpus é dito, reiteradamente, que o acusado XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX sequer agia diretamente nas negociações com as empreiteiras, mas sim por intermédio de servidores subordinados. O crime de fraude à licitação, que precisa guardar uma relação de causalidade com o delito em comento, demanda maior esforço ainda por parte da acusação no sentido de se produzir a prova, pois somente por intermédio de uma análise técnica de diversos documentos, poderá servir para o convencimento do juiz.
Em apertada síntese, é o parecer.
Rio de Janeiro, 02 de novembro de 2016.
SERGIO RICARDO DO AMARAL GURGEL
OAB/RJ 90.413