EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Feito: Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar inaudita altera pars.
Autor: (...)
O (...), partido político com representação no Congresso Nacional, registrado na forma da lei e no Tribunal Superior Eleitoral, com sede e foro em Brasília – DF, no Senado Federal, (...), devidamente representado por seus advogados infra-assinados, vem respeitosamente, com fundamento nas alíneas “a” e “p” do inciso I do art. 102 c/c o inciso VIII do art. 103, todos da Constituição Federal, bem como na Lei no 9.868, de 1999, propor a presente
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR INAUDITA ALTERA PARS,
contra o Decreto Estadual no 39.459, de 5 de junho de 2013, do Governador do Estado de Pernambuco, que dispõe sobre o recolhimento do ICMS relativo ao montante da subvenção econômica recebida em decorrência da concessão de descontos incidentes sobre a tarifa de energia elétrica fixado no Decreto no 7.891, de 23 de janeiro de 2013, da Presidência da República, que regulamenta a Lei no 12.783, de 2013, que dispõe sobre as concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, sobre a redução dos encargos setoriais e sobre a modicidade tarifária, e a Medida Provisória nº 605, de 23 de janeiro de 2013, que altera a Lei no 10.438, de 2002, por infringência do disposto nos incisos I, III, alínea “a”, do art. 150 e o inciso II do caput e §3o do art. 155, todos da Constituição Federal, pelas razões a seguir expostas.
DA LEGITIMIDADE
O AUTOR é partido político regularmente constituído e devidamente registrado no Tribunal Superior Eleitoral com representação no Congresso Nacional. Assim, conforme disposto no inciso VIII do art. 103 da Constituição Federal e inciso VIII do art. 2o da Lei no 9.868, de 1999, o AUTOR possui legitimidade para propor a presente ação direta de inconstitucionalidade.
DOS FATOS
Em razão da edição da Medida Provisória (MPV) no 579, de 11 de setembro de 2012, convertida na Lei no 12.783, de 2013, e da Medida Provisória (MPV) no 605, de 23 de janeiro de 2013, regulamentada pelo Decreto no 7.891, de 23 de janeiro de 2013, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) fixou, a partir de 24/1/2013, novas tarifas de energia elétrica que eram inferiores às tarifas anteriormente praticadas pelas concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica. O efeito médio dessa redução foi de 20,2%. Para os consumidores residenciais a redução mínima foi de 18% e para os consumidores de alta tensão o desconto chegou a 32%.
O efeito dessa redução é estrutural, ou seja, promoveu-se uma mudança permanente no nível das tarifas, pois foram retirados definitivamente custos que compunham a estrutura tarifária anterior.
Com a edição da MPV 579, convertida na Lei no 12.783, de 2013, foram alterados os objetivos e a origem da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo setorial criado pela Lei no 10.438, de 2002, recolhido mensalmente nas contas de luz.
A CDE tem, dentre outras, a destinação de garantir recursos para atendimento à subvenção econômica destinada a custear descontos na tarifa de fornecimento de energia elétrica aos consumidores finais integrantes da Subclasse Residencial Baixa Renda.
A MPV 579 previu que a CDE deveria também prover os recursos necessários aos dispêndios da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), a que se refere à Lei no 12.111, de 2009, e prover recursos para permitir a amortização de operações financeiras vinculadas à indenização por ocasião da reversão de concessões ou para atender a finalidade de modicidade tarifária.
Posteriormente foi editada a MPV 605, regulamentada pelo Decreto no 7.891, de 2013, que adicionou à CDE as funções de prover recursos para compensar:
- descontos aplicados nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição e nas tarifas de energia elétrica; e
- o efeito da não adesão à prorrogação das concessões de geração de energia elétrica com vistas a assegurar o equilíbrio da redução das tarifas das concessionárias de distribuição, de que trata o § 2o do art. 1o da Lei no 12.783, de 2013.
No tocante a origem dos recursos, a MPV 605 previu que fossem adicionadas à CDE, além das fontes até então previstas, fontes provenientes do Tesouro Nacional e de recursos de outro encargo setorial denominado Reserva Geral de Reversão (RGR).
Conforme os arts. 17 e 18 da Lei no 12.783, de 2013, a destinação de créditos da União na CDE está vinculada à aquisição de créditos que a Centrais Elétricas Brasileiras S/A – ELETROBRAS – detém junto a Itaipu Binacional. Adicionalmente, o art. 20 da mesma Lei introduziu a possibilidade de contratação de operações de crédito pela CDE visando à cobertura de eventuais déficits operacionais decorrentes de indenizações aos concessionários de energia elétrica ou para atender à finalidade de modicidade tarifária.
Quanto ao valor das quotas anuais da CDE, o novo arcabouço legal alterou a sua forma de cálculo. Deixaram de estar atreladas à inflação e ao crescimento de mercado, passando a serem apuradas com base na diferença entre a necessidade de recursos e a arrecadação proporcionada pelas demais fontes.
A MPV 605, regulamentada pelo Decreto no 7.891, de 2013, criou uma subvenção econômica a ser custeada com recursos da CDE para garantir o equilíbrio na redução tarifária. O Decreto no 7.891, de 2013, especificou quais os descontos seriam custeados pela CDE. Nesse mesmo decreto foi estipulado que a ANEEL deveria realizar uma revisão tarifária extraordinária para refletir nas tarifas a redução dos custos de geração, transmissão e distribuição.
Cumpre ressaltar que o fornecimento de energia elétrica é um serviço público de natureza federal e que a competência para a definição das tarifas cobradas pelas concessionárias é da ANEEL, conforme alínea “b” do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal.
O Decreto no 7.805, de 14 de setembro de 2012, que regulamentou a MPV 579, convertida na Lei no 12.783, de 2013, estabeleceu a competência da ANEEL para realizar, até 5/2/2013, a revisão extraordinária das tarifas de distribuição contemplando:
- a alocação de cotas de energia, resultantes das geradoras com concessão renovadas, a um preço médio de R$ 32,81/MWh;
- a redução dos custos de transmissão;
- a redução dos encargos setoriais;
- a retirada de subsídios da estrutura da tarifa, com aporte direto do Tesouro Nacional.
Em razão disso, a ANEEL aprovou, em 24/1/2013, uma Revisão Tarifária Extraordinária para alterar a estrutura de cálculo e reduzir a tarifa de energia elétrica, em razão das alterações legais suso mencionadas.
Destaque-se que as normas regulatórias permitem à ANEEL realizar três procedimentos para revisar a tarifa de energia elétrica, a saber:
Revisão Tarifária Periódica - revisão ordinária, prevista nos contratos de concessão, realizada a cada quatro anos, considerando-se as alterações na estrutura de custos e de mercado da distribuidora, os níveis de tarifas observados em empresas similares, no contexto nacional e internacional, e os estímulos à eficiência e à modicidade tarifária.[1]
Reposicionamento Tarifário – redefinição, a qualquer tempo, do valor da Receita Anual Permitida em nível compatível com o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão;[2]
Revisão Tarifaria Extraordinária - revisão extraordinária prevista nos contratos de concessão, a ser realizada em qualquer tempo, para ajustar as tarifas a alterações na estrutura de custos de forma a restabelecer o econômico-financeiro dos contratos de concessão, sempre que houver criação, alteração ou extinção de tributos ou encargos legais.[3]
No Diário Oficial de 24/1/2013 foram publicados os atos que reduziram a tarifa das 64 concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica. Dentre essas, a ANEEL publicou a Resolução Homologatória no 1.418, de 24 de janeiro de 2013, que homologou as Tarifas de Energia – Tes – e as Tarifas de Uso dos Sistemas de Distribuição - TUSDs – e estabelece a revisão das receitas das instalações de conexão referentes à Companhia Energética de Pernambuco – Celpe – e dá outras providências, verbis:
“Art. 1° Homologar o resultado da revisão tarifária extraordinária de 2013 da Companhia Energética de Pernambuco - Celpe, a ser aplicado de acordo com as condições estabelecidas nesta Resolução.
Art. 2° As tarifas constantes do Anexo I, que contemplam a revisão tarifária extraordinária e os componentes financeiros pertinentes definidos no processo nº 48500.004776/2011-55, estarão em vigor no período de 24 de janeiro de 2013 a 28 de abril de 2013.
Art. 3° As tarifas constantes do Anexo II contemplam somente o reajuste tarifário anual econômico e deverão constituir a base de cálculos tarifários subsequentes.”
A ANEEL reduziu a tarifa residencial da CELPE em 18,4%, que passou de R$ 361,32/MWh para R$ 296,15/MWh. A nova tarifa incorporou as alterações na estrutura de custos, restabeleceu o equilíbrio econômico-financeiro da concessão e assegurou à Distribuidora receita suficiente para cobrir custos operacionais eficientes e remunerar investimentos necessários para expandir a capacidade e garantir o atendimento.
A tarifa residencial da CELPE passou a ser a seguinte:
Instrumento Legal |
Valor da Tarifa/MWh |
Resolução Homologatória 1.283, de 27/4/2012 |
R$ 361,32 |
Resolução Homologatória 1.418, de 24/1/ 2013 Revisão Tarifária Extraordinária |
R$ 296,15 |
Sobre a nova tarifa residencial de R$ 296,15/MWh vinha incidindo regularmente o ICMS, na forma da Lei Estadual no 10.259, de 1989, que regulamenta o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação no Estado de Pernambuco. Até a edição do Decreto Estadual no 39.459, de 2013, a base de cálculo do ICMS era o novel preço público fixado pela ANEEL.
Em 5/6/2013, o Governador do Estado de Pernambuco, editou o Decreto Estadual no 39.459, que dispõe sobre o recolhimento do ICMS relativo ao montante da subvenção econômica recebida em decorrência da concessão de descontos incidentes sobre a tarifa de energia elétrica fixado no Decreto no 7.891, de 23 de janeiro de 2013, da Presidência da República, que regulamenta a Lei no 12.783, de 2013, verbis:
“Art. 1º A apuração e o recolhimento do ICMS devido, relativo aos valores recebidos do Governo Federal pelas distribuidoras de energia elétrica, a título de subvenção, para custear os descontos incidentes sobre as tarifas de energia elétrica aplicáveis aos usuários referidos no artigo 1º do Decreto Federal nº 7.891, de 23 de janeiro de 2013, são realizados nos termos deste Decreto.
Art. 2º Para fins de apuração do ICMS devido, a distribuidora de energia elétrica deve adotar, em cada período fiscal, o seguinte procedimento:
I - determinar o percentual de fornecimento de energia elétrica faturado com tributação, que é calculado dividindo-se o valor do fornecimento da referida energia pelo valor total do fornecimento de energia elétrica faturado no período fiscal;
II - aplicar o percentual obtido nos termos do inciso I sobre o valor da subvenção recebida no mencionado período;
III - sobre o valor encontrado na forma do inciso II, aplicar a alíquota prevista para o fornecimento de energia elétrica, observada a exigência de que o montante do próprio imposto deve integrar a sua base de cálculo, nos termos da legislação; e
IV - escriturar, no Registro de Apuração do ICMS - RAICMS, no quadro “Outros Débitos”, o valor calculado na forma do inciso III, bem como, no campo destinado ao respectivo detalhamento, as seguintes informações:
“Subvenção Energia Elétrica - Decreto nº ......../2013”; e
valor das saídas tributadas de energia elétrica, valor total das saídas de energia elétrica e valor da subvenção recebida no período fiscal.
Art. 3º O imposto calculado na forma do art. 2º deve ser recolhido em Documento de Arrecadação Estadual - DAE específico, sob o código de receita 005-1, até o dia 15 do mês subsequente ao da apuração do imposto.
Parágrafo único. Relativamente aos períodos fiscais de janeiro a maio de 2013:
I - o recolhimento do imposto devido pode ser efetuado, sem quaisquer acréscimos, até o dia 15 de junho de 2013; e
II - os lançamentos previstos no inciso IV do caput do art. 2º devem ser efetuados no período fiscal de maio de 2013.
Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data da sua publicação, retroagindo seus efeitos a 24 de janeiro de 2013.” (grifos nossos)
Como se observa, o Decreto Estadual no 39.459, de 2013, determinou a ampliação da base de cálculo do ICMS para incluir o valor correspondente ao montante recebido pela CELPE a título de subvenção econômica. Instituída pelo Decreto Federal no 7.891, de 2013. Com isso, o ICMS deixou de ser calculado sobre o valor da tarifa residencial fixada pela ANEEL de R$296,15/MWh e passou a ser calculada sobre um valor fictício estabelecido pelo Governo do Estado de Pernambuco.
Ao assim agir o Governo do Estado de Pernambuco está comprometendo o esforço do governo federal para reduzir as tarifas de energia elétrica e está penalizando a população pernambucana com o aumento da conta de luz, em especial a parcela de menor poder aquisitivo.
Do cabimento de ADI contra o Decreto Estadual no 39.459/2013
Está sedimentado na jurisprudência do STF que o ato passível de ser examinado pela Corte Suprema quanto à sua constitucionalidade deve, além da autonomia jurídica da deliberação estatal, possuir coeficiente de generalidade abstrata e de impessoalidade.
No julgamento da ADI 643[4], o STF pontificou que o controle concentrado de constitucionalidade tem uma só finalidade, qual seja: propiciar o julgamento, em tese, da validade de um ato estatal de conteúdo normativo, em face da Constituição, viabilizando, assim, a defesa objetiva da ordem constitucional.
Para tanto, a Corte ressaltou que não se tipificam como normativos os atos estatais desvestidos de abstração, generalidade e impessoalidade, não importando a forma. Esse mesmo entendimento foi reiterado no julgamento da ADI 842[5], quando o Plenário do STF reafirmou que o objeto “do controle normativo abstrato, perante a Suprema Corte, são, em nosso sistema de direito positivo, exclusivamente, os atos normativos federais, distritais ou estaduais. Refogem a essa jurisdição excepcional de controle os atos materialmente administrativos, ainda que incorporados ao texto de lei formal”.
No julgamento da ADI 1937 MC-QO, a Corte reafirmou que, conforme a jurisprudência do STF, só constitui ato normativo idôneo a submeter-se ao controle abstrato da ação direta aquele dotado de um coeficiente mínimo de abstração ou, pelo menos, de generalidade. Também no julgamento da ADI 2.321-MC/DF[6] o STF decidiu que a abstração, a generalidade, a autonomia e a impessoalidade “qualificam-se como requisitos essenciais que conferem, ao ato estatal, a necessária aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou de condutas individuais.” No mesmo sentido examine-se a ADI 2.195/MT[7].
O Decreto Estadual no 39.459, de 2013, demonstra possuir caráter normativo abstrato-autônomo ao ampliar a base de cálculo do ICMS, para tornar o tributo mais oneroso, usurpando a competência da lei em sentido formal e material exigida pela Constituição Federal.
O STF já conheceu e julgou várias ADIs contra Decretos Estaduais que introduziram normas autônomas no regramento do ICMS. Citem-se dentre as que a Corte Suprema reconheceu o caráter abstrato-autônomo: ADI 3.389, ADI 2.376, ADI 4.457, ADI 2.352 e ADI 3.702.
Nesse sentido, transcreve-se trecho da nota de rodapé citada no voto do Ministro Carlos Britto na ADI 3.573, verbis:
“o elemento genérico, radicado na padronização das ações, fazendo com que a lei vigore para tudo a que se reporta. O elemento da impessoalidade, residente na padronização dos sujeitos jurídicos a que se refere, explícita ou implicitamente, fazendo com que a lei vigore para todos eles. O elemento de abstratividade, enfim, representado pelo vínculo de duradoura renovabilidade entre a hipótese de incidência da norma e seu mandanto ou consequência (descritor e prescritor, respectivamente, na segura doutrina de LOURIVAL VILLANOVA), fazendo com a lei vigore por um tempo, senão indeterminado, pelo menos prolongado...”
Examinando-se o Decreto Estadual no 39.459, de 2013, verifica-se que o campo de incidência da norma é geral, não se delimitando a grupo que possa se identificar de plano, bem como é abstrato, pois capaz de incidir sob qualquer relação jurídica de fornecimento de energia elétrica.
Logo, o Decreto Estadual no 39.459, de 2013, pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade vez que materialmente possui grau de generalidade e abstração próprio dos atos normativos primários.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO ESTADUAL no 39.459/2013
O Decreto Estadual é inconstitucional porque:
- Contrariou o inciso I do art. 150 da Constituição Federal, pois dispensou a necessidade de lei anterior e introduziu no mundo jurídico regra que não consta da Lei Estadual no 10.259, de 1989, que regulamenta o ICMS no Estado de Pernambuco, ampliando a base de cálculo do imposto incidente sobre o consumo de energia elétrica, tornando-o mais oneroso ao incluir valores que decorrem de relação jurídica diversa;
- Contrariou a alínea “a” do inciso III do art. 150 da Constituição Federal, porque determinou a cobrança retroativa do ICMS a 24/1/2013, data anterior à sua edição em 5/6/2013.
- Contrariou o inciso II do caput e § 3o do art. 155, vez que incide sobre valor cuja natureza jurídica não se enquadra na hipótese de incidência do ICMS.
Da afronta ao inciso I do art. 150 da Constituicao Federal
O STF já decidiu que o princípio da legalidade estrita em matéria tributária é uma garantia constitucional do cidadão. Assim sendo, a lei em sentido formal e material é a via própria para fixar ou aumentar obrigação tributária e definir a base de cálculo de tributo, a teor do disposto no inciso I do art. 150 da Constituição Federal.
No presente caso, o Decreto Estadual no 39.459, de 2013, usurpou a competência legislativa constitucional reservada à lei estadual, ampliando a base de cálculo da cobrança de ICMS da energia elétrica, tornando o tributo mais oneroso, ao incluir na hipótese de incidência do imposto o valor da subvenção econômica do Tesouro da União destinada à CELPE, que não guarda relação direta com o valor da tarifa.
O inciso I do art. 150 da Constituição é claro ao estabelecer que é vedado aos Entes Federados exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
Por sua vez, o § 1º do art. 97 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que se equipara à majoração de tributo a modificação de sua base de cálculo, de maneira a torná-lo mais oneroso.[8]
É de se destacar que o critério quantitativo do ICMS é composto pela base de cálculo, a qual equivale ao valor da mercadoria cuja titularidade foi transferida, e pela alíquota, variando esta conforme previsão da legislação estadual.
Acerca da base de cálculo do ICMS incidente sobre a energia elétrica, Roque Antonio Carrazza, explica que:
“A base de cálculo possível do ICMS incidente sobre energia elétrica é o valor da operação da qual decorra a entrega desta mercadoria (a energia elétrica) ao consumidor. Noutro giro, é o preço da energia elétrica efetivamente consumida, vale dizer, o valor da operação da qual decorra a entrega desta mercadoria ao consumidor final. Isto corresponde, na dicção do art. 34, §9º, do ADCT, ao preço então praticado na operação final.”[9]
A base de cálculo do ICMS é o “valor da operação”, conforme os arts. 8o e 13 da Lei Complementar no 87, de 1996. Com efeito, em se tratando de mercadoria ou serviço cujo preço final a consumidor seja fixado por órgão público competente, como no caso da energia elétrica, o §2o do art. 8o da Lei Complementar nº 87, de 1996, estabelece que, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, é o preço fixado pelo respectivo órgão.
Como se observa, o § 2o do art. 8o da Lei Complementar nº 87, de 1996, é cristalino ao estabelecer que a base de cálculo do ICMS sobre a energia elétrica é a tarifa fixada pela ANEEL.[10] Os consumidores de energia elétrica pagam, por meio da conta recebida de sua empresa distribuidora de energia elétrica, um valor correspondente à quantidade de energia elétrica consumida, no mês anterior, estabelecida em quilowatt-hora (kWh) e multiplicada por um valor unitário, denominado tarifa, fixado pela ANEEL, medido em reais por quilowatt-hora (R$/kWh), que corresponde ao valor de 1 quilowatt (kW) consumido em uma hora. Assim sendo, a base de cálculo do ICMS sobre o fornecimento de energia elétrica corresponde a operação de entrega da mercadoria ao consumidor final, ou seja, ao valor efetivamente cobrado do consumidor final constante na nota fiscal – fatura de energia.
Destaque-se ser comezinho a ANEEL reduzir as tarifas das Distribuidoras nas Revisões Tarifárias Periódicas, destinadas a rever a cada quatro anos a estrutura de custos das concessionárias, preservando o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.
No caso da CELPE, na Segunda Revisão Tarifária periódica, ocorrida em 2009, por exemplo, a ANEEL reduziu a tarifa da Distribuidora com efeito médio de –1,08%. Naquela ocasião o ICMS passou a ser cobrado sobre a nova tarifa reduzida, sem qualquer contestação por parte do Governo do Estado de Pernambuco.
O Decreto Estadual no 39.459, de 2013, criou uma base de cálculo fictícia ao incluir a subvenção econômica concedida à CELPE na base de cálculo do ICMS da energia elétrica a ser pago pelos consumidores pernambucanos. O valor a ser utilizado para fixar a base de cálculo do ICMS sobre o consumo residencial de energia elétrica deixou de ser a tarifa estipulada pela ANEEL[11], R$ 296,15/MWh, e passou a ser um valor fictício arbitrado pela Secretaria de Fazendo do Estado de Pernambuco.
O STF já teve oportunidade de se impugnar a ampliação da base de cálculo de tributo pela via do Decreto nos seguintes julgamentos: ADI 567-MC, AI 176.870-AgR, AI 297.277-AgR, AI 682.565-AgR e RE 751.010-AgR.
Esta não é a primeira vez que o Governo do Estado de Pernambuco usurpa a competência da lei por meio de decreto. No julgamento do RE 218.182 o Estado de Pernambuco já havia sido admoestado pelo STF sobre a necessidade da aprovação de lei específica para majorar tributo estadual, verbis:
“Aumento do valor da alíquota com base na Lei 10.160/1989 do Estado de Pernambuco. Ao julgar o AGRAG 225.956, esta Primeira Turma, em caso análogo ao presente, assim decidiu: ‘Inexistem as alegadas ofensas ao art. 155 e 1º da Carta Magna Federal, porquanto o acórdão recorrido não negou que o Estado-membro tenha competência para instituir impostos estaduais, nem que o Senado seja competente para fixar a alíquota máxima para os impostos de transmissão mortis causa e a doação, mas, sim, sustentou corretamente que ele, por força do art. 150, I, da Carta Magna só pode aumentar tributo por lei estadual específica e não por meio de lei que se atrele genericamente a essa alíquota máxima fixada pelo Senado e varie posteriormente com ela, até porque o princípio da anterioridade, a que está sujeita essa lei estadual de aumento, diz respeito ao exercício financeiro em que ela haja sido publicada e não, per relationem, à resolução do Senado que aumentou o limite máximo da alíquota.” (RE 218.182, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 23-3-1999, Primeira Turma, DJ de 4/6/1999.)” (grifo nosso)
A inclusão na base de cálculo do ICMS da energia elétrica de valores que decorrem de relação jurídica diversa, qual seja, a subvenção que envolve a CELPE e o Poder Concedente, vai além do valor da operação mercantil realizada entre o consumidor e o fornecedor, abrangendo uma situação fictícia que fere o direito fundamental do consumidor pernambucano de ser tributado nos limites estabelecidos constitucionalmente.
A prevalecer a lógica do Decreto Estadual no 39.459, de 2013, o Estado de Pernambuco estaria autorizado a criar base de cálculo tributária fictícia para qualquer tributo estadual. Poderia, por exemplo, incluir na base de cálculo do ICMS a diferença entre os juros subsidiados cobrados nos empréstimos concedidos pelo BNDES à CELPE e os juros de mercado.
Da violação a alínea “a” do inciso III do art. 150
A alínea “a” do inciso III do art. 150 veda a incidência de imposto em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.
O caput do parágrafo único do art. 3º e o art. 4º do Decreto Estadual no 39.459, de 2013, de 5/6/2013, preveem a retroação da norma a 24/1/2013, verbis:
“Art. 3º O imposto calculado na forma do art. 2º deve ser recolhido em Documento de Arrecadação Estadual - DAE específico, sob o código de receita 005-1, até o dia 15 do mês subsequente ao da apuração do imposto.
Parágrafo único. Relativamente aos períodos fiscais de janeiro a maio de 2013:
I - o recolhimento do imposto devido pode ser efetuado, sem quaisquer acréscimos, até o dia 15 de junho de 2013; e
II - os lançamentos previstos no inciso IV do caput do art. 2º devem ser efetuados no período fiscal de maio de 2013.
Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data da sua publicação, retroagindo seus efeitos a 24 de janeiro de 2013.” (grifo nosso)
Por expressa disposição constitucional as leis tributárias devem dispor para o futuro, sem atingir fatos pretéritos. A norma tributária só pode retroagir quando for expressamente interpretativa e não resultar na aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; ou, em relação aos atos ainda não definitivamente julgados quando, de alguma forma, implicarem em tratamento mais favorável ao contribuinte.
A proibição de retroação tem por escopo a segurança jurídica e a previsibilidade tributária, de forma a evitar que o contribuinte seja surpreendido pelo advento de regra estabelecida após o nascimento da obrigação.
No julgamento da ADI 712-MC o STF assentou que o “princípio da irretroatividade da lei tributária deve ser visto e interpretado, desse modo, como garantia constitucional instituída em favor dos sujeitos passivos da atividade estatal no campo da tributação. Trata-se, na realidade, à semelhança dos demais postulados inscritos no art. 150 da Carta Política, de princípio que – por traduzir limitação ao poder de tributar – é tão somente oponível pelo contribuinte à ação do Estado." [12]
O Decreto Estadual no 39.459, de 2013, burlou os limites impostos pela Constituição Federal ao retroagir e alterar o valor real da base de cálculo do ICMS da energia elétrica em data anterior à sua vigência.
Assim agindo, o Decreto Estadual no 39.459, de 2013, introduziu preceito normativo modificativo e não simplesmente interpretativo. O Decreto Estadual modificou a Lei Estadual nº 10.259, de 1989, adicionando-lhe normas inexistentes ao alterar obliquamente a base de cálculo do ICMS. Não se está, portanto, diante de norma meramente interpretativa, mas antes, têm-se lei nova que deve se submeter a todos os condicionamentos constitucionais.
O STF, no julgamento do RE 566.621, assentou a necessidade de examinar o alcance material da suposta norma interpretativa para identificar possível inovação na ordem jurídica, verbis:
“DIREITO TRIBUTÁRIO – LEI INTERPRETATIVA – APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS – APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. (...) A LC 118/05, embora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova. Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação. A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. (...) Recurso extraordinário desprovido.” (grifo nosso) (RE 566.621, Plenário, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 11/10/2011)
Examinando-se o conteúdo material do Decreto Estadual no 39.459, de 2013, observa-se que a norma conferiu ao enunciado sobre a definição da base de cálculo do ICMS da energia elétrica alcance diferente daquele estabelecido pela Lei Estadual que rege o mencionado imposto no Estado de Pernambuco.
Consequentemente, o Decreto Estadual no 39.459, de 2013, não pode ser considerado norma interpretativa pois, na verdade, inovou o ordenamento jurídico ao ampliar a base de cálculo do ICMS, tornando-o mais oneroso. Desta feita, o disposto no Decreto Estadual só pode produzir efeitos em relação aos fatos geradores ocorrentes após sua publicação.
O Decreto Estadual no 39.459, de 5/6/2013, ao determinar a aplicação retroativa a janeiro/2013, ofendeu o princípio da intangibilidade das situações jurídicas já consolidadas e violou o ato jurídico perfeito, consistente no recolhimento já feito pelos consumidores pernambucanos do ICMS da energia elétrica.
Da afronta ao inc. II do caput e §3o do art. 155 da Constituição Federal
Na forma do inciso II do art. 155 da Constituição Federal e conforme o art. 2o da Lei Complementar no 87, de 1996, o ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias. No §3o do art. 155 da Constituição Federal e nas respectivas legislações estaduais a energia elétrica é considerada mercadoria, para fins de incidência do ICMS.
A interpretação sistemática da alínea “b” do §2o e §3o do art. 155 e dos arts. 2o, §1o, III; 3o, III; 4o, parágrafo único, IV; 6o, §1o; 9o, §1o, I e II; 11, I, “g”; e 12, XII, todos da Lei Complementar no 87, de 1996, deixa claro quanto à regra-matriz do ICMS, que a hipótese de incidência do imposto é o consumo de energia elétrica nos limites de um Estado Federado ou do Distrito Federal, reputando-se ocorrido tal evento no momento de sua saída da Distribuidora para ser consumida.
O Decreto Estadual no 39.459, de 2013, incluiu, de forma inconstitucional, entre as hipóteses de incidência do ICMS em Pernambuco, o recebimento pela CELPE da subvenção econômica concedida pela MPV 579, convertida na Lei no 12.783, de 2013, e pela MPV 605, regulamentada pelo Decreto no 7.891, 2013.
O Decreto Estadual erroneamente equiparou a subvenção econômica concedida pela MPV 579, convertida na Lei no 12.783, de 2013, e pela MPV 605, regulamentada pelo Decreto no 7.891, 2013, com a subvenção econômica concedida pela Lei no 10.438, de 2002, e Lei no 10.604, de 2002.
A subvenção concedida pela Lei no 10.438, de 2002, e Lei no 10.604, de 2002, destina-se a subsidiar parte do valor da tarifa paga pelos consumidores de baixa renda. Nessa subvenção, o que ocorre é a mera alteração, total ou parcial, da responsabilidade pelo pagamento do valor da operação. Por essas normas, em vez da tarifa de energia elétrica ser paga integralmente pelo consumidor de baixa renda, parte dela é paga pelo Governo Federal. Não ha alteração no valor da tarifa e a Distribuidora recebe o valor integral da operação de fornecimento de energia elétrica. Os consumidores de baixa renda recebem descontos escalonados em relação à tarifa normal da classe residencial, de acordo com o consumo, conforme ilustra a tabela abaixo:
Faixa de Consumo |
Desconto Tarifário |
0 - 30 kWh |
65% |
31 - 100 kWh |
40% |
101 - Limite Regional |
10% |
No consumo dos primeiros 30 kWh é aplicado o desconto de 65% em relação à tarifa residencial normal. Dos 31 kWh consumidos, até o limite de 100 kWh, é aplicado o desconto de 40%. Finalmente, de 101 kWh até o Limite Regional, é aplicado desconto de 10%.
A Lei no 10.438, de 2002, e a Lei no 10.604, de 2002, uniformizaram os critérios para que os consumidores fossem enquadrados como de baixa renda. As Distribuidoras tinham seus próprios requisitos para conceder um desconto na tarifa. Com a Lei no 10.438, de 2002, e a Lei no 10.604, de 2002, as Distribuidoras tiveram uma queda de receita ao reenquadrar os consumidores segundo os novos critérios.
Para não criar um subsídio cruzado e repassar esse custo para as tarifas dos demais consumidores de energia elétrica, o Governo Federal decidiu criar por lei ordinária uma subvenção econômica destinada às concessionárias de distribuição de energia elétrica para cobrir o desconto dos consumidores de baixa renda na tarifa normal.
No caso da Lei no 10.438, de 2002, e da Lei no 10.604, de 2002, não houve alteração na estrutura de cálculo da tarifa. Não se alterou as tarifas normais destinadas às residências, ao comércio e à indústria. Simplesmente concedeu-se um desconto no valor da tarifa residencial normal para os consumidores de baixa renda. Por isso, não foi necessário realizar uma Revisão Tarifaria Extraordinária.
O Poder Judiciário tem entendido que o valor da subvenção econômica concedida pela da Lei no 10.438, de 2002, e Lei no 10.604, de 2002, pode ser incluído na base de cálculo do ICMS porque a Distribuidora recebe o valor integral da tarifa. Uma parte paga pelo consumidor de baixa renda e, a outra, pelo Governo Federal.
A Lei no 4.320, de 1964, define no inciso II do § 3o do art. 12, que subvenção econômica é a transferência destinada a cobrir despesas de custeio das empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril. Como se observa, para que se defina a natureza jurídica da subvenção econômica é necessário examinar a sua destinação e os fins legalmente colimados.
No caso das Leis nos 10.438, de 2002, e 10.604, de 2002, trata-se de um desconto no valor da tarifa normal residencial, para subsidiar o consumo da população de baixa renda.
Já a subvenção concedida pela MPV 579, convertida na Lei no 12.783, de 2013, e pela MPV 605, regulamentada pelo Decreto no 7.891, 2013, é de outra natureza que não a contraprestação da energia elétrica fornecida ao consumidor de baixa renda.
Com efeito, a MPV 579, convertida na Lei no 12.783, de 2013, autorizou a renovação das concessões de geração e nas instalações de transmissão e de distribuição de energia elétrica, alcançados pelos artigos 19 e 22 e pelo § 5o do art. 17 da Lei no 9.074, de 1995, em benefício da modicidade tarifária. A renovação das concessões buscou a captura da amortização e depreciação dos investimentos realizados nos empreendimentos de geração e nas instalações de transmissão e de distribuição de energia elétrica.
O objetivo é viabilizar a redução do custo da energia elétrica para todas as classes de consumidores (residencial, comercial e industrial). Buscou-se, assim, não apenas promover a modicidade tarifária e a garantia de suprimento de energia elétrica, como também tornar o setor produtivo ainda mais competitivo, contribuindo para o aumento do nível de emprego e renda no Brasil.
Alguns concessionários de geração exerceram a opção de não prorrogar suas concessões, causando redução nas cotas a serem disponibilizadas para alocação entre as Distribuidoras. Como isso poderia resultar na obtenção de uma redução inferior ao que foi proposto pela MPV 579, convertida na Lei no 12.783, de 2013, foi editada a MPV 605, regulamentada pelo Decreto no 7.891, 2013, com o objetivo de instituir uma subvenção econômica destinada a:
- compensar os efeitos de não adesões de concessionários de geração de energia elétrica às prorrogações de que trata a mencionada Medida Provisória;
- compensar os descontos aplicados nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de distribuição e nas tarifas de energia elétrica.
Como se observa, a MPV 579, convertida na Lei no 12.783, de 2013, e a MPV 605, regulamentada pelo Decreto no 7.891, 2013, alteraram a estrutura de custos para cálculo da tarifa de energia elétrica para todas as classes de consumidores.
As citadas normas não concederam desconto na tarifa normal, mas antes, estabeleceram um novo valor para o mencionado preço público que contemplava a redução dos custos de geração, transmissão e distribuição.
Por esse motivo, o § 2o do art. 13 da Lei no 12.783, de 2013, e o art. 15 do Decreto no 7.805, de 2012, determinou que ANEEL realizasse a revisão extraordinária das tarifas de distribuição. O art. 2o do Decreto no 7.891, de 2013, determinou textualmente que na revisão tarifária extraordinária fossem retirados os descontos da estrutura tarifária das distribuidoras.
A ANEEL, ao realizar a Revisão Tarifária Extraordinária da CELPE restabeleceu, por meio da Resolução Homologatória no 1.418, de 2013, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, em razão da extinção de encargos legais que incidiam sobre a tarifa e da redução do custo da Distribuidora com a compra de energia elétrica das Geradoras e da tarifa de uso do sistema de transmissão.
A ANEEL fixou em 24/1/2013 a tarifa residencial da CELPE em R$296,15/MWh, que passou legalmente a ser o valor utilizado na definição da base de cálculo do ICMS.
Fixou-se uma nova tarifa e não simplesmente concedeu-se um desconto na tarifa normal para determinada classe de consumidor. Por isso, o ICMS deve incidir unicamente sobre o valor do consumo calculado com base na nova tarifa estabelecida pela ANEEL.
A subvenção econômica foi concedida à CELPE e não aos consumidores de energia elétrica de Pernambuco, não incluídos no conceito de baixa renda. Consequentemente, não se inclui na base de cálculo do ICMS, vez que não integra a hipótese de incidência do tributo, no caso, o consumo individual de energia elétrica.
A subvenção concedida à CELPE pela MPV 605, regulamentada pelo Decreto no 7.891, 2013, integra a receita bruta da Distribuidora, sujeitando-se, portanto, unicamente aos tributos cuja hipótese de incidência e a base de cálculo seja o faturamento bruto, como no caso do PIS e da COFINS.
Logo, o Decreto Estadual no 39.459, de 2013, ao determinar a incidência do ICMS sobre a parcela recebida pela CELPE a titulo de subvenção econômica em razão da MPV 605, regulamentada pelo Decreto no 7.891, 2013, afrontou o disposto no inciso II do caput e §3o do art. 155 da Constituição Federal, vez que incide sobre valor que não representa circulação de mercadoria.
Do cabimento de medida cautelar
O periculum in mora decorre da legitimação, desde a publicação do Decreto Estadual no 39.459, de 2013, da cobrança do ICMS sobre o consumo de energia elétrica de forma inconstitucional sobre uma base de cálculo artificialmente majorada. O periculum in mora está igualmente configurado em face da extrema dificuldade de recuperação dos valores correspondentes ao tributo que vier a ser pago pelos consumidores de energia elétrica de Pernambuco.
O fumus boni iuris está sobejamente demonstrado na inconstitucionalidade do Decreto Estadual no 39.459, de 2013, por violação do disposto nos incisos I e III, “a”, do art. 150 e inciso II do caput e §3o do art. 155, todos da Constituição Federal.
A relevância do direito discutido na presente ADI caracteriza-se pela circunstância de haver-se ampliado, pelo via do Decreto Estadual a base de cálculo do ICMS incidente sobre o consumo de energia elétrica.
DO PEDIDO
Forte nas razões expostas, REQUER o AUTOR:
a) A concessão de medida cautelar inaudita autera pars, na forma do §3o do art. 10 da Lei no 9.868, de 1999, para suspender a eficácia do Decreto Estadual no 39.459, de 2013, até o julgamento final desta Ação, em vista da excepcional urgência que o caso requer, considerando o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, e da plausibilidade jurídica do pedido;
b) Seja julgada procedente a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade para declarar inconstitucional o Decreto Estadual no 39.459, de 5 de junho de 2013, do Governador do Estado de Pernambuco, que dispõe sobre o recolhimento do ICMS relativo ao montante da subvenção econômica recebida em decorrência da concessão de descontos incidentes sobre a tarifa de energia elétrica fixado no Decreto no 7.891, de 23 de janeiro de 2013, da Presidência da República, que regulamenta a Lei no 12.783, de 2013, que dispõe sobre as concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, sobre a redução dos encargos setoriais e sobre a modicidade tarifária, e a Medida Provisória nº 605, de 2013, que altera a Lei no 10.438, de 2002;
c) A citação do Procurador-Geral do Estado de Pernambuco, do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, na forma da lei.
Nestes Termos,
Pede Deferimento.
Brasília, de março de 2014.
Alexis Sales de Paula e Souza OAB/DF 24.301 |
Alex Machado Campos OAB/DF 32.102 |
[1] Resolução Normativa ANEEL n. 479, de 3/4/2012 (D.O. de 12/4/2012, seção 1, p. 48)
[2] Resolução Normativa ANEEL n. 386, de 15/12/2009 (D.O. de 21/12/2009, seção 1, p. 147)
[3] Decreto 7.805/2012: “Art. 15. Os efeitos decorrentes dos arts. 21, [23] e 24 da Medida Provisória no 579, de 11 de setembro de 2012, serão considerados no cálculo das tarifas das concessionárias de distribuição na revisão tarifária extraordinária de que trata a § 2º do art. 13 da referida Medida Provisória, a ser realizada pela ANEEL até 5 de fevereiro de 2013.”
[4] Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 643, Rel. Min. CELSO DE MELLO. RTJ 139/73.
[5] Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 842, Rel. Min. CELSO DE MELLO. RTJ 147/545.
[6] ADI 2.321-MC/DF: “CONTEÚDO NORMATIVO DA RESOLUÇÃO EMANADA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - RELATIVA INDETERMINAÇÃO SUBJETIVA DE SEUS DESTINATÁRIOS - QUESTÃO PRELIMINAR REJEITADA.- A noção de ato normativo, para efeito de controle concentrado de constitucionalidade, pressupõe, além da autonomia jurídica da deliberação estatal, a constatação de seu coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade. Esses elementos - abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade - qualificam-se como requisitos essenciais que conferem, ao ato estatal, a necessária aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou de condutas individuais. - Resolução do Tribunal Superior Eleitoral, impugnada na presente ação direta, que se reveste de conteúdo normativo, eis que traduz deliberação caracterizada pela nota da relativa indeterminação subjetiva de seus beneficiários, estipulando regras gerais aplicáveis à universalidade dos agentes públicos vinculados aos serviços administrativos dessa Alta Corte judiciária.” (Rel. Min. CELSO DE MELLO).
[7] ADI 2.195/MT: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 138/436), em tema de fiscalização concentrada de constitucionalidade, firmou-se no sentido de que a instauração desse controle somente tem pertinência, se o ato estatal questionado assumir a qualificação de espécie normativa, cujas notas tipológicas derivam da conjugação de diversos elementos inerentes e essenciais à sua própria compreensão: (a) coeficiente de generalidade abstrata, (b) autonomia jurídica, (c) impessoalidade e (d) eficácia vinculante das prescrições dele constantes.” (RTJ 176/655-656 – Rel. Min. CELSO DE MELLO).
[8] CTN: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; (...) § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.”
[9] CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
[10] LCP 87/96: “Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será: (...) § 2º Tratando-se de mercadoria ou serviço cujo preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, é o referido preço por ele estabelecido.”
[11] Resolução Homologatória ANEEL nº 1.418, de 24/1/ 2013.
[12] ADI 712-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7/10/1992, Segunda Turma, DJ de 19/2/1993.