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Reclamação disciplinar ajuizada no Conselho Nacional de Justiça

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4. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

O Código de Processo Civil em vigor é claro ao determinar que:

Art. 145. Há suspeição do juiz:

I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;

II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;

III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;

IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.

Grifamos.

Todos as situações fáticas expostas acima, tanto neste processo quanto em outros, mostra a falta de imparcialidade do magistrado em questão. Não se trata de acusações infundadas, genéricas ou movidas por mera insatisfação. Não. A questão é muito mais profunda, e foram apontadas situações concretas que demonstram a parcialidade do magistrado.

Sozinhas, ou seja, analisadas isoladamente, tais atos já seriam questões que colocariam em dúvida a imparcialidade do magistrado reclamado. Todavia, quando analisadas em conjunto, a situação fica ainda muito pior, pois observa-se que o magistrado reclamado trata os processos de forma diferenciada, sem apontar o porquê de tantas discrepâncias entre decisões cujos fatos e fundamentos jurídicos são tão semelhantes.

O magistrado reclamado, quebrando a regra do artigo 12 do NCPC, também não diz porque não respeita a ordem cronológica dos processos, mas julga-os segundo sua própria ordem.

A questão da imparcialidade do órgão julgador é motivo de grande preocupação para todos os ordenamentos jurídicos que tenham um mínimo que seja de seriedade. Em nosso ordenamento sempre houve uma grande preocupação no quesito da imparcialidade da magistratura. Não é por outro motivo que o constituinte assegurou aos magistrados uma gama de direitos os quais lhes dão suporte jurídica para que possam julgar com ousadia, imparcialidade, igualdade de tratamento e sempre buscando a melhor aplicação e concretização das normas jurídicas.

Sobre o tema e nesse mesmo sentido, há lição irreparável de CHRISTIANO FRAGOSO (grifos nossos):

"(...) Um dos atributos elementares para a atividade judicante é, indubitavelmente, a imparcialidade. É conditio sine qua non para o legítimo exercício da função jurisdicional. Deve o juiz manter-se equidistante entre as partes ao longo de todo o processo. (...)"1

Ainda nesse sentido, NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY nos trazem o seguinte posicionamento (grifos nossos):

"Fazer considerações apriorísticas sobre qualquer questão deduzida na causa, processual ou material, antes de decidi-la efetivamente, antecipando juízo de valor sobre essas questões, constitui causa de suspeita de parcialidade do juiz, caracterizando prejulgamento (...). O prejulgamento se caracteriza quando o juiz faz afirmação intempestiva de ponto de vista sobre o caso concreto, ou seja, sobre os fatos da causa que se encontra sob julgamento e ainda não foi julgada (...). O prejulgamento se verifica se há adiantamento sobre caso concreto, isto é, matéria que se encontra sub uidice e o juiz da causa sobre ela manifesta."2

Eis também oportuna lição do advogado WENDEL DE BRITO LEMOS TEIXEIRA (grifos nossos):

" Isto porque, ao admitir-se que o processo se equipara a um jogo, o ato de admitir o prejulgamento seria jogar com cartas marcadas, o que não pode de forma alguma ocorrer. Se submeter a um processo e decisão em que o Julgador possui risco de parcialidade seria a mesma coisa que lutar contra Anteu enquanto o mesmo estivesse em contato com o solo. O processo se transformaria em palco onde não haveriam sujeitos e sim meros figurantes, pois no prejulgamento a sentença já fora (indevidamente) prolatada."

Outro estudioso que se dedicou ao tema e que também defende que o prejulgamento (como sempre fez o magistrado em questão em favor de uns de desfavor de outros) em que incorra o juiz pode embasar a argüição de sua suspeição é o Magistrado MAURO VASNI PAROSKI (grifos nossos):

"(...) nem por isso, é possível aceitar, sempre, como um fenômeno normal a antecipação de juízos de valor sobre o objeto litigioso em discussão no processo, mormente se denota mero exercício de preferência, simpatia e desejo de causar prejuízo a uma das partes ou de beneficiar a outra pura e simplesmente. (...) O próprio interesse do juiz em favor de um dos litigantes, a que alude o inc. V do art. 135. do CPC, pode ser classificado em material ou meramente moral, e nesta segunda hipótese, um leque gigantesco de possibilidades se abre, podendo ter conteúdo ideológico em vários aspectos e vertentes, ou revelar preferências do julgador de ordem política ou religiosa, por exemplo. O interesse do magistrado, assim, nesta perspectiva, não significa necessariamente repercussão de ordem material, até mesmo econômica, mas sim, de outra natureza, revelando antes do momento processual oportuno, qual, provavelmente, será sua decisão final, o que serve para transformar as garantias constitucionais do processo, entre elas as do contraditório e da ampla defesa, em peça de ficção, em pura falácia, sem efetividade processual concreta. (...) Não é sensato, além de deselegante, fonte de frustração e desconfiança da parte a quem desfavorece sua decisão, o juiz antecipar (prejulgar) provimento de mérito. E para se perceber o quão isso é condenável prescinde-se de norma jurídica que consagre este entendimento. (...) O prejulgamento que se desaconselha fica reservado unicamente para os fatos ainda controvertidos (inéditos, não ventilados em outros processos), cujas provas, ainda não produzidas, podem beneficiar o autor ou o réu e, que, assim, ainda não autorizam a formação de um convencimento e a emissão de juízo de valor sobre o objeto litigioso da lide. Do mesmo modo, se o juiz manifesta preferência pela tese de um dos litigantes, em menoscabo à da outra parte, sem a necessária leitura e análise das alegações desta, sem sopesar sua decisão de acordo com as circunstâncias específicas oferecidas pelo caso particular sub judice. Nestas hipóteses, salvo melhor juízo, assiste razão àqueles que sustentam a suspeição do juiz por interesse pessoal (material e/ou moral), ainda que apenas presumido, no julgamento da causa "em favor" de um dos litigantes. Isso ocorre porque se adianta decisão baseando-se em afirmações atinentes a fatos ainda não submetidos à instrução probatória e, portanto, ainda não definidos no processo, e porque revela tendência nesta ou naquela direção, em favor de um dos litigantes e em demérito do outro, sejam quais forem as motivações (filosóficas, religiosas, políticas etc.), que são inadmissíveis naquele que tem a missão de distribuir justiça, fundamentando suas decisões não em convicções pessoais, mas sim, como resultado de uma interpretação dos fatos e da norma em consonância com as regras de hermenêutica jurídica, oferecidas pela doutrina, até mesmo em respeito ao ordenamento jurídico e ao Estado Democrático de Direito, como pilares de uma sociedade civilizada, que pauta as relações que se desenvolvem em seu seio conforme o Direito, tal qual assegurado pela Constituição de 1988. (...) A imparcialidade dos magistrados é garantia de uma prestação jurisdicional isenta de interesses pessoais, refletindo o resultado de uma interpretação honestade boa-fé - dos fatos e da norma e sua aplicabilidade ao caso concreto, ou seja, direito de todos os participantes de um processo jurisdicional, para que prevaleçam o Direito e seus escopos na solução dos conflitos de interesses e na missão de pacificação social atribuída ao Judiciário em sua atividade de conciliar e julgar (...).3

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Por fim, cabe acrescer ao tema a lição de ALEX APARECIDO RAMOS FERNANDEZ, que, em sua dissertação de mestrado, publicada sob o título "ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DE UM JUÍZO IMPARCIAL - EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO":

"(...) a Lei Orgânica da Magistratura traz outra causa de suspeição do juiz quando ele manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério (art. 36, inciso III LOMAN), suspeição esta que não se encontra no CPC, no CPP, no CPPM e nem na CLT. (...) E o prejulgamento é mais uma situação de suspeição não prevista no Código de Processo Civil, outra prova de que concluir pela taxatividade das situações previstas apenas nos Códigos é premissa equivocada. (...) o juiz deve ser prudente em suas opiniões, ele é responsável por dizer o direito das partes, e se fala sem base processual estruturante, prejulgando a causa ainda por se desenrolar, efetivamente põe em risco a atividade jurisdicional promovendo discórdias desnecessárias, contrariando o principal escopo da atividade jurisdicional que é exatamente a manutenção da paz social (...)."4

O Direito Internacional também releva grande preocupação com a imparcialidade do julgador e repudia a conduta de prejulgar, consoante se infere do Manual de Direitos Humanos para Juízes, Promotores e Advogados, obra disponibilizada pelo Colendo CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA no seu portal na internet5 e da qual extraímos os seguintes excertos (grifamos):

  • "Todos os instrumentos universais e locais dos direitos humanos garantem o direito de um julgamento justo nos processos civis e criminais, perante um juízo ou tribunal autônomo e imparcial."

  • "Entre os tratados mais importantes, o Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos determina em seu artigo 14 que (...) 'toda pessoa terá direito a ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente, autônomo e imparcial, estabelecido por lei, na determinação dos fundamentos de qualquer acusação de caráter penal contra ela formulada ou para a determinação dos seus direitos ou obrigações de caráter civil'."

  • "O Comitê dos Direitos Humanos [das Nações Unidas] tem determinado de forma inequívoca que 'o direito de ser julgado por um tribunal autônomo e imparcial é um direito absoluto, ao qual não cabe exceção'. É, portanto, um direito que é aplicável em todas as circunstâncias e perante todos os tribunais, sejam eles ordinários ou especiais."

  • "O artigo 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos determina que 'toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, autônomo e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.'"

  • "O artigo 6º da Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos determina que 'na determinação de seus direitos civis e obrigações, ou de qualquer acusação criminal contra ela, qualquer pessoa tem o direito a uma audiência pública e justa, num período de tempo razoável, por um tribunal autônomo e imparcial, estabelecido por lei.'"

  • "Apesar de alguns países talvez não terem ainda ratificado ou concordado com nenhum desses tratados de direitos humanos, eles ainda estão obrigados perante as regras costumeiras das leis internacionais, bem como perante os princípios legais gerais dos quais é geralmente considerado parte o princípio de um tribunal autônomo e imparcial. Eles também estão obrigados perante os princípios fundamentais determinados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que determina em seu artigo 10º que 'toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal autônomo e imparcial, para determinação de seus direitos e deveres ou sobre qualquer acusação criminal contra ele.'"

  • "A Suprema Corte do Canadá descreveu o conceito de 'imparcialidade' judicial referindo-se ao 'estado de espírito ou atitude do tribunal em relação aos assuntos e as partes de um caso específico.' Essa visão também foi confirmada em âmbito internacional onde, por exemplo, o Comitê de Direitos Humanos determinou que a noção de imparcialidade 'implica que os juízes não podem preconceber sobre as matérias colocadas perante eles, e que não devem agir de maneira que promovam o interesse de uma das partes'."

  • "Já a Corte Européia de Direitos Humanos considera que a noção de imparcialidade contém elementos subjetivos e objetivos: o tribunal não apenas precisa ser imparcial no sentido de que 'nenhum membro do tribunal pode ter nenhum tipo de preconceito pessoal', mas também precisa 'ser imparcial sob um ponto de vista objetivo', no sentido de que 'deve oferecer garantias para excluir qualquer dúvida legítima referente à matéria'."

  • "De acordo com a condição de imparcialidade do artigo 6 da Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos, a Corte Européia de Direitos Humanos tem determinado que esta possui duas exigências, uma subjetiva e outra objetiva. Em primeiro lugar 'o tribunal necessita ser subjetivamente imparcial', desse modo 'nenhum membro do tribunal deverá ter qualquer preconceito ou tendência pessoal', e esta 'imparcialidade pessoal é presumida a menos que haja alguma evidência em contrário'. Em segundo lugar, 'o tribunal deverá manter a imparcialidade sob um ponto de vista objetivo', desse modo 'ele deverá dar garantias que eliminem qualquer dúvida legítima a esse respeito'. Em se tratando do teste objetivo, o Juízo adicionou que deve ser determinado se há fatos apurados, que possam levantar dúvidas sobre a imparcialidade dos juízes, e que, portanto, 'mesmo aparências podem ter certa importância', porque 'o que está em foco é a confiança que os Juízos em uma sociedade democrática devem inspirar ao público e acima de tudo às partes dos procedimentos em questão.'"

  • "A noção de imparcialidade do Judiciário é um aspecto essencial do direito a um julgamento justo. Isso significa que todos os juízes envolvidos devem atuar objetivamente e basear suas decisões em fatos relevantes e legislação aplicável, SEM PREDISPOSIÇÕES PESSOAIS OU IDÉIAS PRÉCONCEBIDAS SOBRE O TEMA E PESSOAS ENVOLVIDAS E SEM PROMOVER OS INTERESSES DE NENHUMA DAS PARTES."

Tamanha é a preocupação que o Egrégio Supremo Tribunal Federal tem com a questão da imparcialidade do magistrado, entendo que mesmo o réu estrangeiro e sem domicílio no Brasil, o Poder Judiciário deve garantir a imparcialidade do magistrado processando, pois, segunda a preciosa lição do Ministério Celso de Mello, a imparcialidade do magistrado processando é resultado do devido processo legal:

Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.6


5. DOS PEDIDOS

DIANTE DO EXPOSTO, requer seja recebida a presente Reclamação Disciplinar, para que, liminarmente, determine-se o afastamento cautelar do reclamado, e que, no mérito, sejam aplicadas as cominações legais previstas pela legislação.

Protesta pela produção de todos os meios de provas e direito admitidos, notadamente o documental (incluso).

XXXXXXXXXXXXXXX, 07 de junho de 2017.

Agnelo Baltazar Tenório Férrer

Advogado, OAB/AL 9.789-A


Notas

1 FRAGOSO, Christiano. Prejulgamento induz suspeição. Disponível em: https://www.fragoso.com.br/ptbr/arq_pdf/artigos/arquivo62.pdf.

2 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10ª ed., São Paulo: RT, 2007, p. 402.

3 TEIXEIRA, Wendel de Brito Lemos. Breves notas sobre o prejulgamento como causa de suspeição do julgador. Disponível em: https://www.leonardocarneirodacunha.com.br/artigos/breves-notas-sobre-o-prejulgamentocomo-causa-de-suspeicao-do-julgador/

4 FERNANDEZ, Alex Aparecido Ramos. Acesso à justiça através de um juízo imparcial - exceção de suspeição e impedimento. Disponível em: www.advocaciaramosfernandez.com.br/Anexos. Acesso em 30/07/2013.

5 Direitos Humanos na Administração da Justiça: Manual de Direitos Humanos para Juízes, Promotores e Advogados.

6 HC 94.016, rel. min. Celso de Mello, j. 16/9/2008, 2ª T, DJE de 27/2/2009.

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Sobre o autor
Agnelo Baltazar Tenório Férrer

Advogado militante. Servo de Jesus Cristo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRER, Agnelo Baltazar Tenório Férrer. Reclamação disciplinar ajuizada no Conselho Nacional de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5094, 12 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/58348. Acesso em: 2 nov. 2024.

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