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Direitos sociais através dos tribunais?

A defesa do direito à assistência farmacêutica no Brasil: dilemas e controvérsias

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5. Considerações finais

A revisão teórica dos principais argumentos da literatura nacional sobre ações judiciais como meio de garantir o direito a medicamentos permite que se contraponha, com maior clareza, argumentos favoráveis e desfavoráveis a essa prática e suas fundamentações. É importante que se evidencie as distintas estratégias metodológicas possíveis para se abordar o problema, bem como os diferentes pontos de partida das análises.

Não se pode ignorar a importância do judiciário para a efetivação do direito à saúde, particularmente para a concretização do direito a assistência farmacêutica. A trajetória do movimento em defesa dos doentes de HIV/Aids exemplifica as diversas formas de luta por direitos da sociedade civil organizada, tendo o recurso aos tribunais sido uma ferramenta fundamental para o exercício da cidadania. As ações judiciais induziram contraprestações estatais, criando constrangimentos para a inclusão de remédios nas listas oficiais. O processo possibilitou a universalização do acesso à saúde para diversos grupos de pacientes.

Em uma outra perspectiva, pode-se argumentar que as demandas direcionadas ao judiciário são em sua esmagadora maioria individuais, fragmentando a ação do SUS. A intervenção do judiciário concentra-se no deferimento de liminares, uma vez que a morosidade das ações impede uma análise mais criteriosa das ações judiciais. O pedido inicial do autor é completamente deferido, o que cria problemas para a eficiência do sistema (medicamentos fornecidos havendo substitutos no SUS, não averiguação da condição do paciente vis-à-vis o medicamento solicitado etc.). Há incompatibilidade com relação aos princípios da eqüidade e da integralidade da prestação realizada pelo SUS.

Nesse sentido – do ponto de vista da discussão substantiva – repetem-se, na literatura sobre assistência farmacêutica, os mesmos padrões encontrados na literatura sobre judicialização da política: por um lado, aqueles que defendem a atuação do Judiciário para a promoção de interesses de grupos sociais excluídos do jogo político, um mecanismo legítimo de indução da ação estatal; por outro, aqueles que identificam no Judiciário um empecilho para o bom funcionamento do sistema político e administrativo do Estado, gerador de incertezas e respostas ineficientes às demandas sociais.

Ainda fazendo uma comparação entre as literaturas – do ponto de vista metodológico – os estudos sobre assistência farmacêutica inovam ao se utilizar de processos judiciais mobilizados no patamar mais inferior da estrutura judicial. Possibilita-se uma outra perspectiva, promissora e inovadora, de compreensão da atuação jurisdicional, rompendo com o padrão, já um pouco saturado, de exame das ADIs. De uma instância em que as ações judiciais visam controle abstrato de constitucionalidade – impactando no processo decisório de formulação de uma política – desloca-se para outra mais voltada para os efeitos concretos gerados, ou não, pela ação estatal – a implementação de uma política pública.

Cabe enfatizar que o intuito desse trabalho não é fazer "julgamentos de mérito". Evidenciar os seus pressupostos teóricos, metodologia e conseqüências prescritivas de estudos acadêmicos objetiva, antes de qualquer coisa, ampliar e qualificar o debate em torno do complexo e intrigante dilema do uso dos tribunais para efetivação dos direitos sociais, com impactos diretos na implementação, e, na esteira, formulação de políticas públicas. Problemática essa, como outras semelhantes no campo das políticas públicas, com implicações teóricas – relacionadas ao desenho institucional em democracias modernas do sistema de freios e contrapesos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – e práticas, referentes às decisões a serem tomadas pela sociedade civil organizada, juízes e gestores públicos no longo caminho para se assegurar a saúde como direito universal.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. Folha de S. Paulo – 20/03/2007
  2. A universalidade se refere à disponibilização de serviços de saúde a todos os cidadãos brasileiros, indiferentemente da renda, grupo social, nível de escolarização, morador urbano ou rural, consistindo numa política pública de atendimento geral e irrestrito, como também na formulação de políticas preventivas que abarquem toda a sociedade. A eqüidade remete à idéia de que todos os cidadãos serão atendidos de forma uniforme, sem qualquer tipo de discriminação. A integralidade corresponde ao atendimento completo, transversal e total ao doente que deve ser dispensado pelo SUS.
  3. Não obstante percalços e conflitos envolvidos no processo, como observa Aciole (2006), que evidencia a ação do governo Collor no sentido de haver "vetado e mutilado o texto da Lei Orgânica da Saúde, a Lei 8.080/90, especialmente nos capítulos referentes à descentralização financeira via repasse integral e fundo a fundo dos recursos federais da assistência à saúde; e à participação da população no exercício do controle público sobre a ação do Estado".
  4. Conselho Nacional de Secretários de Saúde
  5. Essa subseção fundamenta-se na trajetória descrita em SCHEFFER, SLAZAR e GROU (2005).
  6. FDA - Food and Drug Administration – é a agência responsável, nos Estados Unidos, pela aprovação e controle dos medicamentos e alimentos. O reconhecimento de novos medicamentos por essa organização é uma referência mundial para sua utilização no tratamento de doenças.
  7. Ver em SCHEFFER, M.; SLAZAR, A. L.; GROU, K. B., op. cit.
  8. Ver em FERNANDES, CASTRO e LUIZA (2005).
  9. Ver em MARQUES e DALLARI (2007).
  10. Destaque-se que destes, 32,3% eram representados por defensores públicos e 16,12% por escritórios particulares de advocacia com apoio de associações.
  11. Ver em VIEIRA e ZUCCHI (2007).
  12. Isso foi mensurado com base na existência ou não de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na agência semelhante norte-americana Food and Drug Administration (FDA), e a existência ou não de evidências científicas que embasem a recomendação de uso do medicamento.
  13. As autoras avaliaram a ocupação dos requerentes, além da distribuição dos endereços residenciais destes com relação ao indicador de inclusão/exclusão social do município de São Paulo.
  14. Os gastos com medicamentos por ações judiciais não inclui, nesse estudo, "o montante referente a medicamentos solicitados por meio de ações e que são rotineiramente dispensados nos serviços de saúde do município." (Vieira e Zucchi, 2007).
  15. Os estudos de caso sobre as Secretarias de Saúde foram reunidos em uma mesma coluna. Perde-se em precisão e na delimitação das diferenças entre esses estudos, mas espera-se, com isso, obter um sentido norteador dos pressupostos, concepções e conseqüências dessa abordagem.
  16. A importância teórica e prática das idéias e do conhecimento para a formulação e implementação de políticas públicas é evidenciada por Faria (2003). Este destaca a existência de diferentes correntes teóricas (análises das policy networks, das comunidades epistêmicas, das advocacy coalitions, entre outros) que se utilizam desse referencial.
Sobre os autores
Diego Ferreira Almeida

Estudante de Administração Pública na FJP e de Direito na UFMG

Lívia Maria Alves Cândido Pereira

Estudante de Administração Pública na FJP e de Direito na UFMG

Pedro Lucas de Moura Palotti

Estudante de Administração Pública na FJP e de Direito na UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Diego Ferreira; PEREIRA, Lívia Maria Alves Cândido et al. Direitos sociais através dos tribunais?: A defesa do direito à assistência farmacêutica no Brasil: dilemas e controvérsias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1950, 2 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11908. Acesso em: 18 nov. 2024.

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