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A atuação do Judiciário na efetivação do direito à saúde e a reserva do possível: colisão com direitos

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Agenda 11/03/2011 às 09:59

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A abordagem da saúde na legislação brasileira: algumas considerações; 3. O Sistema Único de Saúde - SUS; 4. O papel do judiciário na efetivação do direito à saúde; 5. Da primeira instância ao STF: um longo caminho para confirmação do direito à saúde; 6. A multiplicação dos processos judiciais para satisfação do direito à saúde; 7. A Reserva do Possível como meio de defesa dos entes federativos nas ações judiciais; 8. A Reserva do Possível e os direitos fundamentais; 9. Considerações Finais; 10. Referências;

RESUMO: A Constituição Federal de 1988 declara a Saúde e a Vida como direitos fundamentais. Cuidar da saúde é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Para as ações públicas coordenadas, a própria Constituição previu um Sistema Único de Saúde, que foi regulamentado em 1990 pela Lei Orgânica da Saúde (8.080/90); lei esta que orienta outras leis relacionadas ao tema. O SUS é um sistema descentralizado em que há responsabilidades definidas do Ministério da Saúde, das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde como, por exemplo, políticas públicas de distribuição de medicamentos, organização de internações, repasse de verbas, entre outras. Mas o acesso total e igualitário à saúde, como determinado pela Constituição e leis regulamentadoras, não ocorre, fazendo com que seja necessária a atuação do judiciário em todas as instâncias para efetivação desse direito constitucional. São crescentes os gastos com medicamentos em cumprimento das decisões judiciais e a Reserva do Possível (que vem a ser o mínimo orçamentário para que se mantenham as políticas básicas de saúde, educacionais, habitacionais e outras) é utilizada como tese de defesa pelos entes federativos (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) para que não sejam forçados a arcarem com as despesas de saúde dos cidadãos que recorrem à justiça. A Reserva do Possível entra em colisão com diversos direitos fundamentais, entre eles o próprio direito fundamental máximo que é o Direito à Vida.

Palavras-Chave: Constituição, Saúde, SUS, Justiça, Reserva do Possível.


1. INTRODUÇÃO

O presente estudo objetiva exibir a realidade do cidadão na busca forçada do acesso à saúde que, embora seja um direito fundamentalmente protegido, é limitado pela burocracia e ineficácia das políticas públicas e colocado em contraponto com o argumento, administrativo ou judicial, de que existem critérios e limites materiais adotados para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais, a denominada Reserva do Possível.

Embora o termo saúde tenha sido utilizado pelos pensadores da Grécia Antiga, foi a partir do ano de 1946, na Constituição da Organização Mundial da Saúde, que o termo foi definido como sendo um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Ainda de acordo com a Constituição da OMS, gozar do melhor estado de saúde constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano e é o governo quem tem a responsabilidade pela saúde de seus povos com o estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas [01].

No Brasil, após direcionamentos apenas administrativos, a Constituição Federal de 1988 reconhece em seus artigos 6º e 196 que a saúde é direito social fundamental e dever do Estado. Nesse contexto, o direito à saúde é um direito que exige do Estado prestações positivas no sentido de garantir a sua efetividade.

Para que seja atendido o objetivo do estudo, sem a pretensão de esgotar tema tão complexo, será apresentada uma abordagem da saúde na legislação brasileira tanto constitucional, quanto infraconstitucionalmente. Serão estudados a constitucionalidade, o histórico e a estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS). Em matéria processual, adentrar-se-á no papel do judiciário na efetivação do direito à saúde em todas as instâncias – primeira instância, tribunais regionais e, por último, uma visão geral sobre as recentes votações realizadas no Supremo Tribunal Federal relacionadas ao tema do direito de acesso integral à saúde.

Como ilustração do crescente aumento das despesas determinadas por decisões judiciais, foi realizada pesquisa junto à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde que resultou no recebimento de planilha com os gastos relacionados à compra de medicamentos de alto custo pela União no período de 2005 a 2010.

Tais números foram organizados e estão representados na forma de gráficos representativos e comparativos, que serão apresentados no capítulo próprio.

Após a conceituação da Reserva do Possível, será realizado um apanhado geral sobre as relações conflitantes de tal princípio, voltado ao fator orçamentário e administrativo, com os princípios constitucionais fundamentais de Direito à Vida, à Saúde (como direito fundamental social) e também à Dignidade da Pessoa Humana.


2. A ABORDAGEM Da saúde na legislação brasileira: algumas considerações

A saúde, como um direito fundamental do homem, foi tratada de maneira primeira na Constituição Italiana. No Brasil, o tema da saúde foi tratado pelas constituições anteriores à de 1988 tão somente no sentido administrativo, sobretudo para estabelecer medidas organizacionais de combate a epidemias e endemias.

Para confirmar tal consideração acima, Luiz Alberto Araújo expõe o passado e o presente do direito à Saúde:

As Constituições Brasileiras anteriores à de 1988 no máximo arrolaram a competência do Poder Público para legislar sobre proteção à saúde. Porém como atividade pública voltada basicamente à prevenção de endemias e epidemias. Não como um direito do indivíduo. Apenas com a Constituição Federal de 1988 a saúde foi erigida à condição de direito individual de caráter fundamental [02].

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer em seu artigo 196 que "a saúde é direito de todos e dever do Estado [...]", passou a tratar, definitivamente, a saúde como um direito fundamental social do homem.

José Afonso da Silva entende da seguinte forma a saúde como um direito social:

Como ocorre com os direitos sociais em geral, o direito à saúde comporta duas vertentes, conforme anotam Gomes Canotilho e Vital Moreira: uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer acto que prejudique à saúde; outra de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas [03].

Ainda, José Afonso da Silva defende que os direitos sociais são prestações positivas proporcionadas pelo Estado para proporcionar aos mais fracos melhores condições de vida, proporcionando assim a realização de uma igualização de situações sociais desiguais [04].

A Constituição Federal dedica vários de seus artigos à proteção da saúde e da vida. Não deixa, assim, qualquer dúvida sobre a positivação do direito à saúde como direito humano fundamental. Logo no artigo 6º está estampado que "são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação [...]". Mas, antes, no artigo 1º (inciso III), um dos princípios fundamentais de todo o ordenamento jurídico brasileiro, que é a "dignidade da pessoa humana", dá o direcionamento de que a concretização do mesmo depende necessariamente da garantia do direito à saúde.

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Ainda, de acordo com o artigo 196 da Constituição Federal:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Cabe ressaltar que o artigo 23, II, da Constituição Federal, depois confirmado na lei 8.080/90, estabelece que cuidar da saúde é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Assim, estabeleceu-se a responsabilidade solidária dos entes federativos, que deverão atuar em cooperação administrativa recíproca.

Conhecida como a Lei Orgânica da Saúde, entrou em vigor em 1990 a Lei nº 8.080/90 que regula as ações gerais de saúde e também a Lei nº 8.142/90 que regula os repasses de recursos para a saúde. A Lei Orgânica da Saúde é a principal norma reguladora da saúde no Brasil e que serve de orientação para várias outras leis relacionadas ao assunto.

Para Salazar e Grou, em sua obra "A Defesa da Saúde em Juízo", a Lei 8.080/90 apresenta a seguinte função:

[...] a Lei 8.080/90 tem a função estruturante no que diz respeito às ações de preservação, manutenção e recuperação da saúde do cidadão brasileiro, estabelecendo desde regras de competência, organização e funcionamento, até relativas ao financiamento para viabilização do direito constitucional à saúde. E, dessa forma, constitui a base de todas as outras regras que porventura versem sobre seu conteúdo, ainda que parcialmente, ou mesmo de forma a complementá-la, como é o caso da Lei 9.656/98 [05].

Ao citarem a Lei nº 9.656/98 acima, as autoras estão se referindo à Lei de Planos e Seguros Privados de Saúde, lei esta que regula a assistência à saúde pelos Planos de Saúde.

Já a Lei 8.142/90, estabelece as formas de transferências intergovernamentais de recursos para financiamento da Saúde. Nela, em seu artigo 2º, está previsto o Fundo Nacional de Saúde, que é o órgão Gestor Financeiro, na esfera Federal, dos Recursos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Será demonstrada em praticamente todo o corpo deste estudo a efetivação da saúde na legislação brasileira como direito fundamental definido, tanto constitucional quanto infraconstitucionalmente.


3. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

3.1 Histórico

Com o objetivo central de garantir a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, foi criado pela Constituição de 1988 o Sistema Único de Saúde (artigo 198). Ademais disso, a criação do Sistema Único de Saúde tinha como outros objetivos centrais – e que foram conquistados - a unificação do sistema, para que não ocorressem os mesmos problemas do antigo sistema que era distribuído por diversos ministérios (o que ocasionava a falta de controle das ações de saúde). A descentralização das ações de saúde, outro objetivo central, foi idealizada como forma de aproximar as políticas públicas de saúde à população, respeitando as necessidades de ações para cada Estado, região, cidade, etc.

Posteriormente à Constituição de 1988, outras Leis foram elaboradas no sentido de regular e regulamentar alguns dos princípios e diretrizes determinados pela Constituição Federal de 1988, como são, no caso do SUS, as Leis Orgânicas 8.080/90, que trata da organização do Sistema, e a Lei 8.142/90, que regulariza e determina os critérios de repasse de verbas para o SUS.

3.2 Estrutura

Observa-se no item anterior que a criação do SUS também foi determinada pela Carta de 1988, nos termos do artigo 198:

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único [...].

Os incisos e parágrafos do artigo 198 determinam as diretrizes a serem seguidas para criação e regulamentação do Sistema Único de Saúde. Dentre os princípios e Diretrizes específicos do SUS, estão a descentralização e a integralidade:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

É importante salientar que para as ações de saúde se manifestarem efetivamente como um direito de cidadania e terem o sentido fundamental da Universalidade, o que caracteriza a criação do Sistema Único de Saúde, outras características conceituais também foram edificadas no texto da atual Constituição Federal. Estas características são fundamentais para a efetivação da saúde como um direito fundamental do homem. São elas:

- a Equidade, ou seja, a igualdade constitucional em seu sentido formal, que trata os desiguais de maneira desigual;

- a Descentralização que redefiniu funções e responsabilidades do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais e Municipais da Saúde;

- a Participação Social, garantida mediante a atuação dos Conselhos de Saúde.

Além das ações relacionadas à saúde por meio de ações preventivas, financiamento do sistema e a democratização de informações referentes a direitos e riscos à saúde da população, o SUS possui como responsabilidades o controle da qualidade de remédios e exames, inclusive com ações conjuntas com a Vigilância Sanitária entre outros, conforme preceitua o artigo 200 da Constituição Federal.

Após a criação das Leis 8.080/90 e 8.142/90, a execução e direção dos serviços e ações de saúde tornaram-se dever de cada uma das esferas de governo, e todas devem agir juntas e de forma solidária.

As diretrizes de descentralização e da universalidade de tratamento indiscriminado a todos os cidadãos são verificadas de maneira inequívocas no artigo 7º e incisos da lei 8.080/90.

A integralidade de assistência (art. 7º, II, 8.080/90 e art. 198 da CF) também deve ser levada em consideração nesse estudo sobre o SUS. Ela consiste no atendimento integral da pessoa, ou seja, deve atuar na prevenção de doenças, no fornecimento de atendimento médico e hospitalar e na prestação de assistência farmacêutica, possibilitando o acesso aos medicamentos necessários ao tratamento e à cura.

Os princípios e diretrizes da universalidade e da integralidade estão reforçados na Lei 8.080/90, que assim prevê em seu artigo 2º:

A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§1º - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Sobre a assistência terapêutica e farmacêutica por parte do SUS, a lei 8.080/90 assim se expressa no seu artigo 6º:

Estão incluídas ainda no campo da atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I – a execução de ações:

[...]

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica; [...] (grifo nosso)

É importante destacar que a Lei Orgânica da Saúde define a competência para cada esfera administrativa (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

De acordo com o artigo 16 da Lei Orgânica da Saúde, cabe à União a direção nacional do SUS (conforme preceitos também da Constituição Federal). Além da direção nacional do SUS, caberá à União prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Conforme o artigo 17, é incumbência da administração Estadual promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde; acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de Saúde; prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde. Por fim, é estabelecido no artigo 18 que a administração Municipal deverá planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, bem como gerir e executar os serviços públicos de saúde.

Em linhas gerais, o Sistema Único de Saúde é uma rede nacional de atendimento à saúde, organizado e com responsabilidades definidas para cada ente federado – União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Os recursos para a saúde são divididos e repassados aos órgãos responsáveis pela saúde de cada um desses entes de acordo com as leis orçamentárias. Deve haver o tratamento integral à saúde do cidadão, indiscriminadamente, e o acesso aos meios de tratamento (exames, remédios, etc.) deve ser amplo, conforme princípios constitucionais e da própria Lei de Organização da Saúde.

3.3 O Financiamento e a distribuição de Medicamentos

O Fundo Nacional de Saúde – FNS - é o órgão gestor dos recursos do SUS, responsável pelo financiamento de diversos programas relacionados à saúde, tanto física como mental. Dentre eles, encontram-se as transferências de recursos para "Assistência Farmacêutica Básica" e de "Medicamentos Essenciais – Saúde Mental" [06].

Os programas se dão na forma de transferência de certo valor anual por habitante, valores estes que são utilizados para compra de medicamentos básicos.

Para a compra dos medicamentos básicos, tomam-se por base a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME, uma lista de medicamentos básicos criada pelo Ministério da Saúde. Cabe ressaltar que cada Estado pode criar a sua própria lista baseada na RENAME. Não há uma frequência definida para atualização da Lista Nacional de Medicamentos e a última versão atualizada é a 6ª Edição de 2008 [07].

A não atualização frequente da RENAME pode ser considerada uma das possíveis causas de aumento das ações judiciais para fornecimento de medicamentos de alto custo ou lançados recentemente. Evidentemente, há também a possibilidade de justamente por serem de alto custo, tais medicamentos não entrarem na lista básica em uma eventual atualização. Esta é uma equação difícil de ser resolvida.

Além da Reserva do Possível (que será abordada adiante), o fato de o medicamento necessário para tratamento do cidadão não estar relacionado na RENAME, ou na lista dos Estados, é sinônimo de negativa para o fornecimento do mesmo quando o cidadão procura o serviço de saúde.

Assim, nas ações judiciais impostas contra os entes federativos, esta é uma das teses de defesa utilizada. Ou seja, para tal defesa, não poderá ser fornecido ao cidadão um medicamento que não está na lista de medicamentos básicos do SUS.

Este argumento geralmente não é acatado pelas decisões judiciais, como no exemplo a seguir:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - INDEFERIMENTO PELO JUÍZO SINGULAR - REQUISITOS DO ARTIGO 273 DO CPC - MEDICAMENTO NÃO PREVISTO NA LISTA DAQUELES CONSIDERADOS EXCEPCIONAIS - HIPOSSUFICIÊNCIA E NECESSIDADE - CONCESSÃO. Deve ser provido o recurso para impor ao ente público o fornecimento de medicação ao particular que demonstra a necessidade e a impossibilidade de arcar com o custeio, sob risco de óbito se utilizar os fármacos previstos na lista dos medicamentos excepcionais para o tratamento da doença que o acomete. (TJMG – Processo nº 1.0024.09.658029-5/001 – Relator: Des. Afrânio Vilela – Decisão em: 12/01/2010) (grifo nosso)

O desembargador considerou risco de morte do paciente caso sejam utilizados somente os medicamentos constantes na lista básica. E, ainda, considerou a necessidade de tratamento com medicamento diverso à lista.

3.4 O fornecimento de tratamentos alternativos pelo SUS

Há pouco tempo, o fornecimento de tratamentos alternativos pelo SUS não era regulamentado, mesmo apesar de vários movimentos especializados a favor da aprovação dos tratamentos diferenciados pelo sistema.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) iniciou o processo de incentivo à Medicina Tradicional/Medicina Complementar/Alternativa nos sistemas de Saúde com o lançamento da "Estrategia de la OMS sobre medicina tradicional 2002–2005" publicada em 2002 [08].

O conceito de Medicina Alternativa é assim apresentado:

O termo Medicina Complementar Alternativa (MCA) é utilizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), porém, esse tipo de tratamento de saúde também é conhecido como "Medicina Alternativa", "Medicina Tradicional"*, "Medicina Vibracional", "Medicina Não-Convencional", "Terapias Alternativas", "Terapias Complementares", entre outros e se refere ao conjunto de técnicas e terapias naturais, antigamente empíricas, atualmente utilizadas social e profissionalmente por distintos grupos de profissionais [09].

No Brasil, o Ministério da Saúde publicou em maio de 2006 a Portaria nº 971 denominada "Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)" [10]. Essa política recomenda a implantação e implementação das ações e serviços relativos às práticas integrativas e complementares pelas secretarias de saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. A portaria prevê ainda que os órgãos e entidades do MS promovam a elaboração ou a readequação de seus planos, programas, projetos e atividades voltados para a medicina alternativa.

A portaria se volta em diversas vezes ao documento de Estratégia da OMS sobre medicina tradicional e se baseia também no artigo 3º da Lei 8.080/90, que diz respeito às ações destinadas a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social, como fatores determinantes e condicionantes da saúde.

Com a definição do Ministério da Saúde e a portaria regulamentadora da medicina alternativa na rede do SUS, fica garantido o direito ao cidadão de receber do sistema o tratamento alternativo. Mas, como tudo o que depende de organização, é necessário que haja políticas regionais e locais para o fornecimento de tais serviços.

Há também certa resistência por parte de algumas organizações, no sentido de tentarem impedir o tratamento da população por via da medicina alternativa sem a regularização do exercício da profissão, por não entenderem que tais tratamentos sejam comprovadamente eficazes ou por entenderem que poderão perder espaço para os tratamentos alternativos. Geralmente nestes casos a justiça intervém para resolver os conflitos que surgem entre as entidades de classe médica convencional e os profissionais praticantes da medicina alternativa, conforme decisão abaixo:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPEDIMENTO, SUS, AUTORIZAÇÃO, TERAPIA ALTERNATIVA, ACUPUNTURA, FITOTERAPIA, CREONOTERAPIA, TERMALISMO SOCIAL, REALIZAÇÃO, POR, NÃO, MÉDICO. LEGITIMIDADE ATIVA, SINDICATO, MÉDICO. LEGITIMIDADE PASSIVA, UNIÃO FEDERAL. OMS, AUTORIZAÇÃO, MEDICINA, ALTERNATIVA. SUJEIÇÃO, FISCALIZAÇÃO SANITÁRIA. LEGALIDADE, PORTARIA, REGULAMENTAÇÃO, ATIVIDADE.

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu a liminar em ação civil pública ajuizada pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul - SIMERS, pretendendo que a União se abstenha: a) de permitir, no âmbito do SUS, a realização de tratamento de pacientes através de acupuntura por profissionais que não sejam médicos; b) de continuar oferecendo de forma generalizada, também do âmbito do SUS, tratamentos sem eficácia científica comprovada, tais como fitoterapia, creonoterapia e termalismo social; c) alternativamente, a suspensão dos dispositivos da Portaria 971/2006 do Ministério da Saúde, de forma a manter a sistemática anterior [...]

Em que pese o longo arrazoado debuxado na petição recursal, a mim me parece deva ser mantida a decisão ora impugnada.

Em tal perspectiva, a Portaria 971/2006 tem como objetivo a uniformização de procedimentos para a prestação de tais serviços na rede pública de saúde, dentro da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS.

Enfim, não vejo demonstrado um risco potencial na edição da Portaria 971/2006, pois foram tomadas todas as precauções para limitar em parâmetros seguros os contornos das chamadas práticas alternativas de tratamento de saúde. De outra parte, não vislumbro uma possibilidade de acirrada concorrência entre os médicos e os especialistas nas terapias agora incorporadas ao SUS. Cada profissional, ao que consta, conserva sua área de atuação bem delimitadamente, sem risco de invasão uma na outra. (TRF4 – Agravo de Instrumento – Processo nº 2006.04.00.034793-2 – Relator: Luiz Carlos de Castro Lugon – Decisão em: 19/09/2007) (grifo nosso)

No julgado o magistrado não entende que a ação dos profissionais de medicina alternativa poderá apresentar alguma espécie de risco, pois há na portaria do SUS o cuidado para delimitar a atuação dos profissionais de medicina alternativa.

Sobre o autor
Flávio José dos Santos

Graduado em Sistemas de Informação, Especialista em Gerenciamento de Projetos pela FGV, atua como Gerente de Projetos em empresa de TI em Uberlândia MG. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Triângulo - UNITRI também em Uberlândia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Flávio José. A atuação do Judiciário na efetivação do direito à saúde e a reserva do possível: colisão com direitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2809, 11 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18627. Acesso em: 23 dez. 2024.

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