A partir da Constituição de 1988, várias iniciativas jurídico-institucionais foram criando as condições de viabilização plena do direito à saúde. Ampliar o acesso da população a medicamentos tem sido um dos grandes desafios impostos ao poder público brasileiro. O escopo da atuação do Ministério da Saúde envolve a regulação sanitária, a regulação econômica, a reestruturação e a expansão da assistência farmacêutica além do essencial aparelhamento administrativo e institucional para a consecução destes objetivos.
A Política Nacional de Medicamentos [01] baseia-se nos mesmos princípios que orientam o Sistema Único de Saúde e constitui estratégia essencial para consolidá-lo uma vez que contribui para viabilizar um dos componentes fundamentais da assistência à saúde que é a cobertura farmacológica.
A Lei 8.080/90 - Lei Orgânica da Saúde (LOS) - foi editada com o objetivo de regulamentar os dispositivos constitucionais relacionados ao sistema de saúde, traçando, em linhas gerais, as condições para a promoção, a proteção e a recuperação da saúde; a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, além de tratar dos objetivos, atribuições, diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde.
O artigo 6º da referida lei estabelece como competência do Sistema Único de Saúde (SUS) a execução de ações e serviços de saúde:
Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico;
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;
V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano;
IX - a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico;
XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.
O mencionado dispositivo garante assistência farmacêutica no âmbito do SUS, não havendo como se negar que existe um direito do cidadão ao fornecimento estatal de medicamentos, incluído expressamente na legislação como parte da assistência à saúde a ser prestada pelo Estado.
Dentre as atribuições do SUS, uma das mais importantes é a assistência terapêutica integral. Por sua individualização, imediatismo, apelo emocional e ético, urgência e emergência, a assistência terapêutica destaca-se dentre todas as demais atividades da saúde como a de maior reivindicação individual.
Em seu art. 7º, que dispõe sobre os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, a Lei n. 8.080/90 define a integralidade da assistência como "o conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema".
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário;
VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
VIII - participação da comunidade;
IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;
XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e
XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.
A integralidade da assistência exige que os serviços de saúde sejam organizados de forma a garantir ao indivíduo e à coletividade a proteção, a promoção e a recuperação da saúde, de acordo com as necessidades de cada um em todos os níveis de complexidade do sistema.
A assistência integral não se esgota nem se completa num único nível de complexidade técnica do sistema, necessitando, em grande parte, da combinação ou conjugação de serviços diferenciados, que nem sempre estão à disposição do cidadão no seu município de origem. Por isso a lei sabiamente definiu a integralidade da assistência como a satisfação de necessidades individuais e coletivas que devem ser realizadas nos mais diversos patamares de complexidade dos serviços de saúde, articulados pelos entes federativos, responsáveis pela saúde da população.
No entanto, a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito á saúde, que obriga todas as esferas do governo a atuarem de forma solidária.
Para a delimitação das responsabilidades de cada ente da federação quanto ao seu comprometimento com a integralidade da assistência, foram criados instrumentos de gestão, como o plano de saúde e as formas de gestão dos serviços de saúde.
Na realidade, cada ente político deve ser eticamente responsável pela saúde integral da pessoa que está sob atenção em seus serviços, cabendo-lhe responder civil, penal e administrativamente apenas pela omissão ou má execução dos serviços que estão sob seu encargo no seu plano de saúde que, por sua vez, deve guardar consonância com os pactos da regionalização, consubstanciados em instrumentos jurídicos competentes. [02]
A referida norma traçou diretrizes, prioridades e responsabilidades para a Política de Medicamentos, sendo certo que a partir dela são elaboradas as normas específicas, na sua maioria Portarias, com o fim de regulamentar programas de atenção a doenças, listagem, compra e dispensação de medicamentos, divisão de competências entre União, Estados e Municípios.
A rede pública de saúde tem obrigação de oferecer gratuitamente os medicamentos necessários para o tratamento de qualquer doença, inclusive aqueles de alto custo e de uso controlado.
O Ministério da Saúde desenvolve programas através de parcerias com os Estados e Municípios para distribuição de medicamentos, incluindo o fornecimento gratuito de medicamentos excepcionais e de alto custo como os destinados ao tratamento de câncer, além da distribuição nacional de vacinas e outros imunobiológicos.
Além disso, a Política Nacional de Medicamentos, estabelece as diretrizes que deverão balizar as ações dos gestores do Sistema Único de Saúde, nas três esferas do governo, para assegurar o acesso da população a medicamentos seguros, eficazes e de qualidade, ao menor custo possível.
Com esse intuito, suas principais diretrizes são: adoção de uma relação de medicamentos essenciais, regulamentação sanitária de medicamentos, reorientação da assistência farmacêutica, promoção do uso racional de medicamentos, desenvolvimentos cientifico e tecnológico, promoção da produção de medicamentos, garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, e, desenvolvimento e capacitação de recursos humanos. [03]
Quanto à regulamentação sanitária de medicamentos, que está diretamente relacionada ao registro dos medicamentos, sua importância se destaca na medida em que algumas ações judiciais que tiveram pedidos deferidos, versavam sobre medicamentos importados e ainda sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Esta questão não só pode apresentar um problema para o usuário, pois não existe eficácia comprovada do produto, como para o Estado, que é obrigado a adquirir medicamentos de custo muito elevado.
A regulação sanitária visa proteger o usuário de medicamentos a partir de padrões de qualidade, segurança, eficácia em relação aos produtos e aos métodos de fabricação, armazenamento, transporte e dispensação.
Já a promoção do uso racional de medicamento se baseia em ações voltadas não só para o consumo de medicamentos pelo usuário, mas também na prescrição de medicamentos pelos profissionais de saúde. Para que exista um pedido judicial nesse sentido, é necessário que tenha havido a prescrição médica.
A assistência farmacêutica compreende a área de aquisição e distribuição de medicamentos, exigindo, para tanto, a elaboração de planos, programas e atividades específicas. Tais ações devem ser pautadas pela eficiência e, sobretudo, pelo uso racional dos medicamentos e a inserção efetiva da assistência farmacêutica como uma ação de saúde. Corresponde a uma política pública representativa dentro do sistema do SUS, sendo responsável direta pela resolubilidade dos serviços de saúde, reduzindo ou eliminando os efeitos causados pelas enfermidades. Constitui atualmente um dos setores de maior impacto financeiro para o governo, fato este que tende a aprofundar devido a crescente demanda por medicamentos.
A norma infralegal que aprovou a Política Nacional de Medicamentos foi a Portaria nº 3.916 de 30 de outubro de 1998, do Ministério da Saúde, que tem como finalidade garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos; a promoção do uso racional dos medicamentos e o acesso da população àqueles considerados essenciais. Apresenta como diretrizes prioritárias a revisão permanente da relação nacional de medicamentos essenciais, a reorientação da assistência farmacêutica e a organização das atividades de vigilância sanitária de medicamentos.
No âmbito da assistência realiza-se o mapeamento das necessidades da população, as prioridades sob o prisma da saúde pública, os objetivos, as estratégias de promoção e expansão do acesso. Promove-se a construção de consensos terapêuticos a respeito da abordagem em doenças específicas e a indicação e uso de medicamentos, bem como avaliação e acompanhamento dos hábitos de prescrição, dispensação e resultados terapêuticos.
Esta política tem como objetivo implementar atividades para promover o acesso da população aos medicamentos essenciais, com fundamento na descentralização da gestão, especialmente com aquisição e distribuição de medicamentos no município, não isentando, contudo, os gestores estaduais e federal da responsabilidade em situações especiais.
A questão da descentralização está diretamente relacionada à competência das esferas do governo no fornecimento de medicamentos. Com relação à saúde, o artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, define que é competência da União, Estado e Municípios cuidar da saúde. Portanto, se todos os entes devem cuidar da saúde, a cada um devem ser atribuídas tarefas, norteadas sempre pela diretriz da descentralização a fim de que se possa implementar efetivamente o Sistema Único de Saúde.
A adoção da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME [04] – tem como objetivo racionalizar a aquisição e distribuição de medicamentos, de modo que aqueles que realmente sejam necessários estejam disponíveis para a população. Os medicamentos essenciais são aqueles considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde de uma dada população.
A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais deve ser constantemente atualizada, uma vez que servirá de referência para a organização das listas estaduais e municipais, constituindo-se em instrumento de facilitação da descentralização de ações. Os Estados e Municípios podem adaptar suas listas de medicamentos, de acordo com seus perfis epidemiológicos, e, desde que norteados pela listagem nacional.
A Portaria nº 3.916/98 apenas orienta as esferas de governo no planejamento da política de medicamentos. Uma série de outras Portarias foram editadas pelo Ministério da Saúde com a finalidade de definir o financiamento, a compra e a distribuição de medicamentos. Assim, temos a Portaria nº 956 de 25 de agosto de 2000, que estabelece critérios e requisitos para a qualificação dos Municípios e Estados no incentivo à Assistência Farmacêutica Básica e define valores a serem transferidos, e a Portaria nº 432 de 03 de outubro de 2001 que prevê a obrigatoriedade do fornecimento do tratamentos aos portadores de câncer.
Apesar da existência das regulamentações acima referidas, tais normas são observadas apenas na esfera administrativa, já que o Judiciário se orienta apenas pela expressão do artigo 196 da Constituição Federal, que afirma ser a saúde dever do Estado.
A assistência farmacêutica do SUS está dividida em três grupos, classificados de acordo com o tipo de medicamento. O primeiro grupo seria o dos medicamentos de atenção básica, destinados ao tratamento de agravos no nível primário de atenção. Dentro deste grupo, incluem-se também os medicamentos essenciais, ou seja, aqueles considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população.
Existem também os medicamentos denominados excepcionais, destinados ao tratamento de doenças específicas, que atingem um número limitado de pacientes, os quais, na maioria das vezes utilizam-nos por períodos prolongados. Neste caso, cabe ao estado adquiri-los e fazer a distribuição e ao Ministério da Saúde, através de um sistema informatizado de comprovação da aquisição e distribuição reembolsar os recursos ao estado.
O Programa de Medicamentos Excepcionais [05] foi criado para atender patologias raras, crônicas e de difícil tratamento ou de tratamento com custo muito elevado. O atendimento através deste programa se dá de forma individualizada, com a montagem de um processo de solicitação, exigindo o cumprimento de determinadas regras por parte do usuário, para que tenha acesso aos medicamentos, o que inviabiliza o atendimento de grandes massas populacionais
O terceiro grupo é composto pelos medicamentos estratégicos, ou seja, aqueles utilizados para tratamento das doenças do perfil endêmico, cujo controle e tratamento tenha protocolo e normas estabelecidas e que tenham impacto socioeconômico.
A indústria farmacêutica é também um fator de influência sobre os profissionais de saúde, responsáveis pela prescrição de medicamentos e que estão diretamente envolvidos na execução da Política Nacional de Medicamentos e de Assistência Farmacêutica, o que pode vir a influenciar negativamente a promoção do uso racional de medicamentos, sendo importante que qualquer decisão sobre o assunto leve em consideração esse aspecto.
Assim, a regulação econômica tem como um dos principais objetivos contrabalancear o poder de mercado das empresas e reduzir os custos de aquisição, seja do ponto de vista do setor público, seja do ponto de vista do consumo direto das famílias.
A não adoção de uma relação de medicamentos essenciais pode provocar o colapso do sistema, face a multiplicidade de produtos farmacêuticos disponíveis no mercado, sendo imperioso que a área pública tenha como referência uma padronização, com base em critérios de seleção como custo/benefício, dose/efetividade, risco/benefício e efetividade/eficácia.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu nesse sentido:
Não vejo como possível limitar o fornecimento dos medicamentos ao rol constante da Portaria Ministerial (CONSENSO – fls. 141/143), posto que cada paciente é avaliado individualmente e, conforme o seu estado clínico, é medicado de acordo com essa avaliação, ou seja, com as condições existentes no momento do mesmo tratamento. Se a combinação de medicamentos, pela autoridade da chancela médica que a prescreve, é o melhor para o tratamento de determinado paciente, não pode o fornecimento desses medicamentos ficar limitado ao convencionamento pelo Ministério da Saúde. (Recurso Especial 325.337-RJ, Terceira Turma, Relator Ministro José Delegado, publicado no DJ em 03/09/2001).
Apesar de ser esta a posição dominante do Judiciário, existem algumas decisões que condicionam o fornecimento dos medicamentos à sua prévia incorporação à lista do Ministério da Saúde e à sua disponibilidade no país.
A questão não está pacificada no Judiciário, sendo dominante, entretanto a posição que obriga o Estado a prestar os medicamentos prescritos pelo médico, ainda que não tenha havido sua incorporação e que não esteja aprovado pelas autoridades sanitárias.
O papel do Sistema Único de Saúde - SUS
O Sistema Único de Saúde (SUS) representa a institucionalização do direito à saúde garantida a todos os cidadãos brasileiros, consistindo na política pública de maior inclusão social implementada no país. A implementação do SUS demonstra o reconhecimento da saúde como direito que deve ser assegurado pelo Estado de forma efetiva, pautado pelos princípios da universalidade, equidade e integralidade entre as esferas de governo de forma a manter a descentralização do serviço, controle e participação popular. Formado por um conjunto de ações e de serviços de saúde, o SUS encontra-se organizado através de redes regionalizadas e hierarquizadas com atuação em todo o território brasileiro. O desenho dessa política visou a integração das esferas de governo de modo a implementar, de forma eficiente e abrangente, a política de saúde unificada do Brasil, priorizando-se as atividades preventivas sem prejuízo dos serviços assistenciais.
O artigo 200 da Constituição define em que campo deve o Sistema Único de Saúde atuar. As atribuições ali relacionadas não são taxativas ou exaustivas, podendo existir várias outras, na forma da lei. As atribuições ali elencadas dependem de lei para a sua exequibilidade.
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
O SUS deve atuar em campo demarcado pela lei, em razão do disposto no artigo 200 da Constituição Federal. Será a lei que deverá impor as proporções, sem, contudo, cercear o direito à promoção, proteção e recuperação da saúde.No entanto, haverá sempre um limite orçamentário e um ilimitado avanço tecnológico a criar necessidades infindáveis e até mesmo questionáveis sob o ponto de vista ético, clínico, familiar, terapêutico e psicológico.
O desenho dessa política completa-se com a Lei nº 8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde, que o instituiu, definindo suas ações e diretrizes, garantindo a prestação de serviços de saúde por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, tanto da administração pública direta quanto indireta, além da participação da iniciativa privada, sob caráter complementar.
Assim, o SUS tem como objetivos: a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde, a formulação de políticas de saúde destinadas a promover a redução dos riscos de doenças e outros agravos e a execução de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, integrando as ações assistenciais com as preventivas, de modo a garantir às pessoas a assistência integral á sua saúde.
No âmbito da União, a direção do Sistema Único de Saúde é exercida pelo Ministério da Saúde, enquanto nos Estados e Distrito Federal a incumbência cabe às respectivas Secretarias de Estado da Saúde – SES, assim como nos Municípios. Como se constata, a gestão do SUS é realizada por representantes de cada esfera de governo, apresentando como funções a formulação de políticas e planejamento; financiamento; coordenação, regulação, controle e avaliação; prestação direta de serviços de saúde, sendo o seu orçamento composto por contribuições destes três entes administrativos.
O Município é o responsável imediato pelo atendimento das necessidades e demandas de saúde de sua população. Busca-se, dessa forma, a responsabilidade crescente do Poder Público municipal, obedecendo-se à lógica de que o Município é o ente político estruturalmente mais próximo do cidadão e, por isso, deve prestar os serviços de saúde da atenção básica.
Nesse âmbito, estabeleceu-se uma divisão de tarefas no que tange ao fornecimento de medicamentos, de maneira que o sistema básico de saúde fica a cargo dos Municípios (medicamentos básicos), o fornecimento de medicamentos classificados como extraordinários compete à União e os medicamentos excepcionais são fornecidos pelos Estados. Percebe-se assim, claramente, a composição de um sistema único, que segue uma diretriz de descentralização, com direção única em cada esfera do governo. [06]
Quando alguém necessita de cuidados médicos e recorre ao SUS, procura, salvo exceções, uma unidade de saúde municipal. Essa unidade tem o dever de prestar o atendimento e de fornecer os medicamentos receitados. Se o Município não puder prestar o serviço cabível, tendo em vista as obrigatoriedades assumidas, nos termos de seu nível de inserção ao SUS, o que está definido na política estadual, ou não contar com o medicamento exigível, deve encaminhar o paciente ao Estado ou requisitar, do Estado, o medicamento.
Como o SUS é um sistema hierarquizado, essa é a forma de participação solidária do Município. Encaminhado ao Estado ou requisitado o medicamento da instância superior, cessam as obrigações do Município, salvo quanto à continuidade de atendimento do paciente, dentro de suas possibilidades, e quanto à cobrança das ações a serem desenvolvidas pelo Estado.
Devido às dificuldades materiais para a garantia constitucional do direito a universalização, o SUS passa a se consolidar como parte de um sistema segmentado composto, também, pelo Sistema de Saúde Suplementar (planos de saúde) e o Sistema de Desembolso Direto (serviços de saúde adquiridos diretamente), ambos constituindo espaços privados para a prestação de serviços de saúde. Como a maioria da sociedade, 61,5%, se utiliza de ambos os Sistemas, público e privado, o SUS acaba por atender grande parte da população. No entanto, parte significativa apenas utiliza o SUS para os serviços de maior densidade tecnológica, o qual o Sistema Complementar não fornece de forma abrangente, configurando uma situação de seleção adversa, contrastando com a escassez de recursos.
Uma solução seria restringir os serviços do Sistema Único de Saúde apenas para os pobres, mas tal atitude poderia resultar num sub-financiamento desse serviço, devido ao fato dos pobres, numa arena política organizada, não conseguirem se posicionar adequadamente graças aos altos custos de organização e articulação, exercendo, assim, pouca pressão política para manter a qualidade do sistema. Outro inviabilizador da discriminação para o atendimento seria a garantia constitucional que assegura a todos o direito à saúde, independentemente da renda auferida. Permanece a questão de como manter o SUS com a restrição orçamentária existente, em um contexto de insuficiência dos recursos materiais para se manter um serviço público universal.
Qualquer omissão do Estado no papel de garantidor do direito à saúde abrirá ensejo para a propositura de medidas judiciais, desde que comprovado o nexo de causalidade. A possibilidade de responsabilização do Estado é manifesta não somente naquelas situações em que ele na garantir o direito á saúde, mas também quando o assegurar de forma ineficiente. [07]
O que tem sido notado, na prática, é a reprodução incessante de ações judiciais com o intuito de desrespeitar a descentralização da gestão do sistema público de saúde, visando compelir o Estado-Membro a fornecer todo tipo de medicamentos.