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"Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidade delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976

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Agenda 10/04/2011 às 10:36

6. Sujeito ativo

A doutrina admite a existência de dois tipos de insider: o primário e o secundário. Contudo, em se tratando de sanção penal, somente pode ser aplicada aos "insiders primários", que estão obrigados a guardar sigilo, nos termos da expressão "da qual deva manter sigilo". Já os "insiders secundários", que não estão obrigados a guardar sigilo, podem ser punidos administrativamente pela CVM, se ficar demonstrado que tiveram acesso e utilizaram informação que sabiam ser privilegiada [32]- [33]. Mais é só isso.

Com efeito, sobre o tema lecionaJOÃO CARLOS CASTELLAR [34] "trata-se de crime próprio, só podendo cometê-lo aqueles a quem a lei atribui o dever de lealdade, quais sejam: os administradores (art.155); b) os conselheiros e diretores (art. 145); c) os integrantes de órgão técnicos e consultivos (art. 160); d) os subordinados ou terceiros de confiança dos administradores, apelidados de ‘tipees’ (pessoas que recebem e usam ou passam adiante tais informações, inclusive jornalistas – art. 155, §2º); e) os membros do conselho fiscal; f) os acionistas controladores e minoritários (art. 22, V, da Lei n. 6.385/76); g) as pessoas que prestam serviços jurídicos ou contábeis à companhia, que também estão investidas por lei, do dever de sigilo; h) os agentes privados que atuam no âmbito do mercado de valores mobiliários (profissionais de distribuidoras e corretoras de valores mobiliários e demais instituições que tenham por finalidade social concessão de crédito, investimento e financiamento, além das administradoras de mercado de balcão organizado e bolsas de valores e de mercadorias e futuros); i) os agentes públicos encarregados da fiscalização do setor (integrantes da CVM, BACEN e CMN) e também aquelas referidas na Instrução CVM 358 (art. 13, §§1º e 2º).

Por outro lado, FAUSTO MARTIN DE SANCTIS [35] assevera que:

"não se cuida de delito próprio e, portanto, não se requer o nexo de causalidade entre o conhecimento do sigilo e o cargo ocupado pelo agente. É que diferentemente do que revelam os artigos citados sobre a quebra, aqui o legislador simplesmente coíbe a utilização, mediante negociação, de informação relevante de que tenha conhecimento. Ora, qualquer pessoa que tenha acesso a essa informação, seja em razão do cargo, ou não, poderá ser enquadrado no dispositivo, bastando que negocie com valores".

Ou seja, no entender desseautor,não se cuida de delito próprio e, portanto, qualquer pessoa que tenha acesso a essa informação, seja em razão do cargo, ou não, poderá ser enquadrada no dispositivo, bastando que negocie com valores.

Da mesma forma, no entender desses, não se pode esquecer, todavia, que o receptor da informação que age em concurso com o insider, também é chamado de insider secundário, agindo com consciência de que está adquirindo uma informação privilegiada (art. 29, CP) e, por força do contido no artigo 30 do CP, negocie e obtenha vantagem econômica indevida, concorrerá para o crime, eis que é circunstancia de caráter pessoal elementar do delito de uso indevido de informação privilegiada, e como tal comunica-se aos demais coautores ou partícipes.

Parece-nos, entretanto, que a razão está com aqueles que tratam o delito do art. 27-D, como crime próprio, eis que se exige do sujeito ativo a obrigação de manter sigilo e, tal obrigação só abarca as pessoas de quem a lei exige o dever de lealdade, não sendo prevista a punição na esfera penal para os casos previstos no §4º, do art. 155, da Lei 6.404/76, em homenagem ao princípio da legalidade.

Por isso mesmo, a qualquer pessoa que tenha tido acesso à informação é vedado obter, com base nela, vantagem no mercado de valores mobiliários; mas não é vedado, a qualquer pessoa, divulgar tal informação, mas apenas a pessoas determinadas. Noutras palavras, só pode cometer o crime descrito no art. 27-D, da Lei n.º 6.385/76, aquelas pessoas a quem a lei impõe o dever de lealdade.


7. Sujeito passivo:

Quanto ao sujeito passivo, o tema não traz maiores dificuldades. Eis que em especial são os titulares de valores mobiliários e os investidores nesse mercado, e, em geral, toda a coletividade que se vê prejudicada pela insegurança dessa atividade que sofrerá o prejuízo em seus investimentos.


8. Tipo objetivo

Ocorre o delito de uso indevido de informação privilegiada quando o agente utiliza de forma indevida ou abusiva de informação relevante e confidencial, de que tenha conhecimento e da qual deva guardar sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante a negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários.

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Para ÁUREO NATAL DE PAULA, utilizar significa fazer uso, empregar de qualquer modo, usar, empregar com utilidade, aproveitar, ganhar, lucrar e até mesmo dando como brinde, pois a vantagem não precisa ser material, pode até ser de outra natureza, como para ganhar uma amizade, uma conquista amorosa bou sexual [36].

De nossa parte, não nos parece seja está a melhor interpretação, até porque o referido tipo penal cuida do mercado de capitais, ou seja, da ordem socioeconômica e, desta forma resta nítido tratar-se de vantagem econômica.

Ademais, o uso indevido de informação privilegiada é maneira de se obter vantagem econômica, valendo-se o insider da utilização da informação relevante de forma abusiva ou indevida, capaz de violar o "especial dever de que este é depositário, de manter sigilo até que a informação tenha sido amplamente divulgada e pessoa estar à disposição de todos, mantendo-se o desejado equilíbrio entre o detentor da informação e os demais participantes do mercado de valores mobiliários" [37].


9. Tipo subjetivo

A conduta descrita no art. 27-D exige um especial fim de agir por parte do agente na obtenção do resultado, eis que as expressões "de que tenha conhecimento", "da qual deva manter sigilo", "capaz de propiciar, para si ou para outrem" indicam essa necessidade.

Pode-se até dizer que o delito poderia ser praticado com dolo eventual do agente quanto a um desses elementos, por exemplo, o sujeito sabe que a informação seria divulgada e na dúvida quanto a isso utiliza-se da informação sem se importar que fosse ele o primeiro a dá-la ao conhecimento do mundo dos negócios.

Contudo, se o agente não tem consciência plena da ilicitude, bem como o desejo de obter o resultado, consubstanciado na vantagem indevida, não há que se falar na existência do referido delito, eis que a higidez do delito está condicionada a comprovação do especial fim de agir, e ainda, que a haja consecução do objetivo visado pela conduta e proibido pela norma (desvalor do resultado).


10. Elementos normativos do tipo

A expressão informação relevante é um elemento normativo constitutivo do tipo penal descrito no art. 27-D, por isso mesmo, é preciso contextualizá-lo concretamente como juízo de valor dentro do plano da tipicidade, o que se dará tendo por base a IN 358 da CVM e a própria lei 6.404/1976.

Também existem os elementos normativos de valoração jurídica, cujas definições são encontráveis no Direito Comercial, mais especificamente no Direito Empresarial: mercado, vantagem, negociação e valores mobiliários.

Ainda podemos citar o elemento normativo de referência específica à possível causa de justificação: indevida (vantagem). Está presente no tipo, porém, diz respeito à antijuridicidade. Se a vantagem for devida a conduta se torna não só atípica como permitida.


11. Momento consumativo

O delito descrito no art. 27-D, da Lei 6.385/1976, é indiscutivelmente material, de forma que o momento consumativo será o da realização do resultado, tido como a obtenção de vantagem indevida com a utilização da informação privilegiada.

Acrescente-se, ainda, que "a norma penal é expressa no sentido de exigir que a informação seja capaz de propiciar vantagem indevida mediante negociação com valores mobiliários; não há como se concretizar a "vantagem indevida" sem a realização do resultado [38]".

Por outro lado, alguns autores insistem que o momento consumativo se de com a simples revelação da informação sigilosa, e que por se tratar de crime formal não é necessário nenhum resultado, ou seja, é prescindível a obtenção de vantagem [39]. Trata-se, portanto, de crime de perigo abstrato [40].

Não nos parece que essa seja a posição mais correta, uma vez que o legislador teve o cuidado de deixar assentado que a vantagem indevida deve ser obtida mediante utilização de informação relevante ainda não divulgada ao mercado e, que a negociação se de em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários, ou seja, a vantagem daí advinda só pode ser econômica, que por sua vez, pressupõe a realização do resultado.

Além disso, caso não ocorra a alteração do regular funcionamento dos mercados, um dos resultados da conduta do agente, pensamos que o delito não se caracterizará.


12. Antinormatividade

Tendo o delito em questão, seu momento consumativo, como sendo o da realização do resultado, tido como a obtenção de vantagem indevida com a utilização da informação privilegiada, por trata-se de crime material, ou seja, de resultado.

Por isso mesmo torna-se importante observar que, invariavelmente, a eventual instauração de inquérito policial ou abertura de ação penal vem lastreada em procedimento administrativo, em que se apura os mesmos fatos do inquérito ou da ação penal.

É preciso dizer que, relativamente ao procedimento administrativo, existe uma espécie de "transação", em que aceita a proposta, - que neste caso é feita pelo investigado e não pelo Estado, como ocorre na esfera criminal, - o processo tem seu termo. Por outro lado, a assinatura do compromisso não importará confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada.

Percebe-se que a instauração de persecução penal, mesmo em sede de investigação policial, desse modo, nos crimes contra o mercado de capitais, definido no art. 27-D, da Lei nº 6.385/1976, somente se legitimará, após a constatação administrativa da efetiva ocorrência de fato ilícito. Antes disso, o comportamento do agente será penalmente irrelevante, porque até então manifestamente atípica.

Veja que a referência que existe é que está em elucidação o uso indevido de informação privilegiada. Então, se está em discussão, se foi feito uso ou não, de informação privilegiada, como se autorizar a ação penal, sem que o processo administrativo assim tenha concluído? Não tem fundamento.

Nesse contexto, é preciso ter em mente que a tipicidade penal implica a contrariedade com a ordem normativa, mas não implica a antijuridicidade (a contrariedade com a ordem jurídica), porque pode haver uma causa de justificação (um preceito permissivo) que ampare a conduta [41].

Por sua vez, a antijuridicidade surge da antinormatividade (tipicidade penal) e da falta de adequação a um tipo permissivo, ou seja, da circunstância de que a conduta antinormativa não esteja amparada por uma causa de justificação.

Neste diapasão, cumpre ressaltar, por oportuno, que o juízo da tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. A tipicidade conglobante é corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas [42].

Ademais, a função da tipicidade penal será, pois reduzi-la à verdadeira dimensão daquilo que a norma proíbe, deixando fora da tipicidade penal aquelas condutas que somente são alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não quer proibir, precisamente porque as ordena ou as fomenta.

Se o ordenamento jurídico prevê uma forma de suspensão do procedimento administrativo instaurado para a apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, se o investigado ou acusado assinar termo de compromisso (§ 5º, do art. 11º, da Lei nº 6.385/1976), não há que se falar em tipicidade penal, na espécie, não sendo autorizada a persecução penal estatal, exceto se não cumpridas as obrigações avençadas com a CVM no prazo estipulado (§§ 7º e 8º, do art. 11º, da Lei nº 6.385/1976).

Demais disso, como o ordenamento jurídico não deve ser analisado isoladamente, mas sim como um todo, e se dessa análise se observa que existe uma ou mais mornas que fomentam determinada conduta, forçoso é concluir pela atipicidade desta conduta, eis que não se observa a presença antinormatividade, indispensável para a existência da tipicidade penal.


13. Tentativa

É possível caso a informação esteja sendo passada por escrito e se extravie ou por qualquer meio de comunicação que, por qualquer motivo, por exemplo, falha na execução do arquivo contendo a informação passada por e-mail, impeça a revelação da informação. No caso de revelação verbal a tentativa é impossível.


14. Ação Penal

Pública incondicionada. O membro do Ministério Público, tomando conhecimento do ocorrido, pode agir de ofício e oferecer denúncia, provocando o Judiciário e instaurando a ação penal contra o agente independentemente de representação de eventual ofendido.

Por outro lado, não será despropositado concluir com JOÃO CARLOS CASTELLAR [43] que, para evitar a ocorrência de bis in idem e até mesmo como medida economia processual, a instauração de procedimento criminal pelos delitos previstos na Lei n.º 6.538/76 somente deverá se dar após a decisão definitiva do processo disciplinar pelos mesmos fatos, a fim de que se verifique se efetivamente permanecem elementos reveladores de indícios de infração penal subjacente à administrativa, evitando-se, com isso, o cúmulo de sanções, sobretudo as de natureza pecuniária, previstas nas duas esferas.


15. Pena

Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Por disposição do Art. 27-D, a multa cominada para o crime previsto neste artigo deverá ser aplicada em razão do dano provocado ou da vantagem ilícita auferida pelo agente e nos casos de reincidência, a multa pode ser de até o triplo do valor fixado.

Sobre o autor
Edemilson Mendes da Silva

advogado em Joinville, Presidente da Comissão de Estudos Jurídicos e Legislativos da Subseção de Joinville 2010/2012. Especialista em Ciências Penais pela Universidade do Sul de Santa Catarina em parceria com a Rede de ensino LFG; Pós-Graduando em Direito Socioambiental pela PUC/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Edemilson Mendes. "Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidade delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2839, 10 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18869. Acesso em: 22 dez. 2024.

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