12. Conclusão
A família bigâmea, em relação às demais entidades familiares, é uma exceção. O triângulo amoroso é uma situação, para muitos, considerada impossível de ser tolerada. Com o tempo, diz-se, acaba-se privilegiando um dos parceiros e abandonando o outro.
Apesar de tudo, a bigamia, como situação de fato, existe. Ainda que não seja o tipo de entidade familiar à qual pertence a maioria dos brasileiros (muitos preferem viver numa monogamia de fachada, mantendo famílias simultâneas) é uma realidade que pode estar presente em qualquer canto do país, independentemente da classe social dos envolvidos.
A família bigâmea tem características próprias, sendo a principal delas o consentimento. Seus efeitos jurídicos precisam ser disciplinados para proporcionar segurança e dignidade a todos os envolvidos. O que foi dito aqui vale como um esboço introdutório de estudos mais profundos a serem realizados a respeito do tema.
REFERÊNCIAS
BARASH, David P., LIPTON, Judith Eve. O mito da monogamia. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Record, 2007.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
FERRARINI, Letícia. Família simultânea e seus efeitos jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
FEITLER, Bruno. Inquisição no Brasil. Revista História Viva. Ano VII, n. 77, 2007, p. 66-71.
FOUCAULT, Michel. Ética, sexualidade, política. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão, o mal estar na civilização e outros trabalhos. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996.(Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XXI).
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. vol. 1.
LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, vol. 1.
RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
notas
[1] ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 87.
[2] Idem, p. 83.
[3] Idem, p. 86-87.
[4] Idem, p. 49-50.
[5] BARASH, David P., LIPTON, Judith Eve. O mito da monogamia. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 283.
[6] Idem, p. 106.
[7] A respeito do bissexualismo, observou Freud que: “O homem é um organismo animal com (como outros) uma disposição bissexual inequívoca. O indivíduo corresponde a uma fusão de duas metades simétricas, uma das quais, segundo certos investigados, é puramente masculina, e a outra, feminina. É igualmente possível que cada metade originalmente tenha sido hermafrodita. [...] Seja como for, se considerarmos verdadeiro o fato de que todo indivíduo busca satisfazer tanto desejos masculinos quanto femininos em sua vida sexual, ficamos preparados para a possibilidade de que esses [dois conjuntos de] exigências não sejam satisfeitos pelo mesmo objeto e que interfiram um com o outro, a menos que possam ser mantidos separados e cada impulso orientado para um canal específico que lhe seja apropriado.” (FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão, o mal estar na civilização e outros trabalhos. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 111, nota de rodapé).
[8] Esse é o caso do chamado Sultão do Nordeste, um agricultor aposentado que vive numa casa de taipa no sertão do Rio Grande do Norte, junto com suas três mulheres. Ver em: <http://melhordamidia.blogspot.com/2011/09/homem-tem-mais-de-50-filhos-com-mulher.html#ixzz1e9nG9iGd>. Pode-se lembrar também da telenovela brasileira “Aventuras Amorosas de Seu Quequé”, exibida pela TV Cultura entre 7 de junho e 2 de julho de 1982, baseada no conto Pensão Riso da Noite, de José Condé. Ela mostra um caixeiro-viajante, de classe média, que possuía três esposas.
[9] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 246-247.
[10] Idem, p. 204.
[11] A poliginia “é uma condição de elitismo, em que um número relativamente pequeno de homens de sorte, implacáveis ou singularmente qualificados conseguem monopolizar mais do que sua cota de parceiras disponíveis.” (BARASH, David P., LIPTON, Judith Eve. O mito da monogamia. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 207). No Antigo Testamento os homens podiam ter várias esposas, sendo a poliginia amplamente aceita. O adultério só era proibido quando envolvia a esposa de outro, ou seja, uma mulher que estivesse associada a outro homem. “As relações sexuais entre um homem casado e uma mulher que não tinha nem marido nem pai não violavam qualquer ditame, fosse da sociedade ou de Deus.”(Idem, p. 273-274).
[12] LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 59.
[13] LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 33.
[14] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 42.
[15] RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 30.
[16] RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 18.
[17] LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 84.
[18] Idem, p. 36.
[19] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 136.
[20] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 5.
[21] Idem, p. 9.
[22] LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 20.
[23] Idem, p. 73.
[24] Idem, ibidem.
[25] Idem, p. 27.
[26] “afirmado o afeto como base fundamente do Direito das Famílias contemporâneo, vislumbra-se que, composta a família por seres humanos, decorre, por conseguinte, uma mutabilidade inexorável, apresentando-se sob tantas e diversas formas, quantas sejas as possibilidades de se relacionar, ou melhor, expressar o amor”. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 34)
[27] “Há três sortes de vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vínculos de sangue, vínculos de direito e vínculos de afetividade.” (LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 18).
[28] RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 9.
[29] FERRARINI, Letícia. Família simultânea e seus efeitos jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 114.
[30] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 469.
[31] Ocultar relacionamentos concomitantes ao casamento também é uma forma de evitar a rejeição e o escárnio social (ser chamado de “infiel”, “corno”).
[32] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 351.
[33] Um caso célebre de concubinato não consentido, embora público, foi o relacionamento extraconjugal de D. Pedro I com a Marquesa de Santos (Domitila de Castro). Durou de 1822 a 1829, quando D. Pedro casou-se pela segunda vez. D. Pedro I alçou Domitila de Castro à condição de sua segunda esposa. Concedeu-lhe títulos de nobreza, propriedades e outros bens. Fez dela a primeira-dama da imperatriz Leopoldina e assumiu publicamente a paternidade da sua primeira filha. Os registros históricos, todavia, indicam que a imperatriz Leopoldina nunca consentiu com o romance, tendo este, ao contrário, causado a ela grande humilhação e sofrimento, que teria favorecido seu falecimento prematuro, durante a gravidez, em 1826. Ela tolerou tal situação porque assim a obrigava sua condição social e os costumes da época.
[34] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 248.
[35] LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 142.
[36] ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 92.
[37] FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão, o mal estar na civilização e outros trabalhos. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 110.
[38] “O Código Civil de 2002, apesar da apregoada mudança de paradigma, do individualismo para a solidariedade social, manteve forte presença dos interesses patrimoniais sobre os pessoais, em variados institutos do Livro IV, dedicado ao direito de família, desprezando-se o móvel da affectio” (LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 24).
[39] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, vol. 1, p. 155.
[40] Idem, p. 163-164.
[41] “A indivisibilidade e a unidade do estado provêm de ser ele a qualificação do indivíduo na sociedade. Não pode um indivíduo ser simultaneamente casado e solteiro, como não pode ser filho legitimo de um homem e filho natural de outro etc. Informam a indivisibilidade do estado duas categorias de princípios, uns de ordem natural e outros de ordem jurídica. A natureza dos atributos individuais repugna a ideia de ser a pessoa titular de condições que se mostrem incompatíveis, apresentar-se na sociedade portadora de atributos que se destruam ou se repilam. A ordem jurídica requer a certeza da qualificação individual e determina que os fatos constitutivos ou modificativos do estado sejam inscritos no Registro Civil, para que dele resulte, com sentido de ordem pública, a circunstância de ser o estado uno, e obrigatoriamente reconhecido por todos na sociedade.” (Idem, p. 165).
[42] “O Código Civil adotou uma atitude dúbia, pois optou por conceituar o concubinato sem definir suas consequências jurídicas positivas ou negativas. […] Sua finalidade foi estremá-lo da união estável, ou seja, dizer que ao concubinato não incidem as normas àquela aplicáveis.” (LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 185).
[43] FERRARINI, Letícia. Família simultânea e seus efeitos jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 87.
[44] Idem, p. 90.
[45] “é a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas do direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social. De se abandonar, portanto, todas as as posições doutrinárias que, no passado, vislumbraram em institutos do direito de família uma proteção supra-individual, seja em favor de objetivos políticos, atendendo a ideologias autoritárias, seja por inspiração religiosa.” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 372).
[46] LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 82.
[47] “Quando informadas por princípios relativos à solenidade do casamento, não há que se estendê-las às entidades familiares extramatrimoniais. Quando informadas por princípios próprios da convivência familiar, vinculada à solidariedade dos seus componentes, aí, sim, indubitavelmente, a não aplicação de tais regras contraia o ditame constitucional” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 385).
[48] E que a competência para analisar as ações respectivas será da Vara de Família: “A competência atribuída às Varas especializadas de família decorre seguramente da peculiaridade da matéria em conflito, relativa ao núcleo familiar, sendo para tanto irrelevante o seu modo de constituição. Em outras palavras, é a matéria a fixar a competência, não já a forma pela qual a entidade familiar se constitui.” (Idem, p. 387).
[49] LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 188.
[50] Idem, p. 86.
[51] Disponível em: <http://www.espacovital.com.br/noticia-24695-homem-casado-e-condenado-por-descumprir-promessas-feitas-amante>. Acesso em 10/02/2012.
[52] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 456-457.
[53] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 471.
[54] “Seguro de vida em favor da concubina – Homem casado – Situação peculiar de coexistência duradoura do de cujus com duas famílias e prole concomitante advinda de ambas as relações – Indicadora da concubina como beneficiária do benefício – Fracionamento. Inobstante a regra protetora da família, impedindo a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de vida, porque casado o de cujus, as particular situação dos autos, que demonstra "bigamia", em que o extinto mantinha-se ligado à família e à concubina, tendo prole concomitante com ambas, demanda solução isonômica, atendendo-se à melhor aplicação do direito. Recurso conhecido e provido em parte para determinar, o fracionamento por igual, da indenização secundária.” (STJ, REsp 100.888/BA, rel. Min.Aldir Passarinho Junior, j. 12/03/2000).
[55] “Pensão previdenciária – Partilha por pensão entre a viúva e a concubina – Coexistência de vínculo conjugal e a não separação de fato da esposa – Concubinato impuro de longa duração – "Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo" – Possibilidade de geração de direitos e obrigações, maxime no plano da assistência social – Recurso especial não conhecido”. (STJ, 4ª T., Resp 742685/RJ, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 04/08/2005).
[56] LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 333.
[57] “A ocorrência de alienação, oneração de direito real ou doação ao concubino de imóveis é de frequência diminuta, pois são atos que dependem de escritura pública, cujo notário é obrigado a cumprir a exigência legal de outorga do outro cônjuge. Uma hipótese é a da alienação de imóvel com valor inferior a trinta salários mínimos, para o que não se exige a escritura pública (art. 108 do Código Civil). Outra hipótese é a de fraude à lei, por declaração falsa do estado civil: por exemplo, quando o cônjuge omite sua condição de casado, afirmando permanecer solteiro, que era seu estado civil no momento em que adquiriu o imóvel. A doação ao concubino de bens móveis, ou a qualquer pessoa, só é possível mediante escritura pública ou instrumento particular, contra os quais pode agir o outro cônjuge, para ser declarada sua invalidade.”(Idem, p. 330-331)
[58] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 104.
[59] Há “ normas que, pertinentes à relação familiar, incidem sobre os cônjuges mas são informadas pela solidariedade própria da convivência familiar. Assim, por exemplo, pode ser considerada a legislação relativa à previdência social e à legislação infortunística, marcada pelo dever do Estado em se sub-rogar como artífice do conforto familiar”. (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 387).
[60] TRF 5ª Região, AC – 459894, Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt, Primeira Turma, DJE - Data::02/06/2011 – Pág. 270.
[61] LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 381.
[62] FEITLER, Bruno. Inquisição no Brasil. Revista História Viva. Ano VII, n. 77, 2007, p. 66-71.
Abstract: This paper analyze a specific type of family unit, family bigâmea. After brief comments about monogamy and bigamy, family bigâmea is defined as one in which a spouse admits that her consort maintain a stable romantic relationship with a third person. Its requirements are described, including the right to family, and the possibility of its protection as a kind of family unit not expressly mentioned in the Constitution. At the end we analyze its legal effects, progressive and liberal perspective.
Keywords: family - Bigamy - Concubinage - consent - legal effects.