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Eficácia das normas de reprodução obrigatória no controle de constitucionalidade estadual

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Agenda 22/06/2012 às 09:01

O STF, conquanto já tenha entendido que normas de reprodução obrigatória seriam eminentemente federais e não poderiam ser utilizadas como base para o controle de constitucionalidade estadual, usurpando sua competência exclusiva, alterou o posicionamento, passando a considerá-las como normas estaduais.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO . 2 ESTADOS FEDERADOS. 2. 1 ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA. 3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL . 3. 1 PANORAMA ATUAL. 3.2 PRECEDENTES HISTÓRICOS. 4 COEXISTÊNCIA DOS CONTROLES DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL E FEDERAL. 4.1 SUBMISSÃO DAS NORMAS ESTADUAIS A AMBOS OS CONTROLES. 4.2 CONCORRÊNCIA DE PARÂMETROS DE CONTROLE. 5 CONSTITUIÇÃO ESTADUAL . 5.1 DIFERENÇAS ENTRE NORMAS DE IMITAÇÃO E NORMAS DE REPRODUÇÃO. 6 NORMAS DE REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA. 6.1 POSICIONAMENTO INICIAL DO STF – RCL 370-1/MT. 6.2 POSICIONAMENTO ATUAL DO STF – RCL. 383/SP. 6.3.1Cabimento de Recurso Extraordinário. 7. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE FRENTE ÀS NORMAS DE REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA. 7.1 EFICÁCIA DAS NORMAS DE REPRODUÇÃO X SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. 8. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

 Referir-se ao controle de constitucionalidade é, indubitavelmente, ressaltar a supremacia da Constituição como o instrumento normativo de maior valor no ordenamento jurídico, a quem todas as demais normas do sistema deverão guardar o mais estrito respeito. Por outro lado, é abraçar a Teoria Pura do Direito, traçada por Hans Kelsen, segundo a qual a Constituição está no topo de uma ordem escalonada de normas, conferindo-lhes validade, de acordo com a concordância destas com os preceitos constitucionais superiores.

 Dentro do sistema federativo brasileiro, esse princípio da supremacia da Constituição serve, outrossim, de suporte à estruturação da ordem normativa dos Estados-membros, situando-se a Constituição Estadual, dentro do ordenamento jurídico local, no nível mais elevado em relação às demais regras que dela retiram seu fundamento de validade. Por imposição da Lei Fundamental, mediante seu artigo 125, §2º, os Estados componentes da Federação também criam mecanismos de controle de constitucionalidade em face de normas que venham a violar algum preceito contido na ordem constitucional estadual.

 Essa autorização dada pelo constituinte originário aos Estados-membros para criarem um “subsistema” de controle de constitucionalidade dentro do sistema federal, objetivando a defesa das Constituições destes entes federados, implica um grande salto dentro das inovações trazidas pelo novo Diploma Maior. Em outras palavras, essa regra estabelecida nada mais é do que a afirmação do princípio da autonomia constitucional e política dos Estados Federados.

 Entretanto, como ocorre com toda inovação, pairam diversas problemáticas em torno dessa recente jurisdição constitucional dos Estados-membros, mormente quanto a sua coexistência com a jurisdição constitucional federal, em que se envolve certa complexidade. Tal coexistência de jurisdições deságua, ainda, em uma celeuma jurídica de maior profundidade, ao se tratar das normas contidas na Constituição Estadual que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória.

 Com isso, o objetivo do presente trabalho consiste em analisar a amplitude, assim como os limites da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Justiça dos Estados-membros, no que se refere à chamada inconstitucionalidade reflexa, na qual a norma impugnada é simultaneamente incompatível com a Constituição Estadual e a Federal, em dispositivos que são idênticos nos dois textos, gerando a dupla e idêntica ofensa constitucional.

 Para tanto, num primeiro momento, será apresentada, em linhas gerais, a forma de organização político-administrativa dos Estados-membros dentro da Federação, a fim de que, em seguida, se possa adentrar na essência do controle de constitucionalidade estadual e, principalmente, na delicada questão acerca da eficácia das normas constitucionais estaduais cuja reprodução é expressamente exigida ou determinada pelo constituinte federal.

 Embora o ordenamento atual tenha conferido o status de ente autônomo aos Estados Federados, estes possuem limitações de ordem positiva e negativa no âmbito de seu sistema interno, exigidas pela Lei Fundamental. Em razão disso, todas estas limitações constitucionais serão detalhadas na primeira parte do trabalho, haja vista serem, indubitavelmente, a causa de existência das chamadas normas de reprodução obrigatória.

 Logo depois, por ser uma inovação constitucional, demonstrar-se-á a evolução ou até mesmo o retrocesso dos textos constitucionais pátrios acerca do controle de constitucionalidade estadual, cuja previsão completa só ocorreu mesmo na atual Constituição Federal de 1988. Ainda, o estudo diferenciará as espécies de normas contidas nas Constituições produzidas pelos Estados-membros, para, dessa forma, cuidar especificamente das normas de reprodução obrigatória. Nesta parte específica do trabalho, após já apresentados os panoramas gerais do controle de constitucionalidade estadual, é que serão transcritos os diversos posicionamentos adotados pela Suprema Corte quanto à eficácia daquelas normas, bem assim seus principais embasamentos jurídicos. Já traçado esse paralelo entre os antagônicos entendimentos, chegar-se-á, finalmente, ao estudo técnico daquele que de forma verdadeira se coaduna com o atual sistema constitucional vigente.

 A discussão do tema torna-se mais sedutora, especialmente pelo pequeno índice de estudiosos que nele se aprofundam, muito embora sua importância seja enorme dentro do nosso sistema constitucional, já que a adoção de um ou outro entendimento acerca do assunto gera antagônicas consequências para o mundo jurídico. Por tal razão, é de grande valia a exposição desse trabalho para o nosso sistema atual, já que a questão, longe de ser meramente acadêmica, assume enorme importância prática, mesmo já transcorridos mais de vinte anos de vigência da Constituição da República.


2. ESTADOS FEDERADOS

2. 1 ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA

Aos Estados Federados, no atual ordenamento constitucional, foi atribuída autonomia, como ponto comum a toda Federação, manifestando-se por sua capacidade de auto-organização, autogoverno, auto-administração, bem assim autolegislação.

Essa auto-organização, ou seja, possibilidade de criação do ordenamento jurídico estadual pelos próprios Estados-membros, é assegurada pela Constituição Federal em seu artigo 25, nos seguintes termos: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. Tal organização é exercida mediante o seu poder constituinte derivado decorrente, consubstanciando-se na edição das respectivas Constituições Estaduais. Mas referido dispositivo constitucional foi categórico ao definir que, conquanto os Estados tenham capacidade de se auto-organizarem, não podem deixar de observar as regras que foram estabelecidas pelo poder constituinte originário. Fica demonstrado, claramente, o caráter de derivação e vinculação do poder decorrente em relação ao originário.

Embora categórica, a Carta Federal não indicou explicitamente quais seriam esses princípios de observância pelos entes estaduais. Com facilidade, desde logo, descobre-se um grupo deles enunciado no seu artigo 34, inciso VII, que são os chamados princípios sensíveis. O termo “sensíveis” está aí no sentido daquilo que é facilmente percebido pelos sentidos, daquilo que se faz perceber claramente, evidente, visível, manifesto. Dessa forma, princípios sensíveis são aqueles clara e inequivocamente mostrados pela Constituição Federal, os apontados, enumerados. São sensíveis também em outro sentido, como algo dotado de sensibilidade, que, em sendo contrariado, provoca reação, e esta, no caso, é a intervenção da União na autonomia política estadual, exatamente para assegurar sua observância.

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Por outro lado, a descoberta dos demais princípios depende de pesquisa no seu texto constitucional. O artigo 125 reafirma essa indeterminação explícita, porém oferece um indicativo, no momento em que menciona que os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. Portanto, por ora, já podem ser considerados os princípios em dois grupos: princípios constitucionais sensíveis e princípios constitucionais estabelecidos. Estes últimos compõem-se de determinadas normas que limitam a autonomia organizatória do Estado. Segundo Uadi Lammêgo Bulos, “são aqueles que limitam, vedam, ou proíbem a ação indiscriminada do Poder Constituinte Decorrente. Por isso mesmo, funcionam como balizas reguladoras da capacidade de auto-organização dos Estados. Podem ser extraídos da interpretação do conjunto de normas centrais, dispersas no Texto Supremo de 1988, que tratam, por exemplo, da repartição de competência, do sistema tributário nacional, da organização dos Poderes, dos direitos políticos, da nacionalidade, dos direitos e garantias individuais, dos direitos sociais, da ordem econômica, da educação, da saúde, do desporto, da família, da cultura etc.”. [1] O autor divide-os, ainda, naqueles que geram limitações expressas, que geram limitações implícitas e, por último, que geram limitações decorrentes do sistema constitucional adotado, cujo detalhamento, todavia, não se justifica no momento.

Por fim, ao lado dos princípios sensíveis e estabelecidos, há os chamados princípios constitucionais extensíveis, que são aqueles que integram a estrutura da Federação brasileira, sendo normas centrais comuns à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Relacionam-se, por exemplo, com o processo legislativo, com os preceitos da Administração Pública, bem como com a forma de investidura em cargos eletivos.

No entanto, paralelamente a essa limitação negativa imposta ao poder decorrente – de não contrariar tais princípios - há, outrossim, a imposição de uma limitação positiva. Melhor dizendo, as Constituições Estaduais, além de serem obrigadas a não contrariar os citados princípios constitucionais, devem, ainda, concretizar os preceitos, o espírito e os fins almejados pela própria Constituição Federal, o que não deixa dúvidas de ser o poder constituinte decorrente, por sua natureza, um poder limitado.

Afere-se, de tudo isso, que, embora a Constituição de 1988 tenha ampliado as bases do federalismo, com mais descentralização e autonomia às entidades federadas, ainda assim os seus contornos ficaram razoavelmente dependentes de preceitos e princípios limitadores nela estabelecidos.

E, exatamente por tal razão, é que surgem diversos dispositivos constantes das Cartas Estaduais considerados normas de reprodução obrigatória daqueles inseridos na Constituição Federal, demonstrando, neste diapasão, a importância de ser explorada a sua eficácia no tocante ao controle de constitucionalidade estadual.


3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL

3. 1 PANORAMA ATUAL

O reconhecimento da autonomia para os Estados se auto-organizarem deve ser tratado ao lado do reconhecimento da supremacia, dentro da esfera desse ordenamento específico, da Carta Estadual sobre os demais atos normativos. No entanto, tal supremacia não é absoluta, conforme já ressaltado, uma vez que as Constituições Estaduais se submetem ao que dispõe a Constituição Federal, esta sim norma suprema de todo o sistema jurídico pátrio.

Ocorre, porém, que a autonomia concedida aos Estados-membros para organizarem seus próprios sistemas regionais não se concretizaria por completo sem a possibilidade, ainda, da criação de mecanismos de controle de constitucionalidade em face de normas, porventura, violadoras desse ordenamento jurídico estadual.

Neste diapasão, a Constituição Federal de 1988 autoriza aos Estados-membros, outrossim, criarem mecanismos próprios de proteção de suas Constituições, contra leis inferiores que lhes sejam contrárias. Permite-se, pelo que dispõe o artigo 125, §2º, da Carta Fundamental[2], uma verdadeira jurisdição constitucional estadual, em que estarão submetidos os atos normativos emanados tanto do Estado-membro como de seus Municípios.

Aliás, segundo bem observado por Regina Maria Macedo Nery, o controle da constitucionalidade das leis estaduais e municipais frente à Constituição Estadual representa o modo mais característico de asseguramento da autonomia estadual. Sendo a criação de uma Constituição forma de exercício dessa autonomia, o mecanismo de controle do respeito a sua Lei Fundamental é, também, afirmação desta.[3]

3. 2 PRECEDENTES HISTÓRICOS

Embora a Constituição Federal autorize o cabimento da instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual, por cada Estado-membro da Federação, referido controle de constitucionalidade estadual, da maneira como se encontra desenhado atualmente, não existia no ordenamento jurídico brasileiro. É realmente uma inovação oriunda do constituinte originário de 1988.

O controle de leis estaduais pelos Estados-membros só foi introduzido expressamente pelo texto da Constituição de 1988. De outra parte, o controle estadual de leis municipais, embora tenha sido previsto pela Emenda Constitucional de 1965, teve duração extremamente exígua, absolutamente insuficiente para a fixação de balizas e princípios sobre o respectivo assunto.

A primeira elaboração legislativa referente a tal controle constava do artigo 19 da Emenda Constitucional nº. 16/65, em que era assegurada aos Estados a criação de mecanismos de controle de constitucionalidade estadual, embora restrito às leis de âmbito municipal. Consoante ditava esta norma, que alterou o artigo 124 da Constituição de 1946, uma lei poderia estabelecer processo, de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município, em conflito com a Constituição do Estado.

Já na vigência da Carta Magna de 1967 e, com a redação recebida pela Emenda Constitucional nº. 01, de 1969, nada havia no texto da Constituição que autorizasse expressamente os Estados a estabelecer o controle de constitucionalidade, nem de leis municipais, nem de leis estaduais, em face das Constituições Estaduais. Dessa forma, a competência introduzida sob a égide da Constituição de 1946 foi suprimida em 1967, podendo-se perceber a efêmera duração de pouco mais de um ano da norma constitucional permissiva.

No entanto, essa Emenda Constitucional nº. 1/69, em seu artigo 15, §3º, alínea "d", contemplou a representação interventiva de lei municipal, para assegurar a observância dos princípios elencados nas Cartas Estaduais, bem como a execução de lei, ordem ou decisão judicial.

Face àquele silêncio da Carta Magna de 1967 e, admitindo a existência de um campo deixado em branco pela referida Constituição, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo consagrou a modalidade genérica de controle abstrato de constitucionalidade, cuja iniciativa ficou a cargo do Procurador-Geral do Estado, nos termos do que dispunha o artigo 51, parágrafo único, de sua Constituição Estadual.

Conforme elucida atualmente o ministro Gilmar Mendes[4], este instituto de controle de constitucionalidade genérico, admitido pela Constituição Paulista, somente veio a ter efetiva aplicação em 1977, com a propositura das Representações nº. 261.928 e nº. 261.929, cujo objeto era a arguição de inconstitucionalidade, em face da Constituição Estadual, de leis dos municípios de São Paulo e de Campinas.

Ao analisar as referidas representações, o respectivo Procurador-Geral de Justiça sustentou que o ordenamento jurídico-constitucional positivo, no plano federal, não concedia aos Tribunais Superiores dos Estados-membros a jurisdição censória de leis, mesmo municipais, abstratamente conflitantes com as regras que o compunham.

Entretanto, a corrente doutrinária que defendeu a compatibilidade do controle abstrato, no âmbito estadual, com a ordem constitucional federal, enfatizava que tal jurisdição era um direito autônomo dos Estados-membros de uma Federação, com base na sua capacidade de auto-organização. Para ela, não se poderia tolher a possibilidade dos Estados para estruturar os meios, inclusive processuais, perante os órgãos de seu Poder Judiciário, com vistas à defesa de sua Constituição, já que esse direito decorria do princípio maior do Federalismo. Tal entendimento era defendido com base em estudos e pareceres de juristas como Ada Pellegrini Grinover, Celso Ribeiro Bastos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, José Afonso da Silva, dentre outros.

Assim, verifica-se que toda a problemática residia, fundamentalmente, no princípio da autonomia dos entes federados, estando a questão subordinada à capacidade de auto-organização do Estado.

É de se concluir, dessa maneira, que a Constituição Federal de 1967 não cuidava de declaração de inconstitucionalidade de leis estaduais frente à Constituição Estadual, bem como previa a declaração de inconstitucionalidade de leis municipais tão-somente para o fim de intervenção.

Consoante essa sucinta análise do escorço histórico do controle de constitucionalidade face à Constituição Estadual, pode-se observar que a competência deferida nos dias atuais pela Constituição de 1988 aos Tribunais de Justiça, para apreciarem a constitucionalidade das leis estaduais e municipais, em controle concentrado, não encontrou terreno preparado, pairando, ao revés, um grau de incerteza sobre as formas de proceder tal controle.

Contudo, como forma de afirmação da ampla receptividade encontrada no ordenamento atual para a criação desse tipo de controle, todas as Constituições Estaduais atualmente em vigor disciplinaram o instituto da ação direta de inconstitucionalidade em face de suas disposições.

Conforme bem ressaltado por Celso Ribeiro Bastos, "passamos a ter um sistema maior onde o Supremo Tribunal Federal cuida do controle da constitucionalidade das normas e atos federais e estaduais em face da Constituição Federal. E, na alçada estadual, um outro sistema concentrado que controla a constitucionalidade das normas e atos municipais e estaduais perante a Constituição dos Estados, portanto, um microssistema de controle da constitucionalidade”. [5]


4 COEXISTÊNCIA DOS CONTROLES DE CONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL E FEDERAL

4. 1 SUBMISSÃO DAS NORMAS ESTADUAIS A AMBOS OS CONTROLES

Exatamente em decorrência da ampla autonomia de que gozam os Estados-membros no atual modelo federativo, surge uma concorrência de controles de constitucionalidade no ordenamento jurídico, melhor dizendo, desponta a coexistência de jurisdições constitucionais diversas: tanto federal quanto estadual. Enseja-se, portanto, uma dúplice proteção judicial, de um lado concretizada pelo Supremo Tribunal Federal contra as leis federais e estaduais violadoras da Lei Fundamental, e de outro pelo Tribunal de Justiça respectivo, em face das leis estaduais e municipais que transgridam a Constituição Estadual.

Nota-se, de plano, que as normas estaduais estão submetidas tanto à jurisdição constitucional estadual quanto à federal, o que afigura a plena possibilidade de submissão de uma mesma questão às duas jurisdições, de forma simultânea.

Já no que se refere ao controle de constitucionalidade de atos normativos municipais, não há que se falar em qualquer óbice pela coexistência de tais jurisdições, porquanto a fiscalização abstrata concretizada pelo Supremo Tribunal Federal não abrange leis municipais que violem dispositivo da Constituição Federal. O silêncio do constituinte federal a esse respeito há de ser entendido como expressa vontade de restringir o controle de constitucionalidade abstrato ao modelo explicitamente definido no Texto Fundamental, configurando, dessa forma, o chamado “silêncio eloquente”. Assim, mencionados atos normativos são controlados pela via de ação tão-somente no âmbito do ordenamento estadual.

4.2 CONCORRÊNCIA DE PARÂMETROS DE CONTROLE

Tendo em vista a submissão das normas estaduais a ambas as jurisdições constitucionais existentes no atual ordenamento, torna-se necessário o estabelecimento de parâmetros de controle diferenciados a cada um deles, a fim de que se manifestem sobre uma mesma norma impugnada com a devida autonomia.

Com isso, restou estabelecido que o parâmetro para o exercício do controle de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal haverá de ser tão-somente a Constituição Federal, assim como o controle abstrato de normas perante o Tribunal de Justiça Estadual será apenas a Constituição do Estado. Tratando-se do Distrito Federal, o paradigma de confronto, presente o modelo positivado no artigo 125, §2º, da Constituição da República, há de ser aquele consubstanciado em sua Lei Orgânica, que se qualifica, juridicamente, como o estatuto fundamental dessa pessoa jurídica de direito público, essencialmente equiparável às Constituições promulgadas pelos Estados-membros.

Diante dessa concorrência de parâmetros pré-estabelecidos, afere-se que uma mesma norma estadual impugnada pode, simultaneamente, ser compatível com a Lei Maior e, por outro lado, incompatível com a Carta Estadual. As decisões de constitucionalidade da lei proferidas pelo Supremo Tribunal Federal não afetarão o processo nos Tribunais Estaduais. Paralelamente, as decisões de constitucionalidade dos Tribunais de Justiça não repercutirão em nada na jurisdição federal. O pressuposto, aqui, é o de que uma Corte não se encontra atrelada ao entendimento da outra, já que a lei objeto de análise estará, em cada uma das jurisdições, sendo julgada com base em diferentes parâmetros. Portanto, nada impede que seja a lei considerada constitucional perante uma jurisdição e o processo siga sua marcha perante a outra, para apurar a subsistência de eventual inconstitucionalidade quanto à outra Constituição-parâmetro.

Entretanto, tais afirmações não logram afastar toda a problemática que envolve o tema. Há de se reconhecer que, declarada a inconstitucionalidade de lei estadual por uma das jurisdições, torna-se insubsistente ou sem objeto qualquer processo eventualmente ajuizado perante a outra e que se refira à mesma disposição. Explica-se.

Os processos de controle abstrato de normas devem ser concebidos como processos objetivos. Como tal, são processos excepcionais, sendo característica fundamental a eficácia erga omnes da sentença neles proferida. Se não têm por escopo, como os processos comuns, a solução de uma lide entre partes concretamente interessadas e diretamente envolvidas, só teriam algum significado se os provimentos decisivos fossem sempre dotados de eficácia contra todos. Assim, em razão da decisão proferida em controle concentrado de constitucionalidade (por quaisquer das jurisdições constitucionais) gerar efeito erga omnes e vinculante, a norma declarada inconstitucional é expurgada do sistema jurídico, o que impede, obviamente, seguir sendo objeto de outra ação, ainda que perante jurisdição diferente.

Com tais ponderações, pode-se verificar que, conquanto autônomas as jurisdições estaduais, bem assim a jurisdição federal, não há como se cogitar de uma separação absoluta entre elas.

A mais disso, a interdependência dessas duas jurisdições abstratas acentuou-se, nítida e principalmente, no caso de o dispositivo da Constituição Estadual, utilizado como parâmetro para declarar a inconstitucionalidade de uma norma, possuir conteúdo idêntico ao texto estabelecido na Constituição Federal. São as chamadas normas de reprodução obrigatória, que criaram um campo de intersecção entre os parâmetros de controle.

Dessa forma, insta diferenciar as espécies de normas inseridas na Constituição Estadual, para que, posteriormente, seja analisada minuciosamente a controvérsia relacionada às normas constitucionais estaduais, cuja reprodução é expressamente exigida ou determinada pelo constituinte federal, e cuja aferição da eficácia corresponde ao tema proposto no presente trabalho.

Sobre a autora
Claudia Gaspar Pompeo Marinho

Procuradora Federal. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINHO, Claudia Gaspar Pompeo. Eficácia das normas de reprodução obrigatória no controle de constitucionalidade estadual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3278, 22 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22088. Acesso em: 2 nov. 2024.

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