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Da (in)aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens vítimas de violência doméstica

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Agenda 03/05/2013 às 08:15

CAPÍTULO 3- DA (IN)APLICABILIDADE DA LEI AO HOMEM VÍTIMA

Durante esses 6 (seis) anos de vigência da Lei Maria da Penha, dentre as divergências suscitadas – algumas resolvidas pelas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal através da ADI n. 4.424/DF e pela ADC n. 19-3/DF – o sujeito passivo da aplicação desta norma ainda provoca um sem número de discussões.

Tema principal deste trabalho, nos propomos a expor os fundamentos pelo qual alguns entendem pela aplicação e outros pela inaplicabilidade da Lei Maria da Penha ao homem vítima de violência doméstica e, ainda, o motivo pelo qual outros  afastam a incidência desta norma, porém, aplicam as medidas nela dispostas.

3.1 – Divergências doutrinária e jurisprudencial

Apresentaremos, ordenada e respectivamente, os fundamentos daqueles que consideram aplicável a Lei Maria da Penha, seguidos pelos que entendem por sua inaplicabilidade.

3.1.1 – Pela aplicação da Lei Maria da Penha aos homens

Segundo o Promotor de Justiça, Rogério Sanches Cunha, desde que observada no homem vítima de violência doméstica, familiar ou afetiva a condição de vulnerabilidade, o juízo, utilizando seu poder geral de cautela, pode aplicar em favor deste as medidas  protetivas de urgência da norma em comento[39].

Antecipou-se a esse entendimento o advogado, Dr. Rodrigo de Oliveira Machado, pregando a aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens, “sobretudo quando se encontrem em situação de vulnerabilidade, seja em razão da idade (idosos e crianças), seja em razão de condições físicas ou mentais (deficientes)”, fundamentando seu posicionamento no artigo 3º do Código de Processo Penal e no poder geral de cautela, artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil[40].

Sendo assim, além da condição de vulnerabilidade necessária para aplicação das medidas protetivas aos homens vítimas de violência doméstica, familiar ou por relacionamento afetivo, observamos a interpretação extensiva da norma, de modo que qualquer pessoa pode ser sujeito passivo, independente do gênero, por óbvio e, portanto, favorecidas com as medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, consoante entendimento da Dra. Iara Boldrini[41].

Boldrini menciona, em favor de sua tese, o posicionamento favorável de Maria Berenice Dias quanto à admissão do homem como sujeito passivo do crime de violência doméstica, que diz que, quando a norma resolve majorar a pena em se tratando de portador de deficiência, não faz distinção de gênero, mas sim busca resguardar sua vulnerabilidade em face de seu agressor[42].

Em uma decisão arrojada proferida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, através do Juizado Especial Criminal Unificado, em Cuiabá, nos autos n. 1074/2008, em 29 de outubro de 2008, foi determinada a aplicação das medidas protetivas de urgência para um homem que vinha sofrendo agressões e ameaças por sua ex-esposa[43].

De acordo com o juiz, Dr. Mário Roberto Kono de Oliveira, foi necessária a aplicação dessas medidas por não existir lei similar que proteja o homem quando vítima, pois, no caso, foram “vários documentos no processo como registro de ocorrência, pedido de exame de corpo de delito, nota fiscal de conserto de veículo danificado por ela e diversos e-mails difamatórios e intimidatórios enviados”[44].

Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao decidir um recurso de apelação, evocou os artigos 5º, inciso II c/c 226, § 8º, ambos da Constituição da República, para fundamentar a aplicação da Lei Maria da Penha aos homens, pois, entendendo por inconstitucional esta norma, a mesma não poderia se sobrepor à Lei Maior, que preza pela igualdade entre homens e mulheres, bem como, confere proteção não apenas a estas, mas a todos os membros da família brasileira:

A inconstitucionalidade por discriminação propiciada pela Lei Federal 11.340/06 (Lei Maria da Penha) suscita a outorga de benefício legítimo de medidas assecuratórias apenas às mulheres em situação em violência doméstica, quando o art. 5º, II c/c art. 226, § 8º, da Constituição Federal, não possibilitaria discriminação aos homens em igual situação, de modo a incidir em inconstitucionalidade relativa, em face do princípio da isonomia.

Tal inconstitucionalidade, no entanto, não autoriza a conclusão de afastamento da lei do ordenamento jurídico, mas tão-somente a extensão dos seus efeitos aos discriminados que a solicitarem perante o Poder Judiciário, caso por caso, não sendo, portanto, possível a simples eliminação da norma produzida como elemento para afastar a análise do pedido de quaisquer das medidas nela previstas, porque o art. 5º, II c/c art. 21, I e art. 226, § 8º, todos da Constituição Federal, compatibilizam-se e harmonizam-se, propiciando a aplicação indistinta da lei em comento tanto para mulheres como para homens em situação de risco ou de violência decorrentes da relação familiar.

Inviável, por isto mesmo, a solução jurisdicional que afastou a análise de pedido de imposição de medidas assecuratórias em face da só inconstitucionalidade da legislação em comento, mormente porque o art. 33 da referida norma de contenção acomete a análise ao Juízo Criminal com prioridade, sendo-lhe lícito determinar as provas que entender pertinentes e necessárias para a complete solução dos pedidos. Recurso provido para afastar o óbice.

(TJMG, ApCrim. 1.0672.07.249317-0, j. 06.11.2007, rel. Judimar Biber, data da publicação 21.11.2008)[45].

Em decisão similar, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul concedeu liminar em Agravo de Instrumento, em 16 de setembro de 2011, proibindo uma esposa de se aproximar de seu marido[46].

A Dra. Alice Bianchini afirma que, neste caso, as medidas protetivas da Lei Maria da Penha foram aplicadas por analogia na via inversa e por incidência do Princípio da Isonomia quando a vítima das agressões for do gênero masculino, salientando que o relator, Des. Dorival Renato Pavan, não desconsiderou o fato de que “a referida lei é destinada à proteção da mulher diante dos altos índices de violência doméstica em que na grande maioria dos casos é ela a vítima”[47].

A Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, em 13 de junho de 2012, decidiu pela aplicação da Lei Maria da Penha por analogia in bonam partem em favor do homem vítima, pois, se encontrava em situação vulnerável frente as investidas agressivas e ameaçadoras de sua ex-namorada[48].

O fundamento da analogia in bonam partem para a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha foi anteriormente utilizado pelo Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, Tribunal de Justiça do Mato Grosso, em decisão já mencionada neste trabalho, conforme trecho a seguir:

(…) É certo que não podemos aplicar a lei penal por analogia quando se trata de norma incriminadora, porquanto fere o princípio da reserva legal, firmemente encabeçando os artigos de nosso Código Penal (…). Se não podemos aplicar a analogia in malam partem, não quer dizer que não podemos aplicá-la in bonam partem, ou seja, em favor do réu quando não se trata de norma incriminadora, como prega a boa doutrina: “Entre nós, são favoráveis ao emprego da analogia in bonam partem: José Frederico Marques, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Oscar Stevenson e Narcélio de Queiróz” (DAMÁSIO DE JESUS – Direito Penal – Parte Geral – 10 ed. p. 48). Ora, se podemos aplicar a analogia para favorecer o réu, é óbvio que tal aplicação é perfeitamente válida quando o favorecido é a própria vítima de um crime. (…)[49]

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Concluímos, portanto, que quando favoráveis à aplicação das medidas protetivas ao homem vítima de violência em âmbito doméstico, familiar ou por relacionamento afetivo, tanto doutrina quanto jurisprudência pregam pelo Princípio da Isonomia e a interpretação extensiva ou uso da analogia in bonam partem, sem olvidar a característica, mesmo que transitória, da vulnerabilidade do ofendido.

Como bem externado pelo Promotor de Justiça Militar, Dr. Marcos José Pinto, “o maior sujeito de direitos, objeto de uma lei, não é a pessoa em razão de seu sexo, mas o ser humano, que é vítima de violência, independentemente de seu gênero” e, por isso, o positivismo exagerado não deve subsistir, abrindo espaço para a interpretação extensiva da norma[50].

3.1.2 - Pela inaplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens

Em regra, observaremos que os defensores desta posição baseiam-se na interpretação literal da lei e o objetivo para o qual foi elaborada, como demonstra a Dra. Iara Boldrini, ao mencionar os posicionamentos antagônicos ao seu, pois, que favorável à aplicação da Lei Maria da Penha ao homem vítima:

“(...) Uma primeira corrente defende que, por tratar-se de crime de gênero cujos fins principais estão voltados para a proteção da mulher vítima de violência, no polo ativo pode figurar apenas o homem e, quando muito, a mulher que, na forma do parágrafo único do art. 5º da Lei, mantenha uma relação homoafetiva com a vítima. Já a segunda corrente, que é defendia por Souza, juntamente com Gomes e Bianchini, entende que será mais coerente incluir-se como sujeito ativo tanto o homem quanto a mulher. Com isso se dará menos ensejo a possíveis arguições de inconstitucionalidade, pois passa a tratar igualmente homens e mulheres, quando vistos sob a ótica do polo ativo, reguardando a primazia à mulher apenas enquanto vítima. Essa corrente defende que a ênfase principal da lei não está na questão de gênero do agressor, que tanto pode ser homem como mulher.[51]

Outrossim, em entrevista ao site Correio de Uberlândia, a Delegada Adjunta da Mulher, Dra. Juliana Santos Machado, afirma ser a lei aplicável às relações homoafetivas desde que as parceiras sejam do sexo feminino, pois, se esta atender também a homem, perderá seu foco[52].

Corroborando com essa posição, o juiz da Primeira Vara Criminal de Uberlândia, Dr. José Luiz de Moura Faleiros aduz:

“Uma mulher sendo vítima tem que estar amparada independentemente de o agressor ser homem ou mulher. Mas isso se complica no caso de a relação envolver dois homens, porque a lei protege a mulher. A lei não visa proteger a pessoa no âmbito familiar e sim a pessoa do sexo feminino no âmbito familiar”[53].

Contrária à esse entendimento, a decisão da Primeira Vara Criminal da Comarca de Anápolis, Tribunal de Justiça de Goiás (processo n. 201103873908) aplicou a Lei Maria da Penha a um transexual masculino, fundamentando sua decisão em seus artigos 2º e 5º, parágrafo único, e reconhecendo que, apesar de não haver modificado seu registro civil, a vítima submeteu-se à cirurgia de redesignação sexual há 17 (dezessete) anos e, assim, identificada como do gênero feminino perante a sociedade, o que a juíza, Dra. Ana Cláudia Veloso Magalhães, denominou “sexo social”[54].

Quanto a esta decisão favorável a um transexual masculino, Dra. Alice Bianchini rende elogios à atuação da magistrada, pois, entende presentes todos os requisitos necessários para esta aplicação: a violência em âmbito doméstico e relacionada ao gênero, tendo em vista que aquela pessoa é reconhecida em seu cotidiano com mulher[55].

Porém, deixa claro em suas considerações que a aplicação da Lei Maria da Penha em favor do homem vítima não apresenta respaldo jurídico, defendendo sua incidência tão somente às mulheres vítimas de violência doméstica baseada no gênero, conferindo a tutela de qualquer outra pessoa, independente do gênero, às modificações trazidas pela Lei n. 12.403/11, que comentaremos em momento oportuno:

Dentro desta perspectiva, somente as vítimas de violência doméstica e familiar baseada no gênero (art. 5º da Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha) ou aqueles (homens ou mulheres) que estejam nas situações elencadas no inciso III do art. 313 do CPP, com as alterações trazidas pela Lei 12.403/11 (criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência), ou nas condições mencionadas na Lei 9.807/99 (vítimas coagidas ou expostas à grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal) possuem amparo específico, já que em relação a tais pessoas, há motivações particulares que, por conta de sua especial vulnerabilidade (vulnerabilidade situacional), justificam um tratamento também diferenciado, ainda que com a consequência de restringir direitos, garantias e liberdades fundamentais do acusado[56].

Em abril de 2010, a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ratificou que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha são aplicáveis somente às mulheres, e que “o homem não está desamparado de abusos praticados pela mulher. No entanto, há outros institutos que garantem seus direitos, que não as medidas da Lei Maria da Penha”, acatando, portanto os argumentos do Ministério Público[57].

A deputada federal Iriny Lopes, em entrevista ao site G1 em março de 2011, quando ocupava o cargo de ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, declarou ser inadequada a aplicação da Lei Maria da Penha aos homens, acrescentando que estes devem ser protegidos pela legislação comum:

“A lei é clara, trata de gênero. Não importa se é casada, namorada, irmã, filha. E não sou contra a aplicação para homens, mas nesses casos tem a legislação comum. A Lei Maria da Penha é para ser aplicada para proteger mulheres agredidas. Os homens são amparados pela legislação comum, o próprio Código Penal dá proteção a esses homens. Não é adequada a utilização para homens. O homem quando é agredido é por outra motivação que não o fato de ser homem. A mulher é agredida pelo fato de ela ser mulher”[58].

3.2 – Das Medidas Cautelares da Lei n. 12.403/11

Como observado no decorrer deste trabalho, quando inadmitem a aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha ao homem vítima de violência em âmbito doméstico, parte dos juristas defendem a interpretação literal da norma e o objetivo para o qual foi elaborada – ou seja, a tutela dos direitos e da proteção às mulheres.

A partir da publicação da Lei n. 12.403, em 05 de maio de 2011[59], alguns entendem que seu rol de medidas cautelares, que alterou o artigo 319 do Código de Processo Penal, supre essa carência quando o crime de violência doméstica for praticado contra qualquer pessoa que não apenas o gênero feminino:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX – monitoração eletrônica[60].

O Delegado de Polícia, Dr. Eduardo Luiz Santos Cabette, em consonância com a Dra. Alice Bianchini[61], salienta que, com a vigência da Lei n. 12.403/11, tornou-se desnecessária a utilização da Lei Maria da Penha para a proteção masculina:

“Em suma, a legislação brasileira dispõe de mecanismos adequados para a proteção de todos os cidadãos, homens ou mulheres, e atualmente sem necessidade de maiores contorcionismos jurídicos – argumentativos para a extensão atípica da Lei 11.340/06 para a proteção de pessoas do sexo masculino, tendo em vista a ampliação das medidas cautelares do próprio Código de Processo Penal em seus artigos 319 e 320, mediante a Lei n. 12.403/11”[62].

Quando falamos da aplicação das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha em favor do homem, nos referimos àquelas que obrigam o agressor, previstas em seu artigo 22:

Seção II – Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida.

IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios[63].

Outra modificação realizada pela Lei n. 12.403/11, no artigo 313 Código de Processo Penal prevê que, para a garantia da execução das medidas protetivas de urgência, poderá ser decretada  a prisão preventiva do agressor:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (...)

III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (…)[64]

 Notem que, neste dispositivo, estão elencados todos aqueles considerados vulneráveis e que, por este motivo, recebem proteção específica de determinada lei: a criança e o adolescente pela Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o idoso pela Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), o portador de deficiência pela Lei n. 7.853/89, bem como, os enfermos.

Observem, portanto, o teor do § 9º do artigo 129 do Código Penal, deveras ampliativo, não se dirigindo apenas aos vulneráveis, mas a todo aquele que se encontre na posição de sujeito passivo do referido tipo penal, dirigido não à questão de gênero, mas sim às relações existentes entre autor e vítima:

Art. 129. …......................

§ 9º. Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (…)[65]

Percebe-se facilmente a abrangência do texto descrito no Código Penal, bem como a restrição aos vulneráveis, disposta no inciso III, artigo 313 do Código de Processo Penal, detentores de lei específica que tutele a proteção e garantia a seus direitos.

Em agosto de 2012, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso em Habeas Corpus n. 27.622/RJ, decidiu que a modificação da pena do § 9º do artigo 129 do Código Penal, realizada pela vigência da Lei Maria da Penha, não significava que esta se aplicasse apenas às pessoas do gênero feminino, pois, o dispositivo é claro em tutelar toda e qualquer pessoa que se encontre em condições vulneráveis no contexto doméstico, de coabitação ou de hospitalidade:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO. VÍTIMA DO SEXO MASCULINO. ALTERAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO PELA LEI N. 11.340/06. APLICABILIDADE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DESCRITO NO ARTIGO 129, CAPUT, C/C ART. 61, INCISO II, ALÍNEA “E”, DO CÓDIGO PENAL. NORMA DE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO IMPROVIDO.

1. Não obstante a Lei n. 11.340/06 tenha sido editada com o escopo de tutelar com mais rigor a violência perpetrada contra a mulher no âmbito doméstico, não se verifica qualquer vício no acréscimo de pena operado pelo referido diploma legal no preceito secundário do § 9º do artigo 129 do Código Penal, mormente porque não é a única em situação de vulnerabilidade em tais relações, a exemplo dos portadores de deficiência.

2. Embora as suas disposições específicas sejam voltadas à proteção da mulher, não é correto afirmar que o apenamento mais gravoso dado ao delito previsto no § 9º do artigo 129 do Código Penal seja aplicado apenas para vítimas de tal gênero pelo simples fato desta alteração ter se dado pela Lei Maria da Penha, mormente porque observada a pertinência temática e a adequação da espécie normativa modificadora. (…)[66]

No entanto, corroborando com nosso entendimento acima disposto, o Ministro Relator ressaltou que os institutos peculiares da Lei Maria da Penha não são aplicáveis ao caso, por não se tratar de violência contra a mulher[67], vista como vulnerável e para a qual existe norma específica para tutela da proteção e garantia de seus direitos.

Mas, e quanto ao homem que não se enquadre em nenhuma das situações de vulnerabilidade, não sendo, portanto, destinatário de proteção em lei específica? Um homem que não revide as agressões, sejam físicas e/ou psicológicas, provenientes de sua (ex)mulher ou namorada, ou qualquer que seja o relacionamento existente entre ambos? Não teria este o direito à proteção legal?

Permitindo-nos ser repetitivos, o fato é que o inciso III do artigo 313 do Código de Processo Penal dirige-se à garantia da execução das medidas protetivas específicas, conferidas estas por leis especiais aplicáveis à pessoas que nestas se enquadrem, ou seja, os vulneráveis que necessitam de uma proteção diferenciada, atendendo ao Princípio da Igualdade, especialmente a igualdade material.

Acompanhamos o voto do Superior Tribunal de Justiça, bem como de alguns juristas aqui mencionados, posicionando-nos pela aplicação das medidas da Lei n. 12.403/11 e, infringidas estas medidas pela mulher agressora, pela incidência dos artigos 282, § 4º c/c 312, parágrafo único, pois, mister assegurar a aplicação da lei penal:

Art. 282. ….........................................

§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (grifo nosso).

Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º)[68].                                                                                                                                          

No entanto, há um inconveniente nesta aplicação: o fator “urgência”. Enquanto a presunção de urgência das medidas protetivas aplicáveis na Lei Maria da Penha é absoluta, pois, assim denominadas ao intitular o Capítulo II do Título IV da referida norma, “Das Medidas Protetivas de Urgência”, para as medidas cautelares diversas da prisão dispostas no Código de Processo Penal, essa urgência constitui uma exceção, devendo ser comprovado em juízo a sua necessidade e adequação:

Art. 282 ….............................

§ 3º. Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo. (…)[69]

A nosso ver, seria este o único problema na aplicação das medidas cautelares da Lei n. 12.403/11, qual seja, identificá-las como “urgentes” na tutela da proteção e integridade dos direitos fundamentais do ofendido.

Sobre a autora
Isabel Cristina Aquino do Nascimento

Bacharel em Direito pela UniverCidade - Centro Universitário da Cidade, RJ Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela UCAM - Universidade Cândido Mendes, RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Isabel Cristina Aquino. Da (in)aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens vítimas de violência doméstica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3593, 3 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24357. Acesso em: 22 dez. 2024.

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