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Os princípios constitucionais como garantia da possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos

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Agenda 09/07/2013 às 11:50

3ADOÇÃO HOMOAFETIVA

Este terceiro capítulo trabalhará o tema central desta monografia, sendo que, primeiramente, discorrerá acerca da união estável homoafetiva. Ao final, apresentará brevemente algumas decisões jurisprudenciais relacionadas à adoção homoafetiva.

3.1 UNIÃO HOMOAFETIVA

Antes de adentrar-se ao foco temático deste trabalho, para melhor compreensão do mesmo, é necessário trazermos alguns esclarecimentos sobre a união homoafetiva, visto ser este o possível núcleo familiar beneficiado pela adoção.

Conforme abordado no primeiro capítulo desta monografia, a sociedade hodierna passa por um progresso de rearranjo do núcleo familiar, sendo o afeto o principal sustentáculo dessas novas entidades. Consequente a isso, o advento da CF/88 inseriu uma nova concepção de família no direito brasileiro, reconhecendo diversas formas de constituição familiar. Encontra-se entre uma das alterações mais importantes o reconhecimento da união estável como família legítima (CF art. 226, § 3º).

Embora já existentes, essas uniões por muito tempo foram repudiadas e ficaram à margem da tutela do Estado, não sendo aceitas como família. Apesar dos avanços sociais e jurídicos significativos, ainda existem muitas barreiras e muito preconceito quando a união envolve pessoas do mesmo sexo. Do mesmo modo que as uniões estáveis em determinada época foram discriminadas, está ocorrendo o mesmo com as uniões homoafetivas na atualidade (DIAS, 2010).

Observa-se que nos últimos anos, há uma grande tendência entre os homossexuais em assumirem publicamente seus relacionamentos de caráter duradouro, informal, nos quais compartilham um mesmo lar, dividindo os mesmos objetivos e demonstrando interesse em constituir uma família. Vale salientar que em muitos desses lares já existem filhos biológicos. Dessa forma não resta dúvida que estas relações sejam configuradas como familiares e que geram direitos e obrigações entre seus companheiros, tais como o direito a alimentos, partilha de bens entre outros (MARIANO, 2009).

O entendimento comumente empregado, sobre união estável, pressupõe que, para sua existência, se faz necessário preencher certos aspectos, considerando-se, em síntese, manter um relacionamento de vínculo afetivo, duradouro, público e contínuo, constituindo um núcleo familiar sem as formalidades presentes no casamento. Constata-se que o instituto da união estável em tudo se assemelha à união homoafetiva, exceto quanto à orientação sexual dos companheiros. (PENNO, 2010).

Apesar disso, as semelhanças não foram suficientes para o reconhecimento jurídico dessas entidades, pois o artigo 226, § 3º estabelece que “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar” (grifo nosso). Não expressando nada em relação às uniões homofetivas, o legislador deixou a norma aberta a várias divergências interpretativas quanto a sua aplicação ou não a estas uniões.

No entendimento da desembargadora Dias(2010, p. 198), a união estável, estabelecida pela CF/88, deve ser interpretada como:

cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade. Não se pode deixar de reconhecer que há relacionamentos que, mesmo sem a diversidade de sexo, atendem a tais requisitos. Têm origem em um vínculo afetivo, devendo ser identificados como entidade familiar a merecer a tutela legal (grifo do autor).

E conclui:

A interpretação e uma norma ampla não pode suprimir e seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos subjetivos. A referência constitucional é norma de inclusão, que não permite deixar ao desabrigo do conceito de família – que dispõe de um conceito plural – a entidade familiar homoafetiva. (ibidem, p. 198-199).

A autora interpreta o artigo 226, §3º de forma mais abrangente, pois compreende que a conceituação de família de acordo com a Constituição Federal, não limita sua formação à casais heteroafetivos, à formalidade cartórica ou a celebração civil, ou seja, é plenamente possível estender este direito à casais homoafetivos.

Em consonância a este posicionamento Silva Júnior (2010, p. 96) elucida:

A constituição se caracteriza pela abertura e amplitude (HESSE, 1998, p. 39) permitindo a interpretação como concretização. Assim, o que não se verifica, de forma clara como conteúdo constitucional literal, mediante a adequação a realidade social de cuja ordenação se trata. No que tange à união homoafetiva, como entidade familiar implicitamente tutelada pela constituição, no art. 226 (caput, §§ 4º, 8º), Lôbo (2002, p. 48-49) afirma, com propriedade salutar, que o intérprete se encontra “obrigado à inclusão, em seu âmbito normativo, dos elementos de concretização que permitam a solução (...). a discriminação é apenas admitida quando expressamente prevista na constituição. Se ela não discrimina, o intérprete ou o legislador infraconstitucional não o podem fazer”(grifo do autor).

Ademais, considerando a importância dos princípios constitucionais em nosso sistema jurídico:

A interpretação do artigo 226, da Constituição Federal, deve ser feita de forma extensiva, em conjunto com os princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e da não discriminação. A exclusão que muitos entendem existir, no que tange às uniões homoafetivas, não advém dos artigos da Carta Magna, uma vez que o que não está proibido está permitido (STINGELIN, 2012, p. 10).

Silva Júnior e Stingelin, bem como fez Dias, ressaltaram a importância da intepretação em conformidade com a constituição, pois além de não violar as barreiras da constitucionalidade normativa, se adequam a nova realidade social, mesmo não existindo previsão legal, os princípios constitucionais não impedem a adoção por casais homoafetivos.

Neste mesmo sentido, extrai-se:

[...] a Carta Política reconheceu a, também, outrora relegada, união estável como entidade familiar. Todavia ao se ler o dispositivo constitucional, depreende-se que a união estável é recomendada apenas entre homem e mulher, não sendo atribuída em interpretação literal, à relação entre pessoas do mesmo sexo.

Contudo, ressalta-se que a lei deve ser interpretada em sintonia com as demais normas constitucionais, principalmente os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, sem preconceito nem discriminação. (IDEF, 2009, p. 74).

Tendo em vista todos os fundamentos favorecedores ao reconhecimento da união homoafetiva, muitos casais passaram a recorrer ao sistema judiciário para a legitimação desse direito. Em muitos casos a justiça rejeitou a prestação jurisdicional a várias ações justificando a ausência de regulamentação. Entretanto, haja vista os princípios mencionados, timidamente, a justiça brasileira foi julgando os recursos e cedendo espaço ao reconhecimento desse direito.

Assim, em sintonia com a realidade, o Supremo Tribunal Federal - SFT se manifestou, em decisão inédita e com unanimidade, finalmente equiparou a união estável homossexual à heterossexual, como pode ser visto abaixo:

INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA "INTERPRETAÇÃO CONFORME"). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de "interpretação conforme à Constituição". Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva (Anexo A - ADI 4277 e a ADPF 132).

Em outro trecho determinou:

O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de "promover o bem de todos". Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana "norma geral negativa", segundo a qual "o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido" (Anexo A - ADI 4277 e a ADPF 132).

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Esta decisão confirmou que as entidades familiares expressas no artigo 226 são meramente exemplificativas, bem como não há indicação de que o rol da previsão constitucional seja taxativo, assim nenhuma entidade familiar pode ficar a mercê da proteção constitucional.

Apropriando-se das palavras de Moraes(2012, p. 40), entende-se que:

O Supremo Tribunal Federal entendeu que o texto constitucional proíbe expressamente o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre homens e mulheres, afirmando a existência de isonomia entre os sexos, que se caracteriza pela garantia de “não sofre discriminação pelo fato em si contraposta conformação anátoma-fisiológica e de fazer ou deixar de fazer uso da respectiva sexualidade; além de, nas situações de uso emparceirado da sexualidade fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo ou não”.

Conclui-se que a partir dessa decisão as uniões homoafetivas devem seguir as mesmas regras e com idênticas consequências da união heteroafetiva, firmando que o dispositivo constitucional trata-se de uma norma de inclusão.

Com esta decisão, o STF devolveu aos homossexuais a condição completa do ser humano, reconhecendo direitos e garantias fundamentais que até então lhe haviam sido negados. Na prática, o tribunal reconheceu “a parceria homoafetiva como uma das modalidades de entidade familiar” (STF – RE 477554/MG – Rel. Min. Celso de Mello), ou seja, é um núcleo familiar como qualquer outro. Neste sentido, poderá pleitear direitos como: pensão, herança, regulamentação da comunhão de bens, previdência, além de poder viabilizar o direito à adoção. Vale ressaltar que esta decisão não é equivalente à uma lei, o artigo 226 da CF/88 estabelece a união estável heterossexual como entidade familiar. O Supremo apenas estendeu este reconhecimento aos casais homoafetivos.

Por conseguinte, com a união homoafetiva consagrada como entidade familiar, não se pode mais conceber que situações de fato, como a adoção por casais homoafetivos, fiquem à margem do ordenamento jurídico, sob pena de completo desamparo legal.

3.2A POSSIBILIDADE JURÍDICA DE ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS

Chega-se neste momento ao ponto de discussão principal desta monografia: a possibilidade jurídica de adoção por casais homoafetivos. Este é um tema cercado de polêmicas, porém, apesar de já ser realizada, continua gerando muitas incertezas e divergências na doutrina e na jurisprudência.

Em razão disso, é importante elucidar que ainda existem muitos posicionamentos contrários quanto a este assunto, não só de pessoas do âmbito jurídico, mas também de psicólogos, assistentes sociais e outros especialistas em campos antagônicos. Os defensores desta corrente contrária argumentam que a concessão de adoção a pessoas do mesmo sexo pode ocasionar danos ao desenvolvimento psíquico da criança, pois:

[...] o adotado teria um referencial desvirtuado do papel de pai e de mãe, além de problemas sociais de convivência em razão do preconceito, condenação e represália por parte de terceiros, acarretando um risco ao bem-estar psicológico do adotado que não se pode ignorar. (BRITO, 2000, p. 55 apud RODRIGUES, 2008, p. 5).

Os demais doutrinadores que acompanham este raciocínio citam também que o convívio poderá influenciar a orientação sexual do adotado, que a união não se caracteriza como entidade familiar e que além disso, possuem tendência à promiscuidade, violência e ao uso de drogas.

Depreende-se que, tais posicionamentos, além de preconceituosos, não possuem qualquer respaldo científico, visto que:

 [...] não há pesquisas cientificas atestando que a orientação sexual dos pais faz diferença significativa na educação de crianças e adolescentes. Ao contrário, os estudos que existem nessa esteira apontam, além da negativa a tal hipótese (interferência da orientação sexual dos pais na dos filhos) a relevância do afeto e da estrutura emocional, como os elementos indispensáveis e preponderantes ao pleno ou saudável desenvolvimento da prole. [...] Por que razão, o temor exagerado de deferimento da adoção (e, pois, da futura educação) de criança/adolescente, a um casal do mesmo sexo, justificada pela possibilidade de a prole se tornar homossexual – como se a orientação sexual fosse um processo de simples “torna-se. (SILVA JÚNIOR, 2010, p. 124).

Percebe-se também uma generalização da violência e do uso de drogas por homossexuais, no entanto, a realidade social nos demonstra que esse é um problema que independe da orientação sexual do indivíduo.

 Importante suscitar as pesquisas mencionadas por Silva Júnior, cujos resultados atestaram não haver prejuízo quanto à criação de crianças/adolescentes por casais homosexuais:

SAMUELS (1990) destaca que, mais importante do que a orientação sexual dos pais adotivos, o aspecto principal é a habilidade dos pais em proporcionar para a criança um ambiente carinhoso, educativo e estável.

MCINTYRE (1994) faz uma análise acerca de pais e mães homossexuais e o sistema legal de custódia. Este autor afirma que a pesquisa sobre crianças serem criadas por pais homossexuais documenta que pais do mesmo sexo são tão efetivos quanto casais tradicionais.

PATTERSON (1997) escreveu um artigo sobre relações de pais e mães homossexuais e analisou as evidências da influência na identidade sexual, desenvolvimento pessoal e relacionamento social em crianças adotadas. A autora examinou o ajustamento de crianças de 4 a 9 anos de idade criados por mães homossexuais (mães biológicas e adotivas) e os resultados mostram que tanto os níveis de ajustamento maternal quanto a auto estima, desenvolvimento social e pessoal das crianças são compatíveis com crianças criadas por uma casal tradicional (2010, p.136-137).

Pesquisas mais recentes também apresentaram resultados semelhantes:

Insituto de Pesquisas Familiares da Universidade de Bamberg, Marina Rupp, encarregada do estudo realizado por encomenda do Ministério da Justiça -Segundo a pesquisa representativa, na qual foram entrevistadas 700 crianças e seus pais, tanto o desenvolvimento da personalidade como o escolar e o profissional podem transcorrer de forma tão positiva quanto entre os filhos de uniões heterossexuais. Tampouco foi registrada uma maior tendência à depressão. Entre os filhos, 53% afirmaram não ser discriminados devido à orientação sexual de seus pais e mães, o que foi confirmado por 63% dos responsáveis entrevistados. Quando ocorre, a discriminação se limita a atos de implicância e insultos. "As crianças se desenvolvem tão bem com dois pais ou duas mães quanto em outras formações familiares", declarou Zypries (Ministra Alemã) (RIMON, 2009, p.1).

Portanto, não há que se falar em prejuízo ao desenvolvimento saudável do adotado, inclusive quanto à conduta afetivo-sexual. É preciso ter em mente que tanto homossexuais quanto heterossexuais podem ter condutas que agridam a formação moral, psicológica e social do adotando, devendo ambos serem previamente investigados de maneira indistinta.

Identificado os pontos psicológicos favoráveis, passemos à análise dos fundamentos dos demais doutrinadores que compreendem ser viável à adoção homoafetiva.

Primeiramente, destaca-se os argumentos da desembargadora Maria Berenice Dias(2004, p. 3).

A maior visibilidade e melhor aceitabilidade das famílias homoafetivas tornam impositivo o estabelecimento do vínculo jurídico paterno-filial com ambos os genitores, ainda que sejam dois pais ou duas mães. Vetar a possibilidade de juridicizar essa realidade só traz prejuízo ao filho, que não terá qualquer direito com relação a quem exerce o poder familiar, isto é, desempenha a função de pai ou de mãe. Presentes todos os requisitos para o reconhecimento de uma filiação socioafetiva, negar sua presença é deixar a realidade ser encoberta pelo véu do preconceito.

E complementa:

Além de retrógrada, a negativa de reconhecimento escancara flagrante inconstitucionalidade, pois é expressa a proibição de quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Rejeitar a homoparentalidade afronta um leque de princípios, direitos e garantias fundamentais. Crianças e adolescentes têm, com absoluta prioridade, direito à vida, à saúde, à alimentação, à convivência familiar, e negar o vínculo de filiação é vetar o direito à família [...] (ibidem, p. 4, grifo nosso).

Quanto ao sadio desenvolvimento da criança, a mesma autora também explica em seu artigo “Adoção Homoafetiva”:

Essas preocupações, no entanto, são afastadas com segurança por quem se debruça no estudo das famílias homoafetivas com prole. As evidências trazidas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães. Não foram constatados quaisquer efeitos danosos ao normal desenvolvimento ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio de crianças com pais do mesmo sexo. Também não há registro de dano sequer potencial ou risco ao sadio estabelecimento dos vínculos afetivos. Igualmente nada comprova que a falta do modelo heterossexual acarreta perda de referenciais a tornar confusa a identidade de gênero. Diante de tais resultados, não há como prevalecer o mito de que a homossexualidade dos genitores gere patologias nos filhos (s.d., p. 1).

Novamente o autor Silva Júnior (2010, p. 114), expondo agora quanto aos aspectos jurídicos:

Diante da vedação constitucional de discriminação de qualquer natureza e em razão de sexo, da qual se extrai a proibição ao preconceito com base na orientação sexual, o ECA e o CC não vedam a colocação de um criança/adolescente em famílias substitutas biparentais homossexuais. Na verdade constituir um ambiente familiar adequado – emocional e materialmente equilibrado - , que proporcione reais vantagens, benefícios efetivos aos adotandos e vindo-lhes ao melhor interesse, não é prerrogativa somente de casais heterossexuais ou de relação efetiva entre homem e mulher, mas de seres humanos realmente motivados, preparados para a maternidade/paternidade (grifo nosso).

Portanto:

Conformando-se a legislação infra-constitucional à Lei Maior, não só é pertinente a consideração da união homoafetiva como família – já ressaltado - , mas a própria viabilidade de os(as) magistrados(as) deferirem o pedido de adoção  a dois(duas) homossexuais, que convivam em união sólida, estável (desde que preenchidos todos os requisitos e exigências legais, para regular o processamento do feito) (ibidem, p. 154, grifo nosso).

Citado por Figueirêdo (2009, p. 90), Silva expõe sobre a adoção homoafetiva em um de seus artigos:

[...] A nosso ver o homossexual tem o direito de adotar um menor, salvo se não preencher os requisitos estabelecidos em lei. Aliás, se um homossexual não pudesse adotar uma criança ou um adolescente, o princípio da igualdade perante a lei estaria abertamente violado. E mais: apesar da omissão legal, o ECA não veda, implícita ou explicitamente a adoção por homossexuais. O que importa, no substancial, é a idoneidade moral do candidato e sua capacidade para assumir os encargos decorrentesde uma paternidade (ou maternidade) adotiva (grifo nosso).

Ao se analisar tais argumentos, percebe-se ser comum a todos o entendimento de que não há,no ordenamento pátrio, vedação expressa ao pedido de adoção formulado conjuntamente por casal homossexual, como foi mencionado no capítulo anterior. Além disso, por não estarem somente preocupados com a literalidade da lei, os autores demonstraram-se seguros e bem informados quanto ao bem estar intergral da criança/adolescente, ressaltando que para isso é indispensável preencher todos os requisitos legais. Quanto ao atendimento a tais requisitos, corroborou-se não ser privilégio somente de casais heterossexuais nem de pares homossexuais, mas o resultado da estabilidade afetivo-emcional de qualquer relacionamento.

Outro ponto de suma importância para o embasamento jurídico desta monografia, e que por isso foi propositadamente destacado nos argumentos citados, são os trechos que se referem aos princípios constitucionais. Igualmente a qualquer outro ramo do juridico, o Direito de Família está norteado por estes princípios, logo, o instituto da adoção também. Voltando para a situação de adoção por casais homoafetivos, como já mencionado, há uma lacuna no ordernamente jurídico quanto à sua possiblidade, sendo esta a principal barreira jurídica ao seu deferimento.

No entanto, de acordo com o que foi abordado anteriormente, os princípios adquiriram força normativa, são normas abrangentes, que podem determinar o cumprimento de outra norma ou, quando esta for ausente, poderá direcionar o caminho interpretrativo a ser seguido. “Nesse sentido, contemporaneamente, passa a surgir a interpretação segundo a qual não mais se concebe os princípios como fonte subsidiária de terceiro grau, cuja função restringe-se a colmatar lacunas.” (PENNO, 2010, p. 499).

Como pressuposto para a sua eficácia, as normas necessitam de interpretação em consonância às exigências sociais, tal interpretação também é denominada de sociológica. Dessa forma, seguindo essa vertente teórica que busca adequar o Direito à realidade social, o STF estendeu os direitos da união estável à união de pessoas do mesmo sexo, tendo em vista que a CF/88 protege implicitamente uniões homoafetivas.

Assim, semelhante à intepretação feita a favor da união estável homoafetiva, os magistrados podem e devem, como forma de sanar tal lacuna, aplicar os princípios constitucionais à situação de adoção por casais homossexuais, garantindo-lhes o reconhecimento deste direito fundamental, visto que a Constituição Federal sustenta como princípios a dignidade da pessoa humana e a igualdade, vedando veementemente, qualquer discriminação e preconceitos por motivos de “origem, raça, sexo, cor ou idade” (CF art. 3º, IV). Desta forma, negar este direito à casais homoafetivos, em razão exclusivamente de sua orientação sexual, seria interpretar contra a Lei Maior.

Ademais, esta forma de interpretação não beneficiaria somente a cidadania de milhões de homossexuais que convivem em união estável  e que estejam interessados em constituir família por meio da adoção, como também, o deferimento interessaria a crianças e adolescentes que aguardam o momento de serem inseridas em um lar que atenda plenamente todas suas necessidade materiais e emocionais. Desta forma, o deferimento do pedido deve priorizar sempre o melhor interesse da criança, afastando-se de preonceitos de forma a resguardar o direito da criança/adolescente de ter uma familia, princípio também expresso na Carta Magna.

Acerca do princípio do melhor interesse da criança, em relação à adoção por casais homoafetivos:

Conquanto se tenha afirmado que, com fundamento na Carta Magna, o ordenamento pátrio tenha sobreposto o interesse da criança aos demais interesses em jogo, não é menos correto o fato de os indivíduos terem constitucionalmente garantido o direito de formar uma família, somado ao fato de que constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Ante a incidência desses princípios, caso seja vedado o direito de adoção ao homossexual em razão de, tão-somente, de sua “opção” sexual, se estará diante de um conflito de princípios , pois, conforme mencionado, a Constituição Federal de 1988 assegura o direito à igualdade sem distinção de sexo e de orientação sexual, outra não, senão, a mens legis (PERES, 2006, p.77 apud KRIEGER, 2008, p. 80).

Neste sentido, seguindo a visão dos autores citados neste tópico, o direito à igualdade conbinado com o melhor interesse da criança, devem ser considerados no pedido de adoção por casais homoafetivos, do contráro, se violaria os preceitos constitucionais.

Em relação à aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, este encontra-se inserido nos demais princípios, assegurando o respeito à todas as entidades, independente da forma como se constituem, sendo a afetividade neste contexto, pré-requisito para esta geração familiar. Neste aspecto está inserida a proteção à dignidade da família homoafetiva.

Assim, diante de tais ponderações é forçoso admitir a possiblidade de adoção por pares homoafetivos com amparo no princípios constitucionais da dginidade da pessoa humana, igualdade, melhor interesse da criança e afetividade, sendo dever do Estado incluir todos os cidadãos sob sua tutela, pois esta é uma prerrogativa das garantias constitucionais, apesar da atitude omissa do legislador infraconstitcional.

Isto posto, passa-se a analisedas primeiras decisões favoráveis à adoção por casais homoafetivos no Brasil.

3.3 PRIMEIRAS ABERTURAS DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Diante dos avanços jurídicos, uma parcela considerável do Poder Judiciário, vem se orientando pelo que hoje é denominado de “realismo jurídico” (SILVA JÚNIOR, 2010), ou seja, atentando-se à interpretação conforme as exigências sociais, alguns membros deste Poder que reconhecem as relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo como um fato social inegável, confirmaram as primeiras sentenças favoráveis à adoção por casais homoafetivos.

Entre estas decisões mais importantes, está registrada na cidade de Bagé – RS, proferida em 2005 (anexo B):

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE.

Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes.

NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.

APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70013801592

COMARCA MINISTERIO PUBLICO APELANTE

ACÓRDÃO

Porto Alegre, 05 de abril de 2006.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

Outra importante decisão (maio/2006) veio da Justiça do Rio de Janeiro, que, pela primeira vez, permitiu a um casal de mulheres, a adoção de uma criança em conjunto (anexo C):

[...]

A afirmação de que criança adotada que vive em lar homossexual será socialmente estigmatizada vem sendo pouco a pouco derrubada por pesquisas nas quais se constataram a inexistência de diferenças na identidade de gênero ou na orientação sexual das crianças e adolescentes. Mas muitas pessoas não concordam com os resultados desses estudos.

Na ação que já dura três anos, a Defensoria Pública do Estado do Rio destaca que a adoção homossexual encontra respaldo na Constituição Federal, “que consagra o princípio da proteção integral e prevê a adoção como forma de atender o direito à convivência familiar e comunitária, não havendo qualquer vedação legal ao pedido de adoção por parte de pessoas que mantenham relação de afeto, independentemente de sexo”.

Sublinha, ainda, que requisitos legais estão sendo seguidos, citando a capacidade civil das companheiras, diferença de idade superior a 16 anos entre adotante e adotado e o quadro geral favorável, “uma vez que há convivência de fato com a criança, assistência afetiva, moral e material” (HERDY, 2006, p. 1).

Por fim, recentemente, na análise feita com Supremo Tribunal Federal julgou favorável o Recurso Extraordinário 615.261 (608) origem: ac – 5299761 (anexo D):

Ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 615.261 (608) ORIGEM : AC - 5299761 - TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL PROCED : PARANÁ .-RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO .-RECTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROC(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ .-RECDO : ANTONIO LUIZ MARTINS DOS REIS .-RECDO : DAVID IAN HARRAD ADV: GIANNA CARLA ANDREATTA ROSSI .-DECISÃO

Prossegue mesma Ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - RAZÕES - DESCOMPASSO COM O ACÓRDÃO IMPUGNADO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. Contra a sentença proferida pelo Juízo, houve a interposição de recurso somente pelos autores. Pleitearam a reforma do decidido a fim de que fosse afastada a limitação imposta quanto ao sexo e à idade das crianças a serem adotadas. A apelação foi provida, declarando-se terem os recorrentes direito a adotarem crianças de ambos os sexos e menores de 10 anos. Eis o teor da emenda contida à folha 257: [...] 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculo biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento. 2. Há flagrante descompasso entre o que foi decidido pela Corte de origem e as razões do recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná. O Tribunal local limitou-se a apreciar a questão relativa à idade e ao sexo das crianças a serem adotadas. No extraordinário, o recorrente aponta violado o artigo 226 da Constituição Federal, alegando a impossibilidade de configuração de união estável entre pessoas do mesmo sexo, questão não debatida pela Corte de origem. 3. Nego seguimento ao extraordinário. 4. Publiquem. Brasília, 16 de agosto de 2010. Ministro MARCO AURÉLIO – RELATOR. (grifo nosso).

Portanto, está evidente que, a partir desses precedentes jurisprudenciais, a justiça brasileira caminha para a solidificação dos avanços em matéria de adoção homoafetiva, apontando para a devida efetivação de todos direitos fundamentais e princípios expostos.

Sobre a autora
Rhana Pâmela Lobato Costa

Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá - CEAP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Rhana Pâmela Lobato. Os princípios constitucionais como garantia da possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3660, 9 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24475. Acesso em: 23 nov. 2024.

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