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O princípio da proporcionalidade e a prova ilícita no direito penal brasileiro

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Agenda 23/06/2013 às 18:49

A inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal, por se tratar de direito fundamental, firmado tanto na Constituição Federal, como no Código de Processo Penal, por vezes, acaba gerando conflito com demais direitos e bens jurídicos.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a (in)admissibilidade da prova ilícita no Processo penal brasileiro e sua possível relativização pelo princípio da proporcionalidade, na busca do melhor método de solução à problemática, uma vez que o tema tem se mostrado de extrema relevância pela expansão das organizações criminosas em nosso país. Diante do Estado Democrático e Social de Direito em que se vive, que preza pelos direitos fundamentais do ser humano, verifica-se a possibilidade de utilização da prova obtida ilicitamente, sempre em caráter excepcional, por meio da teoria da proporcionalidade. Tal aceitação se torna possível, sob o fundamento de que nenhuma garantia constitucional tem valor absoluto ou supremo, de modo a tornar inválida outra de equivalente grau de importância. Examina-se, a partir de então, a aplicabilidade das provas proibidas no âmbito jurídico nacional, analisando-se tanto a versão pro reo, como também a pro societate, mormente após a reforma processual penal acarretada pela Lei n.º 11.690/08, que incluiu expressamente a matéria, antes tratada somente pela Carta Magna, no atual Código de Processo Penal.

Palavras-chave: processo penal brasileiro; prova ilícita; princípio da proporcionalidade; reforma processual.


INTRODUÇÃO

A questão da (in)admissibilidade das provas colhidas ilicitamente no processo penal brasileiro constitui um dos debates mais controvertidos atualmente, em relação à matéria probatória. Não se trata de um problema meramente processual, mas também social, já que envolve direitos e garantias fundamentais. Além disso, ultimamente, tornou-se tema de diversos julgamentos do Poder Judiciário brasileiro, bem como de reforma processual.

O tema foi escolhido devido à inconformidade pessoal relativa à corrente da inadmissibilidade, pela jurisprudência, de prova ilícita para fins de condenação. Afinal, por muitas vezes, a impossibilidade de utilização de provas consideradas ilícitas conduz à absolvição de agentes criminosos que integram grandes organizações voltadas ao delito. Diante de tal situação, tem-se que a idéia não se coaduna com a própria razão de ser do Estado Democrático e Social de Direito. Assim, denota-se que se está diante de uma colisão de direitos constitucionais, o que motivou a presente pesquisa.

Num primeiro momento, realizou-se uma análise do histórico da prova, pra que se verifique o avanço político-sociológico em relação ao tema, bem como sua incidência em cada Constituição que o Brasil já vivenciou. Além disso, estudou-se o conceito de prova, dando um panorama geral de sua função e demais particularidades. Ainda, não há como discorrer sobre a matéria probatória sem que se examinem os sistemas processuais inquisitório e acusatório que restaram alterados pela reforma processual ocorrida em 2008, o que foi abordado no mesmo capítulo.

Em seguida, destinou-se o segundo capítulo à apresentação das principais provas lícitas no direito processual penal brasileiro. Desse modo, expôs-se as características gerais do interrogatório, da confissão, da prova testemunhal, da prova documental e da perícia, de modo a iniciar o assunto das provas ilícitas.

Por fim, examinou-se a questão das provas proibidas, fazendo necessária distinção entre as provas ilegítimas e as provas ilícitas, para que, posteriormente, está última pudesse ser aprofundada. Questionou-se, ademais, a (in)admissibilidade da utilização da prova ilícita no processo penal brasileiro, perante todas as teorias que tratam da matéria. A partir disso, examinou-se com maior aprofundamento a teoria da proporcionalidade frente às provas obtidas ilicitamente, tanto a versão pro reo, com também a pro societate, e sua capacidade de relativizar o uso desse meio probatório, sempre demonstrando sua aplicabilidade na jurisprudência pátria.

Ainda, especificou-se o maior exemplo das provas ilícitas atualmente: as interceptações telefônicas, diante do alto índice de organizações criminosas, que muitas vezes são descobertas devido ao uso deste tipo de prova. Importou salientar, também, que com o advento da Lei n.º 11.690/08, passou a integrar o Código de Processo Penal, a matéria das provas ilícitas, antes só aventada na Carta Magna.

Relativamente à metodologia de procedimento, a revisão bibliográfica foi a base principal de desenvolvimento da pesquisa, porquanto a investigação referente à problemática proposta dependeu de conceitos jurídicos estudados por doutrinadores especializados.

Com isso, o presente trabalho visa a apurar o debate acerca da viabilidade de utilização da prova ilícita no processo penal brasileiro, especialmente quando colidem, de um lado, a inadmissibilidade desse tipo de prova e, de outro, direitos fundamentais da coletividade.


1 PROVA

1.1 CONCEITO DE PROVA

O estudo da prova no direito processual penal brasileiro é ínfimo, apesar da sua relevância, pois “é muito mais penoso e difícil julgar o fato do que o direito”. [1] A análise da prova, portanto, é de essencial relevância para a compreensão dos fatos, pois o direito é facilmente concebido em doutrinas, jurisprudências ou legislações, diferentemente do que ocorre com os fatos que dependem, exclusivamente, da predisposição das partes de tentar elucidar o que lhes cabe como justo.[2]

Neste ponto, difere-se o campo criminal do cível. O primeiro está muito mais ligado aos fatos, à verdade que extrapola dos autos, afirmada pelas partes; o segundo está intimamente conexo ao direito, à letra da lei. Diante disso, verifica-se que o Magistrado quando balizado pelo direito, encontra maior garantia e certeza ao firmar sua decisão, ao passo que quando da análise fática, está adstrito à realidade social daquele indivíduo em particular, já que necessita avaliar o homem e sua realidade, situação mais complexa, portanto. Nota-se, que no direito penal há, inclusive, certa interdisciplinaridade, com a Sociologia, Psicologia, Antropologia, Lógica, entre outros, de forma a construir legitimamente a decisão do julgador.[3]

Mirabete ensina que “para solucionar com exatidão o litígio penal, o juiz, no processo, deve apurar a verdade dos fatos a fim de aplicar, com justiça, a lei penal”.[4] Ferraz Júnior aduz que “a decisão não emerge automaticamente da subsunção do caso à norma”, pois há também o requisito probatório.[5] Na linha de raciocínio de que provar é convencer com a verdade[6], importa conceituar o que é verdade.

A verdade, em síntese, é a conformidade da noção ideológica com a realidade, mas ela nem sempre está atrelada à certeza. Portanto, a prova, em geral, “é a relação concreta entre a verdade e o espírito humano nas suas especiais determinações de credibilidade, probabilidade e certeza”.[7] Malatesta acrescenta que:

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Todo o processo penal, no que respeita o conjunto das provas, só tem importância do ponto de vista da certeza do delito, alcançada ou não. Qualquer juízo não pode resolver senão em uma condenação ou absolvição e é precisamente a certeza conquistada do delito que legitima a condenação, como é a dúvida, ou, de outra forma, a não conquistada certeza do delito, que obriga à absolvição. O objeto principal da crítica criminal é, portanto, indagar como, da prova, pode legitimamente nascer a certeza do delito; o objetivo principal de suas investigações é, em outros termos, o estudo das provas de certeza.[8]

Assim, a prova é o elemento utilizado para convencer o juiz da verdade dos fatos, que, por sua vez, é o seu destinatário. Provar vem do latim probatio, derivado do verbo probare que significa examinar, persuadir, demonstrar[9]. Desse modo, “provar significa fazer conhecer aos outros uma verdade conhecida por nós”.[10]

Badaró preleciona que:

Embora o problema do acertamento judicial dos fatos não se coloque em termos de determinação da verdade absoluta ou da certeza indubitável de uma determinada alegação fática, a prova se coloca como um mecanismo que permite que se realize uma escolha racional entre hipóteses diversas sobre os fatos debatidos no processo.[11]

Apesar das diferenças, tanto no direito penal, como no cível, a prova tem como objeto os fatos relevantes e necessários para a formação da decisão que põe fim à lide, sendo excluídos os fatos impertinentes, notórios, irrelevantes, impossíveis e aqueles contidos em presunção legal absoluta[12]. Nesse sentido é a lição de Chiovenda, quando afirma que a prova tem a função de “formar a convicção do juiz sobre a existência ou não de fatos relevantes no processo”.[13]

Quanto aos critérios de classificação das provas, existem três maneiras de ordená-las: quanto ao sujeito, quanto ao objeto e quanto à forma. A primeira compreende a prova pessoal que é aquela realizada por meio de testemunhas ou das  partes, bem  como  a prova  real  que consiste em objetos ou coisas. A segunda

envolve as provas diretas que dizem respeito diretamente ao fato principal da demanda e as provas indiretas que são caracterizadas pelos indícios. Já a terceira forma de classificação, compõe-se da prova testemunhal, da documental e da material[14]. Por derradeiro, Pacheco inclui mais uma maneira de analisar as provas: quanto ao valor ou efeito, que abrange a prova plena (que gera um juízo de certeza) e a prova não-plena (que acarreta um juízo de probabilidade).[15]

Com isso, tem-se que, por todo fato controvertido, incide a questão das provas, como único meio capaz de afastar meras conjecturas ou alegações desprovidas de consistência verídica.

1.2 SISTEMA INQUISITÓRIO E SISTEMA ACUSATÓRIO

Qualquer estudo que tenha por objeto a prova penal depende da escolha entre dois sistemas processuais: o inquisitório e/ou o acusatório. Isso porque os referidos sistemas definem o modo de atuação, ampliando ou reduzindo a função do Magistrado, conferindo determinadas atribuições e limitações.[16] No Brasil, a doutrina diverge quanto ao sistema utilizado, se acusatório, inquisitório ou misto, devido ao conflito existente entre o Código de Processo Penal de 1941 e a Constituição Federal de 1988.

O Código de Processo Penal vigente, de 1941, foi inspirado no modelo fascista, sob a égide da Constituição Federal de 1937, durante o Estado Novo brasileiro de Getúlio Vargas. Já a Magna Carta foi editada após a Segunda Guerra Mundial, com a redemocratização do país, colidindo, portanto, com os princípios que embasaram a criação do Diploma Processual, o que gera a dúvida sobre qual o sistema processual utilizado no país.

No sistema acusatório, a gestão da prova concentra-se nas partes, sistema este consagrado pela Constituição, no extenso rol do artigo 5º, através da garantia da tutela jurisdicional, do devido processo legal, do acesso à justiça, do juiz natural, do tratamento paritário às partes, da ampla defesa, da publicidade e motivação dos atos decisórios e da presunção de inocência. Tal inspiração acusatória tem como principal característica a separação de funções, firmada por Montesquieu, em que cada órgão possui tarefas distintas, sendo que somente às partes cabe a produção de provas, mantendo-se, assim, a imparcialidade do julgador.[17]

Atente-se para o fato de que no sistema acusatório autor e réu estão situados no mesmo patamar, encontrando-se abaixo somente do julgador, que, por sua vez, garantirá a aplicação da lei, sem que seja possível a iniciação do processo por parte do Magistrado.[18] Aplica-se, portanto, o princípio da dialética, ou seja, a verdade somente será acertada se as funções processuais forem dispostas a sujeitos que representam pólos opostos, na qualidade de acusação e defesa. Assim, o juiz somente pode fundamentar sua decisão com base naquilo que as partes trouxeram a sua análise, estimulada pelo contraditório e pela ampla defesa.[19]

Ao contrário, no sistema inquisitório, firmado no princípio da autoridade, em que o juiz é “o senhor do processo e das provas”, a verdade somente será encontrada se o julgador acumular todas as funções, sem qualquer imparcialidade e limites probatórios. Neste modelo processual, todos os meios de prova são válidos, contanto que a “melhor” verdade seja atingida ao final, o que caracteriza evidente abuso de poder, central e absoluto, de cunho essencialmente medieval.[20]

De acordo com o jurista Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “um devido processo legal (constitucional) é incompatível com o sistema do CPP, de todo inquisitorial”. Defende, ainda, que somente haverá a superação da estrutura inquisitória com a extinção do Inquérito Policial, permitindo-se somente uma instrução pautada pelo contraditório em qualquer momento processual. [21]

Quanto à regulamentação probatória, somente o sistema acusatório tem excessiva preocupação em disciplinar sobre a matéria, já que no inquisitório o julgador concentra em si todas as funções, não sendo necessária qualquer segurança jurídica neste ponto.

Ademais, há aqueles que defendem o sistema misto como sendo o aplicado no Brasil, ou seja, inquisitivo-acusatório. Para Guilherme de Souza Nucci, o toque acusatório está presente nos princípios constitucionais que norteiam o Direito Processual Penal, quais sejam, ampla defesa, contraditório, publicidade, imparcialidade, presunção de inocência, entre outros; enquanto que a figura inquisitiva estaria estampada, essencialmente, no Inquérito Policial, procedimento administrativo em que se colhem as provas que serão ou não corroboradas na fase judicial. Assim, para ele, somente com a criação de novas leis, capazes de orientar a instrução processual do início ao fim, não dependendo somente de princípios constitucionais, é que se poderia pensar num sistema puramente acusatório.[22]

A raiz da mescla do sistema acusatório com o inquisitório encontra-se no ordenamento francês de 1808, sendo impossível tratá-lo como um novo sistema apartado dos demais, mas sim numa reforma do inquisitório, minimizando seus efeitos de todo radicais.[23]

No Brasil, atualmente, há a prevalência da consideração de nosso sistema processual como sendo acusatório, com base essencialmente na Constituição Federal

de 1988. Todavia, a Lei Processual Criminal, criada durante um período político totalitário, contém claros resquícios inquisitivos, como, por exemplo, o fato de que somente após o ingresso da ação penal é que garantias constitucionais fundamentais ao cidadão são possibilitadas. Isso porque, até então, a investigação era realizada no curso do Inquérito Policial, fase esta com características inquisitivas (sigilo, ausência de contraditório e ampla defesa, entre outras).[24]

Diante dessa coexistência entre fundamentos que por vezes se chocam, muitos dos artigos do Código de Processo Penal devem ser interpretados de acordo com a Constituição Federal e, em matéria probatória, especial atenção merece o artigo 156, pois traz consigo vestígios do sistema inquisitório. Ocorre que o referido dispositivo, após a reforma ocorrida em 2008, possibilita ao juiz, de ofício, requerer a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, o que demonstra que o Magistrado também detém a gestão da prova.[25]

Nessas condições,

a regra inserta na segunda parte do art. 156 do Código de Processo Penal deve ser interpretada conforme os ditames da Constituição Federal, [...] para que seja extirpado do sistema processual brasileiro o resquício inquisitivo semeado em pleno Estado Novo.[26]

Por conseguinte, em razão de um efetivo descompasso entre a Lei Federal e o Código de Processo Penal, é que foi editada a recente Lei nº 11.690 de junho de 2008 que buscou aproximar ambas as legislações no que diz respeito à produção probatória. Com a reforma mencionada, modificou-se substancialmente o artigo 156 da Lei Processual, pois fora acrescentado o inciso I, que assim disciplina:

A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; 

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Verifica-se, desse modo, que o Magistrado, assim como as partes, possui a gestão da prova, só que de forma secundária. Para Nucci, “permanece o poder instrutório do juiz, agora ampliado para a fase investigatória, quando pode determinar a produção antecipada de provas”.[27]

Após a reforma, a maioria dos doutrinadores tem entendido que, com a possibilidade de o julgador produzir as provas que considerar necessárias para dirimir eventuais dúvidas quanto à verdade, não estaria mais se conduzindo o processo de forma imparcial. Afinal, “a simples escolha de qual prova deverá ser produzida já seria uma forte indicação de predisposição do juiz para condenar ou absolver”.[28]

Nas palavras de Aury Lopes Júnior:

sempre que se atribuem poderes instrutórios ao juiz, destrói-se a estrutura dialética do processo, o contraditório, funda-se um sistema inquisitório e sepulta-se de vez qualquer esperança de imparcialidade. [...] É um imenso prejuízo gerado pelos diversos pré-juízos que o julgador faz.[29]

E nesse mesmo sentido tem se manifestado grande parte da doutrina, ao entender que a reforma, neste ponto, caracterizou verdadeiro retrocesso, eivada de inconstitucionalidade. Para esta corrente, o juiz não tutela a investigação e nem deve fazê-lo, sob pena de estar adotando, através da sua capacidade de produção probatória, postura essencialmente acusatória.[30]

Com reestruturação processual denota-se que

o magistrado [...] atropela a Constituição Federal, auxiliando o Ministério Público na tarefa acusatória, utilizando-se mais tarde – para a condenação – da prova que ele mesmo determinou porque estava a perseguir aquele resultado.[31]

Logo, entregou-se o processo à imparcialidade do juiz, em troca de uma ação penal rápida e pretensamente eficiente[32]. Afinal, “quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar”, o que representa uma inclinação comprometedora da isenção judicial.[33]

O doutrinador Eugênio Pacelli afirma, ainda, que a imparcialidade rompida, nesse caso, não trata exclusivamente daqueles casos legais de impedimento, suspeição e incompatibilidade, quando determinadas interferências externas podem influenciar na opinião do julgador. Aqui, fala-se numa imparcialidade quanto à “atuação concreta do juiz na causa”, no sentido de que o Magistrado não passe a assumir funções exclusivas do Ministério Público, pois estaria retirando a isonomia entre as partes no processo e aniquilando princípios constitucionais como o contraditório e a ampla defesa.[34]

Com isso, a Lei nº 11.690/08 que ampliou os poderes instrutórios do julgador, ao tratar da possibilidade de produção antecipada de provas, no curso de Inquérito Policial, firmou claramente o caráter inquisitivo do Código de Processo Penal em desarmonia com os traços puramente acusatórios da Magna Carta. [35]

Nesta linha dos que defendem a invalidade do inciso I do artigo 156 do Código de Processo Penal, introduzido pela recente reforma processual, o referido dispositivo não merece aplicação, “sob pena de retrocesso inquisitório”.[36]

E tal posicionamento não se apresenta isolado, pois, em a jurisprudência já declarou a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 9.034/95 (Lei de Repressão às Organizações Criminosas), que permitia ao juiz a realização de diligências investigatórias sem a participação da Polícia Judiciária e do Ministério Público, por ferir o devido processo legal.[37] No caso citado, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADIN 1570, em 2004, decidiu que o dispositivo ia de encontro à Constituição Federal, especificamente aos artigos 129 e 144, que dispõem sobre as atribuições ministeriais e policiais, não sendo possível, portanto, que o julgador investigasse pessoalmente informações fiscais e eleitorais do acusado.[38]

Leciona Geraldo Prado, no âmbito da imparcialidade judicial, que “é necessário garantir que, independentemente da integridade pessoal e intelectual do magistrado, sua apreciação não esteja em concreto comprometida em virtude de algum juízo apriorístico”. Afinal, “a confiabilidade das partes na isenção do juiz emerge como condição de validade jurídica dos tos jurisdicionais”.[39] Assim, o artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal, se não interpretado corretamente, pode revolucionar um sistema processual de matriz acusatória, através da iniciativa probatória judicial, ainda que no curso da instrução criminal.[40]

Em contrapartida, há os que defendem a tese de que a reforma processual penal não acarretou qualquer violação à imparcialidade do juiz com a sua capacidade de produção de provas, sob o principal argumento de que tal faculdade tem caráter supletivo, baseada na proporcionalidade. Nesse sentido, a conferência de maiores atribuições ao Magistrado, em matéria probatória, não poderia invadir o espaço de atuação tanto da acusação quanto da defesa. Afinal, trata-se de uma atividade subsidiária, “quando o juiz verifica que a diligência não foi requerida por aqueles e que tal circunstância implicará na possibilidade de perecimento da prova e, conseqüentemente, colidirá com os ideais da verdade e da justiça”.[41]

Esta corrente sustenta, ainda, que a produção de prova de ofício não deixaria a parte ré em situação de hipossuficiência em relação ao Estado, pois quando o juiz determina a realização do ato instrutório não tem conhecimento de qual resultado será obtido por esta prova requerida, ou seja, não tem a certeza de que será favorável à acusação ou não.[42]

Para aqueles que acreditam que o “trabalho de um juiz criminal no campo das provas que servirão de base para a absolvição ou condenação não pode ficar limitada à de mero espectador”, a ação penal é um múnus público (que procede de autoridade pública ou da lei). Nessa linha de raciocínio, há que se fazer importante distinção entre o juiz inquisidor e o juiz que cumpre sua função, uma vez que o primeiro somente busca a prova para ratificar o seu pré-julgamento, ou seja, ele já sabe se irá absolver ou condenar e, para isso, faz de tudo para conseguir uma prova que sustente sua decisão. Ao contrário, o juiz que somente cumpre seu papel não fez qualquer pré-julgamento, tratando de obter a maior quantidade de provas possíveis no intuito de fortalecer a sua decisão balizada pela verdade.[43]

Impõe ressaltar que o que está em questionamento é o bem da vida do acusado chamado liberdade, o que gera um grande empenho por parte do julgador na busca da melhor fundamentação de sua decisão. E para isso, conforme prevê o dispositivo em questão, deve ele diligenciar quando entender necessário, sobretudo, quando as partes não tiverem fornecido provas suficientes para a formação de sua convicção.[44]

Portanto, notável é a polêmica acerca da constitucionalidade do inciso I do artigo 156 do Código de Processo Penal. Não obstante, a Lei nº 11.690/08 tentou adequá-lo aos ditames acusatórios da Constituição Federal de 1988.[45]

Isso porque, apesar de o legislador ter demonstrado efetiva inclinação ao sistema acusatório com a reforma processual, conservou traços marcantes do sistema inquisitivo ao conceder ao julgador a possibilidade de produção de provas antes mesmo do ajuizamento do processo-crime, ou pelo Ministério Público (ação pena pública incondicionada) ou pelo ofendido (ação penal privada), ainda que seja em caráter suplementar à atuação das partes.[46] Revela-se assim, o juiz instrutor-inquisidor.[47]

Sobre a autora
Fabiana Rodrigues Aquere

Advogada, pós-graduanda em Direito Público pela Instituição de Ensino Verbo Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AQUERE, Fabiana Rodrigues. O princípio da proporcionalidade e a prova ilícita no direito penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3644, 23 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24757. Acesso em: 23 dez. 2024.

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