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O Tribunal Militar Internacional para a Alemanha – Tribunal de Nuremberg:

seu caráter de exceção e o princípio da legalidade

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Agenda 23/10/2013 às 13:14

5 .Conclusão

“Entraremos para a História como os maiores estadistas de todos os tempos, ou os maiores criminosos.”[143]

Em Nuremberg, pela primeira vez criou-se um tribunal internacional para julgar crimes então definidos como internacionais, crimes até então jamais imaginados. A brutalidade e o horror nazistas, finalmente derrotados em 1945, abriram os olhos do mundo para a necessidade de uma resposta dentro dos ditames legais para a barbárie institucional ocorrida na Europa ocupada.

A grande questão, todavia, desde o momento em que se decidiu pela criação de um tribunal dessa natureza, residiu, basicamente, em duas perguntas: seria esse tribunal, criado e dirigido pelos vencedores da guerra, imparcial? E, poderiam as desprezíveis condutas nazistas, as quais nenhuma legislação jamais previra, serem classificadas, ante o sistema penal então vigente, como crimes?

O presente trabalho se utilizou de diversas opiniões dos mais variados estudiosos, tanto juristas quanto historiadores, bem como das fundamentações esposadas pelo próprio Tribunal. Não são muitos os autores que se arriscaram a enveredar pelas entranhas das questões ora levantadas. Aqueles que se dispuseram, trouxeram opiniões frequentemente discordantes entre si, mas igualmente importantes.

Dificilmente se encontra um autor que seja totalmente contrário aos julgamentos realizados em Nuremberg. As exceções são, obviamente, tingidas por fatores ideológicos, de pessoas ainda influenciadas pelo nazismo e pelo revisionismo ou negacionismo. Mas, também dificilmente se encontra um autor que seja acrítico a Nuremberg. Porém, onde um autor aponta uma polêmica gritante, outro autor, de igual renome, apresenta uma solução cabível. Se Schwarzenberger classificou o Tribunal como carente de legitimidade, Jackson e Arendt o apontaram como resultado da jurisdição internacional aplicável aos crimes ali analisados. Se Kelsen concordava que o crime de guerra de agressão carecia de um conceito a embasar sua própria existência, ele próprio encarava como necessária a mitigação do princípio da legalidade penal.

Foi o Tribunal um tribunal de exceção? Os que respondem afirmativamente ressaltam seu caráter de uma corte ad hoc, ou seja, criada especialmente e unicamente para aquele julgamento. São os autores que acusam o Tribunal de parcialidade, especialmente frisando a participação dos juízes soviéticos, claramente predispostos a condenarem todos os réus sem aterem-se a provas. São também os autores que apontam o cerceamento da defesa dos réus, com enfoque na proibição da alegação de ordens superiores, na utilização de lei ex post facto e nas limitações físicas a que fora submetida a Defesa.

Os autores que, por outro lado, procuram defender o Tribunal, entendem que, por mais que, de fato, ele tenha sido um tribunal de exceção, isso não acarretou em nenhum prejuízo aos réus. São os autores que advogam que a criação do Tribunal foi legítima, utilizando-se da noção de debellatio, que a defesa teve sim chances reais de atuar – do que faz prova a absolvição de três réus e as penas de prisão cominadas a vários, quando era esperado que todos fossem condenados à forca – que o princípio da legalidade não deve ser levado ao extremo, a ponto de deixar impunes condutas claramente imorais.

O Tribunal em si respondeu, na medida do possível, essa questão. Quanto à sua legitimidade, de fato não cabia ao Tribunal discuti-la, pois um órgão não tem como questionar a si mesmo. Mas, em nenhum momento, ele deu motivo à crítica de que os réus sentaram-se no banco da corte já com a corda no pescoço. Não apenas pelo fato de que três dos réus foram absolvidos, mas, essencialmente, porque cada réu, por mais que as provas fossem inquestionáveis quanto à sua culpa, teve a oportunidade de defender-se, de fazer-se ouvir pelos juízes, de explicar-se. Se suas explicações não lhes salvaram da forca, não o foi porque o Tribunal estava predisposto a condená-los, mas sim porque eles próprios já haviam sido condenados, por meio de seus crimes.

A principal questão posta em Nuremberg talvez tenha sido não a legitimidade do Tribunal ou a obediência pelo julgamento dos princípios mais comezinhos do direito de defesa. O que Nuremberg suscitou e respondeu foi a dúvida se uma conduta claramente imoral, mas não ilegal, poderia ser punida pelo Direito. Isto porque, para os Aliados, era muito fácil simplesmente executar todos os réus, e mandar às favas qualquer escrúpulo ou opinião pública. Decidiu-se, porém, submetê-los ao império da lei, submeter ao Direito condutas que sequer poderiam ser consideradas humanas. A grande dificuldade do Tribunal foi julgar crimes que ninguém poderia imaginar pudessem ser cometidos, julgar esses crimes como se fossem crimes comuns. Nesse campo, não há como discordar que Nuremberg fez um trabalho excelente. Mesmo com falhas, algumas bastante graves, não há como alegar que o julgamento foi um erro. Muito pelo contrário, Nuremberg foi a única resposta possível para um acontecimento que desafiou a lógica humana.

Foi essa resposta, apesar de ser a única possível, correta? Sim. Não apenas porque, ante todos os argumentos expostos neste trabalho, demonstrou-se que o julgamento não foi um arremedo de processo, um show Trial como alardeado por muitos. A principal razão é que, desde aquele 1 de outubro de 1946, quando o Tribunal proferiu suas sentenças, um horror semelhante ao nazista, ao menos na escala levada a cabo por Hitler, não se repetiu. Pois Nuremberg mostrou ao mundo que, ainda que imprevisível e incontrolável, a desumanidade da qual o ser humano é capaz pode, deve e será rigorosamente punida, não pela brutalidade das armas, mas pela justiça do Direito.


6 .APÊNDICE A - Os réus em Nuremberg

“- O senhor ainda diz que nem Hitler nem o senhor sabiam da política de extermínio dos judeus?

- Quanto a Hitler, eu disse que eu não acredito. Quanto a mim, eu disse que eu não sabia, nem aproximadamente, a extensão com que esses eventos estavam ocorrendo.

- O senhor não sabia em que grau, mas o senhor sabia que havia uma política que almejava o extermínio dos judeus?

- Não, uma política de imigração, não liquidação dos judeus.”[144]

“Eu morro como um homem inocente.”[145]

Sentar-se-iam no banco dos réus em Nuremberg, a princípio, 24 réus, representando as esferas política, econômica, militar e social do regime nazista. Dos 24, 2 (Gustav Krupp von Bohlen und Halbach e Robert Ley) não foram levados a julgamento. Dos 22 restantes, um (Martin Bormann) foi julgado in absentia – sem estar presente.

A personalidade e as ações dos réus compõem um assunto ímpar em, qualquer relato do Tribunal. Expõem-se aqui breves comentários quanto a cada réu e sua atitude durante o julgamento, bem como a sentença e pena cominada.

Os réus estão listados de acordo com a ordem na Denúncia apresentada pela Promotoria e no julgamento proferido pela corte.

a) Hermann Wilhelm Goering – um dos mais antigos seguidores do Partido Nazista, Goering era, certamente, o mais importante réu em Nuremberg, tanto por sua fama quanto pelo efetivo poder que exerceu durante os 12 anos do regime nazista[146]. Fora presidente do Reichstag (o Parlamento alemão), comandante da Luftwaffe (a Força Aérea alemã), chefe do Plano Quadrienal, sucessor político designado pelo próprio Hitler e Reichsmarshall (Marechal do Reich – cargo criado especialmente para ele. A amplitude dos cargos e postos que ocupara fazia de Goering o único réu implicado em todas as esferas de poder da Alemanha nazista e, nas palavras do Promotor Jackson, ao iniciar seu interrogatório, “o único homem ainda vivo que pode nos expor os verdadeiros propósitos do Partido Nazista e as entranhas de seu funcionamento.”[147]

Durante o julgamento, como demonstra Smith[148], foi o líder do grupo que se negava a admitir os crimes do nazismo, defendendo ardorosamente Hitler. Seu confronto com o promotor norte americano Robert Jackson passou aos anais da História como exemplo de sua inteligência e perspicácia. Refutou veementemente, todavia, sua aprovação quanto às invasões da Noruega e da União Soviética pela Alemanha, afirmando que discordara de Hitler, mas preferira não levar a público essa discordância de opiniões.

O Tribunal declarou, na sentença, que Goering, responsável pela direção da Luftwaffe, estava implicado nos bombardeios que haviam arrasado cidades e causado a morte de milhares de civis. Autorizara a execução de milhares de prisioneiros de guerra, comandara diretamente a pilhagem de milhares de obras de artes nos países ocupados, bem como trazia sua assinatura o único documento recuperado pelas Quatro Potências que mencionava de forma expressa a infame “Solução Final da Questão Judaica” [149] Fora, de fato, “o ditador da economia do Reich”[150] e sua discordância quanto às guerras de agressão travadas pela Alemanha foi considerada mais uma questão estratégica do que moral.

Condenado por todas as acusações, foi sentenciado à forca, mas suicidou-se horas antes da execução.

b) Rudolf Hess – Tal Goering, Hess fora um dos primeiros membros do Partido Nazista, tendo acompanhado Hitler na prisão quando do putsch (tentativa de golpe) deste em 1923, tornando-se confidente do ditador alemão desde então, chegando a ser nomeado seu sucessor na hipótese de Goering não poder ocupar a liderança do país. Ocupara a vice-liderança do Partido Nazista até 1941 (abaixo somente de Hitler) quando, inexplicavelmente, voou até o Reino Unido, a fim de, supostamente, obter um acordo de paz com os britânicos. Foi imediatamente preso e, quando apareceu em Nuremberg, quatro anos depois, seu estado mental era deplorável.[151]

Antes do julgamento, declarou ter perdido a memória de todo o período que servira a Hitler, levando seu advogado a pedir sua exclusão do processo. Diante dos juízes, porém, Hess declarou ter fingido a amnésia, o que levou os juízes a rejeitarem o apelo do advogado.   

Sua defesa foi caótica. Hess negou-se a responder perguntas tanto da Promotoria quanto de seu advogado. Alegou ter conhecimento de fatos e opiniões que claramente jamais poderia saber. Defendeu sem reservas o regime nazista e Hitler.

O Tribunal, ante as provas apresentadas, aceitou que Hess não estivera envolvido ativamente no planejamento e execução dos crimes listados na Denúncia, mas decidiu que sua culpa residia no fato de que ele “deve ter sido informado dos planos agressivos de Hitler quando estes vieram a existir.”, bem como do tratamento dispensado aos povos dos países ocupados pelas forças armadas alemãs. Dessa forma, como aponta Smith, Hess foi condenado com fundamento apenas em razão de sua posição no governo nazista, sem haver provas de sua criminalidade individual.[152]

Assim, foi condenado em todas as acusações, tendo sido sentenciado à prisão perpétua.[153]                                            

c) Joachim von Ribbentrop – Ministro das Relações Exteriores, entre 1938 a 1945, vaidoso, arrogante e prepotente[154], von Ribbentrop era acusado de intimidar e enganar vários líderes de nações européias a firmar acordos com a Alemanha, a fim de justificar a invasão e ocupação daquelas por essa. Era acusado, ainda, de ter agido ativamente na preparação das guerras de agressão movidas pelo regime nazista, bem como de ter tomado parte nas deportações e extermínio de povos inteiros.

Negou veementemente, durante o julgamento, ter negociado tratados os quais já sabia que a Alemanha não cumpriria, alegando sempre que as circunstâncias levaram a nação alemã a romper as garantias que firmara. Justificou suas ações pela crença absurda de que Hitler buscava a paz ao fazer a guerra. Sua defesa, outrossim, foi enfraquecida pelo próprio estado de saúde de von Ribbentrop, à beira de um colapso nervoso.[155]

O Tribunal, obviamente, desconsiderou todas as alegações de von Ribbentrop, e, ante os testemunhos de ex-líderes de nações européias, firmou o convencimento de que o ex-ministro fora ativo em planejar e preparar, por meio de engodos diplomáticos, as guerras de agressão travadas pela Alemanha, bem como os genocídios praticados nos países ocupados.

Condenado por todas as quatro acusações, foi sentenciado à forca.

d) Robert Ley – Ley fora chefe da Frente de Trabalho Alemã (Deutsche Arbeitsfront), organização que substituíra todos os sindicatos alemães. Nessa posição, era responsável pela “coordenação” da população trabalhadora alemã para seguir a ideologia nazista.

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Denunciado pela Promotoria nas quatro acusações, enforcou-se em sua cela pouco menos de um mês antes do início do julgamento, deixando uma breve carta onde afirmava: “Nós renegamos a Deus e, desta forma, fomos por Ele renegados.[156]

e) Wilhelm Keitel – Chefe do Alto Comando das Forças Armadas – Oberkommando der Wehrmacht – desde 1938, fora, nominalmente, o segundo homem na hierarquia do Exército, após Hitler. Na prática, porém, pouco fizera para influenciar o comando militar do ditador, limitando-se somente a fazer cumprir as ordens que recebia dele. Sua subserviência foi classificada durante o julgamento como a de um “general criminosamente desprovido de caráter.” [157]

Keitel mostrou-se arrependido durante o julgamento, ao mesmo tempo em que procurou eximir-se de qualquer responsabilidade quanto à direção das guerras de agressão, alegando estar apenas “cumprindo as ordens” de Hitler. Sua defesa levantou insistentemente a questão de cumprimento de ordens superiores, sem êxito.

Foi levado em alta consideração, pelo Tribunal, o fato de que Keitel assinara a “Ordem dos Comandos” - Kommandobefehl – que autorizava a execução sumária de membros de forças especiais aliadas que tentassem se infiltrar na retaguarda das linhas alemãs. Também considerada foi sua participação ativa na direção dos planos de guerra agressiva travadas pela Alemanha.

Foi condenado em todas as acusações, e sentenciado à forca.

f) Ernst Kaltenbrunner – se Goering era o réu mais importante politicamente em Nuremberg, Kaltenbrunner era, certamente, o mais diretamente responsável por grande parte das atrocidades mais cruéis ali julgadas. Sucessor do temido Reinhard Heydrich na chefia do Reichssicherheitshauptamt (conglomerado dos serviços secretos alemães - RHSA) desde 1943, Kaltenbrunner era o mais graúdo dos oficiais da SS ainda vivos ao final da guerra, e, em sua posição, responsável pela administração dos campos de concentração, pela Gestapo, pela SD e pelos Einsatzgruppen. Sua autoridade nesses campos se submetia somente a Hitler e a Himmler.

Ainda no início do julgamento, foi acometido por uma hemorragia cerebral, o que o privou de comparecer às sessões iniciais da corte. Quando retornou ao Tribunal, ainda sofrendo de forte depressão, foi confrontado por centenas de documentos que traziam sua assinatura, ordenando a execução de milhões de pessoas. Sua defesa foi ao mesmo tempo simples e inverossímil: alegou que fizera um acordo com Himmler quando assumiu a liderança da RHSA, por meio do qual seria responsável somente pela direção dos serviços de inteligência da organização. Em relação às ordens escritas que lhe eram apresentadas como sendo suas, segundo Smith, “tentou todos os estratagemas possíveis para justificá-los e, quando tudo falhou, negou simplesmente que as assinaturas dos documentos fossem legítimas.”[158] o que lhe valeu a alcunha pelos presentes no Tribunal como “o homem sem assinatura (der Man ohne Unterschrift).

Suas alegações, por óbvio, não convenceram o Tribunal. Restou comprovado que Kaltenbrunner fora ativo em executar a política de genocídio advogada por Hitler e delineada por Himmler. Pesou muito o fato de que visitara várias vezes o campo de concentração de Mauthausen-Gusen, onde inspecionara o extermínio de milhares de prisioneiros, bem como executara pessoalmente um general francês ali preso. O Tribunal, todavia, entendeu que inexistiam provas de seu envolvimento nas guerras de agressão e no plano de conspiração, absolvendo-o das acusações 1 e 2.

Foi condenado, porém, pelas acusações 3 e 4, e sentenciado à forca.

g) Alfred Rosenberg – considerado um dos mentores ideológico do nazismo, autor da obra anti-semita “O Mito do Século 20” (Der Mythus des 20-Jarhrunderts), Rosenberg era considerado o filósofo oficial do regime. Ocupara ainda o cargo de Ministro dos Territórios Ocupados do Leste, sendo responsável, ao menos no papel, pela administração civil dos territórios russos ocupados pelo exército alemão.

A defesa de Rosenberg viu-se na necessidade de enfrentar duas linhas de ataque da Promotoria contra ele. Por um lado, conseguiu, a muito custo, provar que não se poderia creditar às obras e aos ensinamentos de Rosenberg as atrocidades cometidas pelos alemães. Por outro lado, tentou de todos os modos comprovar que o cargo de ministro que Rosenberg ocupara não lhe propiciara efetivo poder, e que, quando pudera, trabalhou para amenizar o sofrimento das populações da União Soviética ocupada.

O Tribunal de fato aceitou a assertiva da defesa, no sentido de que “nenhum homem deve ser processado por motivo de seu pensamento.”[159]. Mas os diversos documentos por ele assinados durante sua gestão como administrador dos territórios soviéticos ocupados, determinando a pilhagem de bens e o extermínio de milhares de pessoas, não o livraram da condenação, especialmente considerando o fato de que, ainda que Rosenberg tivesse agido para diminuir a escala das atrocidades, “permaneceu no cargo até o fim.”[160]

Foi condenado em todas as quatro acusações, sendo sentenciado à forca.

h) Hans Frank – apelidado de “Açougueiro da Polônia”, Frank fora chefe do Governo Geral (Generalgouvernment), a administração civil da porção da Polônia não anexada à Alemanha entre 1939 a 1945. Nessa posição, foi acusado de coordenar a brutal repressão a que os poloneses foram submetidos[161].

Sua defesa foi um verdadeiro tiroteio às cegas Enquanto culpava Hitler, Himmler, Heydrich, Sauckel, Goering e Speer pelas atrocidades cometidas contra o povo polonês, afirmava que sempre tentara agir para amenizar a crueldade do tratamento a este último dispensada, vendo-se sempre subjugado pela autoridade daqueles líderes nazistas. A todo momento expressava arrependimento pelos seus atos, contribuindo com a Promotoria ao entregar-lhe seus diários mantidos durante sua administração do Governo Geral.

O Tribunal concordou que a autoridade de Frank era limitada pela jurisdição que diversos outros líderes nazistas possuíam sobre a Polônia, especialmente Himmler e Sauckel. Mesmo assim, não restavam dúvidas de que, quando pode, reprimiu sem escrúpulos a população polonesa (foi ressaltada a ordem por ele dada, em 1943, de que qualquer polonês acusado de esconder judeus deveria ser executado imediatamente).

Foi absolvido da acusação 1, mas condenado pelas acusações 3 e 4, e sentenciado à forca.

i) Wilhelm Frick – Ministro do Interior entre 1933 a 1943 e, posteriormente, Reichsprotektor da Boêmia e da Moravia até 1945, Frick fora um dos poucos homens a servirem Hitler continuamente desde sua ascensão à liderança da Alemanha, em 1933. Um dos responsáveis pelas artimanhas que consolidaram o poder nazista sobre a sociedade alemã, Frick auxiliara o ditador alemão a “coordenar” as instituições da Alemanha para o controle nazista.

A defesa de Frick insistiu na tese de que ele nada mais fizera do que seguir ordens, sem possuir nenhum controle sobre as ações de Himmler e Heydrich, nominalmente seus subordinados. Ademais, o advogado insistiu na inexistência de provas de que Frick ordenara a repressão dos tchecos durante seu período como Reichsprotektor. Frick, todavia, recusou-se a ser interrogado pelo Tribunal.

O caso de Frick causou profundas divisões entre os juízes. O juiz suplente britânico, Parker, e o titular francês, Donnedieu de Vabres, entendiam que ele deveria ser absolvido, pois não passava de um simples burocrata. Já o juiz titular norteamericano, Biddle, e os juízes soviéticos entendiam que o silêncio de Frick na corte era uma admissão de sua culpa, e que sua conduta era a prova irrefutável de que de fato existira uma conspiração nazista para tomar e consolidar o poder na Alemanha.[162]

Após muita discussão, Frick acabou sendo condenado em todas as quatro acusações, e sentenciado à forca, mesmo tendo 69 anos de idade – era o réu mais velho a ser enforcado em Nuremberg.

j) Julius Streicher – Streicher fora Gauleiter de Nuremberg e editor do Der Sturmer, o jornal nazista mais anti-semita à época. Possuidor de um anti-semitismo violento, bem como de uma personalidade pornográfica e sádica, transformara o jornal que editava num veículo para a propagação do anti-semitismo e do ódio racial.

Desprezado até pelos demais réus, Streicher, todavia, tinha a seu favor no julgamento o fato de que nunca pertencera ao círculo de líderes do Terceiro Reich. A Promotoria não logrou apresentar nenhuma prova de que ele tinha conhecimento dos campos de concentração, malgrado ele pleiteasse constantemente o extermínio do povo judeu. A sua defesa foi capaz de demonstrar que Streicher era desprezado por todos os líderes do regime nazista, exceto por Hitler (que, ainda assim, o via com reservas).

Streicher, todavia, como bem aponta Smith, foi mais vítima de seu comportamento do que de suas ações. Seu próprio advogado o detestava, e os juízes viam-se frequentemente irritados com a atitude desprezível e absurda do réu quando falava, obrigando-o diversas vezes a calar-se.[163]

O Tribunal entendeu que a condenação de Streicher careceria de provas concretas. Por outro lado, nenhum dos juízes conseguia esconder a vontade que tinham de condená-lo, em razão de suas atitudes anti-semitas. Para resolver o problema, decidiu-se que Streicher era culpado por incitar, por meio de seu jornal e de seus discursos, o genocídio perpetrado pelas foras armadas alemãs.

Dessa forma, foi condenado somente pela acusação 4, mas ainda assim  sentenciado à forca.[164]

k) Walther Funk – Tal qual Streicher, Funk era considerado por todos um homem fraco, sem importância real no regime nazista. Fora Ministro da Economia em 1938 e Presidente do Reichsbank (Banco Central alemão) de 1939 a 1945. Nessa posição, fora responsável pelo estoque do butim resultante das pilhagens efetuadas pelo exército e pela SS nos países ocupados, principalmente das propriedades dos judeus aniquilados.

Sua defesa era simples, e corroborada por todos os outros testemunhos de líderes importantes do regime: Funk era um simples (mas dedicado, diga-se) cumpridor de ordens, especialmente as de Goering. Seu advogado conseguiu provar que Funk jamais fora ativo no planejamento ou preparação de qualquer crime analisado em Nuremberg, mas simples executor. Especial atenção foi dispensada ao fato de que ele fora conivente com o depósito, pela SS, de toneladas de dentes de ouro retirados dos corpos dos judeus exterminados nos campos de concentração[165]

Smith demonstra que o Tribunal, ao julgar Funk, já aparentava conformidade com a enormidade dos crimes cometidos pelos nazistas – Funk fora o décimo réu a ser objeto de deliberações pelos juízes – o que acarretou na desconsideração de grande parte da tese da Promotoria, no sentido de que as medidas econômicas levadas a cabo por Funk teriam causado fome e exploração deliberadas sobre os povos ocupados. Um dos juízes, ante o patente caráter de subalterno de Funk, chegou a comentar: “Funk não pode alegar que não era conhecedor do assunto; só pode alegar fraqueza.”[166]

Assim, mesmo tendo sido condenado pelas acusações 2, 3 e 4, foi sentenciado à prisão perpétua, escapando da forca.[167]

l) Hjalmar Schacht – de todos os réus em Nuremberg, o caso que mais causou discussões e divisões entre os juízes foi o de Schacht. Ministro da Economia entre 1933 a 1938, ele fora um dos responsáveis pela milagrosa recuperação econômica da Alemanha durante os meses posteriores à ascensão de Hitler ao poder. Era de conhecimento geral (e admitido por ele próprio) que Schacht fora crucial na ascensão e consolidação do poder nazista na Alemanha.

Mas o caso de Schacht esbarrava em dois obstáculos imponentes: o primeiro consistia no fato de que ele rompera relações com Hitler no início da guerra, por discordar das guerras de agressão movidas por esse, o que havia acarretado na sua prisão e internação no campo de concentração de Dachau até o final da guerra. O segundo obstáculo, ainda mais importante, era o fato de que Schacht colaborara secretamente com o governo norteamericano durante a guerra, enviando a esse informações confidenciais.

A Promotoria, e especialmente o Promotor-chefe Jackson, sabiam que Schacht poderia, a qualquer momento, expor suas conexões com o governo dos EUA.[168] Ademais, inexistiam provas de que ele tivera conhecimento das atrocidades cometidas pelos nazistas. A acusação, portanto, consistia unicamente no auxílio que Schacht emprestara a Hitler para reerguer a Alemanha e rearmá-la, em violação direta do Tratado de Versalhes.

Schacht, um dos réus mais inteligentes em Nuremberg, tentou, de início, firmar um tipo de delação premiada com a Promotoria. Quando Jackson recusou, ele subiu ao banco dos réus e afirmou que seu único crime fora violar o Tratado de Versalhes, mas que jamais imaginara que Hitler empreenderia guerras e agressão.

O Tribunal viu-se, portanto, diante de um impasse. Não havia, realmente, provas de que Schacht tivesse participado do planejamento das guerras de agressão. Tampouco poderia se dizer que ele estava implicado nos crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos. Mas os juízes custavam a acreditar que as ações de Schacht em garantir fundos para o rearmamento da Alemanha poderiam ser absolvidos. Os juízes franceses e norteamericanos apoiavam uma condenação leve – cinco anos de prisão, conforme relata Smith, especialmente devido à razão de que os juízes haviam combinado entre si não absolver nenhum réu[169] - enquanto os juízes britânicos apoiavam desde o início sua absolvição.

Após muita discussão, com muitas mudanças de posição (até mesmo os juízes soviéticos, inclinados a condenarem todos os réus sem ressalvas, viram-se dispostos a admitir que não haviam provas de que Schacht tivesse cometido qualquer crime), o Tribunal, por fim, decidiu absolvê-lo, sob o fundamento de que ele simplesmente realizara sua função de Ministro da Economia ao sustentar o rearmamento da Alemanha, e que não havia provas de que ele o fizera com o intuito de auxiliar Hitler no empreendimento de guerras de agressão.

m) Gustav Krupp – chefe das empresas de siderúrgica e armamentos Krupp, uma das maiores da Alemanha, Krupp fora incluído em Nuremberg a fim de responsabilizar-se o setor empresarial alemão pelas atrocidades nazistas. Krupp, todavia, sequer pode ser levado a Nuremberg, uma vez que seu estado de saúde era deplorável. A Promotoria terminou por decidir retirar as acusações contra ele, não sem antes tentar, sem aprovação dos juízes, substituí-lo por seu filho, Alfried.

n) Karl Doenitz – Tal qual Schacht, o Grossadmiral Doenitz, chefe dos submarinos alemães até 1943, chefe da marinha alemã de 1943 a 1945 e sucessor de Hitler como novo presidente da Alemanha após sua morte, apresentou um dos casos mais discutidos pelo Tribunal.

Doenitz era acusado pela Promotoria de ter empreendido uma guerra submarina brutal, ordenando o afundamento de todo e qualquer tipo de navio que não fosse alemão, o assassinato frio de sobreviventes de naufrágios, a utilização de trabalhadores escravos na construção de navios e diversas violações ao Direito Internacional do Mar.

Mas Doenitz logo valeu-se de um trunfo: tanto ele como seu advogado demonstraram de forma brilhante que os Aliados haviam empregado as mesmas táticas das quais era acusado. Outrossim, alegou que jamais ordenara expressamente o assassinato de sobreviventes, e que, se isso ocorrera, fora em razão de um mal entendido por parte dos seus subordinados. O surpreendente foi que Doenitz conseguiu arrancar de diversos oficiais aliados declarações de que tanto os EUA quanto o Reino Unido também haviam afundado indiscriminadamente navios alemães e se recusado a resgatar sobreviventes.

Os juízes muito discutiram se a defesa de Doenitz podia ser aceita, principalmente os juízes britânicos e soviéticos, que alegavam que eventuais atitudes dos Aliados não poderiam excluir a criminalidade dos atos de Doenitz. O temor, todavia, de que fossem expostas condutas vergonhosas das Marinhas aliadas fez com que os juízes concordassem, por fim, que qualquer acusação contra Doenitz relativa à guerra submarina deveria ser desconsiderada.

Ainda assim, os juízes mostraram-se empenhados em condená-lo. Decidiram que restaram provadas as ações de Doenitz no sentido de planejar e executar guerras de agressão junto a Hitler, bem como que de fato solicitara trabalhadores escravos para a construção de navios. Mas o juiz titular norteamericano, Biddle, admitiu que Doenitz estava sendo condenado por “coisas de pequena importância.”, se comparadas às ações dos demais réus condenados.[170]

Desse modo, foi condenado pelas acusações 2 e 3, e sentenciado a 10 anos de prisão.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 

o) Erich Raeder – comandante da Marinha alemã antes de Doenitz, Raeder fora acusado em Nuremberg pelos mesmos crimes imputados a Doenitz, mas também por ter proposto e organizado a invasão e ocupação da Noruega.

A sua defesa, ao contrário da de Doenitz, falhou em ressaltar os pontos levantados pela defesa daquele, limitando-se somente a focar na atuação do réu na invasão da Noruega – a qual, segundo Raeder, teria sido muito mais obra isolada de Hitler do que dele. Ainda assim, não podia o Tribunal levar em consideração suas conclusões quanto ao caso de Doenitz sem aplicá-las ao caso de Raeder.

Pesou contra ele, todavia, as provas levantadas pela Promotoria que afastavam a desculpa de que Raeder apenas obedecera a Hitler no caso da Noruega. Restou comprovado que ele planejara ativamente a invasão e ocupação do país, bem como participara, ainda que de modo mais contido, na preparação das demais guerras de agressão levadas a cabo pela Alemanha.

Foi portanto, condenado pelas acusações 1, 2 e 3, e sentenciado a prisão perpétua[171].                                                                                                                               

p) Baldur von Schirach – líder da famosa Juventude Hitlerista (Hitlerjugend), e, a partir de 1940 Gauleiter de Viena, von Schirach era acusado pela Promotoria de ter empreendido uma “lavagem cerebral” na juventude alemã durante o período pré-guerra, transformando crianças em soldados brutais. Era acusado, ainda, de ter deportado milhares de judeus e utilizado milhares de trabalhadores escravos durante seu governo em Viena.

Von Schirach, assim como Frank, mostrou-se o réu mais instável do julgamento, alternando momentos de puro arrependimento, em que chamava Hitler de “monstro”, com ocasiões em que tentava defender seus atos alegando desconhecimento das atrocidades cometidas.[172]

Por mais que a Promotoria se esforçasse, todavia, o Tribunal não aceitou a alegação de que Von Schirach fora determinante para o esforço de guerra alemão ao doutrinar a juventude do país. Os juízes entenderam não haver indícios de que ele agira consciente de que aqueles jovens participariam de guerras de agressão no futuro.

O Tribunal, todavia, encarou com rigor as acusações que pesavam contra ele como Gauleiter em Viena. Muito pesou o fato de que dirigira a deportação de mais de 60.000 judeus daquela cidade para os campos de concentração na Polônia, bem como a comprovação de que recebia periodicamente relatórios dos Einsatzgruppen - os esquadrões da morte da SS que executaram 1 milhão de judeus no Leste Europeu entre 1940 a 1941.

Foi, portanto, condenado pela acusação 4, e sentenciado a 20 anos de prisão.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             

q) Fritz Sauckel – Plenipotenciário do Trabalho, o ex-operário Sauckel fora diretamente responsável pela deportação e pelas condições cruéis a que milhões de trabalhadores escravos utilizados no esforço de guerra alemão foram submetidos.

Sua defesa procurou, durante o julgamento, provar que se esforçara para garantir um tratamento humano a esses trabalhadores, bem como que ele apenas obedecia a quotas impostas por Goering e por Speer.

O Tribunal, todavia, entendeu que Sauckel se empenhara vorazmente em “aumentar o máximo a produção, usando ao mesmo tempo a menor quantidade possível de recursos para alimentar a mão-de-obra.”[173], tendo agido com especial empenho na obtenção do maior número possível de trabalhadores escravos para as industrias alemãs. Os juízes desconsideraram, porém, o fato de que havia abundantes provas corroborando as afirmações de Sauckel de que ele sempre agira em cumprimento de ordens de Goering e Speer.

Condenado nas acusações 3 e 4, foi sentenciado à forca.

r) Alfred Jodl – terceiro na hierarquia do Exército, abaixo de Hitler e Keitel, Jodl era acusado de assinar diversas ordens de execução de soldados, prisioneiros e judeus, especialmente a infame “Ordem dos Comissários” (Kommissarbefehl), que determinava a execução sumária de qualquer comissário político soviético capturado pelos alemães.

Jodl, dono de um intelecto invejável, desde o início do julgamento procurou assemelhar suas condutas com as dos generais aliados, afirmando que nada mais fizera do que cumprir as ordens de Hitler, e que tentara atenuar as ordens mais cruéis quando possível. Foi o réu que mais insistiu na aceitação da defesa de ordens superiores, e seu advogado atacava frequentemente a Promotoria, que chegou a temer que ele conseguisse convencer os juízes a obrigar os oficiais aliados a responderem suas indagações.

O Tribunal, todavia, não acatou as suas alegações, entendendo que Jodl agira com especial zelo no cumprimento das ordens mais cruéis de Hitler, especialmente no tocante à execução de milhares de prisioneiros de guerra.

Foi condenado pelas quatro acusações e sentenciado à forca, não antes de causar uma forte discussão entre os juízes quanto ao tipo de pena de morte que deveria lhe ser aplicada, uma vez que os juízes franceses acreditavam que ele merecia a honrosa execução por fuzilamento.

s) Martin Bormann – somente durante o julgamento de Nuremberg descobriu-se que Bormann fora uma das figuras mais poderosas dos últimos anos do regime nazista. Secretário-geral do Partido Nazista, Bormann tornara-se o braço direito de Hitler após a fuga de Hess para a Grã-Bretanha,                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 e, assim, sua importância para o julgamento era equivalente à de Goering. Mas havia um detalhe: Bormann estava desaparecido e, sua inclusão no julgamento fora uma decisão bastante controversa da Promotoria, e que deixou os juízes numa situação difícil.

A defesa de Bormann foi, como aponta Smith, uma tarefa quase impossível para seu advogado. Os próprios juízes concordaram com isso quando perceberam a absurdez de levar a julgamento uma pessoa que sequer havia certeza se estava viva.[174] Para os demais réus, todavia, a ausência de Bormann era um auxílio inestimável. Todos, quando possível, tentaram jogar nas suas costas a responsabilidade pelos crimes mais odiosos do regime, a ponto de “sua imagem ameaçar ocultar a do próprio Hitler.”[175]

Julgado in absentia, foi declarado vivo[176] pelo Tribunal, condenado pelas acusações 3 e 4 e sentenciado à forca.

t) Franz von Papen – Vice-chanceler do Reich, e, posteriormente, embaixador em Viena e na Turquia, von Papen era acusado de auxiliar Hitler na consolidação do regime nazista durante a década de 30, e, na visão da Promotoria, simbolizava toda a conspiração nazista para tomar o poder na Alemanha e empreender guerras de agressão.

Von Papen, todavia, logrou demonstrar que agira para auxiliar a ascensão de Hitler com o único intuito de controlá-lo, e que desconhecia qualquer inclinação do regime em cometer as atrocidades levadas a cabo nos anos seguintes. Demonstrou que criticara ferozmente o regime muitas vezes, o que chegou a lhe valer uma temporada na prisão.

Mas, acima de tudo, foi a decisão do Tribunal de afastar qualquer noção de que as atitudes políticas de Von Papen enquanto vice-chanceler teriam constituído crime de conspiração que o salvou de uma condenação. Os juízes entenderam que Von Papen nada mais fora do que um peão utilizado inconscientemente por Hitler, e que não havia a mínima evidência de que ele sequer concordasse, quanto mais tivesse conhecimento, do planejamento das guerras de agressão. Foi ele o primeiro réu que os juízes decidiram absolver.

u) Arthur Seyss-Inquart – Governador (Reichsstatthalter) da Áustria anexada à Alemanha, e posteriormente, Reichskommissar da Holanda ocupada, Seyss-Inquart era responsável, segundo a Promotoria, por enviar milhares de pessoas à morte ao combater a resistência à ocupação alemã naquele último país e instigar a deportação em massa de judeus.

A defesa de Seyss-Inquart era um apanhado de todas as defesas rejeitadas pelos juízes: ele era, no fundo, um homem bom, que sentia piedade de suas vítimas; nada mais fizera do que cumprir as ordens de Berlim; agira sempre de modo a diminuir o sofrimento dos oprimidos. Em suma, como um dos juízes auxiliares comentou, “Não constitui defesa que Seyss-Inquart era menos brutal que Himmler.”[177]

O Tribunal não gastou muito tempo examinando a defesa de Seyss-Inquart, nem as acusações que contra ele pesavam. Apesar dos juízes terem afastado qualquer responsabilidade sua pela anexação da Áustria, era patente que ele agira ativamente nas atrocidades cometidas na Holanda.

Foi, portanto, condenado em todas as acusações e sentenciado à forca.

v) Albert Speer – certamente a figura mais controversa de todo o julgamento, ao lado de Goering, Speer fora Ministro dos Armamentos entre 1943 a 1945 e, nessa posição, responsável por toda a economia da Alemanha durante a guerra, especialmente pela utilização de trabalho escravo e a pilhagem de matérias-primas dos países ocupados. Era, ainda, um dos amigos mais próximos de Hitler.

Durante o julgamento, foi o primeiro dos réus (e o mais incisivo) a arrepender-se e a reconhecer seus erros. Admitiu que de fato solicitara trabalhadores estrangeiros, os quais eram levados à Alemanha à força, mas provou que sempre agira para garantir-lhes as mínimas condições de sobrevivência (e, indiretamente, culpou Sauckel pela desobediência a essas garantias). Outrossim, seu advogado, ao perceber que todo o caso contra Speer se apoiava no uso de trabalho escravo, trouxe à tona o fato relevante que a União Soviética (da qual originava-se a maioria dos trabalhadores escravos) não aderira às Convenções de Genebra e, portanto, a Alemanha não estava obrigada a tratar os cidadãos soviéticos segundo os ditames desse tratado.

A verdade no caso de Speer é que tanto a Promotoria quanto os juízes não estavam inclinados a compará-lo aos mais cruéis réus sentados no banco em Nuremberg. A Promotoria tinha ciência que Speer poderia auxiliar os Aliados com informações vitais no campo da tecnologia. Já os juízes mostraram-se solícitos com a aparente espontaneidade com que Speer denunciava, durante seu interrogatório, suas próprias atitudes criminosas e as de seus colegas.

Mesmo assim, Speer não conseguiu afastar sua responsabilidade pelos maus-tratos a que foram submetidos milhões de trabalhadores escravos. Na sentença mais controversa do Tribunal, foi condenado a 20 anos de prisão, pelas acusações 1 e 2.[178]

x) Constantin von Neurath – Ministro das Relações Exteriores antes de von Ribbentrop, von Neurath teve papel importante durante os primeiros estágios da expansão territorial alemã. Em 1938, porém, foi demitido do Ministério e realocado como Reichsprotektor da Boemia e Moravia (regiões da Tchecoslováquia anexadas à Alemanha), onde foi acusado de liderar perseguições a judeus e repressão a opositores.

A defesa, porém, conseguiu refutar grande parte das acusações que pesavam contra ele. Von Neurath foi pintado como um homem constantemente ludibriado por Hitler, e que em nenhum momento expressou concordância com as ordens que recebia, apesar de executá-las, ainda que de má vontade.

O Tribunal, ao examinar seu caso, viu-se diante de um homem acusado por pequenas condutas em um quadro amplo. Von Neurath havia ordenado execuções, bem como havia participado de reuniões com Hitler em que este planejara invasões e ocupações. Não havia, contudo, prova de sua vontade em cometer os crimes dos quais era acusado. E, ainda quando as provas de seu envolvimento em atrocidades eram irrefutáveis, os juízes perceberam que “se pedia ao Tribunal que atribuísse grande importância [a crimes menores] quando, em toda a sala de sessões, pairava a sombra de milhões de vítimas que, em outros lugares, tinham sido enviadas a túmulos anônimos com a ajuda de métodos mais diabólicos de extermínio.”[179]

Foi, então, condenado em todas as quatro acusações, mas sentenciado a 15 anos de prisão.[180]

y) Hans Fritzsche – de todos os 24 acusados, Fritzsche era certamente o de menor importância, a ponto de sua própria inclusão no julgamento ter se dado somente em razão de ser um dos poucos nazistas capturados pelos soviéticos. Fora diretor do Ministério da Propaganda, sob Josef Goebbels (e, assim, representava o temido chefe da propaganda nazista em Nuremberg), e dirigira um programa de rádio muito popular durante a guerra.

Sua absolvição era dada como certa antes mesmo do julgamento iniciar-se. Sua defesa sequer teve trabalho em provar que Fritzsche não participara de nenhuma atrocidade cometida pelos nazistas, mas somente atuara sob as ordens de Goebbels. Não havia prova sequer que conhecesse o planejamento de guerras de agressão ou da existência dos campos de concentração.

Terminou sendo absolvido, no que foi parabenizado por Goering, quando este saía da corte após receber sua sentença de morte: “Herr Fritzsche, o senhor de fato não pertencia a nosso grupo, e sinto-me sinceramente feliz com sua absolvição.”[181]

Sobre o autor
Marcos Rafael Zocoler

Advogado. Bacharel pela Universidade São Judas Tadeu .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZOCOLER, Marcos Rafael. O Tribunal Militar Internacional para a Alemanha – Tribunal de Nuremberg:: seu caráter de exceção e o princípio da legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3766, 23 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25599. Acesso em: 23 nov. 2024.

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